Ação de indenização. Marca. Expressão "Livraria Cultura". Endereço eletrônico.

Sentença Civil. Colaboração do Dr. Clésio Rômulo Carrilho Rosa, Juiz de Direito da 17ª Vara Cível da Comarca de Salvador - Bahia.

Fonte: Clésio Rômulo Carrilho Rosa

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Clésio Rômulo Carrilho Rosa ( * )

JUÍZO DE DIREITO DA 17.ª VARA CÍVEL

COMARCA DO SALVADOR

PROC. N.º 1.514.556-6/2007 - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO
AUTORA: LIVRARIA CULTURA S/A
RÉ: LIVRARIA CULTURA LTDA.
ADV. AUTORA: Dr. EURÍPEDES RITO CUNHA JÚNIOR
ADV. RÉ: Dr. GENARO DE OLIVEIRA NETO

S E N T E N Ç A

Vistos, etc...

LIVRARIA CULTURA S/A, pessoa jurídica de direito privado, ingressou, perante o Juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo - SP, por intermédio de seus advogados, com AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO E INDENIZAÇÃO em face da FAPESP - FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO e da LIVRARIA CULTURA LTDA., a primeira autarquia vinculada ao Estado de São Paulo e a segunda também pessoa jurídica de direito privado, aduzindo, inicialmente, que "A Autora é tradicional empresa do ramo de comércio de livros e correlatos, identificada pela expressão LIVRARIA CULTURA desde 1.969 e titular dos direitos exclusivos de uso acerca da referida expressão como marca, nome de domínio e titulo de estabelecimento, (...)" (sic - fl. 05)

Neste compasso, afirmou adiante que a "A 2ª co-ré, por sua vez, foi constituída em 10 de Agosto de 1971, adotando o nome empresarial Livraria Cultura Ltda. (...)" (sic - fl. 06), o qual, segundo a requerente, sequer poderia ter sido utilizado em respeito à proteção ao nome empresarial da autora. Todavia, reconheceu a demandante que "(...) por força da prescrição havida, a Autora não possui meios para impedir que a Ré utilize o nome empresarial que colide com o seu, o que é absolutamente prejudicial tanto para a Autora quanto para os consumidores e comerciantes em geral" (sic - fl 06).

Apontou, entretanto, que "(...) em 22 de Dezembro de 2000 a 2ª co-Ré obteve junto à 1ª co-Ré FAPESP o registro para o nome de domínio www.lcultura.com.br" (sic - fl. 06), sendo que a expressão "lcultura", na sua ótica, seria uma derivação de sua marca, a confundir o mercado em geral, haja vista que a segunda requerida vem utilizando o termo "LIVRARIA CULTURA" como marca.

Depois de tecer um relato histórico dos atos que permearam a constituição da empresa ora requerente, bem como após demonstrar o efetivo depósito e registro da marca "LIVRARIA CULTURA" perante o INPI - Instituto Nacional da Propriedade Industrial, a parte suplicante anunciou que, entre os exercícios de 1996 a 1999, efetuou o registro dos endereços eletrônicos www.livcultura.com.br, www.livrariacultura.com.br, www.livrariacultura.com, www.livrariacultura.net.

Invocando exposições doutrinárias e a incidência de diversos diplomas e dispositivos legais, requereu a acionante fosse julgada procedente a ação intentada, com lastro nos precedentes jurisprudenciais existentes, para obstar a segunda acionada em utilizar o nome/endereço eletrônico registrado perante a segunda requerida ou "(...) qualquer outro que imite, incorpore ou reproduza, ainda que parcialmente, a marca LIVRARIA CULTURA previamente registrada pela Autora (...)" (sic - fl. 23).

No ensejo, requereu a antecipação parcial dos efeitos da tutela de fundo pretendida, no intuito de ser a segunda acionada, de logo, compelida a não fazer uso do endereço eletrônico discriminado na exordial, sob pena de incidência de multa a ser fixada pelo Juízo.

Mais adiante, pleiteou que fosse a segunda suplicada condenada "(...) a se abster de utilizar a expressão LIVRARIA CULTURA, ou qualquer outra que a imite, incorpore ou reproduza ainda que parcialmente, como marca ou título de estabelecimento, no prazo de 24 horas e sob pena de incidência em multa pecuniária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia de atraso" (sic - fl. 23).

Entendendo restar presente o nexo de causalidade entre a conduta dos demandados e eventuais prejuízos suportados pela demandante, requereu fossem as requeridas condenadas a pagar indenização relativa às perdas e danos, bem como lucros cessantes, a ser apurado, oportunamente.

Instruiu a exordial com os documentos de fls. 24/123.

À fl. 124, o Juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo, em respeito aos elementos extraídos dos autos, excluiu da lide a primeira acionada, remetendo, por via de consequência, os presentes autos a uma das Varas Cíveis e Empresariais da Comarca de São Paulo.

Redistribuídos os autos, o Juízo da 16ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo, apreciando o pedido antecipatório contido na exordial, deferiu o quanto requerido pela suplicante, para "(...) impor a ré obrigação de não fazer consistente em abster-se de utilizar o nome de domínio www.lcultura.com.br e da expressão "LIVRARIA CULTURA" como marca ou título de estabelecimento, a partir do 5º (quinto) dia contado da intimação (...)" (sic - fl. 147). Frente a tal decisão, a parte acionada interpôs o recurso de agravo de instrumento de fls. 159/186.

Determinada a citação da requerida, fora expedida Carta Precatória à Comarca de Salvador, local da sede da empresa demandada, para conformação do ato citatório.

Já às fls. 190/212, a empresa acionada ofereceu sua contestação, acompanhada dos documentos de fls. 213/444, alegando, em princípio, a carência do direito de ação, uma vez que o registro deferido à acionante pelo INPI teria ocorrido sem exclusividade de uso.

De outro lado, suscitou a prescrição do direito de ação, uma vez que a empresa acionada estaria registrada perante a Junta Comercial do Estado da Bahia desde 05 de Agosto de 1971, portanto, há mais de 35 (trinta e cinco) anos antes da propositura da ação.

Invocou, pois, a incidência do art. 225 da Lei de Propriedade Industrial, assim como a aplicação da Súmula n. 143 do Colendo Superior Tribunal de Justiça.

No mérito, a empresa requerida invocou diversas exposições doutrinárias, de molde a demonstrar que inexistira qualquer conflito de uso de marca ou violação à propriedade intelectual ou direito de marca da requerente.

De igual modo, invocou alguns precedentes jurisprudenciais, para demonstrar que a marca registrada pela demandante deteria expressões ou denominações genéricas, motivo pelo qual não poderia se falar em concorrência desleal ou induzimento e desvio da clientela.

Argumentando sobre a inexistência de lesão à esfera de direitos da empresa demandante, requereu fosse revogada a medida antecipatória outrora concedida e, no mérito, que fosse julgada improcedente a ação intentada.

Às fls. 458/473, veio a parte autora, espontaneamente, oferecer sua réplica à contestação, rebatendo, integralmente, as preliminares suscitadas e, no mérito, reiterando a versão fática e os fundamentos de direito que lastrearam a inicial.

Por conta de decisão exarada nos autos da exceção de incompetência em apenso (Proc. N. 1514-575-3/2007), foram os autos remetidos à Comarca de Salvador, por se tratar do local onde se encontraria a sede da empresa requerida, sendo o feito distribuído a este Juízo.

À fl. 479, este Juízo acolheu a competência para processar e julgar o feito, confirmando os termos da decisão antecipatória concedida inicialmente pelo Juízo da 16ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo - SP.

Na oportunidade, foram rejeitadas as preliminares levantadas em sede de contestação e designada audiência de instrução e julgamento para oitiva das partes e das testemunhas por elas arroladas.

Pois bem, na audiência, termo de fls. 505/506, procedeu-se à oitiva das partes e das testemunhas arroladas, tendo os respectivos depoimentos sido acostados às fls. 507/512.

Finalmente, vieram a parte autora e a parte ré, respectivamente, às fls. 517/527 e às fls. 529/535, apresentar seus memoriais, reiterando os argumentos de fato e de direito até aqui declinados.

Após, vieram-me os autos conclusos.

TUDO BEM VISTO E DEVIDAMENTE EXAMINADO, É O RELATÓRIO.

PASSO A DECIDIR:


Desatadas que foram as preliminares suscitadas em sede de contestação, impõe-se que se enfrente o mérito da causa posta em discussão.

Em primeiro lugar, é bom ter em conta que, à luz da Lei Federal n. 9.279 de 1996 (Lei de Patentes), adquire-se a propriedade da marca, mediante o registro apropriado perante o Órgão de Patentes e Marcas, na forma da legislação vigente, consoante prescreve o art. 129, caput, do diploma legal em comento.

Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos artigos 147 e 148.

Neste diapasão, os documentos de fls. 100/105 demonstram, à saciedade, que a empresa ora requerente, desde os idos de 1984 e 1985, se trata da proprietária da marca "LIVRARIA CULTURA", registrado perante o INPI - Instituto Nacional da Propriedade Industrial sob os n. 811791459, 811902226 e 811902218.

Assim, não há dúvidas de que a propriedade da marca, enquanto conjunto semântico e expressão que possa comportar valor econômico, pertence à ora acionante, aplicando-se, na espécie, o entendimento oriundo do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual "(...) Estando registrada a marca no INPI, não é possível a sua utilização por terceiro antes de desconstituído o respectivo registro via ação própria, (...)" (STJ - RESP 200100669405 - (325158 SP) - 3ª T. - Rel. P/o Ac. Min. Carlos Alberto Menezes Direito - DJU 09.10.2006 - p. 284).

Frise-se, aqui, que os conceitos de denominação social e de marca nominativa são efetivamente distintos, valendo aqui invocar precedente jurisprudencial oriundo do Colendo Tribunal Regional Federal da 1ª Região no qual foram tecidas considerações sobre o tema:

COMERCIAL - AÇÃO DE NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA NOMINATIVA - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA - CONFRONTO ENTRE MARCA REGISTRADA NO INPI E DENOMINAÇÃO SOCIAL REGISTRADA NA JUNTA COMERCIAL - PRINCÍPIO DA ESPECIFICIDADE - 1. De acordo com o artigo 98, parágrafo único, da Lei nº 5.772/71, o prazo prescricional para o ajuizamento de ação de anulação de registro de marca é qüinqüenal, o qual conta-se a partir da data de concessão do registro. 2. Não há que se confundir registro de marca com a denominação comercial da empresa. O registro de marca está afeto ao INPI, com a finalidade de preservar a identificação de produtos, mercadorias e serviços, enquanto que o registro do nome comercial da empresa é de competência da Junta Comercial, que cuida dos atos constitutivos do registro do comércio. 3. O pedido de anulação de registro de marca só se justificaria com a demonstração de que o nome adotado pela empresa ré poderia interferir nas atividades da autora, de modo a ensejar confusão no comércio quanto aos produtos ou serviços por elas oferecidos. 4. Na esteira do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, eventual conflito entre registro de marca e denominação da empresa deve ser sanado pelo princípio da especificidade, o qual recomenda que não havendo confusão, não há impedimento que tais empresas possam conviver no universo mercantil (RESP 119998/SP). 5. No caso, sequer existe identidade de nomes, ou mesmo demonstração pela Autora de danos efetivamente sofridos ou que possa sofrer em decorrência de tal registro, ficando, assim, afastada a pretensão de nulidade do registro. 6. Apelação da parte ré provida. (destaquei - TRF 1ª R. - AC 199801000110830 - MG - 3ª T.Supl. - Rel. Juiz Fed. Conv. Joao Luiz de Sousa - DJU 25.08.2005 - p. 97).

Nesta linha de raciocínio, significa dizer que o fato de ter a empresa acionada obtido registro perante a Junta Comercial do Estado da Bahia no exercício de 1971, posteriormente ao obtido pela empresa acionante em 1969 conforme provam os documentos acostados aos autos, lhe garante, tão somente, a possibilidade de uso da denominação social nos limites da legislação civil, não lhe concedendo, em princípio, propriedade sobre a marca nominativa "LIVRARIA CULTURA".

De outro turno, é bom ter em nota que, segundo leciona a melhor doutrina reproduzida pelos Pretórios, quanto à sistemática de registro de marcas, "(...) O Brasil adota o sistema atributivo, de forma que somente o registro da marca no Instituto Nacional da Propriedade Industrial garante o direito de propriedade e de uso exclusivo ao titular. Inteligência do art. 59 do CPI revogado e do art. 129 da atual LPI. (...)" (TRF 2ª R. - AC 2001.51.01.536403-5/RJ - 1ª T.Esp. - Relª Juíza Fed. Marcia Helena Nunes - DJU 16.01.2006)

Configura-se, pois, nos autos, a hipótese de colidência gráfica e fonética entre a marca utilizada pela empresa autora e a marca utilizada pela empresa ré, inclusive com coincidência de denominação social perante os Órgãos de registro do comércio.

Sublinhe-se, porque necessário, que não poderia se falar em eventual coexistência pacífica, por se tratar de marca evocativa ou fraca, resultante da combinação de termos comuns, na medida em que não se trata de mera similaridade parcial e sim, ao revés, de equivalência semântica integral, possibilitando, inclusive, a confusão entre consumidores e descaracterização dos produtos da autora.

O Colendo Superior Tribunal de Justiça, em situação similar, proclamou que "(...) A conjugação de palavras corriqueiras, mas que, conjugadas, criam expressão que traz significado próprio e identificação específica para quem a emprega em seu nome (...), constitui marca a que a Lei confere proteção a partir do registro da empresa na junta comercial, de sorte que se afigura ilegítima a utilização, por outra, da mesma denominação, notadamente quando ainda exercem atividades sociais semelhantes, caso dos autos. (...)". (STJ - RESP 200000718360 - (267541 SP) - 4ª T. - Rel. Min. Aldir Passarinho Junior - DJU 16.10.2006 - p. 376).

A rigor, como bem salientou a empresa demandante em sua petição inicial, tendo a autora sido registrada perante a Junta Comercial do Estado de São Paulo em 1969, não poderia a empresa demandada, no exercício de 1971, ter sido registrada com o uso de mesma denominação social (firma ou nome empresarial).

Contudo, efetivado o equívoco há mais de 35 (trinta e cinco) anos, se encontra o fato acobertado pelo instituto da prescrição, consolidando-se um estado de fato consumado, consoante também reconhecido pela empresa requerente na vestibular.

Assim sendo, há de se reconhecer, de outro lado, o direito evidente da empresa ré à utilização da denominação social ou nome empresarial.

A jurisprudência, quanto ao tema, é contundente, a exemplo do julgado cuja ementa segue abaixo transcrita:

AÇÃO ORDINÁRIA DE PRECEITO COMINATÓRIO CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO, FUNDAMENTADA EM DIREITO AO USO EXCLUSIVO DE DENOMINAÇÃO SOCIAL - IMPROCEDÊNCIA FULCRADA NA FALTA DE ESPECIFICIDADE DAS ATIVIDADES DAS EMPRESAS ENVOLVIDAS - APELAÇÃO - LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA QUE GARANTE À EMPRESA, COM O MERO REGISTRO DE SEUS ATOS CONSTITUTIVOS NA JUNTA COMERCIAL, O USO EXCLUSIVO DE SUA DENOMINAÇÃO EM TODO O TERRITÓRIO NACIONAL, SEM NECESSIDADE DE QUALQUER OUTRA PROVIDÊNCIA - INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, INC. XXIX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERRAL, COMBINADO COM AS LEIS NºS - 8.934/94 E 9.279/96 E DECRETO 1.263, DE 10/10/94 - AUSÊNCIA DE PROVA DOS DANOS - RECURSO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO - Na esteira da jurisprudência atual (STJ e STF), basta o arquivamento dos atos constitutivos da empresa no Registro do Comércio para que a sua denominação tenha proteção em todo o território nacional e, AM alguns casos, ainda, internacional. (TAPR - AC 0268781-4 - (232989) - Curitiba - 15ª C.Cív. - Rel. Des. Carvilio da Silveira Filho - DJPR 01.04.2005).

Em outras palavras, significa dizer que, em tese, tanto o direito marcário postulado pela empresa autora, quanto o direito ao uso da denominação social pela ré detêm guarida no ordenamento jurídico vigente, respaldando-se, em especial, na norma lançada no inciso XXIX do art. 5º da Constituição Federal.

Art. 5º.................................................

XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;

Frente a tal conjuntura processual, compete ao Magistrado desatar a lide de molde a garantir o direito de propriedade de marca da empresa demandante, ressalvando, entretanto, o uso da denominação social (nome empresarial à luz do Código Civil de 2002) pela empresa demandada.

Vale dizer, porque necessário, que tal posicionamento não só se prestaria para concessão de uma melhor e mais equilibrada prestação jurisdicional, como, de sua ordem, se afinaria com a inspiração do legislador ordinário ao fixar o § 1º e § 2º no art. 129 da Lei Federal n. 9.279 de 1996 (Lei de Patentes).

Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos artigos 147 e 148.

§ 1º. Toda pessoa que, de boa fé, na data da prioridade ou depósito, usava no País, há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, terá direito de precedência ao registro.

§ 2º. O direito de precedência somente poderá ser cedido juntamente com o negócio da empresa, ou parte deste, que tenha direta relação com o uso da marca, por alienação ou arrendamento.

Como se vê, buscou o legislador ordinário garantir o direito de preferência ou uso de marca por aquele que, quando do requerimento de registro por terceiros, se encontrasse utilizando marca nominativa ou gráfica similar ou idêntica àquela objeto de registro. Tal inspiração legislativa haverá de ser levada em consideração ao aplicar-se a lei no caso concreto, tendo em mira o todo normativo extraído de nosso ordenamento vigente.

Tecidas as considerações até aqui expostas, em respeito aos precedentes jurisprudenciais acima transcritos e à interpretação do art. 129 da Lei de Patentes, razoável se apresenta a obstrução da empresa requerida na utilização no endereço eletrônico www.lcultura.com.br, em razão da similaridade semântica e gráfica deste com a marca de propriedade da requerente e com os demais endereços eletrônicos por esta registrados perante a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP, ficando a suplicada impedida, ainda, de utilizar "(...) qualquer outro que imite, incorpore ou reproduza, ainda que parcialmente, a marca LIVRARIA CULTURA previamente registrada pela Autora (...)" (sic - fl. 23).

O registro de endereços eletrônicos, para veiculação mediante a rede mundial de computadores (INTERNET), por manifesta ausência de previsão legal, não se encontra sob o manto da proteção do nome empresarial, motivo pelo qual haverão de prevalecer os regramentos oriundos da Lei Federal n. 9.279 de 1996.

Ademais, como é consabido, o eventual registro de endereço eletrônico permite a difusão de marcas, idéias e conceitos para limites além do território nacional, o que poderia trazer lesão irreparável a direito da demandante.

O Egrégio Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, em momento pretérito e em caso idêntico, afirmou que o direito de marca e patente e o registro perante o INPI abrange o comércio eletrônico e o domínio, conforme se extrai da ementa que segue transcrita.

AÇÃO COMINATÓRIA - REGISTRO DE DOMÍNIO DE INTERNET PELA APELADA COM O NOME DA APELANTE - REGISTRO DA MARCA NO INPI - DIREITO DE USO QUE ABRANGE O COMÉRCIO ELETRÔNICO E O DOMÍNIO - OFENSA AO DIREITO DE PROPRIEDADE - INDENIZAÇÃO DEVIDA - LUCROS CESSANTES - TRANSFERÊNCIA DO DOMÍNIO - DÁ-SE PROVIMENTO AO RECURSO - Constitui ato ilícito o uso por terceiro de nome ou marca em domínios na Internet sem a autorização do proprietário da referida marca que a registrou por primeiro junto ao INPI, por ofensa ao disposto na lei de propriedade industrial. A indenização no caso deve circunscrever-se aos lucros cessantes, pelo tempo em que a detentora da marca ficou impossibilitada de utilizar o domínio, ausente prova do efetivo dano material sofrido. (TAMG - AC 424.596-1 - 1ª C.Cív. - Rel. Juiz Osmando Almeida - DJMG 02.10.2004).

Noutra esfera, em relação à obstrução ao uso da denominação social ou da marca a título de estabelecimento, o pleito da demandante, ainda que fundado nas disposições da Lei Federal n. 9.279 de 1996, esbarra na inteligência emanada do art. 1166 do Código Civil vigente e nos princípios gerais do direito.

Art. 1166. A inscrição do empresário, ou dos atos constitutivos das pessoas jurídicas, ou as respectivas averbações, no registro próprio, asseguram o uso exclusivo do nome nos limites do respectivo Estado.

Parágrafo único. O uso previsto neste artigo estender-se-á a todo o território nacional, se registrado na forma da lei especial.

A empresa, enquanto ficção jurídica que se consubstancia em uma universalidade de fato e de direito, com objetivo social ou coletivo claramente demarcado, é formada de diversos elementos ou componentes, os quais vêm a constituir um todo indivisível ou patrimônio especial.

Para o saudoso e notável Mestre Orlando Gomes, entre os componentes da empresa (sociedade comercial) se encontrariam os bens incorpóreos (res incorporales), cujas características na esfera do direito civil seriam as seguintes:

"São elementos componentes da empresa, considerada patrimônio especial: (...) b) bens incorpóreos (nome comercial, siglas, insígnias, patentes de invenção, marcas de fábrica) (...).

........................................................

São bens incorpóreos, na definição de Messineo, as coisas não-perceptíveis, tais como os produtos da atividade intelectual e criativa do homem titulados pelas regras sobre direitos autorais e direitos de patente, com eles não se devendo confundir as coisas nas quais a criação se materializa. Os alemães distinguem os bens corpóreos dos incorpóreos, objetos de direito de primeira ordem dos de segunda ordem ou objetos de disposição, isto é, os direitos e as relações jurídicas. Entre os bens incorpóreos incluem-se os meios de identificação, das empresas e alguns de seus elementos, como o fundo de comércio. Segundo a tradição romana, os direitos são bens incorpóreos. Podem ser assim considerados ainda hoje, para certos fins"
(GOMES, Orlando, in Introdução ao Direito Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2007, edição revista e atualizada pelo Profº Edvaldo Brito, pg. 186 e pg. 192).

Se a denominação social ou nome empresarial, enquanto bem incorpóreo, compõe o todo indivisível de que se trata a ficção jurídica denominada empresa, o exercício de suas próprias atividades encontra-se umbilicalmente interligado com o uso daquele.

Tal concatenação de idéias, de sua parte, conduziu o legislador infraconstitucional à elaboração da norma contida no art. 1155 do Estatuto Civil de 2002 com a seguinte dicção:

Art. 1155. Considera-se nome empresarial a firma ou a denominação adotada, de conformidade com este Capítulo, para o exercício de empresa.

Em outras palavras, significa dizer que, para o exercício da empresa, é imprescindível a existência e registro de nome empresarial (seja para sociedade, seja para o empresário) perante o Órgão competente.

A proteção ao nome empresarial, inclusive, vinha sendo admitido no ordenamento jurídico brasileiro desde antes da edição do vigente Código Civil em 2002, consoante se extrai das disposições contidas no Decreto n. 1.800 de Janeiro de 1996, que regulamentou a Lei Federal n. 8934 de 1994 (Lei de Registro Público de Empresas Mercantis (art. 61).

Art. 61. A proteção ao nome empresarial, a cargo das Juntas Comerciais, decorre, automaticamente, do arquivamento da declaração de firma mercantil individual, do ato constitutivo de sociedade mercantil ou de alterações desses atos que impliquem mudança de nome.

§ 1º. A proteção ao nome empresarial circunscreve-se à unidade federativa de jurisdição da Junta Comercial que procedeu ao arquivamento de que trata o caput deste artigo.

§ 2º.
A proteção ao nome empresarial poderá ser estendida a outras unidades da federação, a requerimento da empresa interessada, observada instrução normativa do Departamento Nacional de Registro do Comércio - DNRC.

§ 3º. Expirado o prazo da sociedade celebrada por tempo determinado, esta perderá a proteção do seu nome empresarial.

Já recentemente, o Departamento Nacional de Registro do Comércio - DNRC editou a Instrução Normativa n. 104, de 30 de Abril de 2007, na qual se fez constar o art. 11 com a seguinte dicção:

Art. 11. A proteção ao nome empresarial decorre, automaticamente, do ato de inscrição de empresário ou do arquivamento de ato constitutivo de sociedade empresária, bem como de sua alteração nesse sentido, e circunscreve-se à unidade federativa de jurisdição da Junta Comercial que o tiver procedido.

§ 1º A proteção ao nome empresarial na jurisdição de outra Junta Comercial decorre, automaticamente, da abertura de filial nela registrada ou do arquivamento de pedido específico, instruído com certidão da Junta Comercial da unidade federativa onde se localiza a sede da sociedade interessada.

§ 2º
Arquivado o pedido de proteção ao nome empresarial, deverá ser expedida comunicação do fato à Junta Comercial da unidade federativa onde estiver localizada a sede da empresa.

Inconteste, portanto, que o direito de propriedade de marca reivindicado pela empresa suplicante haverá de ser garantido, respeitando-se a proteção à denomição social ou nome empresarial da empresa suplicada, ex vi do disposto no art. 1166 do Código Civil de 2002 c/c o art. 61, § 1º, do Decreto Federal n. 1.800/96 e art. 11 da IN n. 104/2007 do DNRC.

Desse modo, deverá a acionada ser condenada na obrigação de não fazer, consistente no ato de se "(...) abster de utilizar a expressão LIVRARIA CULTURA, ou qualquer outra que a imite, incorpore ou reproduza ainda que parcialmente, como marca ou título de estabelecimento, (...)" (sic - fl. 23) fora do Estado da Bahia, haja vista que o registro levado a efeito, no exercício de 1971, perante a Junta Comercial do Estado da Bahia só garante à suplicada direito à proteção do nome empresarial no território da respectiva unidade da federação (BAHIA).

Quanto ao pedido de indenização empreendido pela parte autora, a título de perdas e danos e lucros cessantes, "Dada à natureza do direito ofendido, o prejuízo está ínsito na infração mesma. Quando alguém usa em proveito seu a propriedade alheia, está cuasando dano ao patrimônio do dominus pelo só fato de privá-lo de extrair da coisa os proveitos econômicos que ela pode proporcionar (...)" (STJ - Ag. 7.289/RS, RT 742/228).

Até o momento em que a empresa demandada agiu sob o manto da proteção do nome empresarial, exercendo atividades e utilizando sua denominação social no âmbito do Estado da Bahia, não tinha praticado qualquer violação a direito ou norma material. Todavia, ao consumar registro de endereço eletrônico perante a FAPESP e exercer direitos que seriam decorrentes da propriedade de marca que não lhe pertencia, a demandada vulnerou disposições contidas na Lei Federal n. 9.279/96.

Nesta hipótese, a obrigação indenizatória é objetiva, em cumprimento ao disposto nos arts. 209 e 210 da Lei Federal n. 9.279/96 c/c o art. 5º, V, da Magna Carta.

Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.

§ 1º. Poderá o juiz, nos autos da própria ação, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, determinar liminarmente a sustação da violação ou de ato que a enseje, antes da citação do réu, mediante, caso julgue necessário, caução em dinheiro ou garantia fidejussória.

§ 2º. Nos casos de reprodução ou de imitação flagrante de marca registrada, o juiz poderá determinar a apreensão de todas as mercadorias, produtos, objetos, embalagens, etiquetas e outros que contenham a marca falsificada ou imitada.

Art. 210. Os lucros cessantes serão determinados pelo critério mais favorável ao prejudicado, dentre os seguintes:

I - os benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido, ou

II - os benefícios que foram auferidos pelo autor da violação do direito; ou

III - a remuneração que o autor da violação teria pago ao titular do direito violado pela concessão de uma licença que lhe permitisse legalmente explorar o bem.

Art. 5º.................................................

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

O Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, levando em consideração os dispositivos legais acima transcritos, já firmou posicionamento em situações similares:

"Tem procedência, também, o pedido de indenização por perdas e danos, que resultam inegavelmente do simples emprego indevido e desautorizado do nome comercial e da marca, a caracterizar usurpação parcial, suscetível de gerar confusão no público em geral. Para tanto, não seria mister apurar-se, concretamente, se a autora deixou de lucrar com tal expediente, e nem, tampouco, se a ré experimentou vantagens. O dano, com a prática ilícita, até mesmo de natureza imaterial, pela afetação do elemento moral da empresas titular, está in re ipsa, lesando forçosamente o seu patrimônio, no mínimo, como alegado no libelo, na falta de retribuição desse uso, a exemplo do que se passaria num contrato de licenciamento, possibilitando ao infrator um locupletamento indevido e injusto" (TJSP - 2ª Câmara de Direito Privado - Ac. 263.084-1, rel. Desembargador Roberto Deran, JTJ 191/172).

Frente a este contexto, deverá a empresa demandada ser condenada no pagamento de indenização, a título de perdas e danos e lucros cessantes, com arrimo no art. 5º, V, da Carta da República c/c os arts. 209 e 210 da Lei de Patentes, em montante pecuniário a ser fixado em sede de liquidação de sentença.

Por fim, em razão de ter a empresa demandante decaído de parte mínima do pedido inscrito na vestibular, haverá a demandada que suportar o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados à luz do quanto disposto no art. 20, § 3º, c/c o art. 21, Parágrafo Único, ambos do Código de Ritos.

Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Essa verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria.

.....................................................

§ 3º.
Os honorários serão fixados entre o mínimo de 10% (dez por cento) e o máximo de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, atendidos:

a) o grau de zelo do profissional;

b) o lugar de prestação do serviço;

c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº 5.925, de 01.10.1973)

Art. 21..............................................

Parágrafo único. Se um litigante decair de parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e honorários.

DO EXPOSTO,

JULGO PROCEDENTES os pedidos declinados na vestibular, confirmando os efeitos da medida antecipatória da tutela jurisdicional perseguida, e, por via de conseqüência, condeno a empresa demandada na obrigação de não utilizar o endereço eletrônico www.lcultura.com.br, registrado perante a FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, em razão da similaridade semântica e gráfica deste com a marca de propriedade da autora e com os demais endereços eletrônicos por esta registrados perante a mesma instituição.

De igual modo, determino que fique a suplicada impedida, ainda, de utilizar qualquer outro endereço eletrônico que imite, incorpore ou reproduza, total ou parcialmente, a marca "LIVRARIA CULTURA", cuja propriedade é garantida à suplicante, conforme até aqui disposto.

Por outro lado, JULGO PROCEDENTES, EM PARTE, os pedidos declinados na exordial, confirmando parcialmente os efeitos da medida antecipatória concedida anteriormente nos autos, para condenar a acionada na obrigação de não fazer, consistente no ato de se "(...) abster de utilizar a expressão LIVRARIA CULTURA, ou qualquer outra que a imite, incorpore ou reproduza ainda que parcialmente, como marca ou título de estabelecimento, (...)" (sic - fl. 23) fora do Estado da Bahia, haja vista que o registro levado a efeito, no exercício de 1971, perante a Junta Comercial do Estado da Bahia só garante à suplicada direito à proteção do nome empresarial no território da respectiva unidade da federação (BAHIA), conforme indica o comando legal contido no art. 1166 do Código Civil de 2002 c/c o art. 61, § 1º, do Decreto Federal n. 1.800/96 e art. 11 da IN n. 104/2007 do DNRC.

Condeno, ainda, a empresa demandada no pagamento de indenização, a título de perdas e danos e lucros cessantes, com arrimo no art. 5º, V, da Carta da República c/c os arts. 209 e 210 da Lei de Patentes, em montante pecuniário a ser fixado em sede de liquidação de sentença por arbitramento.

Finalmente, condeno a parte acionada no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados na alçada de 15% (quinze por cento) sobre o total devido e a ser efetivamente pago pela suplicada, haja vista que a parte autora decaiu de parte mínima do pedido inscrito na vestibular.

PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE. INTIMEM-SE.

Salvador, 29 de Outubro de 2007.

CLÉSIO RÔMULO CARRILHO ROSA
JUIZ DE DIREITO


Notas:

* Colaboração do Dr. Clésio Rômulo Carrilho Rosa, Juiz de Direito da 17ª Vara Cível da Comarca de Salvador - Bahia. [ Voltar ]

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1 Comentários

Pedro Afonso pedrosa Empresário27/11/2010 0:25 Responder

Decisão realmente muito bem fundamentada, pois analisa todas as nuances existentes na legislação que rege o direito de uso exclusivo do proprietário à sua marca registrada no INPI, gostaria inclusive do contato do advogado que patrocinou esta ação no estado de MG pois sou proprietário de uma marca que está sendo usada indevidamente por outras empresas.

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