Novo aliado nas contratações da administração pública

O Senado votou, no último dia 25 de junho, a regulamentação de Comitês de Prevenção e Solução de Disputas. 

Fonte: Marcello Guimarães e Augusto Barros de Figueiredo

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Imagem de Gerd Altmann por Pixabay

O Senado votou, no último dia 25 de junho, a regulamentação de Comitês de Prevenção e Solução de Disputas. Este método, já utilizada em negócios privados em todo o mundo, foi introduzida nos contratos públicos pela nova Lei de Licitações, sancionada em abril, sendo objeto da PL 206/2018, de autoria do senador Antonio Anastasia (PSD-MG) e será um grande aliado para evitar a judicialização de obras e serviços públicos.

Os comitês de disputa são juntas técnicas especializadas que acompanham a execução de obras e serviços desde o seu início no intuito de evitar problemas como atrasos no calendário ou acréscimos de custos e, assim, assegurar que, caso eles surjam, a solução seja rápida e eficaz, em benefício do projeto.

Ao falarmos em dispute boards, somos levados ao universo dos projetos de infraestrutura e de construção, berço dos comitês, pois que o desejo de evitar disputas nos contratos de construção vem de longa data. Desde o seu surgimento no final dos anos 1960 até os dias atuais, os comitês de disputa, internacionalmente conhecidos como dispute boards (DBs), têm passado por uma notável evolução em nosso país. A história vem sendo escrita de uma forma bastante particular, refletindo as nossas tradições jurídicas e as necessidades locais, com um cenário bastante promissor à frente.

Nos países de common law, desde o final do século XVIII até o início do século XX, a prevenção das disputas era feita pelo engenheiro responsável pela obra, que tinha a faculdade de arbitrar soluções para os problemas que pudessem vir a ocorrer ao longo da execução do contrato. Entretanto, já no início do século XX, a submissão das eventuais disputas ao engenheiro responsável deixou de ser uma solução definitiva e passou a ser condição precedente à arbitragem, mitigando o seu poder decisório, uma vez que a relação de subordinação econômica do engenheiro ao contratante, ainda que presentes os valores éticos do profissional, seja causa para questionamentos acerca neutralidade das suas decisões. A redução da efetividade das decisões do citado engenheiro desencadeou a busca por novas formas de resolução de disputas que permitissem evitar os litígios e que favorecessem a boa marcha da execução do contrato, preservando prazos e orçamentos.

A figura dos DBs, utilizada em negócios privados em todo o mundo, teve sua primeira utilização no Brasil,  no contrato da linha 4 do metrô de São Paulo como uma exigência do Banco Mundial (financiador do projeto e que exige o seu uso em contratos de infraestrutura de valor superior a 50 milhões de dólares) e já contava com 3 leis municipais regulando o tema (São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre), três enunciados aprovados na I Jornada de Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios do Conselho da Justiça Federal, além do PL que tramitou no Senado e outra ainda a ser apreciada pela Câmara dos Deputados.

Considerada a realidade de um país com cultura litigante como a do Brasil, que possui um Judiciário sobrecarregado por mais de 80 milhões de processos, por óbvio, o risco de paralisia dos projetos em decorrência da sua eventual interrupção em decorrência de uma disputa é um fator negativo com reflexos nos orçamentos e na atratividade do país ao investidor estrangeiro.

Na esteira pela busca de soluções que atendessem às demandas de celeridade, profundidade técnica do conflito, além da redução do fluxo de processos e permitir a pacificação de litígios através de meios eleitos pelos próprios agentes envolvidos, importamos as técnicas da arbitragem e da mediação. Bem recebidas e, tanto a mediação, quanto a arbitragem destacam-se cada vez mais pela sua capacidade de absorver demandas que seriam inicialmente judicializadas e, ainda, de oferecer soluções adaptadas aos interesses das partes, tendo a experiência com a utilização de permitido ao ambiente jurídico brasileiro abrir oportunidades a novos métodos alternativos, como os dispute boards.

Assim sendo, a crescente utilização dos comitês em relações contratuais complexas e de ampla diversidade técnica promoveram a capacidade de adaptação dos DBs às necessidades específicas dos projetos em que são utilizados, já que, as partes, por escolha contratual, têm a possibilidade de deliberar livremente sobre a sua forma de atuação e composição do comitê no que diz respeito ao número de membros e o seu perfil.

No cerne do mecanismo, temos a sua extrema versatilidade e características únicas que o fazem ser, talvez, o método extrajudicial de solução de controvérsias (MESC) mais completo ao possibilitar a conjugação das técnicas de todos os demais com a particularidade de atuar em tempo real na prevenção e resolução das disputas contratuais surgidas durante a vida de um projeto.

Os dispute boards, segundo a PL aprovada pelo Senado, reflete as boas práticas mundiais ao recomendar a sua composição com representantes de cada uma das partes e um neutro. Esses três – pessoas de alto gabarito técnico: engenheiros, advogados, profissionais gabaritados – são os responsáveis por prevenir as disputas e dar solução a elas em caso de impasse.  O legislador aposta que o conflito tem melhores chance de ser dirimido no âmbito do comitê, acabando, portanto, por estimular as formas de evitar conflitos excessivos na Justiça, que são caros, onerosos e muito demorados.

Na mencionada PL, o relator, deputado estadual Carlos Portinho, do PL do Rio de Janeiro, deixou claro na regulamentação que a Administração Pública também se utilize dos DBs para dirimir disputas em seja parte, refletindo o que já acontece na Arbitragem e na Mediação.  Uma boa medida para trazer maior segurança jurídica para a relação contratual com o estado, com o município, com o Distrito Federal, e com a União. Os gastos com o funcionamento do comitê serão divididos entre a empresa contratada e o poder público, à semelhança do que ocorre com os demais métodos extrajudiciais de solução de controvérsia.

O grupo revisor da PL 206/2018, que apoiou o Relator do Projeto Senador Portinho (PL/RJ) com sugestões de adequação do texto do projeto, contou com a participação dos seguintes especialistas: Marcello Guimarães, Augusto Barros de Figueiredo, Gustavo Fernandes, César Pereira, Eduardo Talamini, Carlos Forbes, Maria Virgínia Nasser e Pedro Baptista Martins.

*Marcello Guimarães é árbitro e presidente da Swot Global Consulting. Advogado, doutorando no PPGD UFF, Mestre em Direito e Economia pela UGF, e membro do Dispute Board Resolution Foundation (DBRF).

*Augusto Barros de Figueiredo é árbitro e VP da Swot Global Consulting. Advogado, Mestre em Direito Internacional Privado e do Comércio Internacional pela Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne e diretor para a América Latina da Dispute Resolution Board Foundation (DRBF).

Palavras-chave: Contratações Administração Pública Judicialização

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