Frei Betto: fome no Brasil em pleno século XXI é escândalo

Determinações da primeira conferência do terceiro dia do Fórum Internacional sobre Direitos Humanos e Direitos Sociais.

Fonte: Notícias do Tribunal Superior do Trabalho

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A primeira conferência do terceiro dia do Fórum Internacional sobre Direitos Humanos e Direitos Sociais, proferida pelo assessor especial da Presidência da República Frei Betto, coincidiu com o principal objetivo previamente anunciado para o evento: a tentativa de despertar consciências. Sob o tema Fome de Pão e Beleza, o escritor e religioso chamou a atenção dos ouvintes para a tragédia da desnutrição no Brasil e no mundo, dentre outros temas abordados, como as estratégias do programa Fome Zero, no qual participa.

"Segundo a FAO, são 842 milhões de pessoas em situação de subnutrição crônica. São cem mil mortes a cada vinte e quatro horas, das quais 30 mil são crianças com menos de cinco anos de idade. São dez mil World Trade Centers que desabam só com crianças a cada dia", afirmou Frei Betto. "E ninguém chora, ninguém protesta, não tem emblema", acrescentou, ao mencionar a existência de poucos programas voltados ao combate à fome no mundo, "que mata vinte vezes mais do que a AIDS" exemplificou.

Ao transpor o problema para a realidade brasileira, o palestrante afirmou que "é um escândalo, em pleno século XXI, estar falando aqui de combate à fome". Quanto à expectativa de concretização dos direitos humanos no País, Frei Betto defendeu o ponto de vista de que tal busca corresponde a um luxo no Brasil. "Nós ainda estamos lutando pela conquista de direitos animais", afirmou. "Comer, buscar abrigo para as intempéries, educar a cria são direitos comuns aos animais", explicou, ao mencionar prerrogativas ainda não alcançadas por uma grande parcela dos brasileiros.

No início de sua explanação, o escritor brasileiro mencionou a Declaração dos Direitos Humanos, de 1948, afirmando que, "apesar de todos seus méritos", o documento tem limitações. "Uma delas é não acentuar, com suficiente explicitação, os direitos sociais, os direitos de gênero, os direitos internacionais e os direitos interplanetários". Essa lacuna da norma internacional, segundo Frei Betto, convive com "uma humanidade que, infelizmente, não sacia, suficientemente, nem a sua fome de pão, nem a sua fome de beleza".

Apoiado nas estatísticas, Frei Betto lembrou que o planeta é atualmente habitado por 6,2 bilhões de pessoas e, segundo a Organização das Nações Unidas, quatro bilhões vivem abaixo da linha da pobreza, dos quais 1,2 bilhão, abaixo da linha da miséria. "Segundo o índice da pobreza e da miséria, também adotado pelo Fome Zero, são pobres os que têm uma renda de até de dois dólares por dia ou 60 dólares mensais. Os miseráveis são os que têm renda de até um dólar diário ou 30 dólares por mês", prosseguiu.

Face à necessidade de alcançar a democracia econômica no Brasil, após ter atingido a democracia política, o assessor da Presidência da República discorreu sobre o Fome Zero. Segundo ele, a estratégia do programa passa por transformar o problema da fome em uma questão política. "Não só no Brasil, mas também internacionalmente". Como referência a essa opção, Frei Betto recorreu à história do País e lembrou a questão da escravatura brasileira, cuja prática hedionda durou 385 anos no País  o mais longo período de escravidão de todas as Américas.

"A questão social só é enfrentada e erradicada quando se transforma numa questão política", observou. "Isso aconteceu com a maior nódoa da história brasileira que é a escravidão, cuja abolição só ocorreu porque trinta anos antes de 1888 o tema passou da esfera social para a política".

Frei Betto também considerou o problema da fome face à potencialidade do País. "Não se justifica a fome em um País com tamanha fertilidade, onde não há falta de alimentos nem excesso de bocas", sustentou, lembrando que o Brasil é hoje um dos cinco maiores produtores de alimento do mundo e ocupa o terceiro lugar na produção internacional de soja e o primeiro exportador mundial de carne. "No entanto, convivemos com a desnutrição crônica de pelo menos 44 milhões de pessoas. O dado é muito impressionante".

O escritor também informou a existência, na América Latina, de 400 mil crianças, entre zero e cinco anos de idade, mortas a cada ano por desnutrição. "E o Brasil, lamentavelmente contribui com 150 mil crianças". Segundo Frei Betto, o próprio passado do presidente da República o inspirou a lançar o Fome Zero. "Dos 12 filhos da mãe dele, quatro morreram de fome antes dos cinco anos e ele mesmo recorda do que passou nesse sentido".

"Ao contrário do que muita gente ainda espera, o Fome Zero não é, nunca quis ser e nunca pretendeu ser uma gincana de distribuição de alimentos", argumentou Frei Betto, ao frisar que "não serão vistas carretas saindo do Rio e de São Paulo abarrotadas de alimentos em direção a uma cidade do semi-árido nordestino para fazer uma grande distribuição ou sorteio".

"Isto não é Fome Zero, não nos dispomos a fazer isso. E o que tem de menos importante no programa é a distribuição de comida", ressaltou. "O Fome Zero é pensado para ser um programa de inserção social", acrescentou, ao afastar a pecha de assistencialismo da iniciativa.

Sobre beleza, Frei Betto relatou em sua palestra sobre um fato verificado numa localidade do sul do Piauí, onde o resgate da auto-estima levou aos próprios membros da comunidade local a abrir um salão de beleza, onde o tratamento custa apenas R$ 1,00 e uma grande procura dos moradores.

Ao explicar a origem do tema que serviu como título de sua conferência, fome e beleza Frei Betto lembrou que o encontrou num poema do cubano Ornelio Cardoso, onde é dito que a primeira fome é saciável e a outra, infindável .

Analogamente aos quarenta anos do golpe militar no Brasil, a palestra proferida por Frei Betto foi por ele dedicada, em forma de homenagem, à memória do Frei Tito de Alencar Lima. "Uma pessoa que pagou com a vida a sua fome de pão e de beleza". O confrade de Frei Betto, Frei Henry e Frei Xavier Plassat "foi torturado e a tortura o levou à morte aos 28 anos de idade".

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