"Existem no governo grupos com forte viés autoritário", diz Fonteles

Fonte: Conselho Federal da OAB

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O procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, vê com preocupação o embate, no governo, entre setores comprometidos com a democracia e um grupo com viés fortemente autoritário. Segundo Fonteles, essa contradição do governo está presente em todas as instituições do país, inclusive na família. Acredita que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ? que a seu ver ?não tem viés autoritário? ? acabará por imprimir o rumo democrático nos segmentos reacionários de sua equipe. ?Torço para que ele (Lula) consiga mostrar que o caminho não é esse?, disse.

Segundo Fonteles, foi o governo ? e não a imprensa, como insinuou o ministro interino do Planejamento, Nelson Machado ? que produziu ?uma tempestade em copo d?água? ao baixar portaria que obriga o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a entregar 48 horas antes aos ministérios os dados das pesquisas estruturais. Com isso, a seu ver, o governo deu a falsa idéia de cerceamento da informação, quando o que se queria era apenas dar direito de defesa aos alvos das pesquisas.

Quanto à tentativa de restrição à divulgação do conteúdo pesquisado, o procurador é radicalmente contra. ?Quem se sentir prejudicado que venha a público e coloque sua divergência. Assim se vive a democracia?, enfatizou.

Nesta entrevista à Agência Estado, o procurador-geral fala dos problemas que enfrentou no cargo e das mudanças realizadas na instituição.

P-Como o senhor avalia a afirmação do presidente do STF, ministro Nelson Jobim, de que os membros da Justiça devem servir mais ao cidadão e menos às vaidades pessoais?

R- Nós todos, membros do Ministério Público e magistrados, temos de ter na cabeça que somos servidores públicos. Não podemos nos sentir acima do público. O que o magistrado define tem de ser observado e nós (do MP) temos a gravíssima responsabilidade de postular. O magistrado só existe quando provocado, pois não pode agir por si próprio. Nós exercemos essa função essencial. Mas, dentro dessas magnas tarefas, nós não podemos nos sentir acima da comunidade. Aqui e acolá, tanto na magistratura como no MP, há esses espasmos de pessoas que se sentem acima do corpo social. Não. Nós servimos ao corpo social.

P-Essa realidade tende a mudar?

R-Sim e cada vez mais, à medida que se democratiza o país. Daí eu ser favorável ao Conselho Nacional da Magistratura e do MP (controle externo). Se você vai servir à comunidade, por que você vai temer que o parlamento, que representa a comunidade, não possa indicar suas pessoas, ou que os advogados, uma classe que litiga conosco, não possa indicar seus representantes? Não é para invadir a sua convicção. Mas para apontar falhas. Isso propicia o diálogo, a abertura das instituições. Isso é ser republicano. Fazer-se visível para a comunidade.

P?Paradoxalmente, o governo tem dado passos em sentido oposto, como a tentativa da lei da mordaça no MP e, mais recentemente, a censura prévia à divulgação de pesquisas pelo IBGE.

R? Eu não atribuo isso ao Executivo como um todo. Em toda instituição ? na minha também e até numa família ? existe aquele com um viés autoritário e aquele outro adepto do diálogo aberto, que admite o exame da sua conduta. O governo também tem essa contradição, assim como o MP e a instituição familiar. Existem nele (governo) aqueles com viés fortemente autoritário e aqueles que não o têm. Na minha instituição, estou mostrando que o útil é não ser autoritário. Eu torço para que o presidente Lula, que não tem esse viés, consiga imprimir o rumo democrático nos setores da sua equipe com viés autoritário. Acredito que conseguirá mostrar que o caminho não é esse.

P?Mas parece não ter sido esta a opção do governo no caso da censura prévia ao IBGE.

R?Está se fazendo um pouco de tempestade em copo d?água. O que houve foi uma orientação para que o IBGE, antes de divulgar a sua pesquisa, ouvisse o órgão público pesquisado. Dar o direito de defesa. Agora, isso (a portaria do Ministério do Planejamento determinando a apresentação prévia da pesquisa ao governo antes da divulgação), evidentemente, não precisava ter sido feito em termos formais.

P?Mas é natural proibir uma instituição científica de divulgar o conteúdo da sua pesquisa?

R?Não. Se os pesquisadores do IBGE concluíram dessa maneira e publicaram a sua conclusão, o órgão governamental que sentiu que aquela conclusão não está correta tem de vir a público e colocar sua divergência. Assim se vive a democracia.

P?Como o senhor pegou e como deixa o Ministério Público?

R?O Ministério Público era uma instituição fechada e enclausurada, com uma forma de atuação fragmentada a meu juízo. Hoje ele se expõe e se apresenta, tanto quanto possível, num pensamento institucional. O marco da nossa gestão foi um forte trabalho integrativo. Sempre com essa idéia: para integrar, é preciso dialogar, expor e mostrar que o MP tem a missão de alcançar um modo de trabalho seguro, fundamentado e ponderado. Procurando, tanto quanto possível, evitar o estrelismo.

P?Mas o MP ganhou notoriedade pela atuação individual de alguns dos seus expoentes.

R?A idéia de estrela não se concilia bem com o papel do MP. Quem é estrela é artista. No MP, nós não somos artistas. Somos servidores públicos. Criamos uma cultura institucional, que é a da defesa dos interesses da sociedade. Hoje, ficou muito atrás no tempo aquela idéia de que o que é bom para o Estado é bom para a sociedade. Não. A democracia se alimenta muito fortemente desse embate entre a administração pública e a sociedade, que tem os seus anseios, traduzidos no MP que é a voz institucionalizada, e nas vozes particularizadas nas organizações não-governamentais.

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