Prisão de brasileiro mostra abusos autorizados por lei

Dias depois de vir à tona a política antiterrorismo dos Estados Unidos e o envolvimento dos britânicos, o governo do Reino Unido foi chamado a prestar contas ao Parlamento. William Hague, secretário de Estado, afirmou categoricamente que todo o trabalho das agências de inteligência é feito dentro da lei. A mesma declaração pode agora ser usada para explicar a detenção do brasileiro David Miranda por nove horas no aeroporto de Heathrow, em Londres

Fonte: Agência Brasil

Comentários: (0)




A lei antiterrorismo britânica, chamada de Terrorism Act 2000, autoriza que uma pessoa seja detida e questionada por até oito horas nas áreas de trânsito internacional dos aeroportos do Reino Unido. Nesse tempo, o detido é obrigado a responder a todas as perguntas e colaborar com a Polícia, sob o risco de ser preso. Pode falar com um advogado e avisar alguém da família, mas apenas pelo telefone. Seus pertences pessoais, computadores e celulares podem ser escrutinados sem qualquer pudor pelos oficiais. Uma vez encerrada essas oito horas, o detido precisa ser formalmente acusado ou é liberado, como aconteceu com Miranda.


O brasileiro foi detido no aeroporto enquanto tentava embarcar de volta para o Rio de Janeiro, onde mora com seu companheiro, o jornalista Glenn Greenwald. Foi Greenwald o autor da série de reportagens que revelou, com base em informações vazadas pelo ex-agente da CIA (agência de inteligência americana) Edward Snowden, a devassa na vida privada dos cidadãos que os americanos são capazes de fazer e as práticas antiterror também adotadas pelos ingleses. A detenção de Miranda chocou a imprensa internacional e foi classificada de uma tentativa de intimidação. Mas, na parte jurídica, o que chama mais atenção é a existência de uma lei que dê tantos poderes à Polícia e quase nenhum direito ao cidadão.


O Terrorism Act 2000 foi aprovado no Reino Unido em julho de 2000, antes dos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos. A lei acabou servindo bem à guerra contra o terror e o governo britânico se vangloriou de, com base nela, ter frustrado novos ataques terroristas. O problema é que a ânsia de garantir a segurança nacional tem atropelado garantias fundamentais, como privacidade e liberdade.


O ponto mais polêmico da lei já não existe mais. Era o artigo 44, que permitia que a Polícia parasse, revistasse e interrogasse rapidamente qualquer pessoa na rua, sem qualquer suspeita. A prática é chamada de stop and search. Para isso, bastava que a própria Polícia ou a Secretaria do Interior definisse uma área e um período de tempo. Qualquer um que circulasse pelo lugar definido dentro do tempo estabelecido podia ser revistado. Não havia qualquer limitação. A área podia abranger toda a região central de Londres e o tempo podia ultrapassar os 12 meses.


O poder indiscriminado da Polícia durou mais de 10 anos. Durante o período, a Polícia foi acusada de racismo, já que os números apontam que o principal alvo das operações de stop and search eram os imigrantes árabes e negros. Em 2010, a pressão para o governo mudar a legislação aumentou. A Corte Europeia de Direitos Humanos considerou que o tal artigo 44 ofendia direitos fundamentais dos cidadãos (clique aqui para ler a decisão em inglês). Em 2011, o dispositivo foi substituído pelo artigo 47A. A partir de então, as operações só podem ser conduzidas quando existirem suspeitas fundamentadas de ameaças terroristas.


O brasileiro David Miranda escapou do artigo 44, mas foi pego por outro dispositivo bastante similar da lei antiterrorismo britânica: o artigo 47, que garante à Polícia basicamente os mesmos poderes que o 44, só que dentro dos aeroportos. Na área internacional de embarque e desembarque, os oficiais podem deter e interrogar uma pessoa ainda que não tenham qualquer suspeita de estar envolvida com atividades terroristas. E podem fazer isso por oito horas seguidas, isolando o interrogado de contato com o mundo.


O dispositivo está em vigor desde 2000 e é curioso que, até hoje, existam poucas decisões judiciais sobre ele. Em maio deste ano, a Corte Europeia de Direitos Humanos aceitou julgar a reclamação de um cidadão britânico que ficou detido no aeroporto de Heathrow por algumas horas depois de voltar de uma peregrinação à Meca. No Reino Unido, tramita no Parlamento um projeto de lei que pretende restringir o tempo que a Polícia pode interrogar uma pessoa no aeroporto. Das oito horas, deve cair para seis. Com a detenção de David Miranda, a expectativa é que as pressões para modificar a legislação aumentem.

Palavras-chave: prisão brasileiro abuso poder lei antiterrorismo

Deixe o seu comentário. Participe!

noticias/prisao-de-brasileiro-mostra-abusos-autorizados-por-lei

0 Comentários

Conheça os produtos da Jurid