Advogado tem honorários bloqueados para devolver quantia levantada indevidamente

Alvará judicial foi expedido erroneamente ? autorizando quem não deveria. O TJRS entendeu que o procurador não pode proceder ao saque de valor que sabe não pertencer a si ou ao seu constituinte

Fonte: Espaço Vital

Comentários: (0)




Havendo equívoco na redação de alvará judicial, que libera quantia para uma parte que a ela não tinha direito, o valor sacado indevidamente deve ser restituído integralmente por quem o levantou.


Com esse entendimento, a 11ª Câmara Cível do TJRS manteve decisão de primeiro grau proferida pelo juiz Pedro Pozza – da 8ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre -, inclusive ratificando o envio de cópias dos autos ao Ministério Público para apuração de eventual ilícito criminal cometido pelo advogado que sacou o alvará e o bloqueio de honorários a serem percebidos pelo causídico até a satisfação de parte do débito.


A parte agravante defendeu sua conduta sustentando que o alvará foi expedido de forma errada em seu favor e que não se apropriou da quantia de R$ 160 mil a título de honorários, mas apenas de R$ 12 mil que foram devolvidos após intimação para fazê-lo. Ainda se opôs ao bloqueio de honorários, por ser verba alimentar e impenhorável, e ao envio de notícia ao MP.


Analisando o agravo, o relator, desembargador Bayard Ney de Freitas Barcellos reputou o acontecido como “mais um lamentável episódio forense”, com “uma sucessão de desencontros processuais, cujo início deu-se com o equívoco cometido pelo Sr. Escrivão da 8º Vara Cível do Foro Central ao redigir alvará correspondente à ordem judicial acima reproduzida.”


Segundo o  acórdão, o alvará autorizava o advogado da parte autora a sacar a quantia, quando o correto seria o procurador da parte ré, uma vez que a decisão judicial precedente liberava valores depositados pela demandada para garantia do Juízo em impugnação a cumprimento de sentença. Na sequência, também a nota de expediente foi publicada com equívoco, pois dava conta da disponibilidade de alvará em favor da autora.


Após isso, uma decisão reconheceu o erro e determinou que o procurador da autora fosse intimado para a devolução da quantia levantada. O advogado teria sido intimado por telefone para devolver o dinheiro, sob pena de cominação de multa diária e por litigância de má-fé e por ato atentatório à dignidade da Justiça.


Uma nova decisão foi exarada, desta vez extinguindo a execução da verba honorária e cominando multa por litigância de má-fé ao próprio advogado, sendo determinado o bloqueio da quantia de R$ 111.208,33 da conta bancária da demandante e que  o procurador juntasse aos autos cópia do contrato de honorários, depositando, em 30 dias, o valor da verba honorária de sucumbência e a quantia que reteve a título de contrato particular.


Nessa esteira, a ré pediu alvará para levantar o valor bloqueado na conta da autora e penhora online na conta bancária do advogado, que foi intimado pessoalmente para cumprir a decisão.


Superados esses atos, a decisão objeto do agravo foi proferida explicitando que o advogado da autora, intimado para cumprir as determinações, não o teria feito, limitando-se ao depósito apenas da importância de R$ 12 mil, quando o valor por ele levantado seria de mais de R$ 328 mil, além de rendimentos. O procurador, segundo a decisão de primeiro grau, tampouco teria comprovado quanto daquele valor destinou à autora.


Para o desembargador, diante desses fatos, “dúvida alguma não remanesce quanto à necessidade integral de restituição da quantia levantada indevidamente”, apesar do erro cartorário e do Juízo na liberação do alvará.


Contudo, prosseguiu o relator, mesmo que se considerasse que o advogado da autora não agiu com má-fé, este não devolveu a quantia imediatamente ainda que comunicado sobre o erro no alvará. “A partir deste momento não se tem duvida quanto à deslealdade da conduta empreendida, apropriando-se de valores que não lhe pertencem”, arrematou.


A alegação de que o equívoco era do Juízo foi considerada “pueril” pelo magistrado, “porquanto os lapsos cometidos pelo escrivão e por parte do magistrado não autorizam a apropriação indevida dos valores pelo causídico.”


O acórdão ainda dá conta de que o causídico teria reconhecido expressamente que reteve parte do valor sacado em virtude de contrato particular de honorários firmado com a autora, mas o valor teria sido utilizado para quitação de despesas pessoais. Tal desculpa não foi aceita pelos desembargadores, pois “no que concerne aos valores retidos pelo patrono por força de contrato particular de honorários, esse quantum deve ser restituído pelo próprio causídico, porquanto o valor está sob sua posse.”

  
A conduta do procurador foi considerada dolosa “e não mero descuido fomentado a partir de erro judiciário”. Com isso foi determinado o bloqueio de futuros valores de honorários de sucumbência até a restituição da quantia retida para pagamento de contrato particular de honorários.


Desse modo, a vedação de constrição não alcança valores indevidamente apropriados pelo patrono, definiu o relator: “a impenhorabilidade do salário não serve de justificação ao cometimento de ilícito.”


Além disso, o desembargador Bayard expressou ser “salutar” a medida de encaminhamento de ofício ao MP para apuração de eventual crime, “já que os fatos ostentam gravidade incompatível com o exercício da tão nobre profissão de advogado”, encerrando seu voto com uma advertência: “manobras e sofismas processuais não serão aceitos com o escopo de locupletamento ilícito à custa de equívoco do Poder Judiciário.”


O desembargador Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard também proferiu razões, acompanhando o relator na questão de fundo,  mas divergindo quanto à condenação do advogado por litigância de má-fé: “não sendo parte no processo o causídico a ele não deve ser atribuída a pena de litigância de má-fé”, cabendo apenas à OAB “processar e punir disciplinarmente os seus inscritos, por atos ou omissões conexos ou decorrentes do exercício da advocacia, a teor da Lei nº 8.906/94, Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, cabendo ao magistrado remeter à respectiva Seccional a representação.”


A respeito da imposição da penalidade por má-fé ao próprio advogado, a decisão de primeiro grau lançara razões pelo seu cabimento, entendendo ser inconstitucional a ressalva da parte inicial do parágrafo único do artigo 14 do CPC – segundo a qual a punição fica ao encargo do Estatuto da OAB -, por ferir o princípio da isonomia.

 

De acordo com o juiz Pedro Pozza, “para os advogados, as punições pecuniárias são ínfimas, e se limitam, conforme o art. 39 do respectivo estatuto, ao décuplo da anuidade, não passando, portanto, de dez mil reais. Além disso, as condutas previstas no caput do art. 14 do CPC não estão previstas no Estatuto da OAB. Não existe, por exemplo, infração disciplinar (art. 34 do estatuto) que resulte na punição do advogado pelo não cumprimento de ordem judicial. Portanto, enquanto todos os demais atores do processo, mesmo os que não são partes, mas de alguma forma sejam atingidos por decisões nele proferidas, estão sujeitos às punições pela prática de qualquer conduta prevista no art. 14 caput, o advogado é o único que recebe tratamento especial, privilegiado, não estando sujeito a qualquer punição similar.”


Por sua vez, a desembargadora  Kátia Elenise Oliveira da Silva votou integralmente de acordo com o relator, inclusive mantendo a penalidade por litigância de má-fé imposta ao advogado.


O bloqueio de honorários se dará por ofícios enviados a todas as varas cíveis do Foro Central, para que atinja verbas sucumbenciais em demandas em que o advogado atua.

 

Palavras-chave: Honorários Bloqueo Advogado Devolução Saque

Deixe o seu comentário. Participe!

noticias/advogado-tem-honorarios-bloqueados-para-devolver-quantia-levantada-indevidamente

0 Comentários

Conheça os produtos da Jurid