Protecionismo Judicial do Consumidor Bancário

Fonte: Mauro Sérgio Rodrigues

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Mauro Sérgio Rodrigues ( * )

A tônica da Constituição Financeira proclamada no dia 5 de outubro de 1988 é de proteção judicial do consumidor. Desde o preâmbulo, ao assegurar a instituição de um Estado Democrático 'destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias'.

Especialmente a proteção jurisdicional do consumidor bancário, segundo dicção dos artigos 5º, inciso XXXII(1), 170, inciso V(2) e 173, § 4º(3), ao destaca-lo como PRINCÍPIO da ORDEM ECONÔMICA.

Sem a presença deste consumidor especial o Sistema Financeiro Nacional ficará cego, mudo e surdo, sem nada produzir. Acaso o consumidor bancário e/ou financeiro tome drástica decisão de interromper apenas por um dia compras financiadas por bancos, cartões de crédito, deixar de contrair empréstimos de dinheiro, não utilizar o limite do cheque especial ou ficar sem firmar outros tipos de contratos de CRÉDITO, o SFN quebra. Alguns bancos, financeiras, empresas de cartões de crédito, leasing, consórcio, poderão sucumbir. Mas ninguém quer que evento tão danoso como este ocorra algum dia em nosso belo país. Pelo contrário, todos nós pretendemos que o Poder Judiciário, cumprindo com seu relevante papel constitucional de proteção e defesa do consumidor, mantenha-se firme nos debates judiciais sobre a excessividade bancária pondo os milhões de contratos celebrados em equilíbrio. Nada mais, além disso.

Infelizmente mais uma vez somos surpreendidos com edições de Súmulas pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça em sentido totalmente oposto ao protecionismo judicial do consumidor bancário, data venia.

Senão vejamos:

O Verbete 379, apregoa: Nos contratos bancários não regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser fixados em até 1% ao mês. Aparentemente parece cuidar-se de medida protetiva do consumidor bancário, mas não é porque o entendimento firmado pela Colenda Segunda Seção do STJ, segundo eminentes Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti, Luis Felipe Salomão, Carlos Fernando Mathias, Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior, Nancy Andrighi - relatora e Massami Uyeda presidente daquela seção, trilha r. entendimento admitindo cumulação dos juros moratórios com outros encargos.

Os v. acórdãos paradigmas que permitiu frutificação desta súmula, são: REsp 402483-RS, REsp 400255-RS e REsp 1061530. O primeiro permite cobrança, após o vencimento da obrigação, de juros remuneratórios à taxa média de mercado e até o limite do contrato cumulada com moratórios até 1%. O segundo, consagra que as empresas de cartões de crédito são instituições financeiras e não sofrem limitação de remuneração imposta pelo Decreto 22.626/33 - lei da usura. O terceiro, julgado pela c. Segunda Seção do STJ em 22 de outubro de 2008, publicado em 10.3.09, admitiu incidente de processo repetitivo nos termos do artigo 543-C, § 7º do CPC, para proclamar as seguintes orientações STJ: ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS: a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. ORIENTAÇÃO 2 - CONFIGURAÇÃO DA MORA: a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora; b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual. ORIENTAÇÃO 3 - JUROS MORATÓRIOS: Nos contratos bancários, não-regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês. ORIENTAÇÃO 4 - INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES: a) A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: i) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito; ii) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; iii) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz; b) A inscrição/manutenção do nome do devedor em cadastro de inadimplentes decidida na sentença ou no acórdão observará o que for decidido no mérito do processo. Caracterizada a mora, correta a inscrição/manutenção. ORIENTAÇÃO 5 - DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO: É vedado aos juízes de primeiro e segundo graus de jurisdição julgar, com fundamento no art. 51 do CDC, sem pedido expresso, a abusividade de cláusulas nos contratos bancários. Vencidos quanto a esta matéria a Min. Relatora e o Min. Luis Felipe Salomão.

A Súmula 380 enuncia: A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor. Os REsp 527618 do ministro Cesar Asfor Rocha, Resp 1.061.530, relatado pela ministra Nancy Andrighi, e o REsp 1.061.819 de relatoria do ministro Sidney Beneti, dão suporte a este novo entendimento jurisprudêncial.

E a Súmula 381: com seguinte texto: Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas, de iniciativa do eminente ministro Fernando Gonçalves.

Como se vê, a causa do consumidor bancário em Juízo ficou relevada a condição de somenos, totalmente irrelevante, abandonada e desprezada, dando impressão de que o consumidor bancário é a causa do insucesso bancário neste país ou da quebra contumaz dos contratos.

O STJ sinaliza para os bancos e tenta incutir à sociedade que os contratos bancários brasileiros são desprovidos de excessos ou abusos de qualquer natureza, a tal ponto de impedir que os juízes de primeiro grau de jurisdição fiquem impedidos de conhecê-los ex officio na forma assegurada pelo artigo 1º(4), da Lei 8.078/90, por se tratar de normas de ordem pública e interesse social. Faltou muito pouco para o STJ elevar os contratos bancários nacionais à estatura e autoridade de documento sagrado, como as Epístolas do Apóstolo Paulo.

Permissa maxima venia, o entendimento manifesto nesses verbetes a pretexto de promover "julgamentos de baciada", visando acelerar a prestação jurisdicional, não representa o anseio do consumidor bancário lesado diuturnamente pelos contratos bancários. Não é o que a sociedade brasileira espera de sua Colenda Corte Superior da Cidadania. O jurisdicionado, o pequeno empresário, o produtor rural, só tem no Poder Judiciário como sua fonte de amparo e proteção das mazelas que suporta dos contratos bancários.

Porque alguns poucos usam da Ação Revisional para driblar contratos indimplidos, esta circunstância não pode servir para aquinhoar todos os consumidores bancários de maus pagadores como faz crer o entendimento do preclaro Ministro Cesar Asfor Rocha no julgamento do REsp 527618: A recente orientação da Segunda Seção desta Corte acerca dos juros remuneratórios e da comissão de permanência (REsp's ns. 271.214-RS, 407.097-RS, 420.111-RS), e a relativa freqüência com que devedores de quantias elevadas buscam, abusivamente, impedir o registro de seus nomes nos cadastros restritivos de crédito só e só por terem ajuizado ação revisional de seus débitos, sem nada pagar ou depositar, recomendam que esse impedimento deva ser aplicado com cautela, segundo o prudente exame do juiz, atendendo-se às peculiaridades de cada caso, fonte de orientação normativa do STJ.

O comando constitucional e legal é de protecionismo judicial do consumidor bancário, não dos bancos, data venia.



Notas:

* Mauro Sérgio Rodrigues. Advogado. [ Voltar ]

1 - XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. [Voltar]

2 - Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

V - defesa do consumidor. [Voltar]

3 - Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

[...]

§ 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. [Voltar]

4 - Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias. [Voltar]

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1 Comentários

lilian mozardo advogada29/05/2009 13:04 Responder

Comungo da mesma opinião do colega. Fiquei indignada quando tomei conhecimento da súmula e imediatamene tive a sensação de que mais uma vez tentam rasgar o CDC e que, às vezes, andamos um passo à frente e dez para trás. O CDC é uma das melhores leis que nós temos, foi pensada, discutida, analisada por pessoas do escol de Ada Pelegrini Grinover (só para ficar num exemplo), além de todos os setores importantes da sociedade. Fruto de grandes lutas, o CDC enfrentou uma batalha até para "nascer", já que sofreu fortes lobbes no Congresso Nacional na tentativa de abortá-lo, o que felizmente foi contornado. Depois os bancos se insurgiram contra o artigo 3º da lei, sob o argumento de que o CDC não se aplica às relações bancárias, o que também felizmente foi rechaçado pelo judiciário. Agora é o próprio judiciário quem diz que o artigo 1º do CDC, que proclama tratar-se de diploma de ordem pública e interesse social só o é para outros setores da sociedade que não os banco. É decepcionante!

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