A Agenda 21 como novo paradigma de desenvolvimento<a href="#1" name="volta1"><sup>(1)</sup></a>

Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, especialista em ciência política, mestrando em ciências sociais, membro da Associação Hoc Tempore de Pelotas-RS.

Fonte: Sandro Ari Andrade de Miranda

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Sandro Ari Andrade de Miranda ( * )

O conceito Desenvolvimento Sustentável ganhou notoriedade na primeira vez com a conferência de Estocolmo, em 1972, onde o relatório chamado Nosso Futuro Comum (Relatório Brundtland), apontou para a necessidade de reorientação do nosso modelo de desenvolvimento (NOVAES, 2003), que além de não garantir o atendimento das necessidades das gerações presentes, também estava comprometendo a vida das futuras gerações. A conseqüência mais importante deste relatório foi a realização, 20 anos depois, da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a ECO 92, de onde saíram cinco importantes documentos: 1) a Convenção sobre Diversidade Biológica; 2) a Convenção Quadro sobre Mudanças Climáticas; 3) a Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento; 4) a Declaração do Rio sobre Conservação e Uso Sustentável de Florestas; 5) a Agenda 21. Destes, apenas os dois primeiros tem efeito normativo, os outros três, inclusive a Agenda 21, são protocolares e o cumprimento depende do comprometimento político dos seus signatários.

Embora não normativa, a Agenda 21 vem alcançado ao longo do tempo um relativo grau de legitimidade. Segundo Washington NOVAES, na Conferência Rio+5, em 1997, estimou-se que 65 países haviam definido sua Agenda 21, assim como mais de duas mil comunidades locais, e esperava-se que em 2002, na Rio+10 em Joanesburgo, este número tivesse dobrado, incluindo aí também a Agenda 21 Brasileira.

A Agenda 21 muito mais do que um simples documento assinado pelos 179 países que participaram da Conferência Rio-92, é um acordo de desenvolvimento que deve ser colocado em prática por todos, expandindo-se para a esfera local e contaminando, de forma positiva, todos os sistemas de organização e administração, de forma a construir a base de uma nova ética político social fundamentada na sustentabilidade, e utilizando a ação local, pactuada consensualmente pelos diversos atores envolvidos, como um mecanismo de enfrentamento dos problemas encontrados no plano global.

É importante que focalizemos o conceito de local na Agenda 21, que dialeticamente é sempre colocado em oposição ao global, nunca ao nacional, nem regional, continental, etc. Ocorre que para a Agenda 21, o conceito de Local não é limitado ao espaço territorial de organização política de comunidades, como no Município, por exemplo, motivo pelo qual a Agenda 21 Local também inclui a Agenda 21 Nacional, a Estadual, a Municipal, para tomar como exemplo o modelo de organização político administrativo do Brasil, mas também inclui os Biomas, as Bacias, Bairros, e por que não, comunitária. Poderíamos ter perfeitamente uma Agenda 21 do MERCOSUL, ou da União Européia, que poderiam ser consideradas como locais...

Aliás, a questão do nacional, da forma como nós fomos educados a pensar, vem paulatinamente perdendo valor referencial, pelo menos como elemento estratégico. O lema da Agenda 21 é "Pensar Global e Agir Local", ou seja, cada vez mais os problemas locais podem ter importância global, e vice e versa. Vejamos por exemplo os problemas do aquecimento global e da energia nuclear. O primeiro, cujo próprio nome já carrega o anglicismo global, é enfrentado quotidianamente pelas comunidades locais que sofrem com as secas, com as enchentes, com a perda de biodiversidade, dentre outros efeitos. O mesmo, de forma inversa, pode ser dito em relação ao uso da energia nuclear para atender uma determinada comunidade, um país, por exemplo. Embora os benefícios da energia sejam localizados, os problemas gerados por um eventual acidente nuclear podem ultrapassar as fronteiras geográficas do beneficiário, através das ondas de radiação. Estes mesmos exemplos poderiam ser traduzidos no Brasil com casos mais concretos, como, por exemplo, o plantio de alimentos trangênicos, a produção monocultural de soja na Amazônia, de eucalipto sobre o aqüífero guarani, na Metade Sul do Rio Grande do Sul, dentre outros. Em todos os casos eventuais benefícios localizados podem gerar problemas para o mundo todo, sem contar as comunidades diretamente afetadas.

Para o sociólogo português Boaventura de Souza SANTOS, "dada à dinâmica transnacional do presente, não é possível postular futuro e muito menos futuros nacionais. Apenas se poderá dizer que, para ser nosso, o futuro que tivermos não poderá ser reduzido ao futuro dos outros" (SANTOS, 1996). O que o autor pretende dizer com estas frases aparentemente contraditórias, é que não se justifica mais pensar o futuro da humanidade no modelo atual de estados nacionais, ao mesmo tempo em que a solução dos problemas futuros passa pela valorização da esfera local. Aliás, outro importante sociólogo, Immanuel WALLERSTEIN fala em "sistema-mundo" (OPSCHPE. 1999), para abordar a nossa atual representação espacial.

Mas como enfrentar a problemática mundial da crise ambiental? Será que ao colocarmos em cheque a questão do nacional não estaríamos favorecendo o imperialismo das grandes potências, ou o transnacionalismo das grandes empresas multinacionais que já são beneficiadas pela globalização?

As respostas para as perguntas são tão complexas como os seus postulados, e o caminho demonstra-se ainda mais árduo quando percebemos que um dos principais instrumentos explicativos que construímos ao longo dos anos também está em crise, a ciência. Com a globalização e crise ecológica a ciência descobriu que dois de seus postulados fundamentais caíram por terra: o da neutralidade e o da objetividade (separação entre sujeito e objeto). O processo de industrialização iniciado com o iluminismo carregou junto consigo a ciência, prima-irmã do progresso. O progresso, na visão de CONDORCET seria continuo e responsável pela melhoria constante na qualidade de vida da humanidade. Ocorre que o progresso técnico, neutro e a alienado é o grande responsável pela crise ecológica contemporâneo e pelo aquecimento global, e por via de conseqüência a própria ciência é responsável. A crise ética aumentou ainda mais quando a ciência descobriu que não apenas incentivou uma industrialização sem precedentes dos processos produtivos como também descobriu que ela própria, ciência, industrializou-se. O resultado desta situação é que os cientistas não conseguem mais encontrar soluções para os problemas criados pela própria ciência, problemas entre os quais a crise ecológica é o mais grave. Por sinal, a crise ecológica também é responsável por demonstrar que a objetividade da ciência, contraditando WEBER, embora possível no plano parcial, é impossível de forma global. Um das principais características da ciência objetiva, e portanto neutra, é a separação entre pesquisador e objeto. Não é à toa, que a primeira grande separação entre pesquisador e objeto foi a separação entre homem e natureza. O resultado desta separação foi o aparente domínio do homem sobre a natureza. Digo aparente exatamente porque a crise ecológica tem provado o contrário. O ser humano é parte integrante da natureza, está diretamente ligado aos seus processos, é parte de um todo harmônico, e a tentativa de domínio resultou na ameaça de fim da própria natureza e, por conseqüência, da humanidade. Logo, é impossível objetivar um objeto, analisá-lo de fora, como se fosse coisa, como pregava DHUKHEIN, quando estamos inseridos dentro do objeto.

Na verdade, estamos sendo obrigados a mudar o nosso paradigma de pensamento, como forma de respondermos às nossas perguntas, é exatamente aí que entra a Agenda 21.

A Agenda 21 tem o ousado objetivo de construir um novo paradigma que reoriente a nossa atual forma de desenvolvimento. Para tanto, ela deverá começar pela base, pela incorporação da sociedade no processo de sua elaboração, construindo um novo modelo de transnacionalismo (SANTOS, 2000), ou aproveitando a própria ambivalência da globalização (GUGLIANO, 2000). Se por um lado o modelo organizativo da modernidade baseava-se no domínio do científico, na construção da Agenda 21 o senso comum das comunidades passa a ser reconhecido e valorizado como importante vetor de reorganização social. Não é à toa que a Agenda 21 opta pelo modelo da Democracia Participativa como forma de organização coletiva.

Para Boaventura de Souza SANTOS, os três pilares de regulação da modernidade são o mercado, o estado e a comunidade, mecanismo este oriundo do pensamento de ROUSSEAU. Os dois primeiros, mercado e estado fracassaram ao longo dos séculos XIX e XX como mecanismos de regulação. O mercado jamais conseguiu incluir toda a sociedade e fracassou nas crises de 1929 e duas grandes guerras, e mais recentemente com o retorno ideológico do liberalismo econômico na versão neoliberal. Da mesma forma a queda da URSS e do Estado de Bem Estar Europeu representou a falência do modelo de regulação pelo Estado. Restou-nos apenas o pilar da comunidade, que sempre foi relegado para um plano inferior. É exatamente nesta esfera, a da comunidade, da ação local, que se encontra a Agenda 21. Mas para atingir seus objetivos organizativos, a Agenda 21 deverá relacionar-se com todos os outros sistemas comunitários, como por exemplo a economia solidária, as redes de troca, as organizações de bairro e de comunidade, e os demais instrumentos de democracia participativa, como o orçamento participativo e o planejamento participativo. Não havendo comunicação entre a Agenda 21 e os outros sistemas de organização popular, ela será insuficiente, ineficaz, e correrá o risco a ficar relegada a um segundo plano, como acontece em diversos processos atualmente em andamento, principalmente aqueles processos construídos à partir do nosso atual sistema administrativo.

O espanhol Tomás R. VILLASANTE, destaca que vários dos modelos de democracia participativa que obtiveram sucesso, como o caso de Villa El Salvador em Lima no Peru, o Orçamento Participativo em Porto Alegre e, em alguns casos, a própria Agenda 21, legitimaram-se antes pela experiência do que pela regulamentação dentro dos parâmetros formais atuais do Estado (VILLASANTE, 1999). Vejamos o longo debate sobre a legalização do Orçamento Participativo em Porto Alegre, que apenas propunha aprisioná-lo dentro do formalismo burocrático. Aliás, a autonomia na organização da forma e a experimentação são características importantes da democracia participativa e, por via de conseqüência da Agenda 21.

A Agenda 21 é, pois, um processo horizontal, que se opõe aos sistemas verticalizados de coordenação adotados pelo estado e pelo mercado. A Agenda 21 deve organizar-se em rede, de forma descentralizada, de forma a garantir a plena participação popular, e evitar que se transforme num sistema burocrático. Para ser eficaz, ela deverá expor os conflitos de forma poder superá-los. Deve se orientar pela busca incessante da sustentabilidade. Não basta um crescimento econômico acelerado e excludente que destrua com modelos produtivos locais e prejudique o meio ambiente. O desenvolvimento construído pela Agenda 21 deve buscar o equilíbrio entre as dimensões ecológica, ambiental, social, política, econômica, cultural, institucional e espacial.

Por fim, a Agenda 21 não poderá ficar isolada no seu próprio e aparente horizonte territorial. Os processos deverão estar em permanente de inter-relação, de forma a construir horizontes comuns, motivo pelo qual é extremamente importante, sob o ponto de vista estratégico, a criação no Brasil da Rede Brasileira das Agendas 21 Locais, que inclui inclusive a Agenda 21 Brasileira, como instrumento de intercâmbio, aprendizagem, organização, divulgação, e disseminação da Agenda 21.

Evidentemente que a construção da Agenda 21 não resolverá todos os problemas da modernidade aqui muito sucintamente relatados. Mas é um passo importante a ser seguido.

BIBLIOGRAFIA

GIDDENS, Anthony. Política e Sociologia no Pensamento de Max Weber. In: Política, Sociologia e Teoria Social - encontro com o pensamento social clássico contemporâneo. Editora UNESP, São Paulo, 1998, pág. 25-71. Tradução: Cibele Saliba Rizek;

GUGLIANO, Alfredo Alejandro. Nas Costas da Globalização: as perspectivas dos países periféricos frente às transformações internacionais. In: FERREIRA, Márcia Ondina; GUGLIANO, Alfredo Alejandro (Org.). Fragmentos da Globalização na Educação: uma perspectiva comparada. Editora Artes Médicas, Porto Alegre, 2000, pág. 63-76);

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Agenda 21 e a Sustentabilidade das Cidades. Caderno de Debate Agenda 21 e Sustentabilidade. Ministério do Meio Ambiente. Brasília, 2003;

_________________. Agenda 21: Articulando Planos nos Municípios. Caderno de Debate Agenda 21 e Sustentabilidade n.° 08. Ministério do Meio Ambiente. Brasília, 2005;

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NOVAES, Washington Reis. Agenda 21: um novo modelo de civilização. In: TRIGUEIRO, André. Meio Ambiente no Século 21: 21 especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento. Editora Sextante, Rio de Janeiro, 2003, Pág. 323-331;

OPSCHEPE, Gustavo. A Ruína do Capitalismo - entrevista com Immanuel Wallerstein. Globalizacion.org - Recursos e información sobre globalización, desarrollo y sociedad civil em América Latina, 17/10/199. Disponível em World Wide Web: http://www.globalizacion.org/biblioteca [acessado em 10/02/2007];

SANTOS, Boaventura de Souza. A Crítica da Razão Indolente: contra o desperdício da experiência. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. Editora Cortez, São Paulo, 2000;

_________________. Pela Mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 2ª Edição, Editora Cortez, São Paulo, 1996;

_________________. Um Discurso Sobre as Ciências. Edições Afrontamento, Porto, 1999.

VILLASANTE, Tomás R.. Estado, Sociedade e Programações Alternativas. Revista Brasileira de Educação. ANPED, (10) jan./abr., 1999, pág. 98-100;


Notas:

* Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, especialista em ciência política, mestrando em ciências sociais, membro da Associação Hoc Tempore de Pelotas-RS. [ Voltar ]

1 - Apresentação realizada no I Encontro da Rede Gaúcha de Agendas 21 Locais, em 13 de abril de 2007, na cidade São Lourenço do Sul - RS. [Voltar]

Palavras-chave: Agenda 21

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