João Paulo Cunha deve ser absolvido do crime de lavagem
Para advogado, recebimento de dinheiro por meio de outra pessoa não caracteriza objetivamente lavagem de dinheiro
Para o advogado Pierpaolo Cruz Bottini, o deputado João Paulo Cunha deveria ser absolvido do crime de lavagem de dinheiro na AP 470 (processo do mensalão). O parlamentar foi condenado a 9 anos e 4 meses de reclusão, mais multa de R$ 370 mil, pelos delitos de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato.
De acordo com a denúncia, João Paulo Cunha, então presidente da Câmara, teria recebido R$ 50 mil para favorecer a empresa SMP&B, do publicitário Marcos Valério, em procedimento licitatório em curso na Casa para contratação de agência de publicidade. O dinheiro teria sido retirado por sua esposa em uma agência bancária sem que se seguissem os trâmites de saque dessa quantia exigidos pelas regras vigentes de controle do sistema financeiro.
Em parecer, Bottini defende a inaplicabilidade do concurso de normas com o crime de corrupção passiva, a inexistência objetiva do ato de ocultar ou dissimular e a impossibilidade de caracterizar a movimentação financeira anterior ao recebimento como ato de lavagem. A consulta foi feita pelo defensor do deputado, Alberto Zacharias Toron, do escritório Toron, Torihara e Szafir Advogados.
Concurso de normas
O professor-doutor da Faculdade de Direito da USP afirma que se a lavagem de dinheiro for meio ou estiver contida no crime de corrupção passiva, não existe concurso de crimes, mas concurso aparente de normas. "Se entre os delitos existe uma relação de instrumentalidade direta – um deles é meio para a consecução do outro – ou de contingência – um deles está compreendido como fase de preparação ou de execução do outro – haverá a consunção, o concurso de normas, de forma que um deles será absorvido pelo outro, restando apenas adequada a condenação unitária", expõe.
Ato de ocultar ou dissimular
Bottini salienta que o recebimento de dinheiro por meio da esposa não caracteriza objetivamente lavagem de dinheiro, pois não se trata de comportamento apto a ocultar o bem e porque não restou demonstrado o contexto de lavagem, uma vez que inexiste qualquer elemento que vincule o recebimento a uma pretensão de reinserção dos valores na economia, com aparência de ilicitude. "A ausência de qualquer indicação de elemento objetivo que indique o risco de reciclagem afasta a tipicidade do recebimento 'por interposta pessoa'", declara.
Movimentação financeira anterior
Segundo o causídico, ainda que se discuta se o recebimento da vantagem é o momento da consumação da corrupção ou o mero exaurimento de solicitação anterior, o fato é que o produto da corrupção só existe para o corruptor a partir do momento que este passa a dele dispor. "Antes disso, qualquer procedimento de tratamento do capital, modificação de seus aspectos ou translado estão fora de seu domínio. Ele é estranho ao curso do dinheiro antes deste chegar às suas mãos ou nas de alguém que o represente formal ou informalmente", esclarece. E finaliza: "Não parece que a engrenagem financeira pretensamente usada para colocar os valores à disposição do consulente consubstancie ato de lavagem a ele atribuível, uma vez que o crime antecedente aconteceu em momento distinto e posterior".