Ensinamentos de "Antígona" para o Direito

Francisco Carlos Távora de Albuquerque Caixeta, Advogado/PA. Artigo elaborado em dezembro de 2007.

Fonte: Francisco Carlos Távora de Albuquerque Caixeta

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Francisco Carlos Távora de Albuquerque Caixeta ( * )

Édipo, rei lendário de Tebas, sem saber matou o pai e desposou a mãe, Jocasta. Dessa relação incestuosa nasceram Antígona, Ismene, Etéocles e Polinices. Ao saber que era mãe de Édipo, Jocasta se enforcou. A dramática história de Édipo inspirou Sófocles na que é tida a sua mais bela peça teatral, Édipo Rei. A trilogia de Édipo é composta por Édipo-rei; Édipo em Colono e Antígona. Todas escritas por Sófocles.

Em Antígona, a narrativa de Sófocles segue a tradição mitológica. Antígona é a tragédia de Sófocles mais reconhecida após Édipo-rei, sua magnum opus, tendo sido representada pela primeira vez em 441 a.C..

Na trama, depois da desgraça de Édipo, seus dois filhos, Etéocles e Polinice disputam a posse do trono. Polinices cerca a cidade para tomar o trono que está em poder de Etéocles, travando uma luta, vindo a falecer no mesmo dia os dois irmãos, ambos mortalmente feridos no duelo que travaram. Com a morte dos irmãos, quem assume o trono é Creonte, irmão de Jocasta - mãe e esposa de Édipo, e, portanto tio de Antígona. O novo monarca de Tebas manda enterrar Etéocles com todas as honras que lhe eram devidas e acusa Polinices de detrator, proclamando um edito (decreto) proibindo, sob pena de morte, aquele que desse sepultura ao corpo de Polinice, para que insepulto ficasse exposto às aves carniceiras o corpo daquele que recorreu à aliança com os Argivos (povo inimigo) com o intuito de conquistar o poder em sua terra. Pelo fato de ser um irmão, Antígona se rebela contra a lei positiva de Creonte e contrariando o decreto do tirano, enterra o cadáver, prestando, assim, a Polinice o serviço das honras e dos rituais funerários, sendo condenada à morte pela transgressão. A partir desse ponto, desenrolam-se os conflitos objetos da peça.

Todo o orbe jurídico sabe que a temática principal da peça em análise é a oposição direito natural x direito positivo. Assunto esse que consistindo numa lídima deusa Eris (a deusa da discórdia) já colocou em lados opostos grandes nomes da cultura jurídica como Bobbio e Hans Kelsen (defensores do juspositivismo) e Ylves Guimarães e Javier Hervada (defensores do jusnaturalismo).

Em Antígona, os poetas começaram a questionar o mitho, sendo o direito natural igual ao direito divino. Senão vejamos:

Segundo o emérito professor Reinério Luiz Moreira Simões em seu percuciente artigo intitulado "Filosofia do Direito - Lição Introdutória: A Tragédia Antígone", in verbis:

"A tragédia Antígone discute o conflito entre o Direito Natural - o Direito considerado 'pelos antigos como sendo de origem divina e aceito ipso facto como costumeiro ou consuetudinário - e o Direito que toma forma jurídica nas leis estabelecidas pelo governante, tradicionalmente denominado Direito Positivo(...).

Em diversas passagens, Creonte representa a tese do juspositivismo referente à identidade entre Direito e mandatos, como no positivismo jurídico normativo e legalista: os termos Lei e Direito são essencialmente equivalentes; em consequência, a lei que se manifesta injusta constitui Direito formal e não carece de validade(...).

O crime de Antígone foi obedecer aos ditames da "lei divina", que prescreve o sepultamento digno ao cadáver, principalmente quando se trata de um irmão de sangue. Mas ao cumprir a "lei natural" (jus naturae), desobedeceu à norma legal instituída pelos homens, ao Direito posto (jus positum) - ou melhor, imposto - pelo governante.

A questão não é, neste momento, discutir os fundamentos do Direito, quer em seus princípios jusnaturalistas, quer em suas bases juspositivistas. A tragédia Antígone já antevê, através do gênio de Sófocles, o antagonismo entre Lei e Justiça e o problema da vigência das leis injustas. Os adeptos do positivismo jurídico mais radical não aceitam o problema, pois o valor não é objeto da pesquisa jurídica. O ato de justiça consiste na aplicação da regra ao caso concreto. Não pode haver influência de elementos extra legem na definição do Direito Objetivo. Daí o puro legalismo ou o codicismo. Já os partidários do Direito se identificam com os imperativos do justo, quando, sem desprezar o sistema de legalidade, refletem na instância ética que transcende a ordem positiva e ocupam-se com juízos de valor. O jusnaturalismo refere-se a uma ordem jurídica ideal, no sentido de relacionar Moral e Direito e de buscar nos princípios éticos e/ou antropológicos a fundamentação do Direito.

O princípio do Direito Natural é jus quia justum: o direito é o que é justo. Como lema, prefere-se até mesmo a desordem ou a ilegalidade do que a injustiça: Pereat mundus, fiat justitia! Para o defensores do positivismo jurídico, o princípio é jus quia jussum: o direito é o que é ordenado enquanto direito. Como lema, os juspositivistas preferem a injustiça à desordem ou ilegalidade: Dura lex, sed lex!"

Isto é, na tragédia em pauta, o direito natural era o fruto das crenças, deuses e costumes enquanto o direito positivo era o imposto pelo representante do Estado.

Em relação ao conflito direito natural x direito positivo, há que se pontuar ainda:

· Antígona se defende dizendo que o edito está em desacordo com a vontade dos deuses e com os costumes;

· A peça grega é um drama não só individual, mas também sobretudo social;

· Creonte se considera duplamente afrontado pelo desrespeito a uma lei em vigor e pela atitude criminosa vir de uma mulher;

· Antígona justifica o seu "santo delito" com um argumento irrefutável: as leis divinas estão acima das leis humanas;(1)

· A tragédia demonstra a tangibilidade do edito real, uma legitima autoconsciência do poder e a atemporalidade do dever familiar-religioso de sepultar os parentes (soerguido ao patamar de norma social enquanto direito individual de um cidadão);

· Conflito de significados diferentes para a palavra nómos, não pacificado até os dias de hoje;

· Antígona é a mãe da individualização do Direito.

Todavia, isto posto, faz-se mister salientar que o embate entre direito natural e direito positivo não é o único tema abordado na peça.

A democracia é outro tema presente, consoante se depreende das decisões assembleares, a liberdade de participar das decisões do Estado enquanto sociedade, e até mesmo pela revolta do o Corifeu contra a lei do governante.

Nesse sentido, a posição democrática de Hémon é o aspecto mais forte da democracia na tragédia grega em estudo, conforme se infere do diálogo entre Hémon, filho de Creonte e noivo de Antígona, e seu pai Creonte:

"Hémon - Ouve: não há Estado algum que pertença a um único homem!

Creonte - Não pertence a cidade, então, a seu governante?"

Como se vê, quando Sófocles apresenta Hémon tentando se impor perante Creonte, sem submissão, pode-se simbolizar um debate entre Democracia e Tirania. A postura democrática de Hémon é evidente. Ele percebe que o poder não faz sentido isoladamente ou em desacordo com aqueles em função de quem é exercido. A Cidade (o Estado) é bem de todos e não daquele que exerce o poder de mando. Destarte, Hémon nada mais quer que Tebas não seja governada por uma Tirania, quer que Creonte escute o que o povo tem a falar, quer que seja acatada a decisão do povo no que tange ao destino de Antígona, quer que a escolha do povo se sobreponha à lei outorgada pelo monarca.

Quer dizer, a relevância e necessidade da Democracia no panorama político vivenciado por Antígona e Creonte evidenciam a importância da Democracia na Grécia Antiga.

Alfim, impõe-se mencionar, mesmo que perfunctoriamente, outros assuntos tratados na peça, a saber: Principio da Isonomia (Creonte sustenta a sua decisão asseverando que não poderia deixar de matar Antígona pelo fato dela ser sua sobrinha, pois as leis deveriam ser para todos. Ademais, em outra passagem, Antígona quis dizer que os mortos tem os seus direitos, porque a morte iguala a todos)(2), Direito Penal (o decreto de Creonte previa a pena de lapidação para aquele que ousasse sepultar Polinices. Pena essa que implicava em derramamento de sangue e era um ato ímpio, um sacrilégio, caso aplicada a uma mulher virgem(3)), além de machismo, autoritarismo e alienação política.

BIBLIOGRAFIA.

BOAVENTURA, Bruno José Ricci. Antígona: a mãe da individualização do Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1308, 30 jan. 2007. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9440. Acesso em: 04 dez. 2007.

SIMÕES. Reinério L. M. Filosofia do direito - lição introdutória: a tragédia Antígone. Disponível em: http://www.Reinerio.Kit.net/testos/antígone.htm. Acesso em: 03 dez. 2007.

SIMON, Henrique Smidt. Sófocles e a Democracia em "Antígona". Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 63, mar. 2003. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3855. Acesso em: 04 dez. 2007.

SÓFOCLES. Antígona; traduzido diretamente do grego por Domingos Paschoal Cegalla - Rio de Janeiro: DIFEL, 2001.


Notas:

* Francisco Carlos Távora de Albuquerque Caixeta, Advogado/PA. Artigo elaborado em dezembro de 2007.[ Voltar ]

1 - Antígona; traduzido diretamente do grego por Domingos Paschoal Cegalla, p.47Voltar

2 - Antígona; traduzido diretamente do grego por Domingos Paschoal Cegalla, p. 50Voltar

3 - Esse foi o principal motivo que elevou Creonte a matar Antígona à fome. Voltar

Palavras-chave: Antígona

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8 Comentários

Francisco Carlos Távora de Albuquerque Caixeta Advogado20/01/2008 8:13 Responder

NOTA DE ESCLARECIMENTO: Primeiramente, gostaria de agradecer humildemente ao Nobre Leitor que me dá a honra de gastar breves instantes de seu precioso tempo para ler mesmo "en passant" qualquer um de meus escritos. Nesse azo, em Bibliografia leia-se: BOAVENTURA, Bruno José Ricci. Antígona: a mãe da individualização do Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1308, 30 jan. 2007. Disponível em: . Acesso em: 04 dez. 2007. SIMON, Henrique Smidt. Sófocles e a Democracia em "Antígona". Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 63, mar. 2003. Disponível em: . Acesso em: 04 dez. 2007. Contudo, não sei explicar a origem da falta dos endereços eletrônicos supramencionados, pois eles constam em meus originais, devendo ter havido alguma espécie de problema na transmissão de dados totalmente alheio à minha vontade e à do extremamente competente e diligente site JURID. Grato pela atenção, Francisco Carlos Távora de Albuquerque Caixeta Advogado/PA e Autor do artigo.

Francisco Carlos Távora de Albuquerque Caixeta Advogado20/01/2008 8:18 Responder

NOTA DE ESCLARECIMENTO II: Os dois aludidos trabalhos foram retirados do site Jus Navigandi. Não sei porquê nem na Nota de Esclarecimento abaixo o endereço correto não consta, já que os enviei corretamente.

04/08/2008 17:01 Responder

suely garcia da sila funcionária publica e estudante de Direito06/10/2011 12:31 Responder

obrigada pelo resumo,foi de grande valia.Um abraço

ana caroline estudante de direito19/08/2013 16:03 Responder

muito bom, estou estudando essa materia e, esse artigo me serviu de base

Carina Estudante28/08/2013 20:02 Responder

Muito obrigada! esse artigo é maravilhoso! foi o melhor que já li até agora sobre Antígona, explicou muito bem a obra e ficou tudo bem mais esclarecido pra mim! me ajudou muito mesmo! ^_^

adelson estudante26/11/2013 13:15 Responder

a tragédia como gênero poético e origem do teatro, como instituição social, sua distribuição cênica, seu valor e riqueza cultural.

Lucas Felipe Estudante de Direito16/09/2014 15:18 Responder

Agradeço ao senhor Francisco Caixeta pelo artigo muito bem elaborado e que me proporcionou um excelente conhecimento que não tinha conseguido adquirir ao ler somente a peça.

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