Excludentes de responsabilidade civil

Davi do Espírito Santo, Bacharel em Direito pela Faculdade Dinâmica das Cataratas - UDC - Foz do Iguaçu - PR. E-mail: davi.m@uol.com.br.

Fonte: Davi do Espírito Santo

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Davi do Espírito Santo ( * )

O princípio da responsabilidade fundamenta-se na existência de um dano, da relação de causalidade entre o dano e a culpa do agente (doutrina subjetiva) ou entre o dano e sua autoria (doutrina objetiva).

Existem, porém, algumas situações especiais previstas no ordenamento jurídico e na doutrina que, inobstante ocorra a ação voluntária do agente e a ocorrência do dano, exclui-se a responsabilidade da obrigação ressarcitória.

Essas exceções apresentam em comum o rompimento ou alteração do nexo causal.

EXCLUDENTES LEGAIS DE RESPONSABILIDADE

As excludentes relativas de responsabilidade são assim denominadas pelo fato de que as ações praticadas pelo agente contêm todos os elementos do fato material, quais sejam: a conduta seja ela dolosa ou culposa; o resultado emanado da ação praticada; o nexo de causalidade que é o liame entre a ação e o seu responsável. Entretanto, não é considerado fato ilícito, embora o ordenamento o prescreva como tal, pelo fato de uma excludente de ilicitude ou de antijuridicidade.

São relativas, portanto, pois, caso não se verifique as condições necessárias para a configuração da dirimente(1), serão consideradas atos ilícitos.

ESTADO DE NECESSIDADE

"Encontra-se, também, justificativa para o mal causado a outrem a deterioração ou destruição de coisa alheia, a fim de remover perigo iminente. Esboça-se, nesta hipótese, um conflito de direitos ou de interesses"(2) caracterizando-se o estado de necessidade.

O estado de necessidade tem previsão no artigo 188, inciso II do Código Civil e no artigo 23, inciso I do Código Penal, encontrando-se no artigo 24 deste o seu conceito:

Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

Existe uma polêmica doutrinária quanto aos artigos 929 e 930 do Código Civil que complementam o artigo 188, II, determinando os casos em que há a necessidade de indenização pelo dano causado mesmo em estado de necessidade. Isto porque embora seja considerada lícita a ação praticada conforme o inciso II do artigo 188, a própria legislação civil restringe a possibilidade do agente causador do dano, agindo em estado de necessidade, eximir-se da indenização. Isto somente ocorrerá se o dono da coisa for o culpado pelo perigo (artigo 929), pois mesmo que o perigo tenha se dado por ato de terceiro ou tenha ocorrido para salvaguardar bem de terceiro, competirá ao agente causador do dano a indenização ao ofendido, restando-lhe a ação regressiva contra o verdadeiro responsável pela situação de perigo que gerou o dano ou contra aquele em favor de quem se danificou a coisa, pois o estado de necessidade, reconhecido em processo crime, não autoriza isentar o réu da responsabilidade de pagar a respectiva indenização e o estado de necessidade não elide a responsabilidade civil, contrariamente ao que ocorre no criminal, autorizando o autor do dano apenas exercitar seu direito de regresso contra o causador da situação de perigo.

É fundamental que sejam analisadas as circunstâncias em que ocorreu o fato danoso para verificar a ocorrência dos elementos do estado de necessidade. São eles:

a. Perigo atual: assim como na legítima defesa, somente o perigo atual, aquele que está acontecendo, justifica a conduta lesiva. Embora o ordenamento não faça menção ao perigo iminente é razoável o entendimento de "que não se pode obrigar o agente a aguardar que o perigo iminente se transforme em perigo atual"(3) para praticar o fato necessitado;

b. Que não tenha provocado por sua vontade: Disto decorre que quem tenha provocado a situação de perigo não pode escusar de responder pelo evento danoso alegando estado de necessidade. Entretanto, existe discussão sobre o caráter culposo ou doloso da ação. Existem correntes doutrinárias que alegam que se o fato lesivo ocorreu por culpa do agente (negligência, imprudência ou imperícia) se aproveita a discriminante. Nos casos em que agiu dolosamente, entretanto, não terá sentido a alegação justificadora do agente;

c. Inevitabilidade do comportamento lesivo: "É preciso que o único meio que se apresente ao sujeito para impedir a lesão do bem jurídico, seja o cometimento do fato lesivo"(4). Logicamente se há condições de se evitar o perigo de uma forma menos lesiva, a adoção do procedimento mais lesivo não justificará a utilização do estado de necessidade;

d. Inexigibilidade de sacrifício do interesse ameaçado: Há que existir uma comparação dos interesses em razão da proporcionalidade da ameaça ao bem jurídico a ser protegido e o dano causado pelo fato necessitado. Podemos dizer que este é o sentido da parte final do caput do artigo 24 do Código Penal: "cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se". Não se justifica, por exemplo, o homicídio praticado pelo dono da propriedade rural contra o agente que lhe rouba frutas do pomar, pois fácil é verificar a desigualdade entre os bens jurídicos envolvidos.

EXCLUDENTES DOUTRINÁRIAS DE RESPONSABILIDADE

Embora o Código Civil não se lhes refira diretamente, diferentemente das excludentes relativas de responsabilidade, existem doutrinariamente difundidas as excludentes do nexo de causalidade, onde o ato ilícito não se verifica pela inexistência ou impossibilidade de verificação do nexo de causalidade que é fator determinante para identificação do ofensor e necessário para a caracterização da responsabilidade civil e que para sua verificação, entretanto, surgem várias dificuldades:

Primeiramente, existe a dificuldade em sua prova; a seguir, apresenta-se a problemática da identificação do fato que constitui a verdadeira causa do dano, principalmente quando este decorre de causas múltiplas. Nem sempre há condições de se estabelecer a causa direta do fato, sua causa eficiente. Normalmente, aponta-se a teoria da causalidade adequada, ou seja, a causa predominante que deflagrou o dano, o que nem sempre satisfaz no caso concreto (5).

Todavia, não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela conseqüência. O dano poderá ter efeito indireto, mas isso não impede que seja, concomitantemente, um efeito necessário da ação que o provocou. P. ex.: se um desordeiro quebrar vitrina de uma loja, deverá indenizar o dono não só do custo do vidro e sua colocação, mas também do valor dos artigos furtados em conseqüência de seu ato, por ser dano indireto, embora efeito necessário da ação do lesante(6). Isso se verifica mais propriamente no caso fortuito ou de força maior e de forma questionável nos casos de culpa da vítima e fato de terceiro.

No caso específico de cláusula de não indenizar, não há exatamente a não caracterização do vínculo, mas encontra-se excluída a responsabilidade por uma convenção entre as partes.

CULPA DA VÍTIMA: EXCLUSIVA E CONCORRENTE

Esta concepção doutrinária reforça a posição de outras, que entendem possível a responsabilidade civil até mesmo na situação onde existe a confusão entre o ofensor e a vítima: "O fato de se confundirem, no mesmo patrimônio, o crédito pela reparação e a obrigação respectiva não afeta a figura da responsabilidade. O que se dá é o desinteresse na caracterização do dever de reparação conseqüente à responsabilidade"(7).

Não se discute, portanto, a inexistência da responsabilidade, mas a ineficácia da cobrança da imputação ao agente da obrigação de reparar ou indenizar, claros que estão o desinteresse e a finalidade prática, já que incidirão sobre o mesmo patrimônio.

Casos existirão em que a culpa não será exclusiva da vítima e sim existirá a culpa concorrente significando que, não sendo a única causadora do prejuízo, concorreu para o resultado. Na liquidação, portanto, deverá ser mensurada a parte equivalente à contribuição da vítima, descontando-a do valor total da indenização correspondente. Entendimentos existem que defendem, no caso da culpa concorrente da vítima, a repartição proporcional dos prejuízos.

Justa é a proposta apresentada por Caio Mário Pereira, baseada na teoria da equivalência das condições:

A solução ideal, portanto, é especificar matematicamente a contribuição da culpa da vítima para o efeito danoso. Se for possível determinar, na estimativa da situação fática, qual o grau de participação da vítima no resultado danoso, cabe ao juiz estabelecer a proporcionalidade na reparação. Não sendo possível, como na maioria dos casos não o é, calcula-se essa contribuição, e uma vez determinado que para o dano concorresse o fato da vítima, sem quantificar a causa, somente resta a partilha por igual, reduzindo a indenização à metade.(8)

CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR

Embora existam entendimentos de que as expressões são sinônimas e outros que preferem distingui-las, o que de fato importa no campo da responsabilidade civil é que ambas têm a mesma atuação, afastando o nexo causal e, desta forma, isentando da responsabilidade tanto contratual como aquiliana e, por conseguinte do encargo indenizatório. O caso fortuito está relacionado aos acontecimentos proporcionados pela Natureza tais como vendaval em regiões em que não são comuns, tromba d'água, terremotos, inundação e incêndio não provocado; diferentemente, o caso de força maior decorre de ato humano tais como guerra, revoluções e greves.

Importante a lição de Hely Lopes Meirelles:

O que caracteriza o 'caso fortuito' e a 'força maior' é a imprevisibilidade (não a imprevisão) do evento, aliada à inevitabilidade de seus efeitos. Fato ou ato imprevisível, mas de efeitos evitáveis, quando surja, não constitui caso fortuito. Situação inevitável, mas de efeitos contornáveis, ainda que onerosos, também não é motivo de força maior, liberatório de obrigações.(9)

FATO DE TERCEIRO

Classifica-se com terceiro aquele que não se configura como vítima nem direto causador do dano. Diferentemente da relação negocial, não se cuida de pessoas "que tenham ligação com o agente causador, tais como filhos, empregados e prepostos. Nessa hipótese os atos desses terceiros inculpam os pais, patrões e preponentes."(10)

Exemplo clássico é o do motorista que, em razão de manobra brusca de outro veículo, avança sobre a calçada e causa danos a pedestres. A jurisprudência dominante dificilmente reconhece o fato de terceiro como excludente do nexo causal. De fato, nos parece claro, que não deixa de existir o nexo causal entre a vítima e o agente que causa o dano, apenas que o mesmo é derivado de outra conduta que lhe ocasionou gerando, assim, ações e reações cumulativas que culminaram no dano efetivo. No caso do motorista "o agente apenas se livrará da indenização de (sic)(11) provar que dirigia com todas as cautelas possíveis e que a manobra do terceiro era totalmente imprevisível" descaracterizando a conduta culposa, elemento constituinte do fato típico. Mesmo assim, de acordo com a teoria objetiva do risco, poderá haver entendimento que a pessoa, ao se colocar ao volante, mesmo não desejando, assume o risco da produção do resultado não pretendido.

O ordenamento jurídico, embora não textualmente, regulamenta casos como o fato de terceiro ao dispor no artigo 929 que à vítima, se não culpada do perigo, cabe o direito de reparação ou indenização paga pelo agente que deu causa direta ao dano, e caberá ação regressiva deste contra o terceiro que provocou a situação de perigo (artigo 930), o que raramente ocorre pela dificuldade existente na identificação. Mesmo nos casos onde for possível identificar o terceiro, em função da responsabilidade solidária estabelecida pelo artigo 942, "se o agente não lograr provar cabalmente que o terceiro foi a causa exclusiva do evento, tendo também o indigitado réu concorrido com a culpa, não elide o dever de indenizar" (12).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1979, v. 1.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003.

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. Volume 1 - Parte Geral. 23. ed., versão atualizada, São Paulo: Saraiva, 1999.

MEIRELLES, Hely Lopes. Responsabilidade Civil Decorrente da Obra Pública. São Paulo: RT, Vol. 307. 1961.

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

______, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro; Forense, v. 1, 2004

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em Espécie e Responsabilidade Civil. Coleção Direito Civil; v. 3. São Paulo: Atlas, 2001.



Notas:

* Davi do Espírito Santo, Bacharel em Direito pela Faculdade Dinâmica das Cataratas - UDC - Foz do Iguaçu - PR. E-mail: davi.m@uol.com.br. [ Voltar ]

1 - Derivado do latim dirimens, de dirimere (dirimir, destruir, anular), entende-se, na terminologia jurídica, toda circunstância ocorrida na execução de um ato ou realização de um fato, com força para retirar dele toda e qualquer eficácia jurídica. (SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 18. ed., RJ: Forense, 2001) [Voltar]

2 - PEREIRA, Caio Mario. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 296. [Voltar]

3 - JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. Vol 1 - Parte Geral. 23 ed. versão atualizada, SP: Saraiva, 1999. p. 370. [Voltar]

4 - JESUS, Damásio E. de. Op. Cit. p. 375. [Voltar]

5 - VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em espécie e responsabilidade civil. São Paulo : Atlas, 2001, (coleção direito civil; v. 3). P. 518. [Voltar]

6 - DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 92-93. [Voltar]

7 - DIAS, José de Aguiar . Da Responsabilidade Civil. 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1979, v. 1. p. 20. [Voltar]

8 - PEREIRA, Caio Mario. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 299. [Voltar]

9 - MEIRELLES, H.L. Responsabilidade Civil Decorrente da Obra Pública. SP: RT, 1961. p. 218. [Voltar]

10 - VENOSA, Sílvio de Salvo. Contratos em espécie e responsabilidade civil. SP: Atlas, 2001, p. 526. [Voltar]

11 - Entendo que o correto seria: "(...) indenização se provar (...)" [Voltar]

12 - VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em espécie e responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2001, (coleção direito civil; v. 3). P. 527. [Voltar]

Palavras-chave: responsabilidade civil

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