Primeiras notas sobre custeio e benefício atrelados às contribuições sociais advindas de reclamatórias trabalhistas

Luciano Marinho de Barros e Souza Filho, Procurador Federal, Chefe do Setor de Cobrança e Recuperação de Crédito Trabalhista da Procuradoria Geral Federal em Recife/PE; Pós-graduado lato sensu em Direito Processual Civil pela UFPE; mestrando em Direito Processual Civil pela Universidade Católica de Pernambuco e Professor Universitário.

Fonte: Luciano Marinho Filho

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Luciano Marinho de Barros e Souza Filho ( * )

A tônica do presente texto é de forma ainda precária, inicial, setorizada e segmentada lançar alguns aspectos adstritos à arrecadação das contribuições previdenciárias no âmbito da Justiça do Trabalho. Outra finalidade do artigo é afastar o entendimento banal e distorcido que se tem acerca do tema, ou seja, apontando a autarquia previdenciária, a receita federal ou simplesmente o governo federal como "arbitrários" ou "usurpadores de direitos" de segurados da previdência social como se tais instituições se prestassem ao descumprimento de normativos e de ofensa aos direitos dos cidadãos.

De maneira direta e xucra podemos simplificar e dizer que a arrecadação das contribuições previdenciárias decorrentes de reclamatórias trabalhistas provém de duas situações: dos acordos homologados (onde por sobre o total ou algumas parcelas das remunerações transacionadas incidem contribuições sociais) ou decorrentes de sentenças trabalhistas sobre a(s) qual(is) o juiz fixou, a partir de elementos de convencimento, as verbas componentes de incidência de tributação.

Percebe-se de plano que a natureza da contribuição em si não se modifica. É dizer: as parcelas remuneratórias prestadas pelo trabalhador e elencadas nas leis de custeio (Lei n 8212/91, Decreto n 3048/99 e IN n 3 SRP) servirão de base de cálculo e cômputo da contribuição social (tanto por parte do empregado ou prestador autônomo como do empregador ou contratante).

Uma questão muito sensível à justiça especializada é perceber que muitas de suas decisões possuem no âmbito da administração pública um viés de cunho declaratório. Não servindo para, por si, constituir o benefício futuro dos obreiros. Essa questão já revelou pactos, súmulas e interpretações normativas que desgastaram as várias instituições envolvidas. O Instituto Nacional do Seguro Social, a Justiça Trabalhista, a antiga Secretaria da Receita Previdenciária são alguns dos partícipes dessas fracassadas tentativas de sistematização e busca de maior eficácia às decisões trabalhistas, mormente no reflexo futuro envolvendo benefícios aos segurados da previdência.

Os açodados - e aqui se incluem inclusive operadores do direito - numa leitura abstrata e duvidosa, já se insuflaram (e continuam a ser insuflar) cogitando de descumprimento judicial e interferência de poderes. Incitam disputas e exsurgem pendências na verdade sequer existentes entre instituições do Estado que, ao contrário, trabalham ou possuem finalidades justamente de promover melhorias para coletividade. Por isso o senso comum, imiscuído neste contexto de dúvida (real e provocada), com dose de razão profere aos quatro cantos afirmações inconsistentes do tipo: "mesmo sendo pago e reconhecido o vínculo trabalhista e previdenciário na esfera trabalhista não poderá o empregado espontaneamente se aposentar no futuro. O INSS vai recusar a decisão como constitutiva de direito e ele (segurado) terá de, novamente, buscar reparo junto, desta vez, à Justiça Federal. O INSS e a Receita Federal só pensam em arrecadar, pagar que é bom, nada".

Numa perspectiva lógico-aristotélica ou simplesmente global não são verdadeiras as assertivas acima. Na realidade, em algumas situações, o segurado obterá da previdência social resposta imediata (administrativa) de seus pleitos previdenciários, dispensando qualquer outro corolário judicial. Noutros, de fato, a assertiva se mostra verdadeira: o segurado não obtém da administração pública amparo direto, recaindo-se tal problema na Justiça Federal para constituição e condenação/mandamento posterior em desfavor da União (INSS) se for o caso de procedência de seus pleitos. O custo social, temporal e econômico desta assistematicidade é manifesta e promove estudos acadêmicos e governamentais no propósito de contornar este embaraço.

Duas indagações naturais que surgem são o porquê e quando a administração negará os benefícios ao segurado, tencionando, com tais respostas, minimizar a insegurança jurídica e permitir ações de contorno.

Em breve síntese, intuito propedêutico do presente artigo, pode-se antecipar que atualmente a execução de oficio das contribuições sociais pela Justiça Trabalhista e seu posterior efeito benéfico aos trabalhadores-segurados perpassa por um conglomerado de legislações bastante complexo: ora normas coincidentes, ora concorrentes, ora niilistas, ora ainda antitéticas. Os cortes epistemológicos das legislações constitucional, trabalhista e processual trabalhista, da legislação tributária e da legislação previdenciária consubstanciam o presente fenômeno aqui tratado. Ademais, inúmeros atos normativos secundários evoluem na regulamentação e circunvizinham as legislações afetas que possuem, em algumas nuanças, envergadura constitucional. Portanto, normas de toda hierarquia tanto consolidadas como heterotópicas de natureza material ou processual revestem o caso, tornando a sistematização e uniformização de condutas, a interpretação e a aplicação bastante dificultosos, mormente para um ramo do judiciário nunca afeto a matérias deste naipe.

Questões ínsitas a índole tutelar da justiça especializada, na nossa compreensão, parecem prejudicar também os recolhimentos à medida que promovem uma pluralidade de interpretações que, literalmente, comprometem a segurança jurídica dos alicerces normativos já naturalmente desvencilhados. Mais, elementos empíricos ou fáticos tornam o juiz laboral um elemento gerencial na lide proposta, conquanto nem sempre se aperceba ou lhe seja possível conciliar ou contornar passivos trabalhistas e previdenciários sobremodo sonegados. E o juiz se vê diante de uma encruzilhada insolúvel num contexto de realização. Quero dizer: é fato que em inúmeras situações o juiz entende impossível solver todas as dívidas afetas. Talvez, por isso, desatenda aos ditames mediatos ou previdenciários, desnaturando a contribuição social que por se configurar um tributo possua 'autonomia', 'intransigibilidade', 'publicidade', dentre outros atributos indispensáveis.

Elementos acessórios, embora indispensáveis na arrecadação da contribuição previdenciária também costumam ser negligenciados na esfera processual trabalhista, impossibilitando a administração pública, no futuro, efetuar a conferência dos importes transferidos a titulo de contribuição social quando tais créditos sequer possuem rastro identificado entre contribuintes, beneficiados e/ou o respectivo motivo dos recolhimentos efetuados. A obrigação tributária, muitas vezes, quando se perfaz corretamente não obedece aos ditames complementares.

Outros fatores de impedimento ou embargo à automação do custeio - na seara judicial trabalhista e concessão de benefício ao segurado na via administrativa - são as parcelas discriminadas nem sempre condizentes com a realidade do labor prestado e, principalmente, os critérios de cálculos utilizados para implante de atualização, juros ou multas das contribuições previdenciárias. Isso porque métodos anacrônicos de cálculos e, naturalmente, persistentes, ainda são utilizados em inúmeras varas trabalhistas - decerto, frutos de elementos históricos os quais, a bem da verdade, nos primórdios da implantação da execução da contribuição social pela Justiça do Trabalho foram fundamentais aos ditames imediatistas na vigência da Lei 10.035/00 - entretanto, na atualidade, não mais correspondem aos ditames normativos, muito menos, às necessidades ou aos anseios Estatais, conformando, ao contrário, desafortunadamente, o que foi solução momentânea em entrave permanente. Os mais conservadores não se aperceberam tratar-se o critério de arrecadação pontual submetido ao "regime de caixa" e balizado na "sentença de liquidação" como marco inicial, por exemplo, tão somente, de mais uma etapa na concatenação da execução de ofício operada pela justiça trabalhista e não sistema definitivo ou correto de representação do fenômeno arrecadatório-tributário na espécie.

Note-se ainda que se por um lado a justiça obreira é sobremodo eficaz na execução dos créditos previdenciários, especialmente em função da celeridade e objetividade executiva; noutro diapasão, ela é tipicamente vista como inapropriada a tal mister, sobretudo quando se verifica ser passível de servir como instrumento legitimador de conluios, fraudes, sonegações e distorções tributárias. Essa última afirmação é um outro ponto de sensibilidade institucional, mas que merece ser frisado, visando ao fomento aperfeiçoador do sistema arrecadatório na busca de alternativas viabilizadoras e corretoras de imperfeições inatas.

Em apanhado, portanto, ressalte-se: (a) falhas no montante depositado (quantitativo ou qualitativamente) como se explicou acima; (b) ocorrência de distorções fático-comprobatórias (exo e endo)processuais - a despeito de declaradas válidas na seara trabalhista; (c) não obediência estrita a todas as legislações aplicáveis simultaneamente (seara constitucional, processual, tributária e previdenciária) são, quaisquer delas, hipóteses ilustrativas de possíveis requerimentos administrativos futuros fadados à inadmissibilidade ou à insuficiência de garantia na alçada administrativa, isto é, junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil (gestora do fundo previdenciário pela lei 11457/07) ou ao Instituto Nacional do Seguro Social, gerando indeferimento ou sonegação de benefícios a quem porventura lhe faça jus (segurado ou dependente).

Esses entraves pragmáticos são, em bom aspecto, naturais, face ao modelo e modus operandi improvisados e implantados com a Lei 10035/00. O aperfeiçoamento do sistema, até que se perfaça, promoverá, em maior e menor grau, distorção e injustiça, protegendo o mau pagador, o recalcitrante, o litigante contumaz. Isso porque tornar litigiosa e morosa a dívida passou a representar vantagem econômica.

Outro efeito negativo subseqüente é a tendência ao engendramento multiplicador (astronômico) de ações judiciais na especializada à medida que se torna mais "vantajoso" procrastinar o pagamento (sem juros ou multas, senão após toda delonga judicial), impedindo, concomitantemente, na prática, concessão futura de benefícios ao hipossuficiente - real prejudicado pela eventual e equivocada opção julgadora.

Como se sabe, os prolegômenos da tributação são incisivos: fato gerador, base de cálculo e alíquota, elementos da tributação, são, per si, intransigíveis e dispensam maiores pormenorizações. A execução da contribuição social possui uma marca ainda pouco discutida: a da autonomia do crédito trabalhista, mantendo com este apenas cunho processual incidental e vinculação material reflexa diante das espécies ou parcelas efetivamente prestadas quando do exercício do labor (hipótese de incidência e base de cálculo de tributação).

Da mesma sorte, quando existe vínculo empregatício reconhecido em carteira de trabalho e previdência social num processo trabalhista deve ocorrer automática execução da contribuição social incidente sobre todo o período clandestino reconhecido (assinado), inseridos ainda os juros e multas desde a prestação do labor - fato gerador do tributo, conforme o art. 876 da CLT (alterado pela Lei 11457/07). Principal e acréscimos indispensáveis, embora, nem sempre computados e que atinge quaisquer processos em curso porque, como se trata de alteração legal de índole processual, sua retroação é automática.

Em mais um pretexto vulgar e enumerativo frise-se: qualquer acordo é incapaz de alterar a base de cálculo de tributação que possui autonomia, vinculação e decorre de lei como já se afirmou.

Deve-se, por conseguinte, entender de uma vez por todas que o sistema previdenciário pátrio se estrutura apoiado no alicerce sinalagmático: fonte de custeio (contributividade) de um lado e, de outro, proporcionalmente, benefícios ou contraprestação de serviços aos vinculados. Qualquer ruptura nesta sistemática, por conseguinte, promove descompasso aritmético grave no fundo previdenciário, prejudicando, sempre, em última instância, seja administrativa ou judicialmente, o hipossuficiente - sujeito de tutela e fundamento maior, inclusive, da justiça especializada e tornando, na prática, em ocorrendo tal discrepância, com que decisões proferidas pelos juízos trabalhistas sejam meramente declaratórias. Assumir postura diversa é alimentar insidiosidades de maus empreendedores, remetendo ou transferindo responsabilidades indistintas ao Poder Público, que significa, em ultima razão, repartir tais ônus entre todos da sociedade que sequer tiveram qualquer assunção, participação ou vantagem nos acontecimentos jurídico-econômicos, fragilizando, em contramão, toda lógica do ordenamento jurídico e fornindo malversadores de toda ordem.

Notas Bibliográficas:

- CASTILHO, Paulo César Bária de. Execução de Contribuição Previdenciária pela Justiça do Trabalho. São Paulo, RT, 2005;

- FELICIANO, Guilherme Guimarães. Execução de Contribuições Sociais na Justiça do Trabalho. São Paulo, Ltr, 2002;

- KERTZMAN, Ivan; CYRINO, Sinésio (Organizadores). Leituras Complementares de Direito Previdenciário. Salvador, Jus Podivm, 2007;

- MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. São Paulo, Atlas, 2002;

______. Execução da Contribuição Previdenciária na Justiça do Trabalho. São Paulo, 2001;

- MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002;

- SILVA, Maria Goreti Monteiro da. INSS é beneficiado pela "Super Receita" -Lei n 11457, de 16 de março de 2007. In Suplemento Trabalhista, n 078. São Paulo, LTR, 2007, pp. 329-331.

Recife, 03 de março de 2008.


Notas:

* Luciano Marinho de Barros e Souza Filho, Procurador Federal, Chefe do Setor de Cobrança e Recuperação de Crédito Trabalhista da Procuradoria Geral Federal em Recife/PE; Pós-graduado lato sensu em Direito Processual Civil pela UFPE; mestrando em Direito Processual Civil pela Universidade Católica de Pernambuco e Professor Universitário. [ Voltar ]

Palavras-chave: benefício

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04/08/2008 17:07 Responder

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