A hora do Jogo da Verdade

Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e Cruz. Doutor cum laude em Direito Constitucional pela Universidad de Sevilla. Advogado.

Fonte: Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e Cruz

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Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e Cruz ( * )

Muito se tem debatido, desde que foi lançado, o terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos. Um dos principais embates está radicado na denominada Comissão Nacional da Verdade, que antes examinaria "as violações de Direitos Humanos praticadas no contexto da repressão política" e agora efetivará "o direito à memória e à verdade histórica e promoverá a reconciliação nacional". No entanto, há de se indagar, para início de qualquer discurso, qual verdade será efetivada?

Coincido com o filósofo espanhol e humanista Pérez Luño que pondera sobre a inevitabilidade de que os conceitos e categorias mais recorrentes padecem de um déficit de intenção conceitual proporcionalmente inverso à sua extensão de uso. A concepção de verdade, com absoluta certeza, está dentre estas que demandam densas reflexões, não obstante a sua abundante fruição. Platão já investigava seu sentido, quando na obra A República, escreveu sobre o Mito da Caverna. Seu mais famoso discípulo, Aristóteles, também se dedicou ao tema. Friedrich Nietzsche talvez tenha sido um dos mais preocupados em teorizar sobre a verdade, tanto que instigou Michel Foucault a analisar a Verdade e as formas jurídicas. Poder-se-ia citar aqui diversos renomados autores que intentaram configurar um conceito fidedigno de verdade, mas creio ser despiciendo. Isso porque no diálogo sobre tal deslinde existe uma linha que converge sobre sua relatividade, é dizer, a verdade é relativa.

Em 1969, quando indicado, pelo Alto Comando das Forças Armadas, o nome de Emílio Garrastazu Médici, para substituir Costa e Silva, o futuro Presidente da República propalou que em seu governo se iria fazer "o jogo da verdade". Em um discurso, que se transformou em livro, Médici exalta a "Revolução"-Golpe de 1964, confessa o desejo de instaurar a democracia, repudia a pregação de extremistas, inclina-se pela liberdade nas universidades, partidos, sindicatos, imprensa e Igreja. Seriam livres estas instituições, contudo, dos grupos minoritários que eram pautados pela violência, corrupção, que se serviam de ideologias repudiadas e superadas.

Seus propósitos foram atendidos. Entrou em vigência a Emenda Constitucional n° 1, que se denominou "Constituição da República Federativa do Brasil" que incorporava as medidas de exceção previstas no AI-5. O período foi marcado pelo recrudescimento da repressão política, pela censura aos meios de comunicação e pelas denúncias de tortura aos presos políticos. Assistiu-se à desestruturação das organizações de esquerda, com a prisão, exílio ou morte de seus principais líderes. Essa era a verdade que Médici preconizava.

Com efeito, a realidade atual é outra. Em que pese as digressões a respeito do acerto ou desacerto político da implantação da citada Comissão Nacional da Verdade, ainda que tardiamente, é necessário que o Brasil conjugue, de fato, os verbos da democracia. É imperioso que se descortine o espesso véu que ainda encobre o nosso sombrio passado de inglórias. Devemos nos espelhar, neste específico ponto, no exemplo do país vizinho, para que resgatemos a História. Cabe, inclusive, invocar a célebre frase de Médici, "chegou a hora de fazermos o jogo da verdade", entretanto, a relatividade do conceito de agora exige que se aflore a verdade democrática.

Notas:

* Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e Cruz. Doutor cum laude em Direito Constitucional pela Universidad de Sevilla. Advogado. [ Voltar ]

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3 Comentários

Leonardo de Castro Cardoso Delegado de Polícia29/01/2010 19:53 Responder

Caro amigo Marco Aurélio, belo vocabulário, bela abordagem ao tema, belo artigo. Seus textos estão cada vez melhores. Um abraço do seu amigo Léo

Leonardo de Castro Cardoso Delegado de Polícia29/01/2010 20:52 Responder

Caro amigo Marco Aurélio, belo vocabulário, bela abordagem ao tema, belo artigo. Seus textos estão cada vez melhores. Um abraço do seu amigo Léo

Síri Dharma Singh Aprendiz, Professor, Poeta e Terap. Alternativas31/01/2010 4:20 Responder

Sua escrita deixa entrever o prazer dos puristas, dispensa comentários, texto enxuto e objetivo, na medida certa da crítica sem paixão. Faz menção às verdades que impolutas deveriam ser, mostrando a fragilidade do caráter humano! Abraço! Síri Dharma

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