Competência. Interdito proibitório. Movimento grevista.

O pedido e a causa de pedir não envolvem matéria trabalhista. Competência da Justiça Comum Estadual.

Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP.

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Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP.

COMPETÊNCIA - Interdito proibitório - Movimento grevista - Justiça Estadual - Não se discute na ação o direito de greve dos bancários, mas a ameaça de esbulho e turbação à posse do autor sobre a agência bancária identificada na petição inicial - O pedido e a causa de pedir não envolvem matéria trabalhista - Competência da Justiça Comum Estadual.

PROVA - Cerceamento de defesa - Inocorrência -Preliminar rejeitada.

SENTENÇA - Nulidade - Inocorrência - Fundamentação suficiente - Preliminar rejeitada.

PETIÇÃO INICIAL - Inépcia - Inocorrência - Presença dos requisitos legais indispensáveis - Réu defendeu-se com amplitude - Preliminar rejeitada.

POSSESSÓRIA - Interdito proibitório - Greve - Pedido formulado por entidade bancária visando impedir atos de coação física e moral promovidos pelo sindicato-réu durante movimento grevista - Admissibilidade - Atos que impossibilitam o funcionamento da agência - Não é porque o direito de greve está assegurado em lei que se pode admitir "barreira humana" no acesso ao local de trabalho, pois tem a força de coagir dirigentes do empregador e clientes que desejam ingressar no prédio, bem como os empregados que eventualmente desejam ali trabalhar - Respeito merece todos, não apenas o participante da greve, ou o sindicalista que integra o movimento, mas também o empregado que, por fás ou por nefas, não participa (ou não quer participar) do movimento, não se admitindo por tais razões "barreiras humanas" ou "piquetes", sob pena de se caracterizar sim coação - Ação procedente - Solução que não implica restrição do direito de greve, mas apenas garante a liberdade de ir e vir, o direito à incolumidade física e o direito de propriedade.

Recurso desprovido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO Nº 3.005.640-7, da Comarca de Araçatuba, sendo apelante Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Araçatuba e Região e apelado Banco Bradesco S/A.

ACORDAM, em Vigésima Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça, por votação unânime, negar provimento ao recurso.

1. Recurso de apelação contra a sentença que julgou procedente ação de interdito proibitório (recebida pelo juiz da causa como manutenção de posse), em que o sindicato-réu sustenta a inépcia da petição inicial e a nulidade do julgado, por cerceamento de defesa e falta de fundamentação. Aduz ter unicamente exercido o direito constitucional de greve, sem turbar a posse do autor sobre a agência bancária.

Recurso tempestivo, bem processado e contrariado.

2.1. Inconsistente a preliminar de incompetência absoluta da Justiça Estadual porque a ação de interdito proibitório proposta contra o réu-apelante não discute o direito de greve dos bancários, mas a ameaça de esbulho e turbação à posse do autor-apelado sobre a agência bancária identificada na petição inicial.

A matéria é pacífica no STJ, conforme acórdão do Min. Carlos Alberto Menezes Direito, proferido em Agravo Regimental deduzido no Conflito de Competência nº 34.050-SP (2001/0193624-9), assim ementado:

"Agravo regimental. Conflito de competência. Interdito proibitório. Defesa da posse. Realização de greve. Justiça Comum. Precedentes. 1. O autor afirma expressamente na inicial que não pretende discutir direito de greve, mas, tão-somente, a concessão de tutela jurisdicional que resguarde a posse nos imóveis onde se encontram instaladas suas agências, face a iminente existência de movimentos grevistas. O pedido e a causa de pedir não envolvem matéria trabalhista, sendo competente para processar e julgar o interdito proibitório a Justiça Comum Estadual. 2. Agravo regimental desprovido".

Do corpo do acórdão extrai-se o seguinte:

"Tratam os autos de interdito proibitório movido pelo Banco Sudameris Brasil S/A contra o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas do Ramo Financeiro do Grande ABC, com o objetivo de garantir a sua posse e o livre acesso de seus funcionários e clientes às agências. Alegou o autor ser imperativa a propositura do presente interdito proibitório, diante do justo receio do banco de ser molestado em sua posse sobre os imóveis/agências especificados, para assegurá-lo contra a violência iminente de movimentos grevistas sindicais. O conflito para o julgamento da ação ficou estabelecido entre o Juízo de Direito Estadual e a Justiça do Trabalho. Na decisão ora agravada considerei competente a Justiça Comum Estadual para o julgamento da lide (fls. 155-156). Argumenta o agravante que a decisão ofende os artigos 9° e 114 da Constituição Federal e a Lei n° 7.783/89, que determinariam a competência do Juízo Laboral para o julgamento. Verifica-se da petição inicial que o pedido e a causa de pedir, efetivamente, não envolvem matéria trabalhista. O autor afirma expressamente na inicial que não "pretende discutir nesta demanda direito de greve, mas tão somente a concessão de tutela jurisdicional que resguarde a posse exercida pelo Banco Autor nos imóveis onde se encontram instaladas suas agências, que possui o impostergável direito de usufruir de tais bens" (fls. 11). Devidamente demonstrado no despacho agravado que, em casos como o presente, esta Corte já teve oportunidade de se manifestar e reconhecer a competência da Justiça Comum para o julgamento. Vejamos: 'COMPETÊNCIA. INTERDITO PROIBITÓRIO AJUIZADO COM VISTAS A DEFESA DA POSSE, AMEAÇADA PELA IMINÊNCIA DE REALIZAÇÃO DE "PIQUETES' POR SINDICATO. Não se tratando de controvérsia de conteúdo trabalhista, a competência para processar e julgar a ação possessória intentada é do Juízo Cível Estadual Comum. Conflito conhecido, declarado competente o suscitado' (CC n° 11.815/SC, 2 Seção, Relator o Senhor Ministro Barros Monteiro, DJ de 13-03-95). 'PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INTERDITO PROIBITÓRIO E REINTEGRAÇÃO DE POSSE CONTRA SINDICATO DE TRABALHADORES. Interdito proibitório proposto para o fim de defender a posse da empresa, ameaçada por greves de sindicato, convertida, 'a posteriori', em reintegração de posse, dada a consumação do esbulho possessório. Competência do juízo de direito, em razão da matéria' (CC n° 15.804/SP, Relator o Senhor Ministro Romildo Bueno de Souza, DJ de 23-03-98). Aplicável, portanto, o pacífico entendimento jurisprudencial deste Tribunal quanto ao tema. Ademais, não estando em discussão a relação de trabalho, fica afastada a alegada ofensa ao dispositivo constitucional invocado. A Lei n° 7.783/89, também invocada pelo agravante, não se aplica para sustentar a sua tese, pois não trata da definição de competência para o julgamento da ação em debate nos autos. Nego provimento ao agravo regimental".

2.2. A prova documental era suficiente ao deslinde da controvérsia e autorizava o julgamento antecipado.

A linha de raciocínio desenvolvida na petição inicial e na contestação dependia de interpretação do juiz acerca das regras jurídicas aplicáveis ao caso, suficientemente instruído por documentos.

Não estava conectada a ponto que justificasse a oitiva de testemunhas.

Daí o descabimento de se deflagrar a instrução probatória.

"A necessidade da produção de prova em audiência há de ficar evidenciada para que o julgamento antecipado da lide implique cerceamento de defesa. A antecipação é legítima se os aspectos decisivos da causa estão suficientemente líquidos para embasar o convencimento do magistrado" (cf. RE 101.171-SP, RTJ 115/789).

2.3. Nula é a sentença não fundamentada quando for omissa a respeito de ponto central (cf. RSTJ 90/166) ou relevante da defesa (cf. RSTJ 60/38), ou a que não procede à análise das questões de fato indispensáveis ao deslinde da causa (cf. RSTJ 54/337), não se enquadrando nessas hipóteses o julgado recorrido, que não é ofensivo ao art. 458, II, do CPC, nem ao art. 93, IX, da CF, na medida em que o juiz da causa apontou os motivos pelos quais julgou procedente esta ação possessória.

Para chegar a tal conclusão, podia o magistrado fazê-lo sucintamente (cf. RSTJ 127/343), ou - o que não é caso, enfatize-se - de maneira deficiente (cf. RSTJ 23/320) ou mal fundamentada (cf. RT 599/76).

A Constituição Federal não exige que a decisão seja extensamente motivada, mas que o julgador dê as razões de seu convencimento (cf. A. I. 162.089-8-DF-AgRg, STF, rel. Min. Carlos Velloso) e estas constam do julgado recorrido.

2.4. Inepta é a petição inicial ininteligível (cf. RT 508/205), salvo se "embora singela, permite ao réu respondê-la integralmente" (cf. RSTJ 77/134), "inclusive quanto ao mérito" (cf. RSTJ 71/363), ou, "embora confusa e imprecisa, permite a avaliação do pedido" (cf. JTJ 141/37).

Aquela que é aqui discutida contém os requisitos legais indispensáveis, a par de ter permitido ao réu contestá-la com amplitude (cf. fls. 41-49), não padecendo dos defeitos que a tornariam inepta.

Para estar apta a instaurar a relação jurídica processual, a peça em questão não precisa estar acompanhada de prova imediata dos fatos alegados, a não ser se de natureza estritamente documental e essencial à demanda (o que não é o caso). Basta a indicação do fato constitutivo do direito do autor, o que se deu aqui. Nem se pode confundir requisito essencial da petição inicial com o mérito da demanda.

O réu defendeu-se amplamente, o que denota não ter encontrado dificuldade para compreender o conteúdo da petição inicial e resistir à pretensão deduzida em Juízo.

Necessário observar o caráter instrumental do processo e "quem vem a juízo tem, em princípio, o direito a uma prestação judiciária quanto ao mérito. Assim, toda ênfase deve ser posta em tal sentido, evitando-se tanto quanto possível, destruir o processo com questões prejudiciais e nulidades que destroem a seiva que dá vida ao processo, com prejuízo para as partes e desprestígio para o Judiciário" (cf. ap. cível 53.895, TARJ, rel. juiz Severo da Costa, RF 254/288, apud REsp. 143.801-SP, rel. Min. Barros Monteiro).

2.5. Cuida-se de pedido de proteção possessória sob a alegação de que a agência do Banco-autor, localizada na rua Marechal Deodoro, nº 64, Araçatuba, teve o seu funcionamento parcialmente obstruído por manifestação de bancários que integram o sindicato-réu, de modo a impedir o acesso de funcionários que ali trabalham e do público em geral, a par de importunar os presentes com artefatos sonoros.

O movimento grevista, além de admitido nas razões recursais, ficou suficientemente demonstrado por fotos (cf. fls. 13-14) e por notícias veiculadas na imprensa (cf. fl. 11).

O desempenho de qualquer trabalho é garantido pela Constituição Federal, sem que se negue, com tal afirmação, o exercício de atividade grevista - esta é admitida, apenas não se tolerando a prática de coação física ou moral voltada a cercear o funcionamento das agências bancárias.

Organizações sindicais, movimentos reivindicatórios e o direito à greve compõem, ao lado de outras instituições e formas de manifestação, a cena política típica das sociedades democráticas e, por isso, é imperativo que sejam reconhecidos, protegidos pela Constituição Federal e respeitados por todos. Mas, precisa ser respeitado também o repúdio dos trabalhadores que não aderem a comportamentos que, rotineiramente, configuram a violação de preceitos fundamentais de sociedades democráticas, tais como a tolerância, o diálogo e a convivência social pacífica, além do respeito aos direitos individuais e coletivos, como o livre acesso aos locais de trabalho.

Não pode então o réu-apelante sustentar ilegalidade na sentença, pois esta não fere nenhum direito seu, nem inibe o direito de greve. Tão-só preserva o respeito às normas constitucionais e legais que garantem a liberdade de ir e vir, o direito à incolumidade física e o de propriedade.

Não é porque o direito de greve está assegurado em lei que se pode admitir "barreira humana" no acesso ao local de trabalho, pois tem a força de coagir dirigentes do empregador e clientes que desejam ingressar no prédio, bem como os empregados que eventualmente pretendam ali trabalhar.

Respeito merece todos, não apenas o participante da greve, ou o sindicalista que integra o movimento, mas também o empregado que, por fás ou por nefas, não participa (ou não quer participar) do movimento, não se admitindo por tais razões "barreiras humanas" ou "piquetes", sob pena de se caracterizar sim coação.

Adesão a qualquer movimento de classe em sociedade democrática só é legítima se resulta de atividades que envolvam diálogo entre os interessados (empregados e sindicalistas), como resultado de um trabalho de convencimento, não por meio de intimidação.

Vem a calhar a doutrina de Maurício Godinho Delgado: "A idéia de superdireito tem importantes elementos de verdade: a greve, como direito coletivo, traduz, de fato, exercício privado e grupal de coerção, prevalecendo, em certa medida, sobre outros direitos tradicionais do empregador e, até mesmo, da própria comunidade. Além disso, é movimento social que, muitas vezes, intenta ultrapassar o direito construído, alterá-lo, reconstruí-lo. Contudo, a expressão pode ensejar o enganoso sentimento de que não há limites a essa prevalência, o que seria um erro. Na linha do que já foi exaustivamente exposto, a consagração das greves nas democracias conferiu ao instituto não somente grande força, como também inquestionáveis limitações, que respondem por sua civilidade na ordem social." (cf. Curso de Direito do Trabalho, LTr, 3ª tiragem, p. 1.413, texto original não grifado).

Neste diapasão, a solução adotada em primeiro grau nem de longe restringiu o exercício do direito de greve, mas simplesmente impediu o abuso de direito. Afinal, não ficou o sindicato-réu impossibilitado de desenvolver os atos relacionados ao movimento que empreendeu, notadamente no que se refere ao uso da palavra - esta sim, quando bem usada, tem a força do convencimento...

Nem se pode negar que as evidências apresentadas, aliadas a comportamentos semelhantes dos mais variados sindicatos, havidos em outras épocas (e notoriamente conhecidos), justificam a procedência do pedido, ante o manifesto risco ao exercício das atividades do autor-apelado.

3. Negaram provimento ao recurso.

Presidiu o julgamento, com voto o Desembargador ÁLVARO TORRES JÚNIOR e dele participaram os Desembargadores CORREIA LIMA e MIGUEL PETRONI NETO.

São Paulo, 14 de setembro de 2009.

ÁLVARO TORRES JÚNIOR
Presidente e Relator

Palavras-chave: competência

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