Os EUA e os monistas hipócritas

Milton Silva de Vasconcellos, Acadêmico de Direito da FABAC (Faculdade Baiana de Ciências). Artigo elaborado em janeiro/2007.

Fonte: Milton Silva de Vasconcellos

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Milton Silva de Vasconcellos ( * )

A Convenção de Genebra é um acordo internacional que estabelece limites humanitários para ações de guerra. Traz como objetivos principais a diminuição do sofrimento de combatentes feridos ou doentes, estabelecendo padrões éticos e humanitários em situação de conflito.

Este breve conceito da Convenção de Genebra tem sua explicação nas constantes violações dos EUA, às normas internacionais. Trata-se da institucionalização da hipocrisia, pois quando conveniente, os EUA são os primeiros a alegar a existência de tais normas, mas quando inconveniente, são os primeiros a ignorá-las.

Saddam Hussein foi um ditador sanguinário. É fato que se imputa a ele vários crimes contra humanidade, como a morte de 148 homens xiitas na cidade de Dujail ou ainda a responsabilidade da guerra contra o Irã, resultando no total 1 milhão de mortes para ambos os lados. Além de tudo isto, pesa contra ele a morte de 100 mil pessoas, entre 1987 e 1988. Ou seja, para muitos, a morte de Sadam Hussein era de fato uma questão de justiça.

Entretanto, longe de conjecturar sobre esta noção justiça que faz da morte instrumento do Direito, existem muitas falhas jurídicas em todo o episódio envolvendo Sadam Hussein e que culminou com sua execução.

Para iniciar, apesar da ditadura imposta por Sadam, é importante verificar-se que o motivo alegado pelos EUA para a invasão do Iraque - a existência de armas químicas - não foi comprovado. A importância disto, está na exata noção de que foi justamente tal invasão que propiciou a prisão e transformação de Sadam Hussein de Presidente do Iraque a prisioneiro de guerra.

Ademais, o argumento de que o ex-presidente iraquiano, submeteu-se a um julgamento justo, com direito a ampla defesa é no mínimo inocente, pois como entender um contraditório, quando o julgamento é presidido pelo inimigo?

Para onde foi o princípio da imparcialidade do juiz?

Desconheço o ordenamento jurídico iraquiano e seus princípios, mas penso que sendo a imparcialidade do juiz inerente ao sistema garantista do qual as nações modernas assumem fazer parte, então conclui-se que o julgamento não foi guiado por estas idéias garantistas.

Desta forma, penso que não houve contraditório, tampouco imparcialidade do juiz. O processo funcionou apenas como jusificativa para sua execução.

Vários são os argumentos: a invasão do Iraque e consequente deposição de Sadam do poder, que ocorreu sem autorização da ONU,além do fato dele ter sido entregue e julgado por autoridades iraquianas, conhecidas inimigas declaradas do ditador.

Só por estes, tem-se argumento jurídico suficiente para tornar todo o processo ilegal.

Assim, apesar de sua condição de prisioneiro de guerra, suscita-se a dúvida: houve justiça no caso "Saddam Hussein"? Tal pergunta encontra suas dificuldades no próprio local onde Saddam teve seu julgamento, o Iraque.

Reza o artigo 66 da Convenção de Genebra:

"A Potência ocupante poderá, em caso de infração das disposições penais por ela promulgadas em virtude do segundo parágrafo do artigo 64.º, relegar os culpados aos seus tribunais militares, não políticos e regularmente constituídos, com a condição de os mesmos tribunais estarem situados no território ocupado. Os tribunais de recurso funcionarão de preferência no país ocupado."

Ou seja, o Tribunal que julgou Saddam deveria situar-se no Iraque ( o que de fato ocorreu - situava-se em Bagdá ), entretanto não poderia ter cunho político e sim militar.

Isto não ocorreu.

Neste sentido, pontua o professor Luiz Flávio Gomes: "A interferência política no julgamento foi evidente, a ponto de seu resultado ter sido "antecipado" em dois dias, para "tentar" beneficiar Bush nas eleições gerais norte-americanas."

Desta forma, qual a importância das normas Internacionais? Para que se justificam a sua existência, vez que sempre prevalece o direito interno para alguns? Será que, como dizia George Orwell, na célebre obra "Revolução dos Bichos" "...que todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros"?

Sabe-se que da relação entre o Direito interno e o Direito internacional, muitas teorias tentam explicar a inserção ou supremacia de um ordenamento jurídico sobre o outro. Destacam-se a postura dualista (onde direito interno e externo não se misturam) e a postura monista (que entende que o ordenamento jurídico é uno). Qual seria a postura adotada pelos EUA, vez que repetidas vezes vêm desprezando normas internacionais em função dos seus interesses?

Surge aqui uma grande questão, pois admitir que os EUA adotam a primeira postura (a dualista), uma vez que sempre prevalecem as normas e interesses norte-americanos (ou seja, os ordenamentos não se misturam) seria incorrer no erro de esquecer que com esta mesma postura, os EUA desprezam a existência das normas internacionais, o que seria uma postura tipicamente monista, ao entender a existência apenas das suas normas (apenas a existência do direito interno).

Seria talvez uma postura monista nacionalista (Que entendem a Constituição como intocável)?

Acima destas discussões teóricas, está "institucionalização da hipocrisia", pois de nada vale belas construções normativas, belos Tratados Internacionais, se seus signatários não os cumprem. É este o exemplo dos EUA ao mundo.

Seria talvez o caso da doutrina pensar em uma nova postura da relação do direito internacional e direito interno: a dos "monistas hipócritas".

Apesar de tudo, é importante ressaltar, que o objetivo deste artigo não é de forma alguma defender as ações do regime ditatorial pregado por Saddam, mas sim assegurar que a Convenção de Genebra, bem como todas as outras normas do direito internacional, sejam respeitadas.

Fonte:

SÓRIA, Mateus da Fonseca. Saddam: tribunal internacional ou iraquiano . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 227, 20 fev. 2004.

GOMES, Luiz Flávio. Julgamento de Saddam Hussein: exemplo de justiça primitiva. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1267, 20 dez. 2006.

ORWELL George. A Revolução dos Bichos. Ed. Globo, 2004.



Notas:

* Milton Silva de Vasconcellos, Acadêmico de Direito da FABAC (Faculdade Baiana de Ciências). Artigo elaborado em janeiro/2007. [ Voltar ]

Palavras-chave: monistas

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