A Nulidade da Aposentadoria no Regime Próprio por Ausência de Contribuição no Regime Geral

Considerações do colunista bruno Sá Freire Martins.

Fonte: Bruno Sá Freire Martins

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1. Introdução

                        A Reforma da Previdência promovida por intermédio da Emenda Constitucional n.º 103/19, apesar da afirmação de que não seria aplicável aos Estados e Municípios, trouxe uma série de previsões que alcançam os Regimes Próprios destes Entes.

                        Dentre elas, consta a regra que considera nula as aposentadorias concedidas e a conceder tomando por base períodos contributivos do Regime Geral sem que tenha ocorrido a respectiva contribuição.

                        Inovação essa que trouxe uma série de controvérsias acerca de sua aplicação ante a sua extensão para fatos já ocorridos e também para os que ainda irão ocorrer.

                        Ainda mais que, até janeiro de 2.019, não se exigia a comprovação de recolhimento nos casos onde houve mudança de vínculo no âmbito do próprio Ente Federado, como acontece em razão da transposição ou da aprovação em concurso público para o mesmo Ente.

                        Sem contar que muitos processos de aposentadoria estão em tramitação, seja para a sua concessão seja na fase de registro junto ao Controle Externo, momento em que o benefício já foi concedido, mas ainda depende da ratificação pela Corte de Contas.

                        Razões essas que evidenciam a necessidade de debate acerca do tema e seu alcance.

2 – Conceito de Tempo de Contribuição

                        No âmbito dos Regimes Próprios o conceito de tempo de contribuição, nunca encontrou um fundamento legal sólido, à medida que não foi editada qualquer norma de caráter geral que pudesse fazê-lo, levando, diversos Entes Federados a adotar como definição de tempo de contribuição aquela utilizada em sede de Regime Geral, inclusive com reprodução legal do mesmo.

                        Opção que não coaduna com a realidade dos Regimes Próprios, à medida que no direito administrativo encontramos uma série de peculiaridades que permitem ao servidor continuar a receber suas remunerações sem exercer efetivamente suas atribuições, incidindo contribuições sobre elas.

                        Também, em situações específicas, admite-se que haja contribuição mesmo sem o efetivo exercício das atribuições e também sem o recebimento de remuneração, como ocorre nas licenças para tratar de assuntos de interesse particular.

                        Sem contar, o fato de que até o advento da Emenda Constitucional n.º 20/98 admitiu-se que o tempo ficto fosse considerado como tempo de contribuição, conforme se depreende do teor de seu artigo 4º.

                        É por isso que, em sede de Regime Próprio, considera-se como tempo de contribuição o período em que o servidor contribuiu para o Regime Previdenciário no qual está ou esteve filiado em razão do exercício das atribuições de seu cargo, função ou emprego, por períodos considerados por Lei como de efetivo exercício, bem como aqueles interstícios cujo pagamento da contribuição decorre de autorização ou imposição legal expressa mesmo que corresponda a período onde não houve prestação de serviço ou que não seja considerado como tal.[1]

                        Contemplando, com isso, os mais variados aspectos relacionados ao serviço público que levam determinados períodos a serem tidos como tempo de contribuição, ainda que de fato esta não tenha ocorrido.

                        Inclusive, lapsos temporais onde, no passado, os servidores públicos foram filiados ao Regime Geral e nessa condição deveriam verter suas contribuições para lá e, posteriormente, por determinação legal (transposição) ou por circunstâncias pessoais (concurso) passaram à condição de vinculados a Regime Próprio.

                        E como tal computaram tais períodos para sua inativação junto ao último o que foi feito sem a respectiva comprovação de recolhimentos.

3 – Contagem Recíproca

                        A possibilidade de cômputo de tempo de contribuição de um regime previdenciário em outro para efeitos de concessão de aposentadoria, encontra fundamento de validade no § 9º do artigo 40 da Constituição Federal cuja redação traz a previsão da regra de contagem recíproca.

                        A contagem recíproca consiste na possibilidade de aproveitamento de tempo de contribuição junto a outro Regime Próprio ou ao Regime Geral na aposentadoria a ser concedida no Regime Próprio ao qual o servidor pertence.

                        Podendo ser conceituada como a soma dos períodos de trabalho prestados sucessivamente na iniciativa privada e para os órgãos públicos ou vice-versa, com vistas à implementação dos requisitos das prestações concedíveis pelos diferentes regimes que as contemplam.[2]

                        Cuja concretização pressupõe a apresentação da respectiva Certidão de Tempo de Contribuição para a realização do ato de averbação que é a materialização da contagem recíproca, por se constituir, no momento após o qual aquele lapso temporal pode ser computado para efeitos de verificação do preenchimentos dos requisitos exigidos constitucionalmente para a aposentadoria.

                        Seu fundamento de validade reside no fato de que a aposentadoria do servidor pressupõe, além das demais exigências, que seja comprovado tempo mínimo de contribuição que pode ter se dado em qualquer dos regimes previdenciários básicos existentes.

4 – A Filiação Previdenciária

                        Ocorre que o tempo de atuação junto a um Ente Federado não significa, necessariamente, que a sua filiação previdenciária tenha se dado junto a um Regime Próprio, isso porque, a sua criação não era e não é obrigatória para o Estado ou para o Município.

                        Além disso, muitos Entes Federado antes da atual Constituição Federal não adotavam o regime estatutário para seus servidores, fazendo com que eles fossem regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, situação essa que, com o advento da Carta, mudou pelo fato de que predominou e predomina o entendimento de que o regime jurídico único previsto na Constituição é o estatutário.

                        Fundando tal entendimento no argumento de que uma democracia republicana exige que as competências estatais fundamentais sejam exercitadas por indivíduos submetidos a vínculo jurídico apropriado. A condição de órgão do Estado impõe um regime jurídico diferenciado, próprio do direito público. Por isso, todas as atividades que materializem as competências essenciais do Estado devem ser exercitadas segundo o regime estatutário.[3]

                        Sendo esse também o posicionamento adotado pela Ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha in PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DOS SERVIDORES PÚBLICOS, editora Saraiva, páginas 113/142:

...

Sendo as atividades administrativas desenvolvidas sob regime jurídico próprio, de direito público, dotado de configuração própria e vocacionada ao atingimento de um objetivo social peculiar indisponível, não se poderia aceitar pudessem elas ser prestadas por agentes submissos senão a regime jurídico informado por idênticos princípios e de igual natureza. Não haveria de ser sob um regime dirigido ao desempenho de atividades próprias aos interesses particulares, disponíveis, renunciáveis, possíveis de descontinuidade apenas segundo a vontade e o interesse das partes que poderiam aqueles serviços ser desempenhados.

Destarte, a natureza jurídica do serviço público impõe um regime jurídico peculiar e adequado a incidir sobre o serviço público, informado pela singularidade de sua responsabilidade social.

É certo, pois, que a adoção do regime nacional de direito do trabalho nos quadros das entidades políticas para os servidores públicos pode agravar princípios fundamentais essenciais modeladores do modelo administrativo cunhado pelo constituinte originário em 88, a despeito da exclusão da regra que se positivara, expressamente, na versão originária do art. 39, agora reformado pela Emenda Constitucional n. 19/98, mas nem por isso se há de deixar de atentar a que a adoção do regime estatutário continua sendo obrigatória, até mesmo porque há serviços e funções que são absolutamente incompatíveis com o regime trabalhista comum, sendo insuperável a adoção do estatuto para esses casos, que são os que dominam o cenário e a dinâmica da Administração Pública.

                        Razão pela qual, muitos Entes Federados promoveram a transposição de regime jurídico consistente na migração dos vinculados à Administração Pública por intermédio do regime celetista para um novo regramento jurídico, desta feita o regime estatutário.

                        Situação que ainda hoje ocorre, à medida que vários Municípios ainda estão mudando o regime jurídico de seus agentes públicos, muitas vezes com o único intuito de instituir um Regime Próprio.

                        Além dos casos, onde mesmo já existindo o regime estatutário, não há Regime Próprio de Previdência e, por conseguinte, os servidores contribuem para o INSS até que este venha a ser criado como, também, aconteceu em muitos Entes, antes do advento da Emenda Constitucional n.º 103/19.

                        Some-se a tudo isso, o fato de que a redação original da Constituição Federal estabelecia que a aposentadoria do servidor se daria pelo cumprimento de determinados requisitos.

                        E ao se utilizar da expressão servidor público, usava-se o conceito mais amplo adotado à época, tanto que o mesmo artigo 40 da Carta Magna, trazia autorizo para que o Ente trouxesse previsão em Lei local de filiação de servidores com vínculos efêmeros ao Regime Próprio.

                        Até que, com o advento da dita Emenda, restringiu-se a filiação à previdência dos servidores somente aos ocupantes de cargos efetivos e vitalícios. Os cargos de provimento efetivo são os predispostos a receberem ocupantes em caráter definitivo, isto é, com fixidez[4], enquanto que a vitaliciedade assegura que o magistrado somente perderá o cargo mediante sentença judicial transitada em julgado.[5]

                        De forma que os demais que possuem vínculos que podem ser considerados efêmeros passassem a ser filiados ao Regime Geral, conforme lançado no § 13 do artigo 40 da Constituição Federal.

                        Em todas as essas hipóteses os servidores em questão tiveram tempo de contribuição previdenciária junto ao Regime Geral e também perante o Regime Próprio, mesmo atuando por todo o período  junto à Administração Pública.

5 – Averbação Automática

                        Razão pela qual se criou o instituto da averbação automática onde o Estado ou Município deve computar o tempo anterior junto ao INSS para aposentadoria em seu Regime Próprio por corresponder ele a período de trabalho junto ao próprio Ente Federado com contribuição para o Regime Geral, regulado pela Instrução Normativa n.º 77/2015, nos seguintes termos:

Art. 441. Será permitida a emissão de CTC, pelo INSS, para os períodos em que os servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios estiveram vinculados ao RGPS, somente se, por ocasião de transformação para RPPS, esse tempo não tiver sido averbado automaticamente pelo respectivo órgão.

§ 1º Tratando-se de RPPS instituído por ente federativo estadual ou municipal, será necessário oficiar o órgão gestor do regime de previdência para que informe a lei instituidora do regime, a vigência, bem como, se há previsão expressa de averbação automática do período de vínculo sujeito ao RGPS, a exemplo da previsão contida no art. 243 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.

                        A averbação é o ato de registrar ou anotar junto ao histórico do servidor o tempo de serviço/contribuição decorrente de vínculo laboral junto a entida­des públicas ou da iniciativa privada, desde que ele não seja concomitante a período que será utilizado na inativação futura ou que não tenha sido utilizado para a concessão de outro benefício previdenciário.[6]

                        Sendo esta instrumentalizada por intermédio da apresentação da respectiva Certidão de Tempo de Contribuição, o que não ocorre nos casos de averbação automática, à medida que há autorizo para que o tempo seja computado sem a apresentação da respectiva certidão por ter sido ele prestado junto ao Ente Federado onde  o servidor irá se aposentar.

                        De forma que os Entes Federados não exigiam, nesses casos, a comprovação de existência de recolhimento junto ao Regime Geral.

                        Essa situação, em que pese a inexistência de previsão nesse sentido, foi estendida aos casos onde o agente público enquadra-se, inicialmente, no § 13 do artigo 40 da Constituição Federal e posteriormente foi aprovado em concurso público passando a ocupar cargo efetivo ou vitalício naquele Ente Federado e, posteriormente, vem a se aposentar junto ao respectivo  Regime Próprio.

                        Assim, essas situações também passaram a ser consideradas como passíveis de averbação automática, ou seja, o período de tais vínculos passou a ser computado como tempo de contribuição para efeitos de aposentadoria independentemente da apresentação da respectiva CTC.

                        Ocorre que o fato de o servidor estar filiado no INSS obriga o respectivo Ente Federado a reter a respectiva contribuição deste e promover o repasse desta em conjunto com a obrigação patronal para a autarquia federal, obrigação que diversos Estados e Municípios não cumpriram permanecendo, assim, inadimplentes.

                        O que acarretou a uma situação sui generis, já que o Ente Federado não promovia o recolhimento das contribuições do servidor e patronal, mas mesmo assim reconhecia esse tempo na aposentadoria e, consequentemente, pleiteava o recebimento de tais valores de volta por intermédio da compensação previdenciária, regulada pela Lei n.º 9.796/98.

                        Norma regulamentada, primeiro pelo Decreto n.º 3.112/99 que trazia em seu teor:

Art. 10 ...

§ 2º  No caso de tempo de contribuição prestado pelo servidor público ao próprio ente instituidor quando vinculado ao Regime Geral de Previdência Social será exigida certidão específica emitida pelo ente instituidor, passível de verificação pelo INSS.

                        Regramento esse não reproduzido pelo atual regulamento (Decreto n.º 10.188/19) já redigido em consonância com o novo ordenamento jurídico estabelecido pela Lei n.º 8.213/91.

6. Regra da Lein.º 8.213/91 

                        Isso porque, a Lei n.º 8.213/91 foi alterada pela Medida Provisória n.º 871/19 convertida na Lei n.º 13.846/19 passando a contar com a seguinte redação:

Art. 96 ...

VII - é vedada a contagem recíproca de tempo de contribuição do RGPS por regime próprio de previdência social sem a emissão da CTC correspondente, ainda que o tempo de contribuição referente ao RGPS tenha sido prestado pelo servidor público ao próprio ente instituidor;

                        Regramento que limita o exercício da contagem recíproca apenas aos casos onde for apresentada a respectiva Certidão de Tempo de Contribuição, ou seja, somente quando de fato tenha ocorrido a contribuição.

                        Tal regra traz como principal conseqüência o fim da averbação automática, ante a previsão lançada em sua segunda parte no sentido de que tal previsão alcança também os casos onde o tempo tenha se dado junto ao próprio Ente Federado onde a aposentadoria será concedida.

                        Por outro lado, não se pode perder de vista o teor do inciso V e do parágrafo único do mesmo artigo 96, in verbis:

Art. 96 ...

V - é vedada a emissão de Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) com o registro exclusivo de tempo de serviço, sem a comprovação de contribuição efetiva, exceto para o segurado empregado, empregado doméstico, trabalhador avulso e, a partir de 1º de abril de 2003, para o contribuinte individual que presta serviço a empresa obrigada a arrecadar a contribuição a seu cargo, observado o disposto no § 5º do art. 4º da Lei nº 10.666, de 8 de maio de 2003;  

...

Parágrafo único. O disposto no inciso V do caput deste artigo não se aplica ao tempo de serviço anterior à edição da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, que tenha sido equiparado por lei a tempo de contribuição. 

                        Regramento esse que induz a conclusão de que, nos casos de servidores públicos vinculados ao Regime Geral, o INSS tem a obrigação de emitir a respectiva Certidão de Tempo de Contribuição, ainda que o Ente Federado não tenha feito o devido recolhimento quando se tratar de lapso temporal anterior à 16 de dezembro de 1.998.

                        Isso porque, a vinculação destes, no período anterior à transposição de regime jurídico ou mesmo da criação do respectivo Regime Próprio sempre se deu na condição de equiparado à empregado e, como já dito, o artigo 4º da Emenda Constitucional n.º 20/98 foi claro ao equiparar o tempo de serviço prestado até 16 de dezembro de 1.998 à tempo de contribuição de forma que a exceção contida no parágrafo único do artigo 96 aliada à redação de seu inciso V permite se concluir que deverá ser emitida a respectiva certidão em favor do servidor.

                        Assim, não será mais possível a averbação automática, mas por outro lado, nos períodos anteriores a 16/12/1998 o INSS passa a ter o dever de emissão da respectiva Certidão para fins de averbação no Regime Próprio quando se tratar de transposição de regime jurídico ou mesmo de criação de sistema de previdência dos servidores daquele Ente Federado.

7. A Emenda Constitucional n.º 103/19

                        E, pode-se dizer que, como um reforço do teor da nova regra lançada na Lei que regula os benefícios do Regime Geral, introduziu-se o § 3º no artigo 25 da Emenda Constitucional n.º 103/19 o seguinte regramento:

Art. 25. Será assegurada a contagem de tempo de contribuição fictício no Regime Geral de Previdência Social decorrente de hipóteses descritas na legislação vigente até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional para fins de concessão de aposentadoria, observando-se, a partir da sua entrada em vigor, o disposto no § 14 do art. 201 da Constituição Federal.

§ 1º Para fins de comprovação de atividade rural exercida até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, o prazo de que tratam os §§ 1º e 2º do art. 38-B da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, será prorrogado até a data em que o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) atingir a cobertura mínima de 50% (cinquenta por cento) dos trabalhadores de que trata o § 8º do art. 195 da Constituição Federal, apurada conforme quantitativo da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad).

§ 2º Será reconhecida a conversão de tempo especial em comum, na forma prevista na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ao segurado do Regime Geral de Previdência Social que comprovar tempo de efetivo exercício de atividade sujeita a condições especiais que efetivamente prejudiquem a saúde, cumprido até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, vedada a conversão para o tempo cumprido após esta data.

§ 3º Considera-se nula a aposentadoria que tenha sido concedida ou que venha a ser concedida por regime próprio de previdência social com contagem recíproca do Regime Geral de Previdência Social mediante o cômputo de tempo de serviço sem o recolhimento da respectiva contribuição ou da correspondente indenização pelo segurado obrigatório responsável, à época do exercício da atividade, pelo recolhimento de suas próprias contribuições previdenciárias.

                        Segundo a nova regra contida no dispositivo lançado na Emenda as aposentadorias concedidas onde não houver recolhimento da contribuição ou a respectiva indenização devem ser consideradas nulas.

                        O primeiro aspecto do dispositivo é o fato de alcançar tanto aposentadorias já concedidas quanto as a conceder, outro ponto interessante reside no fato de que não se encontra estabelecida a necessidade de que seja apresentada a respectiva certidão.

                        Em que pese esta ser o maior instrumento comprobatório da ocorrência dos recolhimentos ou mesmo da indenização, já que sua emissão está sujeita a verificação se de fato houve o pagamento do período, permitindo-se, com isso, em um primeiro momento o entendimento de que é possível que se dê continuidade à realização das averbações automáticas.

                        Entretanto, a previsão constitucional não pode ser analisada de forma isolada, ainda mais pelo fato de que seu teor reforça os novos ditames da legislação do INSS, como dito anteriormente, portanto, a nulidade de aposentadorias sem a devida contribuição não afastam a obrigatoriedade de apresentação, ainda que o Ente Federado consiga comprovar por outros meios que promoveu o recolhimento das contribuições.

                        De forma que a aplicação conjunta da nova redação constitucional e da legislação previdenciária enseja a conclusão de que as aposentadorias já concedidas e as que vierem a ser, sem a respectiva certidão de tempo de contribuição são consideradas nulas.

                        A aplicação do dispositivo para as novas aposentadorias não encontra maiores restrições, já que o cômputo do tempo de contribuição nos casos de averbação automática só é feito, em regra, no momento da inativação, razão pela qual estarão sujeitos aos novos regramentos.

                        Já para as aposentadorias concedidas existem limitações a sua aplicabilidade.

8. Tempo Anterior à Emenda Constitucional n.º 20/98

                        Sendo a primeira alusiva ao período de tempo utilizado na aposentadoria que corresponda a período pretérito à edição da Emenda Constitucional n.º 20/98.

                        Isso porque, até a referida mudança constitucional a exigência para a inativação residia no computo de tempo de serviço, razão pela qual, ainda que a filiação do servidor, naquela época, tenha se dado ao Regime Geral, uma vez que as aposentadorias já concedidas utilizando-se de tais períodos mediante averbação automática tomaram por base o tempo de serviço do servidor, sendo irrelevante a sua contribuição para tanto.

                        Sendo essa, inclusive a determinação contida na própria Emenda Constitucional n.º 20/98 que ao por fim à possibilidade de contagem de tempos fictos, estabeleceu que o tempo de serviço anterior a ela deve ser considerado como tempo de contribuição, conforme consta em seu artigo 4º in verbis:

 Art. 4º - Observado o disposto no art. 40,  § 10, da Constituição Federal, o tempo de serviço considerado pela legislação vigente para efeito de aposentadoria, cumprido até que a lei discipline a matéria, será contado como tempo de contribuição.

                        Assim, a reforma de 1.998 criou a última possibilidade de que o tempo de serviço seja considerado em aposentadorias concedidas a posteriori considerando o período de labor como tempo de contribuição, independentemente da ocorrência de fato dos recolhimentos.

                        Entendimento esse que já foi coadunado pelo Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos:

PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO. MAGISTRADA FEDERAL. ATIVIDADE DESOLICITADORA ACADÊMICA. CONTRIBUIÇÃO. RECOLHIMENTO. DESNECESSIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL 20/98.

Admite-se o cômputo do tempo de serviço em favor de magistrados que exerceram antes da investidura a advocacia ou atuaram como solicitadores sem a obrigatoriedade do recolhimento das contribuições exigidas pelo INSS para fins de averbação do referido tempo laboral. Com o advento da Emenda Constitucional n. 20 de 1998, o sistema previdenciário tornou obrigatório o recolhimento das contribuições para fins de contagem de tempo de serviço, resguardando, entretanto, as situações já consolidadas. As alterações na Lei Previdenciária não podem retroagir para alcançar fatos anteriores a ela, em face do princípio do tempus regitactum. Recurso Especial improvido (STJ. REsp. 627472/RS. Rel. Min. Paulo Medina. 6ª T. DJ. 1º.7.2004)

                        E mais recentemente coadunado pelo Tribunal de Contas da União por intermédio do Acórdão n.º 1.435/2019 – TCU – Plenário.

                        Além disso, nunca é demais lembrar que para esses casos, conforme já afirmado, o INSS tem o dever de emitir a Certidão de Tempo de Contribuição independentemente da ocorrência ou não do respectivo recolhimento.

9. O Ato Jurídico Perfeito e o Direito Adquirido

                        Tem-se, ainda, a hipótese de benefícios já concedidos que inclusive já foram devidamente registrados pela Corte de Contas os quais caracterizam o ato jurídico perfeito que, nos termos do § 1º do artigo 6º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, é aquele já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

                        E, também, os casos de direito adquirido assim considerados, conforme consta do § 2º do mesmo artigo do diploma legal em questão, aqueles que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

                        Ou seja, situações, já consolidadas sob a égide da lei até então existente, sendo que no primeiro caso o benefício já foi concedido e se aperfeiçoou enquanto que no segundo todos os requisitos para tanto já foram cumpridos, restando apenas a formalização da concessão do benefício.

                        Além disso, tanto o ato jurídico perfeito quanto o direito adquirido são resguardados pela Constituição Federal, como direitos fundamentais do cidadão, senão vejamos:

Art. 5º ...

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; 

                        Incluindo, portanto, o rol de cláusulas pétreas que não podem ser objeto de qualquer proposta que vise reduzi-los, ainda que originária de Emenda Constitucional, conforme já evidenciado anteriormente, pois o postulado da segurança jurídica, enquanto expressão do Estado Democrático de Direito, mostra-se impregnado de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público (RTJ 191/922), em ordem a viabilizar a incidência desse mesmo princípio sobre comportamentos de qualquer dos Poderes ou órgãos do Estado, para que se preservem, desse modo, sem prejuízo ou surpresa para o administrado, situações já consolidadas no passado. A essencialidade do postulado da segurança jurídica e a necessidade de se respeitarem situações consolidadas no tempo, especialmente quando amparadas pela boa-fé do cidadão, representam fatores a que o Poder Judiciário não pode ficar alheio.[7]

                        E que, portanto, não podem ser objeto de extinção ou mesmo redução, vedação essa que alcança, inclusive as Emendas Constitucionais como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, senão vejamos:

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL 75/2013. LEGÍTIMO EXERCÍCIO PELO CONGRESSO NACIONAL DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO REFORMADOR. INEXISTÊNCIA DE OFENSA ÀS CLÁUSULAS PÉTREAS. AÇÃO IMPROCEDENTE. 1. O Poder Constituinte derivado está inserido na própria Constituição Federal, pois decorre de uma regra jurídica de autenticidade constitucional e somente conhece as limitações constitucionais expressas e implícitas. 2. No exercício do legítimo poder constituinte derivado reformador, denominado por parte da doutrina de competência reformadora, o Congresso Nacional pode alterar o texto constitucional, respeitando-se a regulamentação especial prevista na própria Constituição Federal. 3. Entre as limitações expressamente previstas pelo texto constitucional, estão as “cláusulas pétreas”, que não incluem os artigos 40 e 92 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Ressalte-se, ainda, que a Emenda Constitucional 75/2013 não afeta o regime jurídico fiscal da Zona Franca de Manaus, sendo descabida a alegação de que atingida a segurança jurídica. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. (ADI 5058, Relator(a):  Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-215 DIVULG 02-10-2019 PUBLIC 03-10-2019)

                        Assim, tanto a nova redação da Lei n.º 8.213/91 e, especialmente, a previsão contida no § 3º do artigo 25 da Emenda Constitucional n.º 103/19 não alcançam os benefícios já concedidos e registrados pelo Tribunal de Contas e muito menos aqueles cujo preenchimento dos requisitos se deu antes de sua edição.

                        Não se podendo sequer afirmar que se trata de norma interpretativa, à medida que a Lei n.º 8.213/91 foi clara ao afastar a exigência de certidão de tempo de contribuição do Regime Geral de períodos anteriores à Emenda Constitucional n.º 20/98, conforme já ressaltado, o que vale inclusive para outros Regimes Próprios.

                        Afastando assim qualquer possibilidade da aplicação de tal regramento constitucional a benefícios já concedidos ou cujo direito à sua concessão já tenha sido adquirido.

10. Benefício Concedido e Não Registrado

                        O ato de concessão de benefício previdenciário aos servidores e seus dependentes é um ato complexo que exige a atuação da autoridade responsável por sua concessão e também do órgão de controle externo, no caso o Tribunal de Contas, que é responsável por seu registro, onde afere se este se encontra em consonância com a Lei e com a Constituição Federal.

                        Nesse sentido:

EMENTA: AGRAVO INTERNO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. EXCLUSÃO DE VANTAGEM ECONÔMICA RECONHECIDA POR DECISÃO JUDICIAL COM TRÂNSITO EM JULGADO. URP/1989. 26,05%. IPC/1987. 20%. PLANOS ECONÔMICOS. REBUS SIC STANTIBUS. ALTERAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS FÁTICOS E JURÍDICOS QUE DERAM SUPORTE AO DECISUM JUDICIAL DEFINITIVO. REESTRUTURAÇÃO NA CARREIRA DO SERVIDOR. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA. SEGURANÇA DENEGADA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A garantia fundamental da coisa julgada (CRFB/88, art. 5º, XXXVI) não resta violada nas hipóteses em que ocorrem modificações no contexto fático-jurídico em que produzida, como as inúmeras leis que fixam novos regimes jurídicos de remuneração. Precedentes: MS 31.642, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 23/9/2014; MS 27.580-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 7/10/2013; MS 26.980-AgR, Rel. Min. Teori Zavascki, 2ª Turma, DJe 8/5/2014. 2. As vantagens remuneratórias pagas aos servidores inserem-se no âmbito de uma relação jurídica continuativa, e, assim, a sentença referente a esta relação produz seus efeitos enquanto subsistir a situação fática e jurídica que lhe deu causa. A modificação da estrutura remuneratória ou a criação de parcelas posteriormente à sentença são fatos novos, não abrangidos pelos eventuais provimentos judiciais anteriores. 3. O ato de aposentadoria de agentes públicos é complexo e somente se aperfeiçoa após o seu registro junto ao Tribunal de Contas da União. A partir desse momento é que começa a correr o prazo decadencial estabelecido pelo art. 54 da Lei 9.784/1999. Precedentes: MS 27.722 AgR, Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe 22/06/2016; MS 27.628 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 06/11/2015; MS 28.604 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe 21/02/2013; MS 25.697, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 12/03/2010. 4. In casu, o ato impugnado está alinhado a reiterados entendimentos do Plenário desta Corte, no sentido de que (i) não há direito adquirido a regime jurídico, não sendo possível a criação de um sistema híbrido, com a junção de vantagens de dois regimes – RE 587.371 RG, Rel. Min. Teori Zavascki, Plenário, DJe 24/06/2014, (ii) a irredutibilidade da remuneração do agente público, nas hipóteses de alteração por lei do regramento anterior, alcança somente a soma total antes recebida – RE 563.965 RG, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 20/03/2009 e (iii) “a sentença que reconhece ao trabalhador ou servidor o direito a determinado percentual de acréscimo remuneratório deixa de ter eficácia a partir da superveniente incorporação definitiva do referido percentual” – RE 596.663 RG, Relator Min. Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão Min. Teori Zavascki, DJe 26/11/2014. 5. Agravo interno a que se NEGA PROVIMENTO. (MS 35483 AgR, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 15/06/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-127 DIVULG 26-06-2018 PUBLIC 27-06-2018)

                        Razão pela qual seu aperfeiçoamento somente ocorre com esse último ato de registro.

                        Entretanto, na condição de ato complexo assim considerado aquele cuja vontade final da Administração exige a intervenção de agentes ou órgãos diversos, havendo certa autonomia, ou conteúdo próprio, em cada uma das manifestações.[8] E que, portanto, pressupõem a edição de dois atos administrativos, no caso o primeiro de concessão e o segundo de registro, há de se aferir o momento em que entraram em vigor as novas exigências.

                        Isso porque, existem atos pendentes de registro nesse momento cuja concessão do benefício se deu antes do advento das novas regras, situação em que o direito à aposentadoria ou a pensão foi, em regra, adquirido em momento pretérito, caracterizando, assim, o direito adquirido.

                        De outra monta existem atos cuja concessão se deu posteriormente à modificação do texto da Lei e/ou da introdução do novo dispositivo Constitucional, nesse caso, será necessária a observância do novo regramento, com a ressalva alusiva ao período anterior ao advento da Emenda Constitucional n.º 20/98.

Notas:

[1] MARTINS, Bruno Sá Freire e AGOSTINHO, Theodoro Vicente. MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO. 2ª Edição, editora LTr, página 101.

[2] MARTINEZ, Wladimir Novaes. REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, editora LTr, página 167.

[3] FILHO, Marçal Justen. CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO, editora Saraiva, página 660.

[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO. 14ª Edição, editora Malheiros, página 270.

[5] BRANCO, Paulo Gustavo Gonet;  MENDES, Gilmar Ferreira. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL. 10ª Edição, editora Saraiva, página 968.

[6] MARTINS, Bruno Sá Freire e AGOSTINHO, Theodoro Vicente. MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO. 2ª Edição, editora LTr, página 108.

[7] STF. RE 646.313 AgR, Rel. Min. Celso de Melo, 2ª T. DJE de 10/2/2014

[8] FILHO, José dos Santos Carvalho. MANUAL DE DIREITO  ADMINISTRATIVO. 32ª edição. Editora Atlas, página 194.


Bruno Sá Freire Martins

Bruno Sá Freire Martins

Servidor Público efetivo do Estado de Mato Grosso; advogado; pós-graduado em Direito Público e em Direito Previdenciário; professor da LacConcursos e de pós-graduação na Universidade Federal de Mato Grosso, no ICAP – Instituto de Capacitação e Pós-graduação (Mato Grosso), no Instituto Infoc - Instituto Nacional de Formação Continuada (São Paulo), no Complexo Educacional Damásio de Jesus - curso de Regime Próprio de Previdência Social (São Paulo); fundador do site Previdência do Servidor (www.previdenciadoservidor.com.br); Presidente da Comissão de Regime Próprio de Previdência Social do Instituto dos Advogados Previdenciários – Conselho Federal (IAPE); membro do Cômite Técnico da Revista SÍNTESE Administração de Pessoal e Previdência do Agente Público, publicação do Grupo IOB; escreve todas as terças-feiras para a Coluna Previdência do Servidor no Jornal Jurid Digital (ISSN 1980-4288) endereço www.jornaljurid.com.br/colunas/previdencia-do-servidor, autor dos livros DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO, A PENSÃO POR MORTE e REGIME PRÓPRIO – IMPACTOS DA MP n.º 664/14 ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS, todos da editora LTr e do livro MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO da editora Rede Previdência/Clube dos Autores e de diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.


Palavras-chave: Nulidade Aposentadoria Regime Próprio Ausência Contribuição Regime Geral CF Previdência Social

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