A Licença sem Remuneração e a Contribuição Patronal

Por Bruno Sá Freire Martins.

Fonte: Bruno Sá Freire Martins

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Na tentativa de conciliar as regras do direito administrativo com as exigências do sistema previdenciário, os Entes Federados adequam sua legislação de forma a permitir que tais regras não conflitem entre si.


Prova disso, reside no fato de que ainda existe, em sede de Administração Pública, a possibilidade de que o servidor se afaste do serviço ativo durante um período sem o recebimento da respectiva remuneração, o que ocorre sob a forma de licença sem remuneração ou licença para tratar de assuntos particulares.


Por outro lado, a aposentadoria pressupõe, para a sua concessão, que o servidor efetue contribuições previdenciárias, sendo essa, em regra, a única forma para que o lapso temporal seja considerado na inativação.


Com o objetivo de resolver a situação, os Entes Federados trazem previsão, em sua legislação, no sentido de que durante o período de licença sem remuneração o servidor pode continuar a contribuir para seu Regime Próprio, hipótese em que tal período deve ser considerado como tempo de contribuição, mesmo não havendo prestação de serviço em favor daquele Estado ou Município.


Ocorre que, muitos deles, impõem ao servidor que, além de sua contribuição, ainda, assuma o encargo de pagamento da contribuição previdenciária patronal, para que o tempo possa ser considerado como de contribuição.


Impondo-lhe, portanto, o custeio de encargo que não lhe pertence, à medida que, por força do caput do artigo 40 da Constituição Federal, o custeio dos Regimes Próprios é feito tanto pelos segurados quanto pelos Entes Federados, de forma que, no momento, em que a lei local exige do servidor o pagamento da contribuição patronal faz com que este seja o único responsável pelo custeio do sistema.


Situação essa que fez com que o Superior Tribunal de Justiça, reconhecesse, de a muito, a inconstitucionalidade de tal previsão da legislação local.


Nesse sentido:


PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DE SERVIDOR PÚBLICO. GOZO DE LICENÇA PARA TRATAMENTO DE ASSUNTOS PARTICULARES. 1. Hipótese em que o recorrente pretende ver reconhecido o direito de não recolher a contribuição previdenciária durante o período de licença para tratamento de assuntos particulares, cancelando-se, em consequência, os documentos de arrecadação já expedidos. 2. No exercício da prerrogativa prevista no § 1º do art. 149 da Constituição Federal, o Estado de Minas Gerais editou a Lei Complementar Estadual 64/2002, impondo ao servidor legalmente licenciado, ainda que sem vencimentos, não apenas o recolhimento da contribuição do segurado, mas também da contribuição patronal. 3. Quanto à primeira, não resta dúvida de que a sua exigência está adequada ao comando do art. 40 da Constituição Federal, que assegura aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. 4. Vale destacar, ademais, como bem salientou o ilustre representante do Parquet, que o impetrante, embora afastado sem remuneração, "não perdeu o vínculo funcional para com a Administração Estadual". Ressaltou, ainda, que "o período de licença é incluído na contagem de tempo de serviço para efeito de aposentadoria do servidor", tal como previsto no parágrafo único do art. 31 da Lei Complementar Estadual 64/2002. 5. Na sistemática atual, segundo a abalizada doutrina de Hely Lopes Meirelles, "não há mais tempo de serviço, porém de contribuição, sendo vedada qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício (art. 40, § 10). Disso resulta que nenhum outro tempo que não seja o de contribuição poderá ser contado para fins de aposentadoria ou pensão, ou, melhor, dentro do regime peculiar de previdência social do servidor titular de cargo vitalício ou efetivo" ("Direito Administrativo Brasileiro", 31ª edição, atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho - São Paulo: Malheiros, 2006, pág. 456). 6. Assim, preservado o vínculo com a Administração, inclusive com a manutenção de todos os benefícios previdenciários, e garantida a contagem do tempo de serviço para efeito de aposentadoria, é dever do servidor proceder ao recolhimento da respectiva contribuição previdenciária, à alíquota de 11% sobre "a remuneração de contribuição atribuída ao cargo efetivo no mês do afastamento ou a oriunda de título declaratório, reajustada nas mesmas épocas e de acordo com os mesmos índices aplicados aos vencimentos do mesmo cargo em que se deu o afastamento" (arts. 26, § 4º, e 28 da Lei Complementar Estadual 64/2002). 7. Não procede, igualmente, a afirmação do impetrante de que, por também exercer a profissão de advogado particular, teria o direito de escolher o melhor regime de previdência e o respectivo salário de contribuição, tendo em vista a declaração de inconstitucionalidade do art. 137 da Lei Complementar 65, do Estado de Minas Gerais, ocorrida no julgamento da ADI 3.043/MG, ocasião na qual a Corte Suprema deixou assentado que "o § 1º do artigo 134 da Constituição do Brasil repudia o desempenho, pelos membros da Defensoria Pública, de atividades próprias da advocacia privada" (Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 27.10.2006). 8. Consoante o parecer do Ministério Público Federal: "O sistema previdenciário instituído pelas Emendas Constitucionais nº 3/93 e nº 20/98 possui caráter contributivo e solidário, a dizer que a responsabilidade pelo custeio das aposentadorias e da seguridade social daqueles vinculados a esse sistema há de ser compartilhado entre os empregados e empregadores, que devem arcar com as respectivas contribuições, nos limites das alíquotas definidas em lei. (...) Nada há no sistema previdenciário instituído pelas Emendas Constitucionais nº 3/93 e nº 20/98 que autorize a transferência de responsabilidade dos encargos previdenciários do Estado para o servidor, em qualquer hipótese, sendo certo que o disposto no art. 31 da Lei Complementar Estadual nº 64/2002 - obrigando o servidor a recolher a contribuição patronal - constitui evidente afronta ao princípio da solidariedade em que se fundamenta o aludido sistema previdenciário." 9. Recurso em mandado de segurança parcialmente provido, para se declarar, apenas em relação ao impetrante e a partir da impetração (Súmula 271/STF), a inexigibilidade da cobrança da contribuição patronal prevista no art. 30 da Lei Complementar 64/2002, durante o prazo em que esteve afastado do exercício do seu cargo, em decorrência do gozo de licença para tratamento de assuntos particulares. (RMS 20.561/MG, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/11/2008, DJe 09/02/2009)


Permitindo-se, dessa forma, que o servidor venha a tirar sua licença sem remuneração sem ser compelido a assumir o encargo patronal para manter a contagem de seu tempo de contribuição durante esse período.


Bruno Sá Freire Martins

Bruno Sá Freire Martins

Servidor Público efetivo do Estado de Mato Grosso; advogado; pós-graduado em Direito Público e em Direito Previdenciário; professor da LacConcursos e de pós-graduação na Universidade Federal de Mato Grosso, no ICAP – Instituto de Capacitação e Pós-graduação (Mato Grosso), no Instituto Infoc - Instituto Nacional de Formação Continuada (São Paulo), no Complexo Educacional Damásio de Jesus - curso de Regime Próprio de Previdência Social (São Paulo); fundador do site Previdência do Servidor (www.previdenciadoservidor.com.br); Presidente da Comissão de Regime Próprio de Previdência Social do Instituto dos Advogados Previdenciários – Conselho Federal (IAPE); membro do Cômite Técnico da Revista SÍNTESE Administração de Pessoal e Previdência do Agente Público, publicação do Grupo IOB; escreve todas as terças-feiras para a Coluna Previdência do Servidor no Jornal Jurid Digital (ISSN 1980-4288) endereço www.jornaljurid.com.br/colunas/previdencia-do-servidor, autor dos livros DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO, A PENSÃO POR MORTE e REGIME PRÓPRIO – IMPACTOS DA MP n.º 664/14 ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS, todos da editora LTr e do livro MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO da editora Rede Previdência/Clube dos Autores e de diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.


Palavras-chave: Licença sem Remuneração Contribuição Patronal Regimes Próprios CF

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