Falha do serviço laboratorial. Dever de indenizar.

Ação de reparação por danos morais e materiais. Instituto de patologia.

Fonte: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS.

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Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS.

Apelação Cível Nº 70026593525

Décima Câmara Cível

Comarca de Porto Alegre

APELANTE/APELADO INSTITUTO DE PATOLOGIA LTDA

APELANTE/APELADO JOAO CARLOS CORTE

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. INSTITUTO DE PATOLOGIA.

FALHA DO SERVIÇO LABORATORIAL. DEVER DE INDENIZAR. É cediço que o instituto requerido, na qualidade de prestador de serviços, responde independente de culpa pelo serviço defeituoso prestado ou posto à disposição do consumidor, responsabilidade objetiva proclamada pelo no art. 14 do CDC, afastada sempre que comprovada a inexistência de defeito ou a culpa exclusiva do consumidor, ou de terceiro, ex vi do § 3º do mesmo dispositivo. Hipótese em que restou comprovado nos autos falha do serviço prestado pela demandada, pois emitiu laudo com diagnóstico equivocado, o qual resultou na definição incorreta do tratamento médico e severos prejuízos ao demandante.

DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. MAJORAÇÃO. Na fixação da reparação por dano extrapatrimonial, incumbe ao julgador, atentando, sobretudo, para as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado, e aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, arbitrar quantum que se preste à suficiente recomposição dos prejuízos, sem importar, contudo, enriquecimento sem causa da vítima. A análise de tais critérios, aliada às demais particularidades do caso concreto, e aos parâmetros utilizados por esta Câmara, em situações análogas, conduz à majoração do montante indenizatório fixado para R$ 60.000,00 (sessenta mil reais).

APELAÇÃO DO RÉU IMPROVIDA, APELO DO AUTOR PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO RÉU E DAR PROVIMENTO AO APELO DO AUTOR.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Paulo Antônio Kretzmann (Presidente) e Des. Túlio de Oliveira Martins.

Porto Alegre, 20 de agosto de 2009.

DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ,
Relator.

RELATÓRIO

Des. Paulo Roberto Lessa Franz (RELATOR)

Adoto o relatório das fls. 213/216, aditando-o como segue.

Proferindo sentença, o magistrado singular julgou a demanda parcialmente procedente, condenando o réu ao pagamento de indenização no montante de R$ 30.000,00, a título de danos morais, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês, desde a publicação da sentença, bem como o valor de R$ 16.360,38 à título de danos materiais, corrigidos pelo IGP-M e acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês a contar dos respectivos desembolsos. No capítulo acessório do decisum, condenou o requerido ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$ 3.500,00.

Inconformadas, as partes apelaram.

O requerido, em suas razões às fls. 229/240, sustentando que a patologia que acometeu o apelado era rara e de difícil diagnóstico, sendo que o apelante fez o diagnóstico possível dentre das possibilidades que possuía, como esclareceu o laudo pericial. Asseverou que não foi o laboratório quem indicou o tratamento cirúrgico ao autor, cingindo-se apenas a realização do laudo e comunicou a necessidade de outros exames. Referiu que nada restou comprovado contra o laboratório, o qual manteve a conduta correta em todos as informações prestadas, sendo precipitada decisão do recorrido e de sua odontologista em realizar a cirurgia. Pugna, ao final, pelo provimento do apelo.

O autor, por seu turno, postula que seja reconhecida a culpa exclusiva do laboratório demandado pelos danos de ordem moral e, conseqüentemente, seja majorado o quantum indenizatório fixado, o qual mostrou-se inadequado ao ressarcimento pelos danos suportados pelo autor. Citou jurisprudência em amparo a sua pretensão, postulando o provimento do recurso.

Apresentadas contra-razões somente pelo autor, às fls. 256/263.

Subiram os autos a esta Corte.

Vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTOS

Des. Paulo Roberto Lessa Franz (RELATOR)

Eminentes Colegas!

Trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais em decorrência de erro de diagnóstico laboratorial.

É cediço que instituto requerido, na qualidade de prestador de serviços, responde independente de culpa pelo serviço defeituoso prestado ou posto à disposição do consumidor, responsabilidade objetiva proclamada no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

"O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos".

Tal responsabilidade, todavia, é afastada sempre que comprovada a inexistência de defeito ou a culpa exclusiva do consumidor, ou de terceiro, ex vi do § 3º do mesmo dispositivo.

No caso dos autos, o engano no resultado do exame é fato incontroverso.

O laboratório fulcrou a tese defensiva no fato de que a patologia apresentada é rara e de difícil diagnóstico e, diante dos elementos que lhe foram apresentados, não obrou em erro de procedimento, bem como cumpriu com o dever de informação com o médico assistente.

É bem verdade que o laudo pericial confirma ser mínima a diferença entre a patologia diagnosticada pelo demandado e a que efetivamente acometeu ao autor (fl. 132), o que tornou difícil a atividade do patologista.

Não se desconhece, também, que o diagnóstico diferencial de linfoma e fibrossarcoma na mandíbula foi facilitado no segundo exame laboratorial realizado, diante da evolução do quadro clínico do autor.

Entrementes, a questão, como visto, deve ser analisada pelo prisma da responsabilidade objetiva, não se perquirindo sobre a existência, ou não, da culpa.

O certo é que, como admitido pela própria demandada em sede de contestação (fl. 60), foram achados dois diagnósticos distintos em exame da mesma peça, o que, nitidamente, demonstra a falha na prestação do serviço.

Ora, se a ré, ciente da dificuldade de emitir o diagnóstico correto da patologia que lhe foi apresentada, não adota providências efetivas para cumprir corretamente com seu mister, como exigir nova coleta de material, por exemplo, ou solicitar dados clínicos do autor, ou mesmo repetir o exame com peças diferentes, não se mostra correto, tampouco justo, ao meu juízo, acolher a tese de que não há ilícito tão-somente porque a doença é rara e de difícil diagnóstico.

As conseqüências foram drásticas, porque o médico assistente, diante do resultado que lhe foi apresentado pelo réu (fl. 17), adotou a providência necessária de acordo com o resultado do malfadado exame, o que culminou, seguramente, em demasiado sofrimento à parte demandante, pois sofreu intervenção cirúrgica, ocasião onde se extraíram parte da mandíbula, a arcada dentária inferior, parte da gengiva e glândulas salivares do demandante, substituindo-se essas estruturas por uma prótese de titânio, recoberta com enxertos de ossos, de pele e de músculos retirados de sua perna direita. E mais, retardou o tratamento correto que deveria ser ministrado.

Não se pode olvidar, outrossim, que o material extraído após a cirurgia foi enviado para novo exame no instituto demandado e recebeu o mesmo e equivocado diagnóstico.

Assim, pelas razões suso declinadas, tenho que a sentença merece ser mantida, ainda que por fundamento diverso.

Com relação à caracterização do dano moral, despicienda tecer qualquer consideração, pois não há insurgência das partes quanto ao reconhecimento do danum in re ipsa.

Concernente à culpa exclusiva do laboratório na produção do evento danoso, como fator de mensuração no quantum indenizatório, a tese do autor merece trânsito.

Isso porque não era exigível ao paciente, diante da gravíssima patologia detectada pelo exame laboratorial, fosse realizar outros exames e consultar com outros profissionais da área médica, considerando que já estava sob a orientação do melhor profissional que julgava para tratar de sua patologia.

Exigir que o paciente quebre a relação de confiança com seu médico, simplesmente porque fora detectado, através de exame laboratorial, doença rara e grave, não se mostra razão suficiente para reconhecer a figura da culpa concorrente, em especial porque foi o laboratório quem atestou resultado equivocado no exame.

No que se refere ao montante indenizatório arbitrado a título de indenização por danos morais, objeto de recurso de ambas as partes, cumpre ressaltar que a reparabilidade do dano moral, alçada ao plano constitucional, no artigo 5º, incisos V e X da Carta Política, e expressamente consagrada na lei substantiva civil, em seus artigos 186 combinado com 927, exige que o julgador, valendo-se de seu bom senso prático e adstrito ao caso concreto, arbitre, pautado nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, um valor justo ao ressarcimento do dano extrapatrimonial.

Neste mister, impõe-se que o magistrado atente às condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado, assim como à intensidade e duração do sofrimento, e à reprovação da conduta do agressor, não se olvidando, contudo, que o ressarcimento da lesão ao patrimônio moral do indivíduo deve ser suficiente para recompor os prejuízos suportados, sem importar em enriquecimento sem causa da vítima.

A dúplice natureza da indenização por danos morais vem ressaltada na percuciente lição de Caio Mário, citado por Sérgio Cavalieri Filho, em sua obra Programa de Responsabilidade Civil:

"Como tenho sustentado em minhas Instituições de Direito Civil (v. II, n.176), na reparação por dano moral estão conjugados dois motivos, ou duas concausas: I - punição ao infrator por haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial; II - pôr nas mãos do ofendido uma soma que não é o pretium doloris, porém o meio de lhe oferecer oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material, o que pode ser obtido 'no fato' de saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo da vingança" (in: Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.108/109, grifei).

Diverso não é o entendimento do Colendo STJ, consoante se verifica do seguinte precedente:

"ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE - CIVIL - DANO MORAL - VALOR DA INDENIZAÇÃO. 1. O valor do dano moral tem sido enfrentado no STJ com o escopo de atender a sua dupla função: reparar o dano buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor, para que não volte a reincidir. 2. Posição jurisprudencial que contorna o óbice da Súmula 7/STJ, pela valoração jurídica da prova. 3. Fixação de valor que não observa regra fixa, oscilando de acordo com os contornos fáticos e circunstanciais. 4. Recurso especial parcialmente provido". (RESP 604801/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 23.03.2004, DJ 07.03.2005 p. 214)

E deste Órgão Fracionário:

"RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO. REEDIÇÃO DAS ALEGAÇÕES DA CONTESTAÇÃO. HIPÓTESE DE NÃO CONHECIMENTO. (...). INSCRIÇÃO INDEVIDA NO SERASA. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. VALOR. O cadastramento injustificado em órgão de restrição de crédito diz com dano moral puro. Indenização não deve ser em valor ínfimo, nem tão elevada que torne desinteressante a própria inexistência do fato. Atenção às circunstâncias do evento e aos precedentes da Câmara. Manutenção de equivalência de valores entre lides de semelhante natureza. (...). Negado provimento ao apelo da ré na parte que se conhece e provido o recurso do autor em parte naquilo que não restou prejudicado. Unânime". (Apelação Cível nº 70009930314, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, julgado em 10/03/2005)

Ao concreto, demonstrada a ilicitude do ato praticado pelo réu, em especial às conseqüências drásticas que resultaram do equívoco no diagnostico, e levando em conta as condições econômicas e sociais do ofendido e do agressor; a gravidade potencial da falta cometida; o caráter coercitivo e pedagógico da indenização; os princípios da proporcionalidade e razoabilidade; tratando-se de dano moral puro; não se olvidando, também, que a reparação não pode servir de causa a enriquecimento injustificado; impõe-se à majoração do montante indenizatório fixado, a título de danos morais, para R$ 60.000,00 (sessenta mil reais); quantum que se revela suficiente e condizente com as peculiaridades do caso e com os parâmetros adotados por esta Câmara, em situações análogas.

O valor deverá ser corrigido monetariamente e acrescidos de juros moratórios, conforme determinado no ato sentencial.

Despicienda qualquer digressão sobre o quantum fixado a título de danos materiais, pois ausente irresignação específica quanto ao ponto.

Por derradeiro, apenas consigno que o entendimento ora esposado não implica ofensa a quaisquer dispositivos, de ordem constitucional ou infraconstitucional, inclusive aqueles invocados pelas partes em suas manifestações no curso do processo.

Diante do exposto, o VOTO é no sentido de NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO RÉU e DAR PROVIMENTO AO APELO DO AUTOR, para, reconhecendo a culpa exclusiva da parte ré na produção do evento danoso, majorar o quantum indenizatório fixado, a título de danos morais, para R$ 60.000,00, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros, conforme determinado no ato sentencial.

Des. Túlio de Oliveira Martins (REVISOR) - De acordo.

Des. Paulo Antônio Kretzmann (PRESIDENTE) - De acordo.

DES. PAULO ANTÔNIO KRETZMANN - Presidente - Apelação Cível nº 70026593525, Comarca de Porto Alegre: "NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO DO RÉU E DERAM PROVIMENTO AO APELO DO AUTOR. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: EDUARDO KOTHE WERLANG

Publicado em 16/09/09

Palavras-chave: indenizar

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