Estado do Paraná é condenado a indenizar mãe de preso que morreu numa cela de Delegacia

Indenização foi fixada em R$ 50.000,00, por dano moral, e R$ 130,00, a título de dano material

Fonte: TJPR

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O Estado do Paraná foi condenado a pagar a quantia de R$ 50.000,00, por dano moral, e R$ 130,00, a título de dano material (reembolso das despesas funerárias), à mãe de um preso (C.R.S.) que morreu na cela de uma Delegacia da Região Metropolitana de Curitiba (PR) em razão de agressões físicas praticadas por agentes da Polícia Civil. Segundo o laudo de necropsia, a morte resultou de uma hemorragia abdominal aguda ocasionada por um golpe contundente. Esses valores indenizatórios deverão ser atualizados pelo índice oficial de correção da caderneta de poupança.


Essa decisão da 1.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná reformou em parte, por unanimidade de votos, a sentença do Juízo da 3.ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba que julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ação de indenização ajuizada pela mãe da vítima (A.F.) contra o Estado do Paraná.


Nos termos do voto do relator, os desembargadores que participaram da sessão de julgamento entenderam, com base em profusa jurisprudência, que, no caso, o Estado violou, por intermédio de seus agentes, o dever de preservar a integridade física daquele que estava sob sua guarda e responsabilidade. No acórdão foi ressaltado o fato de que incumbe ao Estado proteger o preso de eventuais violências que possam ser contra ele praticadas, seja por parte de seus próprios agentes, seja por parte de outros detentos, seja igualmente por parte de qualquer outra pessoa.


Ao caso foi aplicada a norma do § 6º do art. 37 da Constituição Federal que prescreve: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".


Os recursos de apelação


Tanto o Estado do Paraná quanto a autora (mãe do preso) recorreram da sentença. O primeiro alegou que o valor fixado pelo juiz em relação ao dano moral é excessivo, uma vez que se trata de pessoa hipossuficiente, a qual, inclusive recebeu os benefícios da gratuidade durante o decorrer do processo.  Disse também que não foi obedecido o princípio da proporcionalidade, devendo ser reduzido o valor relativo ao dano moral.


Por sua vez, a autora (A.F.) requereu o arbitramento de pensão  mensal, uma vez que a vítima contribuía mensalmente para o seu sustento. Disse que está comprovado nos autos, por meio do testemunho de uma vizinha, que o falecido sempre a ajudava  financeiramente. Afirmou também que é uma pessoa idosa e não tem condições de sustento próprio. Pediu, ainda, a  majoração do valor concernente ao dano moral e aplicação dos juros e correção monetária.


O voto do relator


O relator do recurso de apelação, juiz substituto em 2.º grau Fernando César Zeni, consignou inicialmente: "Toda a controvérsia que deu origem ao evento morte de [...] no interior de uma cela do 1º Distrito Policial de Borda do Campo, teve início porque a pessoa de [...] havia feito um Boletim de Ocorrência, dando conta que a vítima à ameaçava com a possibilidade de incendiar a sua residência e que o falecido estaria muito embriagado e agressivo, tudo conforme o Boletim de Ocorrência  nº 166/2001, anexado às f. 65. Em resposta a tal ocorrência os policiais [...] o abordaram e, segundo consta dos autos, com violência excessiva, levaram o detido para a referida delegacia".


"Claudio, a vítima, veio a falecer no interior da cela, sendo que o Laudo de Necropsia de f. 142/143, concluiu que este veio a falecer por 'Hemorragia Abdominal Aguda após ação contundente'. Esta conclusão afasta a hipótese que foi aventada pelos policiais [...], os quais afirmaram que a vítima havia morrido de infarto. A vítima morreu porque foi esfaqueada, ou seja, de causa não natural e sim provocada. Esta conclusão, aliás, sequer foi objeto de contestação específica pela Procuradoria Geral do Estado, em sua defesa de f. 523/542."


"Assim, não há como afastar o nexo causal entre a omissão ou ação dos responsáveis pelo detento e o evento morte. Caso os policiais tivessem submetido a vítima a um exame de corpo de delito, no momento da prisão, poderia ser detectado o motivo pelo qual ela faleceu, o que não foi feito."


"No caso, ainda que a prisão tenha sido praticada por pessoas que não eram policiais, a responsabilidade fica caracterizada, uma  vez que foi preposto do réu quem as autorizou. Como é sabido,  o Estado é responsável pelos danos que seus agentes, nessa  qualidade, causarem a terceiros, devendo a indenização abranger danos patrimoniais e morais [...]."


"Nesse sentido, a atuação policial deve se pautar sempre pela moderação e principalmente pelo respeito aos direitos  fundamentais da pessoa humana, dentre os quais se inclui a preservação da integridade física dos sujeitos que são conduzidos sob a tutela estatal."


"É certo que os policiais jamais poderiam ter agredido o filho da  autora, sendo inadmissível que alguém seja preso e venha a perder sua vida por agressões provocadas por policiais no interior da cela. O Estado, ao efetuar a prisão, tem o dever de guarda e a responsabilidade pela integridade física e moral do indivíduo."


"No caso em mesa, ficou demonstrado inequivocamente que houve ação policial violenta para prender a vítima e que durante este ato foram praticadas agressões. Também está claro que a vítima foi presa na noite de 7 de março de 2001 e veio a falecer no interior da cela em que se encontrava detido na madrugada de 8 de março de 2001."


"Faz-se  necessário destacar que o estado de embriaguez da vítima em nada influiu para o resultado morte, o qual foi atestado como provocado pela hemorragia interna decorrente  de ação contundente. Também não há que se cogitar da influência de outras doenças como a sugerida hipertensão e doenças cardíacas. A morte da vítima ocorreu, tão somente, em função das agressões sofridas."


"Superado tal ponto, cumpre analisar os pedidos formulados pela autora. Inicialmente, com relação ao pedido de reembolso das despesas funerárias verifica-se que não há prova do valor indicado pela autora. Nos autos foi acostado unicamente recibo no valor de R$ 130,00 (cento e trinta reais), razão pela qual é somente esse montante que deverá ser reembolsado."


"No tocante à pensão alimentícia, procedem as alegações do réu [Estado do Paraná]. Muito embora a autora seja aposentada, não há nos autos qualquer elemento capaz de comprovar a dependência econômica entre ela e a vítima. A autora morava com outros três filhos, todos maiores de idade e em condições de trabalho."


"Ademais, a vítima auferia à época da morte o valor líquido  de R$ 127,00 (cento e vinte e sete reais) mensais, considerando que  possuía família própria (companheira e enteada) e ainda pagava pensão alimentícia para a filha havida de outro relacionamento, certamente ela não contribuía, ao menos não regularmente, para o sustento da mãe."


"Relativamente aos danos morais, é indubitável que a perda de um filho gera grande abalo psíquico para a mãe. No presente caso, tal fato fica ainda mais evidente devido ao fato de que a morte ocorreu de forma abrupta e violenta, tendo a autora presenciado seu filho ser preso em meio às agressões. Nessa  toada, acerca do dano moral, por se tratar o réu de ente público, apenas se faz necessário ao caso a demonstração da ação ou omissão realizada pelo agente público, no exercício de suas funções, ou de particular que lhe faça às vezes, e, ao menos, a constatação com base em elementos contidos nos autos de indícios que possam levar este Juízo a presumir a ocorrência efetiva de um dano moral da vítima, prescindindo, neste caso, da comprovação da existência de culpa, nos termos do art. 37, § 6º, da  CF/88."


"Ora, no caso em tela, existe comprovação de ato ilícito por parte do réu, capaz de gerar referida responsabilização e conseqüente direito da autora à indenização, pois restou comprovado que os policiais agrediram o filho dela, acarretando a hemorragia abdominal que culminou no seu falecimento."


"Cumpre ressaltar que o dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Segundo a escorreita lição de Maria Helena Diniz, a reparação em dinheiro viria neutralizar os sentimentos negativos de mágoa, dor, tristeza, angústia, pela superveniência de sensações positivas de alegria, satisfação, pois possibilita ao ofendido algum prazer que, em certa medida, pode atenuar o seu sofrimento."


"Diante  da situação econômica da autora, a natureza e a extensão do dano sofrido e o grau da responsabilidade, fixo o valor da indenização, a título de satisfação pelos danos morais suportados, em R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais)."


"Esse valor da indenização deverá ser atualizado pelo índice oficial de correção da caderneta de poupança a partir da data do arbitramento, nos termos da orientação contida na Súmula nº 362 do Superior Tribunal de Justiça e da disposição contida  no  artigo  1º-F da Lei nº 9.494/97."


"Isso posto, com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo parcialmente procedente o pedido para condenar o réu a pagar à autora o valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), a título de dano moral, a ser atualizado monetariamente pelo índice oficial de correção da caderneta de poupança desde a data desse arbitramento."


"Condeno ainda o réu ao pagamento de dano material no valor de R$ 130,00 (cento e trinta reais), sendo que o referido  valor deverá ser atualizado também pelo Índice oficial de correção da caderneta de poupança desde a data do efetivo desembolso."


"As razões contidas na sentença não merecem qualquer reparo e  a alegação de que o valor do dano moral está elevado não pode ser acolhida, visto que o Estado, segundo consta dos autos, ao  retirar a vida de [...], gerou inconseqüentes e infindáveis danos de ordem psíquica perante aqueles que com ele conviviam."


"Forte, aliás, a lição de Cretella Júnior nesse sentido ao enfatizar: 'Pessoas recolhidas a prisões comuns ou a quaisquer recintos sob a tutela do Estado têm o direito subjetivo público à proteção dos órgãos públicos, cujo poder de polícia se exercerá para resguardá-las contra qualquer tipo de agressão, quer dos próprios companheiros, quer dos policiais, quer ainda de pessoas de fora, que podem, iludindo a vigilância dos guardas, ocasionar danos aos presos (...)'  (STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 5ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 890)"


"É pacífico na jurisprudência que, na fixação do quantum indenizatório deve-se levar em consideração as condições pessoais do Autor e do Réu, sopesadas pelo prudente arbítrio do Juiz, com a observância da teoria do desestímulo."


"Assim, a indenização a título de danos morais deve ser fixada em  termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, mas deve o arbitramento operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa e ao porte econômico das partes."


"Não se pode julgar a valoração do dano moral tão somente pelo fato de a vítima estar sob investigação, fato que restou duvidoso nos autos, na medida em que aceitar este tipo de truculência importaria em retrocesso na evolução do processo civilizatório."


"O valor de R$ 50.000,00, arbitrado em sentença, segundo opinião pessoal deste relator, é irrisória, se é que a vida humana realmente pode ser tabelada."


"Não há compensação que pague a perda de uma vida humana,  tanto que no plano doutrinário e jurisprudencial esta conseqüência  é tratada como uma forma de compensar a ausência."


"Cláudio Rodrigues dos Santos não tinha condenação judicial e não estava sofrendo  o cumprimento de nenhuma mandado nesse sentido. Não havia motivo que motivasse tal prisão e agressão, muito menos sua morte. Apenas se trata de uma  simples abordagem, no intuito de apaziguar uma briga de casais, em tese, o que não justifica a policia prender o sujeito de modo extremamente brutal, e pior, causar sua morte, quando deveria resguardar por ela."


"Não foi elevada a fixação e pouco importa que a vítima era hipossuficiente e que foi agraciada com os benefícios da gratuidade, conforme requerimento inicial. Não  existe a pretendida correlação feita no recurso de apelação com o valor fixado e a condição de pobreza da vitima. O que importa é, repita-se, compensar a perda de uma  vida. O critério levado a efeito pela sentença está correto, visto que o valor arbitrado servirá para minimizar todo e qualquer sentimento [...]."


"Ademais, a vítima morava nos fundos da casa da mãe, o que proporcionava um convívio social intenso, diferente do preso que já está cumprindo pena há anos e muitas vezes a família pouco se importa com o estado em que ela se encontra."


"Sobre o valor da indenização por dano moral, deve ser aplicada a correção monetária e juros a partir do arbitramento, com base no art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997."


"Por outro lado, a valoração do dano material não comporta  aumento, como requerido pela genitora da vítima, porquanto o valor acima tem sido fixado em casos de morte por esta Câmara."


"Quanto à alegação de que a autora, mãe da vítima, era dependente do seu filho, mais uma vez a decisão está acertada, na medida em que a vítima possuía  família própria, com companheira e enteada e, ainda, pagava pensão alimentícia para outro filho."


"Acolher esta pretensão com base no depoimento de uma vizinha, a qual narrou que a vítima comentava que ajudava financeiramente sua mãe, é condenação que tem frágil sustentação probatória, sobretudo se considerado o fato de que a mãe vive com mais três filhos."


"Não se nega que esporadicamente a vítima poderia agraciar sua  genitora, mas tal circunstância é insuficiente para gerar um vínculo dependência, sobretudo porque o valor que recebia mensalmente, cerca de R$ 200,00, não pode ser considerado suficiente para sustentar uma família e sua genitora."


"Não há prova de que a vítima auxiliava sua mãe mensalmente, como afirmado às f. 77 do recurso."


O julgamento foi presidido pelo desembargador Ruy Cunha Sobrinho (sem voto), e dele participaram os desembargadores Rubens Oliveira Fontoura e Salvatore Antonio Astuti.

Palavras-chave: Indenização; Mãe; Morte; Cela; Prisão; Preso; Responsabilidade

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2 Comentários

Hugo Cintra Advogado24/09/2011 2:21 Responder

Se o Exmo. Desembargador Relator entende que a condenação por danos morais no valor de R$ 50.000,00 é irrísória diante da perda de uma vida, então, porque a falta de coragem para majorar tal valor? Vejo uma indisfarçável e amedrontada submissão aos julgados injustos da respectiva Câmara. Se ninguém começar a fazer justiça e realmente coibir tais absurdos praticados pelo Estado, aplicando indenizações realmente altas, a jurisprudência atual nunca vai mudar e contiaremos dando \\\"carta branca\\\" para que o ilícito se repita. É de lamentar!

edmar advogado muito bom19/02/2014 0:34 Responder

Gostei demais da fundamentaçao

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