A aposentadoria compulsória não é pena

O Conselho Nacional de Justiça, no exercício das atribuições que lhe são conferidas pela Constituição Federal, tem feito uso da pseudo-sanção denominada aposentadoria compulsória como forma de penalizar magistrados de diversas unidades da Federação, por terem estes descumprido deveres inerentes à judicatura

Fonte: Bruno Sá Freire Martins

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O Conselho Nacional de Justiça, no exercício das atribuições que lhe são conferidas pela Constituição Federal, tem feito uso da pseudo-sanção denominada aposentadoria compulsória como forma de penalizar magistrados de diversas unidades da Federação, por terem estes descumprido deveres inerentes à judicatura. 

A magistratura brasileira possui como garantias, para o perfeito exercício do seu mister, a irredutibilidade dos subsídios, a inamovibilidade e a vitaliciedade. 

Pela primeira garantia os juízes não podem sofrer qualquer tipo de redução em sua remuneração, já a segunda permite aos magistrados o não afastamento da Comarca onde exercem suas atividades, salvo por promoção ou em casos de remoção a pedido do próprio interessado. 

A vitaliciedade, garante aos juízes que somente ocorrerá a perda do cargo por intermédio de sentença judicial transitada em julgado, ou seja, não poderá ocorrer sua demissão com base em decisão proferida em processo administrativo disciplinar. 

Com o objetivo de garantir a plenitude dos efeitos da vitaliciedade e ao mesmo tempo proporcionar ao Judiciário a possibilidade de afastar da judicatura os Juízes que atuem de forma incompatível com o cargo que exercem, a Lei Complementar federal n. 35, de 14 de Março de 1.979, ao dispor sobre a Organização da Magistratura brasileira, estabeleceu que: 

Art. 56 - O Conselho Nacional da Magistratura poderá determinar a aposentadoria, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, do magistrado:

I - manifestadamente negligente no cumprimento dos deveres do cargo;

Il - de procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções;

III - de escassa ou insuficiente capacidade de trabalho, ou cujo proceder funcional seja incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário. 

O dispositivo supramencionado fundamentou as decisões tomadas pelo Conselho Nacional de Justiça. 

Ocorre que o Estatuto da Magistratura foi editado, sob a égide da Constituição Federal de 1967, com as alterações que lhe foram promovidas pela reforma de 1969. 

Naquele contexto constitucional, a aposentadoria dos agentes públicos possuía um caráter essencialmente premial, pelo qual o Estado recompensava o cidadão por ter despendido longos anos de sua vida laboral, a seu favor. 

A nova ordem estabelecida em 1988, exaltou a vitaliciedade à condição de garantia constitucional.

Em contrapartida e em que pese o texto original da Carta Magna estabelecer a aposentadoria compulsória somente aos 70 (setenta) anos de idade, manteve-se a natureza de prêmio às aposentadorias. 

Sob este arcabouço constitucional, tornava-se perfeitamente possível promover-se, por intermédio da legislação, o afastamento compulsório de um servidor que incorresse em desvio de conduta.           

Contudo, com o advento da Emenda Constitucional n. 03/93, a aposentadoria perdeu, no âmbito federal, tal caráter e posteriormente com a Emenda Constitucional n. 20/98 esta perda foi estendida a todos os entes federados, passando a revestir-se de benefício concedido em razão de contribuições financeiras realizadas pelos servidores. 

Tal transformação decorreu da necessidade de adequação dos benefícios previdenciários ao conceito de previdência social, constituindo-se esta em segmento da Seguridade Social, composta de um conjunto de princípios, de regras e de instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social, mediante contribuição, que tem por objetivo proporcionar meios indispensáveis de subsistência ao segurado e a sua família, contra contingência de perda ou redução da sua remuneração, de forma temporária ou permanente, de acordo com a previsão da lei.[i] 

As ditas contingências são doutrinariamente denominadas riscos sociais, ou seja, situações, definidas em lei ou na própria Carta Maior, onde o segurado em razão da limitação, redução ou perda da capacidade laboral utiliza-se do sistema protetivo para garantir a manutenção de sua subsistência e/ou de seus familiares. 

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 201, elege como situações de risco social, amparados pelo sistema protetivo instituído pela Previdência Social, a morte, a idade avançada, a incapacidade temporária ou permanente, a maternidade e a reclusão. 

Daí, a previdência social ser considerada  direito social de fruição universal para os que contribuam para o sistema. Ocorrendo um risco social – “sinistro” (que afasta o trabalhador da atividade laboral), caberá à previdência a manutenção do segurado ou de sua família.[ii] 

No direito pátrio, a aposentadoria do servidor público de cargo efetivo pode ser concebida como direito público subjetivo de passar à inatividade e continuar percebendo, até a morte, salvo ocorrência de um ato ou fato jurídico que lhe cause a extinção, na forma da lei, uma prestação pecuniária correspondente à totalidade ou não dos vencimentos que lhe eram pagos na atividade, em razão do cumprimento de determinadas condições previstas na Constituição ou, excepcionalmente, em lei complementar, nos casos de atividades exercidas exclusivamente sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.[iii]  

O artigo 40, da Carta Magna, ao disciplinar as aposentadorias estabeleceu a possibilidade de o servidor se aposentar voluntariamente: por idade, por tempo de contribuição ou de forma especial; por invalidez; ou compulsoriamente. Regramento este estendido aos magistrados conforme estabelece o artigo 93, VI, da Constituição Federal. 

A jubilação compulsória, no ordenamento jurídico brasileiro, ocorre aos 70 (setenta) anos de idade ou aos 75 (setenta e cinco) quando Lei Complementar assim o estabelecer, salvo nos casos de Ministros de Tribunais Superiores do STF e do TCU onde essa idade já se encontra definida no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e tem por finalidade proteger o agente público que já se encontra em idade avançada e consequentemente tem sua capacidade laboral reduzida ou até mesmo cessada. 

Além disso, o avanço da idade conduz, quase sempre, ao comprometimento da saúde do servidor, fato este que pode vir a impedir o exercício normal das atividades do cargo que ocupa. 

Na aposentadoria compulsória não cabe ao agente público, mas sim ao Ente Federado a aposentação deste, ainda, que não haja sua concordância já que ela deve se dar ex-officio, isto porque pressupõe-se que o servidor ao atingir determinada idade não possui mais condições para desenvolver suas atividades laborais plenamente.[iv] 

A Carta Magna, conforme já mencionado, pós-reforma de 1998 impingiu o regime contributivo aos benefícios previdenciários, elencou as situações consideradas como de riscos sociais e estabeleceu a compulsoriedade na aposentadoria por circunstâncias etárias. 

Em que pese a garantia da vitaliciedade dos magistrados, também encontrar-se na condição de norma constitucional, não poderia a legislação infraconstitucional, após o advento da Emenda Constitucional n. 20/98, estabelecer regras de compulsoriedade para a aposentadoria em desacordo com a Carta Maior. 

Fato este que conduz o artigo 56, da Lei Complementar n. 35/79, a não ser recepcionado pelo texto constitucional modificado. 

O fenômeno da recepção consiste na avaliação de compatibilidade entre as leis e atos normativos existentes e o novel texto constitucional. 

No caso de incompatibilidade entre a lei ou ato existente e a nova Lei Maior, ocorrerá a revogação da legislação menor face a sua não-recepção pela nova Carta Magna. 

A revogação da norma infraconstitucional por sua não recepção também pode decorrer do advento de Emenda Constitucional, nesse sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal in verbis: 

EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: art. 2º, inciso IV, alínea c, da L. est. 12.755, de 22 de março de 2005, do Estado de Pernambuco, que estabelece a vinculação da Defensoria Pública estadual à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos: violação do art. 134, § 2º, da Constituição Federal, com a redação da EC 45/04: inconstitucionalidade declarada. 1. A EC 45/04 outorgou expressamente autonomia funcional e administrativa às defensorias públicas estaduais, além da iniciativa para a propositura de seus orçamentos (art. 134, § 2º): donde, ser inconstitucional a norma local que estabelece a vinculação da Defensoria Pública a Secretaria de Estado. 2. A norma de autonomia inscrita no art. 134, § 2º, da Constituição Federal pela EC 45/04 é de eficácia plena e aplicabilidade imediata, dado ser a Defensoria Pública um instrumento de efetivação dos direitos humanos. II. Defensoria Pública: vinculação à Secretaria de Justiça, por força da LC est (PE) 20/98: revogação, dada a incompatibilidade com o novo texto constitucional 1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal - malgrado o dissenso do Relator - que a antinomia entre norma ordinária anterior e a Constituição superveniente se resolve em mera revogação da primeira, a cuja declaração não se presta a ação direta. 2. O mesmo raciocínio é aplicado quando, por força de emenda à Constituição, a lei ordinária ou complementar anterior se torna incompatível com o texto constitucional modificado: precedente[v]. 

O artigo 56, da Lei Complementar n. 35/79, foi editado anteriormente à reforma do artigo 40, da Constituição Federal, promovida em 1998, e encontra-se com este incompatível, conforme a ampla explanação supramencionada, fato este que enseja a sua não-recepção pelo texto modificado da Carta Magna.

Então, a aposentadoria compulsória por ser um benefício previdenciário que pressupõe, nos termos da Constituição Federal, a realização de contribuições e por exigir como requisito para a sua concessão o atingimento da idade de 70 (setenta) ou 75 (setenta e cinco) anos, não pode ser considerada pela legislação infraconstitucional uma sanção decorrente de atos tidos como incompatíveis com o exercício da magistratura, ante a total ausência de amparo na Lei Maior.


[i] MARTINS, Sérgio Pinto. DIREITO DA SEGURIDADE SOCIAL. 27ª edição. Ed. Atlas.

[ii] TAVARES, Marcelo Leonardo. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. 10ª edição. Ed. Lúmen Júris.

[iii] TEIXEIRA, Flávio Germano de Sena. O CONTROLE DAS APOSENTADORIAS PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS. Ed. Fórum.

[iv] MARTINS, Bruno Sá Freire. DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO. Ed. Ltr.

[v] STF. ADI n. 3569/PE. Rel. Min. Sepulveda Pertence. J. 02/04/2007 


Bruno Sá Freire Martins

Bruno Sá Freire Martins

Servidor Público efetivo do Estado de Mato Grosso; advogado; pós-graduado em Direito Público e em Direito Previdenciário; professor da LacConcursos e de pós-graduação na Universidade Federal de Mato Grosso, no ICAP – Instituto de Capacitação e Pós-graduação (Mato Grosso), no Instituto Infoc - Instituto Nacional de Formação Continuada (São Paulo), no Complexo Educacional Damásio de Jesus - curso de Regime Próprio de Previdência Social (São Paulo); fundador do site Previdência do Servidor (www.previdenciadoservidor.com.br); Presidente da Comissão de Regime Próprio de Previdência Social do Instituto dos Advogados Previdenciários – Conselho Federal (IAPE); membro do Cômite Técnico da Revista SÍNTESE Administração de Pessoal e Previdência do Agente Público, publicação do Grupo IOB; escreve todas as terças-feiras para a Coluna Previdência do Servidor no Jornal Jurid Digital (ISSN 1980-4288) endereço www.jornaljurid.com.br/colunas/previdencia-do-servidor, autor dos livros DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO, A PENSÃO POR MORTE e REGIME PRÓPRIO – IMPACTOS DA MP n.º 664/14 ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS, todos da editora LTr e do livro MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO da editora Rede Previdência/Clube dos Autores e de diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.


Palavras-chave: Aposentadoria compulsória CNJ CF STF

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