Executividade da duplicata mercantil virtual

Igor Reichow, Advogado e Consultor em franchising da Exattus Educação Profissional. Sócio do Escritório Bilhalva, Raupp & Reichow - advogados associados. Pós-graduando em Direito Processual - UCPel.

Fonte: Igor Reichow

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Igor Reichow ( * )

O QUE É DUPLICATA:

Antes de analisarmos o conceito de duplicata, teremos que examinar sucintamente a definição geral de títulos de crédito. Sendo assim exporemos, primeiramente a perspectiva da doutrina, começando por Fabio Ulhoa Coelho.

Este em sua obra intitulada Curso de Direito Comercial, usa o conceito de Vivante, que assim define, "Título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado" e ainda expõe: "Em outros termos, o título prova a existência de uma relação jurídica, especificamente uma relação de crédito; ele constitui a prova de que certa pessoa é credora de outra; ou de duas ou mais pessoas são credoras de outras"(cap.10, pág.363).

A duplicata é título de crédito criado pelo direito brasileiro. Sua origem se encontra no artigo 219 do Código Comercial, que impôs aos comerciantes atacadistas, na venda aos retalhistas, a emissão da fatura ou conta - isto é, a relação por escrito das mercadorias entregues. O instrumento devia ser emitido em duas vias ("por duplicado", diz a lei), as quais, assinadas pelas partes, ficariam uma em poder do comprador, e outra do vendedor. Mais adiante o artigo 427 do Código Comercial equiparava as duplicatas de fatura às Letras de Câmbio. A revogação de todo Título XVI do Código pela Lei Cambial de 1908 fez desaparecer o artigo 427 e com ele a equiparação.

A economia mundial após a Primeira Guerra mundial passou a conhecer o incremento de um tipo de venda até então pouco utilizado - a venda à prazo. A necessidade de compor um instrumento que tivesse uma eficácia para tal tipo de relação comercial, fez com que uma união não muito comum ocorresse, o fisco e o comércio, ao fisco lhe interessava ter um documento para fiscalizar o IVC (Imposto Sobre Venda e Consignações) à época existente, e ao comércio lhe interessava um instrumento que possibilita-se a compra e venda à prazo, após algumas leis esparsas de cunho fiscal, veio a Lei nº 187, de 1936, que mandava aplicar à duplicata a Lei Cambial. Após tanto veio finalmente, a Lei 5474/68, que deu à Duplicata a sua disciplina própria como título de crédito, e que permanece, embora com as alterações sofridas, especialmente a Lei nº6.458/77, que passou a tratar a duplicata como um verdadeiro título de crédito.

A duplicata assim é um título de crédito extra-judicial que nasce de um negócio; negócio esse que foi realizado e no qual foi concedido um crédito em favor do sacado (comprador) pelo sacador (emitente, vendedor), esta especificidade qualifica a duplicata como um título de emissão causal, ou seja, a duplicata só pode ser emitida em razão de uma relação comercial entre o emitente e sacado. A relação comercial pode ser de natureza mercantil (compra e venda) ou como uma prestação de serviços, esta ultima se difere em dois pontos da cártula mercantil, primeiramente a causa que autoriza sua emissão não é a compra e venda mercantil, mas sim a prestação de serviços; a segunda é no que tange seu protesto por indicações depende da apresentação, pelo credor, de documento comprobatório da existência do vinculo contratual e da efetiva prestação dos serviços.

A duplicata tem a obrigatoriedade de aceite, pois representa o negócio de compra e venda. Conforme Fabio Ulhoa Coelho conceitua "O aceite da duplicata é obrigatório porque, se não há motivos para a recusa das mercadorias enviadas pelo sacador, o sacado se encontra vinculado ao pagamento do título, mesmo que não o assine". Esta obrigatoriedade do aceite é uma condição em vista de que a duplicata é um único título que é emitido pelo credor. Ressalta-se, contudo, que a recusa do aceite da duplicata não pode ocorrer por simples vontade do sacado. Dispõe o art. 8º da lei da duplicatas que a recusa só pode ocorrer nos seguintes casos: 1) avaria ou não-recebimento das mercadorias, quando transportadas por conta e risco do vendedor; 2) vícios os defeitos e diferenças na qualidade ou na quantidade; 3) divergência nos prazos ou preços combinados. Ora se do vendedor cumprir sua obrigação na relação comercial, não pode o devedor por simples impulso subjetivo não aceitar a duplicata por qualquer motivo extra os supra citados.

A Duplicata é reconhecida como título de crédito extrajudicial previsto no artigo 585 em seu inciso I do código civil brasileiro, isso reconhece a duplicata o poder de ser fundamento de ação de execução.

O QUE É O PROTESTO POR INDICAÇÃO:

O protesto por indicação é uma exceção especialíssima, onde o protesto do título de crédito pode ser feito sem a apresentação da cártula ao tabelião, pode ser exercido quando duplicata é remetida ao devedor para o aceite e este a retém, exemplificando na jurisprudência de decisão proferida no recurso especial nº369.808 do STJ onde a terceira turma proferiu o acórdão com a seguinte ementa "A retenção da duplicata remetida para aceite é condição para o protesto por indicação, inadmissível o protesto de boletos bancários". ou seja, além de indicar que a retenção da duplicata é condição para o protesto por indicação ainda explana que o protesto de boletos bancários é inadmissível. No mesmo julgado supra referido o Exmo. Sr. Ministro Castro Filho quando ao proferir seu voto faz ainda as seguintes considerações sobre a matéria do protesto por indicação e a executividade de boletos bancários "Quando instado a juntar seus títulos, junta boletos bancários protestados, protestos de duplicatas por indicação, comprovantes de entrega de mercadorias e triplicatas emitidas para substituir duplicatas nunca expedidas (grifo dele).

Em primeiro lugar, boletos bancários não são títulos de crédito e não podem ser protestados. Em segundo lugar, duplicatas podem ser protestadas por indicação apenas quando retidas pelo devedor, devendo ser comprovada tal retenção, o que não foi feito."

"Destarte, não foi comprovada a negativa do aceite, aliás impossível comprovar eis que o título sequer foi emitido, muito menos apresentado para tal".

O QUE É PROTESTO CAMBIAL:

A lei define o protesto como "ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos outros documentos de dívida" (Lei n.9492/97 art. 1º). As obrigações originadas em títulos e outros documentos de dívida, citados na lei como hábeis para provar a inadimplência, quando esta se fizer necessário, são melhores definidos como os direitos expressos em títulos de crédito.

O protesto apresenta a função de constituir o devedor em mora e constranger, legalmente, este ao pagamento, sob pena de ter registrado conta si ato restritivo de crédito, evitando, assim, que todo e qualquer inadimplemento vislumbre na ação judicial a única providência formal possível. Todavia, como meio de constrangimento, deve o protesto comportar-se rigorosa e estritamente dentro dos ditames da lei, sob pena de transfigurar-se em ato ilegal e abusivo.

Os atos restritivos de crédito são sentidos quando o devedor protestado, vê seu crédito abalado e impedido de praticar várias operações de crédito, financiamentos, habilitação em concorrências públicas, etc.

A citada Lei, que normatiza os serviços inerentes ao protesto cambiário buscou disciplinar a matéria, pois o protesto sendo um meio legal de constrangimento de ter o crédito restringido, deve ser tipificado para que não haja lacunas que possibilitem o uso do protesto de forma abusiva e ilícita. O constrangimento maior e por meios não previstos em lei, é ilegal, devendo, por isto serem coibidos.

Traz, ao seu artigo primeiro, a conceituação do protesto como sendo "o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida." Que se constitui em ato formal, dúvida inocorre. Contudo, jamais solene, na acepção jurídica da palavra. Solene é o ato cuja celebração, para validade, necessite realizar-se mediante cerimônia ou ritual, evidentemente inexistente na lavratura do protesto, a qual, vencido o procedimento previsto em lei, materializa-se mediante mero ato burocrático de lançamento de dados e extração do respectivo instrumento. Tal expressão deve ser inteiramente desconsiderada, até porque a lei, no seu âmago, não preconizou ritual ou cerimônia alguma a qualquer das fases do procedimento do protesto.

Seu procedimento inicia-se com o apontamento do título (o protocolo do seu ingresso no cartório), seguindo-se a intimação do devedor para pagá-lo, aceita-lo, devolve-lo ou, ainda, dar as razões da recusa a tanto, findando-se com o aceite, a devolução, o pagamento, a desistência, a sustação judicial ou lavratura do protesto e extração do respectivo instrumento, conforme o caso e a conduta do devedor.

PROTESTO DE FICHAS OU BOLETOS

Em nome da especialíssima exceção do protesto por indicação é que vêm as instituições financeiras do País remetendo a protesto, meros boletos bancários, como se estivessem eles aptos à substituição e até supressão das duplicatas mercantis e de prestação de serviços, propiciando saques fraudulentos e enriquecimento ilícito a empresas ou supostas empresas, constrangendo ilegalmente milhares de cidadãos. Ora a lei é expressa e tem como objetivo evitar que tal pratica ocorra, justamente a finalidade de proteção do cidadão contra os protestos de dívidas inexistentes está sendo realizado de forma abusiva e ilegal.

Com advento da comunicação on-line e a consolidação de relações comerciais por via da transmissão de dados informatizada nos parece, em um primeira análise que o principio da cartularidade estaria desaparecendo, ou seja, a segurança relacionada ao papel em épocas passadas, não estaria mais sendo necessária as relações cambiais de hoje. Mas antes de nos aprofundarmos nesse aspecto, veremos os posicionamentos doutrinários e jurisprudências em relação ao uso do protesto por indicação por via de regra.

Na obra de direito comercial do catedrático Rubens Requião, dispõe no ponto destinado ao estudo do protesto por indicação que, "essas indicações, evidentemente, não podem ser simplesmente oferecidas verbalmente, mas por escrito, fundadas em documento (protocolo de entrega) que prove o recebimento do título pelo sacado" pag507, ou seja, Rubens Requião expõe que o protesto por indicação, só pode ser usado no caso de retenção da cártula pelo sacado, não fazendo citação sobre o protesto por indicação fora desta situação.

Em contra partida o doutrinador Fabio Ulhoa Coelho apesar de afirmar na parte de seu curso de direito comercial v1 onde estuda o protesto por indicação que, "a retenção da duplicata pelo comprador impede, por óbvio, a sua apresentação pelo vendedor ao cartório de protesto. Para efetivação do ato formal, neste caso, a lei admite que o credor indique ao cartório os elementos que indicam a duplicata em mãos do sacado" pag453, quando trata deste dispositivo em seu ponto intitulado "executividade da duplicata por meio magnético" expõe que "a duplicata é título executivo extrajudicial, mesmo que seu suporte seja exclusivamente meio informatizado". Fabio Ulhoa Coelho assim defende que a chamada "duplicata virtual" é um título capaz de ser executado.

É de fácil reconhecimento que tais matérias como o protesto por indicação, a executividade da duplicata virtual e o processo de despapelização são controversos na doutrina; mas veremos a seguir que tal divergência ocorre também na jurisprudência brasileira.

Na apelação cível n197278484 interposta no Tribunal de justiça do RS, julgada em 13/04/00, sustou o protesto e declarou a nulidade, cancelando a compra e venda justamente por não ter a comprovação que a cártula foi remetida ao sacado; outro exemplo foi a decisão sobre o recurso especial julgado pelo STJ onde admite a execução da duplicata não devolvida, fazendo assim o protesto por meio de indicação sem a necessidade da extração da triplicata; esses dois exemplos contradizem o conteúdo da apelação cível 700001000040 que faz uso do instrumento de protesto por indicação em caso extravagante ao da retenção da cártula pelo sacado, dando a força da executividade ao boleto bancário.

Sendo assim, não concordamos com Fabio Ulhoa Coelho no que se atém, que o artigo 15 da lei 5474/68 permitiria o protesto por indicação da duplicata mercantil virtual, de modo que ela e os instrumentos do comercio atual necessitariam de uma alteração na atual legislação para que não seja dado força de ´titulo executivo, a algo que fere um dos princípios fundamentais do comercio cambial; o principio da cartularidade.


Notas:

* Igor Reichow, Advogado e Consultor em franchising da Exattus Educação Profissional. Sócio do Escritório Bilhalva, Raupp & Reichow - advogados associados. Pós-graduando em Direito Processual - UCPel. [ Voltar ]

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1 Comentários

Thais Lacerda Advogada12/12/2006 17:30 Responder

O boleto bancário poderá ser protestado sim, diferente do que trata o texto. A impossibilidade se encontra em instruir uma execução apenas com o boleto, mesmo que protestado. Nos termos do ARt. 585, I do CPC, só serão títulos executivos judiciais os enumerados. E a enumeração é numeru clausus.

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