O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana no arbitramento da indenização por dano moral

Giuliano Cavalcanti Soares, advogado, inscrito na OAB/CE sob o nº 20437, pós-graduado em Direito e Processo Tributário pela Universidade de Unifor - UNIFOR. E-mail: giulianocavalcanti@yahoo.com.br.

Fonte: Giuliano Cavalcanti Soares

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Giuliano Cavalcanti Soares ( * )

INTRODUÇÃO:

O presente tema, tem por finalidade defender o entendimento de que é discriminatória a indenização em danos morais, quando se é considerada, no corpo da sentença, a capacidade da vítima, afrontando assim, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

1 - A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO:

A dignidade humana é valor central da cultura e do direito ocidentais pela sua fundamentação na liberdade individual e proteção à personalidade. Na esteira do magistério de Peces-Barba Martinez (2003, p. 11), pode-se dizer que a importância do princípio da dignidade da pessoa humana é decisiva para o direito, pois, em todos os ramos jurídicos, podem ser encontradas razões parciais que justificam este relevo normativo. Tratando-se de uma resposta tanto ao movimento jusnaturalista, quanto às construções positivistas que debilitaram as referências morais do fenômeno jurídico, a luta pela dignidade humana expressa a própria afirmação dos direitos fundamentais do cidadão.

Embora o primado da dignidade da pessoa humana já pudesse ser depreendido da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, fruto da Revolução Francesa, e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas de 10 de dezembro de 1948, a sua positivação constitucional só foi ocorrer com o advento da Lei Fundamental Alemã de 1949, que preceituava, que a dignidade do homem é intangível e os poderes públicos estão obrigados a respeitá-la e protegê-la. A partir deste momento, o princípio da dignidade da pessoa humana passou a ser exteriorizado como princípio do constitucionalismo ocidental.

Na Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana foi elevado ao patamar de fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III), integrando a categoria dos princípios fundamentais, ao lado de outras normas principiológicas, a saber: princípio republicano, princípio do Estado Democrático de Direito, princípio federativo, princípio da separação de poderes (arts. 1º e 2º), objetivos fundamentais da República (art. 3º), e os princípios que orientam as relações internacionais (art. 4º).

A inserção do princípio da dignidade da pessoa humana no Título I, como fundamento da República Federativa do Brasil, demonstra a sua precedência,sobre todos os demais capítulos constitucionais.

Maurício Antônio Ribeiro Lopes(1998,p.115), assim escreve:

" À evidência que a idéia de dignidade da pessoa humana, no sentido de um Estado Democrático de Direito, compreende status objetivo, material, consistente no pleno acesso às condições necessárias para a promoção de um sentimento pessoal de satisfação e da garantia material fortemente esenvolvida também no plano da consciência individual e social de que os direitos fundamentais do homem prevalecem sobre as exceções arbitrárias e irrazoáveis."

Ingo Wolfgang Sarlet(2001,p.104) define a dignidade,juntamente com a vida,como valor e norma jurídica de maior relevo na arquitetura Constitucional pátria.Em suas lições aduz que:

"Nada impede que se busque com fundamento direto na dignidade da pessoa humana,a proteção mediante o reconhecimento de posições jurídico-subjetivas fundamentais da dignidade contra novas ofensas e ameaças,em princípio não alcançadas, ao menos não expressamente, pelo âmbito da proteção dos direitos fundamentais já consagrados no texto constitucional".

Na linha de Ana Paula de Barcellos(2002,p.27-28), ao ser juridicizado a dignidade,são lhe concedidas duas qualificações pelo instrumental do direito constitucional: a existencial e a operacional.Aquela tem o objetivo de proteger o princípio fundamental de qualquer forma de restrição ou supressão com cláusula pétrea; da ótica operacional, o princípio é dotado de eficácia jurídica positiva e de sindicabilidade judicial, tanto mais relevante quanto for a circunstância regulada pela norma.

2 - DO DANO MORAL E A DOUTRINA DO "PUNITIVE DAMAGES"

O dano moral é justamente a reparação consequente à violação de um dos direitos da personalidade.O tabelamento afeta a dignidade em no mínimo dois sentidos: 1-por retirar o caráter eminentemente subjetivo e variável da ofensa e 2- por banalizar a dignidade do ser humano.

A propósito, anote-se que, a Constituição assegura direito de indenização por violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. É, em síntese, enfatize-se, a indenização por dano moral, cujo conceito, evidentemente, ampliou-se em muito no regime da nova lei fundamental. Na concepção clássica, como se recorda, esse dano se caracterizava pela ofensa à honra do ofendido ou de sua família, por restrições à sua liberdade ou, ainda, por violação que afetasse a sua profissão.

Durante muito tempo, como bem sabido, discutiu-se sobre a possibilidade de indenização, por decorrência de tal dano. A doutrina, contudo, foi-se inclinando por aceitá-la.

E, observa Rui Stoco(1980,p.24) que os danos morais "são apensos aos direitos da personalidade, assim como o direito à imagem constitui um direito de personalidade, ou seja, àqueles direitos da pessoa sobre ela mesma, no dizer de Teresa Aurora ".

A rigor, a indenização por dano moral trata-se mais de uma compensação do que propriamente de ressarcimento (como no dano material), até porque o bem moral não é suscetível de ser avaliado, em sua precisa extensão, em termos pecuniários.

O fato é que se vive hoje um novo tempo no direito, quer com o reconhecimento (e mais do que isto, como garantia constitucional) da indenização por dano moral, quer - e aí com revelação de certa perplexidade - no concernente à sua fixação ou avaliação pecuniária, à míngua de indicadores concretos.

Há, como bastante sabido, na ressarcibilidade do dano em destaque, de um lado, uma expiação do culpado e, de outro, uma satisfação à vítima.

Maria Celina Bodin de Moraes(2003),leciona que se a reparação da lesão pretende compensar o ofendido e punir o ofensor,o resultado prático será inócuo nos dois sentidos.A função compensatória não será capaz de anestesiar o sofrimento do indivíduo, e a punição estimulará o ofensor a reincidir, muitas vezes calculando o custo-benefício da conduta ilícita, sobremodo os grandes meios de comunicação, que não raramente descuidam em exercer o devido cuidado de verificar a veracidade dos fatos divulgados e impressos.

De forma tímida,mas crescente, a jurisprudência do STJ, vem aceitando o aspecto punitivo dos danos morais.Em vários julgados, colhe-se a menção à função punitiva e inibidora que a indenização deve ter,em ordem a evitar condutas semelhantes, conforme se depreende do julgamento dos REsp 183.508,Rel.Min.Sálvio de Figueiredo Teixeira,julgado em 05/02/02 e o 838.550, julgado em 14/02/2007.

"Punitive damages " (ao pé da letra, repita-se o óbvio, indenizações punitivas) diz-se da indenização por dano, em que é fixado valor com objetivo a um só tempo de desestimular o autor à prática de outros idênticos danos e a servir de exemplo para que outros também assim se conduzam.

Ainda que não muito farta a doutrina pátria no particular, têm-se designado as "punitive damages " como a "teoria do valor do desestímulo" posto que, repita-se, com outras palavras, a informar a indenização, está a intenção punitiva ao causador do dano e de modo que ninguém queira se expor a receber idêntica sanção.

Mas, a maior parte dos julgadores e doutrinadores entendem que a aplicação irrestrita das "punitive damages " encontra óbice regulador no ordenamento jurídico pátrio que, anteriormente à entrada em vigor do Código Civil de 2002, vedava o enriquecimento sem causa como princípio informador do direito e após a novel codificação civilista, passou a prescrevê-la expressamente, mais especificamente, no art. 884 do Código Civil de 2002.

Assim, o critério que vem sendo utilizado pelo STJ na fixação do valor da indenização por danos morais, considera as condições pessoais e econômicas das partes, devendo o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido e, também, de modo que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito.

Se a indenização não contém um ingrediente que obstaculize a reincidência no lesionar, se não forem desmanteladas as consequências vantajosas de condutas antijurídicas,se renuncia à paz social.A prevenção dos prejuízos, que constitui um objetvo essencial do direito de danos, ficaria como enunciado lírico,privado de toda e qualquer eficácia.

Esse raciocínio induz à plena convicção de que os cometedores de lesões à pessoa continuarão livres para continuar em sua faina agressiva, em total desrespeito ao valor humano, não dando a menor importância àquelas lesões diárias que tanto perturbam o ser humano.

É necessário que o Direito pátrio dote o operador jurídico de meios necessários para amenizar o sofrimento da vítima e dissuadir os potenciais ofensores da dignidade humana de prosseguirem no intento de causar dano extrapatrimonial.

3 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de haver e existir o respeito e a preocupação contra o enriquecimento indevido e a utilização dos elementos da moderação e ponderação nos julgados, entendemos e defendemos que, diante de um mundo cada vez mais globalizado e informatizado,o ofensor continua fazendo seus cálculos de custo-benefício,porque sabe que as indenizações não conseguem atingir seu objetivo de educar e "estancar" os ilícitos cometidos.Ao acontecer isto,quem sai prejudicado é a vítima,que mesmo não havendo ainda uma tabela para a indenização por danos morais, vê-se,implicitamente, "tabelado" com base nas decisões dos tribunais,ou seja, apesar de não existir oficialmente,encontramos em alguns Tribunais,uma tabela extra-oficial.

Em face dos abusos contínuos do agressor/ofensor para com a vítima, de condenações irrisórias que fazem "cócegas" diante da enorme capacidade do ofensor e que dificilmente lhe darão lição de que aquilo cometido é um ilícito e que não deve ser repetido, é que a doutrina do "Punitive Damages" deve ser mais utilizada pelos nossos magistrados e ministros,afim de se chegar a realização da Justiça.

4 - BIBLIOGRAFIA:

BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. Rio de Janeiro. Renovar.2002.

LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. A dignidade da pessoa humana: estudo de um caso. RT. São Paulo. nº 758, dez. 1998

MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. Rio de Janeiro. Renovar. 2003.

NETTO, Felipe P. Braga. Responsabilidade Civil. São Paulo. Saraiva. 2008.

PECES - BARBA, Gregório. La dignidad de la persona desde la Filosofia del Derecho. Madrid: Dykinson, 2003.

ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no código civil. São Paulo. Saraiva. 2005.

SANTOS, Antônio Jeová. Dano moral indenizável. São Paulo. RT. 2003.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre. Livraria do Advogado. 2001.

STOCO, Rui. O dano estético, São Pauto, RT, 1980.



Notas:

* Giuliano Cavalcanti Soares, advogado, inscrito na OAB/CE sob o nº 20437, pós-graduado em Direito e Processo Tributário pela Universidade de Unifor - UNIFOR. E-mail: giulianocavalcanti@yahoo.com.br. [ Voltar ]

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1 Comentários

Patrícia Toledo Advogada30/05/2009 12:24 Responder

Parabéns pelo brilhante artigo! O tema foi muito bem abordado, com a clareza e objetividade que merece.

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