Posse 2004: Barros Monteiro diz que Justiça no Brasil passa por momento grave

Raphael de Barros Monteiro disse que a Justiça no Brasil passa por um momento grave.

Fonte: Notícias do Superior Tribunal de Justiça

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O ministro Raphael de Barros Monteiro, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), durante discurso de posse do novo presidente do STJ, ministro Edson Vidigal, e do vice-presidente do tribunal, Sálvio de Figueiredo, disse que a Justiça no Brasil passa por um momento grave. Segundo o ministro Barros Monteiro, que falou em nome dos ministros do STJ, "há tempos, ouve-se falar dessa situação inquietante, que, em essência, é mais uma crise do Estado do que um dos Poderes da União, especificamente".

Para Barros Monteiro, essa situação já fora constatada pelo ministro Antônio de Pádua Ribeiro, quando assumiu a Presidência do STJ, em 2 de abril de 1998. Na avaliação do ministro Barros Monteiro, as palavras proferidas por Pádua Ribeiro, naquela ocasião, "mantêm ? como se pode facilmente notar ? inteira atualidade e, nesse quadro, preciso é preservar-se a todo custo a independência do Poder Judiciário, capaz de exercer com presteza as suas funções, pois somente assim se estará assegurando a plenitude do Estado Democrático de Direito".

Roberto Cordeiro
(61) 319 6530

A seguir a íntegra do discurso do ministro Barros Monteiro feito há pouco na cerimônia de posse do Presidente do STJ, ministro Edson Vidigal, e do Vice-presidente do tribunal, Sálvio de Figueiredo.

"Quando, há poucos dias, o Presidente Nilson Naves comunicou-me que, pela ordem de antiguidade no Tribunal, tocava-me a incumbência de saudar os eminentes Ministros empossandos, Edson Carvalho Vidigal e Sálvio de Figueiredo Teixeira, respectivamente nos cargos de Presidente e Vice-Presidente desta Corte, despontou-me de logo o momento grave por que passa a Justiça no Brasil.

Há tempos, ouve-se falar dessa situação inquietante que, em essência, é mais uma crise do Estado do que de um dos Poderes da União, especificamente. Ao tomar posse na Presidência desta Casa, em 2 de abril de 1998, o ilustre Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, com a lucidez que lhe é peculiar, observava: "não há negar que a crise do Estado atinge o Judiciário. A desestruturação da previdência social e a excessiva alteração da política econômica, tributária e, também, de pessoal ocasionam um número incomensurável de causas a abarrotar os Juízos e Tribunais. De outra parte, a legislação é promulgada e alterada a todo momento, gerando insegurança jurídica e dificultando o trabalho do Judiciário. Sem se reorganizar o Estado com a reforma política e a reforma dos Poderes Executivo e Legislativo, adequando textos constitucionais próprios do regime parlamentarista ao presidencialista, e sem se dar maior estabilidade à legislação, difícil será conceber-se um Judiciário que atenda, com eficiência, ao povo brasileiro".

Essas palavras mantêm ? como se pode facilmente notar ? inteira atualidade e, nesse quadro, preciso é preservar-se a todo custo a independência do Poder Judiciário, capaz de exercer com presteza as suas funções, pois somente assim se estará assegurando a plenitude do Estado Democrático de Direito.

Dentre os princípios fundamentais sobre os quais assenta o Estado brasileiro está o da separação dos poderes.
A par de erigido como cláusula intangível (art. 60, § 4º, inciso III, da CF), é incisiva a Lei Maior ao estabelecer que "são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário" (art. 2º).

Montesquieu, em seu clássico "Espírito das Leis", salientara que "também não há liberdade se o Poder Judiciário não está separado do Legislativo e do Executivo. Se estivesse unido ao Poder Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário: porque o juiz seria legislador. Se estivesse ligado ao Poder Executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo indivíduo ou a mesma coletividade de principais, ou de nobres, ou do povo, exercessem, acumuladamente, esses três poderes: o de legislar, o Executivo e o de julgar os crimes e desavenças entre os particulares". Em suma, conforme a sua formulação inspiradora da Ciência Política e do constitucionalismo moderno: "para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder refreie o poder".

"Legislar, administrar e julgar são funções distintas, exigindo qualidades e aptidões também diversas, exercendo-se em condições peculiares a cada uma, em atmosfera especial, possuindo cada uma o seu ?gênio próprio", advertia o saudoso Prof. Meirelles Teixeira, para quem ainda, concluindo o seu pensamento, "a função judiciária supõe alta competência técnica, independência absoluta, um elevado e especial sentimento de justiça". O Ministro Pedro Lessa bem lembrava que, cronologicamente, é o Judiciário o primeiro poder que aparece na sociedade, pois é pela administração da Justiça que se satisfaz a primeira necessidade social sentida pelas primitivas agremiações humanas, quando ainda não existiam normas jurídicas, sequer os chefes das tribos conservavam, em tempo de paz, os seus poderes de comando.

Não obstante todos esses aspectos, o que se constata nos dias atuais é o menoscabo, um clima de desconfiança em relação à Justiça de um modo geral, o que culminou na Proposta de Emenda Constitucional n. 29/2000, ora em tramitação no Senado Federal. Tal como se está a anunciar, a Reforma de que tanto se espera não virá a contribuir ao aperfeiçoamento do Sistema Judiciário brasileiro, ou seja, conferir-lhe a agilidade necessária no exercício da função que lhe é ínsita ? a entrega da prestação jurisdicional.

Assume relevo aí o propósito de instituir-se o Conselho Nacional de Justiça, composto de quinze membros, sendo seis deles, porém, estranhos ao Poder Judiciário. O Supremo Tribunal Federal, este Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Superior do Trabalho, o Superior Tribunal Militar, a Associação dos Magistrados Brasileiros, dentre outras entidades, já se pronunciaram contrariamente a essa composição passível de comprometer, no futuro, a independência dos Magistrados. Com efeito, ao mais das vezes, imbricam-se de tal maneira a conduta pessoal do Juiz e o teor de suas sentenças, de modo a impossibilitar a dissociação perfeita entre a sua atuação puramente jurisdicional, de um lado, e administrativa, de outro. Não se é contra a criação de um órgão que exerça a supervisão administrativa e orçamentária do Poder Judiciário, que conceba estratégias de planejamento, visando sempre à melhoria dos serviços prestados pela Justiça, mas que seja ele integrado, exclusivamente, por membros pertencentes aos quadros do Judiciário, conforme se pronunciou por expressiva maioria esta Casa, há poucos dias.

Paulo Bonavides, em sua obra "Do País Constitucional ao País Neocolonial", anota de início que "dos órgãos de soberania que compõem o poder do Estado, o mais vulnerável, o mais exposto às vicissitudes da organização política, o mais sujeito a reparos, nem sempre justos, é, por sem dúvida, o Poder Judiciário. Chave de todos os equilíbrios sociais suscetíveis de afiançar a estrutura de uma sociedade livre, aberta e democrática, acha-se ele, todavia, no centro de uma das piores crises que estão a convelir o princípio da separação de poderes". Após referir-se também à crise do Estado e, neste do Poder Executivo, seu ramo hegemônico, o emérito constitucionalista conclama o fortalecimento do Poder Judiciário por todos os meios possíveis, pois um Judiciário forte é a primeira salvaguarda da democracia.

É essa a perspectiva que se abre com um novo período de administração do Superior Tribunal de Justiça. A área jurídica, ao reverso do que tem acontecido, deve reunir esforços no sentido de conferir melhor estrutura aos aparelhos judiciários; simplificar e racionalizar o sistema de recursos; fortalecer os Juizados Especiais; tornar célere e eficaz o processo de execução, hoje, verdadeira semeadura de numerosos incidentes que conduzem ao alongamento exasperante das causas judiciais.

Deixa, hoje, a Presidência desta Casa o ilustre Ministro Nilson Naves que, altiva e galhardamente, cumpriu a árdua missão de conduzir por dois anos os seus destinos. Procurou S. Exa., com denodo, sustentar o prestígio do Poder Judiciário e, em especial, do Superior Tribunal de Justiça, dando ênfase ao seu compromisso de aproximar cada vez mais a Justiça do cidadão. Buscou a harmonia e o entendimento para encontrar a solução dos problemas, particularmente no que diz com a apregoada Reforma do Judiciário. A Corte tributa-lhe ? agora e sempre - as merecidas homenagens.

O dia é festivo, como não poderia deixar de ser, com a posse de dois eminentes membros deste Tribunal Superior.

O Ministro Edson Vidigal, nosso novo Presidente, muito cedo revelou os seus pendores, bem assim os traços de sua marcante e multifária personalidade. Aos quatorze anos já era repórter policial. Logo, elegeu-se Vereador à Câmara Municipal de Caxias-Maranhão, sua cidade natal, onde foi líder da oposição. Ainda não tinha vinte anos, quando, em 14 de abril de 1964, foi preso e cassado no início do regime militar. Jornalista, Advogado, Professor de Direito Penal e de Direito Eleitoral na UnB, Professor da Escola Superior da Magistratura do Estado do Maranhão, membro da Academia Maranhense de Letras, Analista-Consultor no projeto-piloto do Serviço para Processamento de Dados (SERPRO) para a informatização do processo eleitoral no País. Há de lembrar-se ainda um aspecto peculiar em sua carreira profissional: ocupou cargos nos três Poderes da República: além de Deputado Federal pelo Estado do Maranhão, exerceu as funções de Assessor Especial da Presidência da República para assuntos do Judiciário e do Ministério Público e, ainda, de Consultor Jurídico do Ministério dos Transportes; foi nomeado Ministro do Tribunal Federal de Recursos em 9.12.1987, de onde foi guindado ao cargo de Ministro desta Corte, quando de sua instalação aos 7.4.89; foi membro do TSE, tendo exercido naquela Corte o cargo de Corregedor-Geral Eleitoral. Qualificações não lhe faltam, pois, para exercer com plenitude e desenvoltura o alto cargo em que agora está sendo investido.A sua experiência de vida e profissional muito contribuirá para a presteza e o aperfeiçoamento dos trabalhos nesta Corte.

Ao proceder à saudação, em cerimônia similar a esta, no dia três de abril de 2000, o Ministro Eduardo Ribeiro acentuara que a assunção do então novo Presidente da Corte, Ministro Paulo da Costa Leite, representava a certeza de que continuaria S. Exa. conduzindo, tanto quanto os seus antecessores, o Colegiado com todo o desassombro possível. O mesmo é de dizer-se agora do Presidente Edson Vidigal: as atitudes firmes de S. Exa., já de todos conhecida, garantirão a independência do Poder Judiciário e a preservação do Estado democrático de Direito. S. Exa. já proclamou, em alto e bom som, que pretende trabalhar pela harmonia no Tribunal, pela coesão interna, pela transparência meridiana de seus atos, assumindo o compromisso de ser o intérprete do consenso, da vontade majoritária da Corte.

O nosso Vice-Presidente é o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, decano da Quarta Turma e há quase quinze anos trabalhando incansavelmente nesta Casa pela melhoria da prestação jurisdicional, de que são exemplos, de sua iniciativa e de outros companheiros, os diversos projetos de lei no campo do Direito Processual, os quais vieram a tornar-se lei em razão de seu contínuo labor. O Ministro Sálvio não é somente Magistrado de escol: tem exercido tantas atividades, tais como, a de professor, escritor, exímio orador, articulista, que fica difícil destacar uma delas. Uma inclinação, porém, é evidente: a vocação de Juiz. Sálvio é sem dúvida um Juiz vocacionado, conforme mostra a sua ascensional e exuberante carreira de Magistrado. O Superior Tribunal de Justiça não pode prescindir de seu talento e de sua participação, mais ainda, agora, quando se visualiza para breve a criação da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrado, a ter funcionamento junto a esta Corte. Ninguém melhor do que S. Exa. para dar seguimento à entidade por ele concebida e da qual foi sempre o principal catalizador.

Ambos, os Ministros Edson Carvalho Vidigal e Sálvio de Figueiredo Teixeira, com a permanente e próxima colaboração de suas esposas, Eurídice e Simone, mais os queridos familiares, descortinarão os novos tempos, conduzirão com certeza o Superior Tribunal de Justiça ao justo lugar que deve ocupar no cenário jurídico nacional. Ao falar sobre o papel do jurista, o Prof. Spencer Vampré, citado por Goffredo Telles Junior, enfatizara:
"Como ao velho poeta do Lácio, nada de humano é estranho ao jurista contemporâneo; sonda, por isso, no horizonte, as nuvens que se adensam, perscruta, no fundo das águas, as correntes ocultas, para que a grande nau da justiça humana singre segura até o porto de salvamento".

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