Onde está o interesse público? Financiamentos de campanhas e suas intenções por detrás

Abordaremos uma temática jurídico-eleitoral onde a política mais do que nunca é parte interessada na causa.

Fonte: Leonardo Sarmento

Comentários: (0)




Aqui as ideologias de partido ditam as propostas de interesse que se defendem, e apenas secundariamente vislumbramos o interesse público de verdadeira moralização do sistema, justamente o que aparece "para inglês ver" nos discursos dos senhores políticos. Claramente vislumbramos de um lado a situação e do outro a oposição, cada qual deliberando em favor dos seus intentos mais "arrecadatórios" que éticos.

Poderemos perceber ao longo que, em verdade, não há interesse na moralização do sistema, mas em se obter uma fórmula eficaz de autobeneficiamento político-ideológico anti-fiscalização, anti-escândalos.

Encontra-se no Congresso Nacional para deliberação e votação a PEC sobre o financiamento público exclusivo para campanhas eleitorais e a Câmara rejeitou incluir na Constituição doação de empresas para campanhas. Em abono da verdade já possuímos um sistema misto de financiamento de campanha, onde o sistema eleitoral depende da contribuição de recursos públicos. Assim, temos recursos públicos e privados utilizados de forma combinada. A ideia, principalmente do PT e de sua irmã OAB é tornar a campanha eleitoral exclusivamente pública.

Antes de 1997 no Brasil, as despesas feitas em campanhas eram de responsabilidade integral do partido, sendo vedado o financiamento ou custeio de campanhas eleitoral pelos candidatos. Apenas com a introdução da Lei das Eleicoes, é que permitiu-se as doações para campanhas eleitorais. O sistema misto permite a utilização de recursos públicos através do Fundo Partidário (Constituição Federal – 1988, art. 17, § 3º e LOPP, art. 44, III) e gratuidade do horário para propaganda eleitoral através da rádio e televisão (art. 23 da Lei das Eleicoes), apesar das emissoras terem direito a compensação fiscal (art. 44 e 93 do Decreto n.º5.331/2005).

O que se diz é que a realidade desnudada na seara eleitoral reflete que as doações do setor privado acabam por privilegiar políticos ligados a grandes empresas e corporações, que destinam verbas milionárias para campanhas de forma a macular o resultado pelo poder econômico exercido. Assim, ficam os candidatos escravizados aos desejos dos seus patrocinadores. Cria-se um mecanismo de perpetuação de uma elite política no poder.

O financiamento privado geraria um gradiente desproporcional entre os candidatos, fazendo prevalecer mais a capacidade arrecadatório-econômica deles ao invés de suas propostas ou caráter. Alegam matriz da corrupção encontra seu principal fomentador justamente no financiamento privado de campanha, vez que a atual legitimidade para realizar tais transações dificultaria sobremaneira a atuação dos órgãos fiscalizadores, na medida que se fossem considerados ilegais, tornaria bem mais fácil a persecução das movimentações financeiras e a punição dos corruptos.

O dispêndio financeiro das aposta feitas pelos investidores, alimentadas com “dinheiro frio” e circulação monetária em desacordo com as normas legais, exige como contrapartida do candidato a materialização da gratidão expressa em vantagens ilícitas, reinvestimentos, licenciamentos, isenções tributárias, influência no resultado de licitações, em suma, atos que tragam o retorno financeiro pretendido pelos investidores.

O financiamento público possui como ponto favoráveis aduzem: a diminuição da corrupção, vez que não ficaria mais atrelado a favores de investidores privados; acabaria com o “caixa 2” ou “lavagem” de dinheiro nas campanhas traria transparência e proporcionalidade ao processo democrático, porque ofereceria verbas aos partidos de forma mais igualitária; poderia representar um índice menor de poluição e sujeira nas ruas durante o período eleitoral; haveria a valorização do interesse público em detrimento ao privado, bem como a atuação ética e com probidade; estabelece limites a arrecadação, desestimulando a deslealdade e infidelidade partidária; os patrocínios privados irregulares seriam mais facilmente perceptíveis. Há equívocos nessas presunções...

O financiamento público exclusivo pode atuar também como agente moralizador e educativo de longo prazo, porquanto desestimula a utilização do “dinheiro sujo”. Será?

Aqueles que possuem um posicionamento contrário ao financiamento exclusivo das campanhas, argumentam que: existem matérias mais relevantes para o investimento público, como segurança e saúde; é errado impedir um cidadão ou empresa privada de apoiar e/ou ajudar financeiramente seu candidato, sendo medida antidemocrática; impediria os partidos menores de crescer com os investimentos particulares; o candidato é eleito para governar para todos, não podendo ser a maioria punida por crimes de alguns; seria melhor proibir a propaganda eleitoral gratuita na TV (que custa bilhões ao erário) e permitir a compra de espaço na TV pelos partidos; o custeamento proporcional levará em conta o número de votos na última eleição, fato que beneficia sobremaneira apenas um partido no país ultimamente, favorecendo o continuísmo e hegemonia partidária; na prática, as contribuições privadas continuariam a ocorrer, mas “por fora”, assim, o financiamento público apenas representaria mais dinheiro para as campanhas; já é possível fiscalizar os gastos de campanha de todos os candidatos; trata-se de renda pública de difícil reversibilidade caso instituída.

Alguns críticos a reforma política ainda argumentam que o financiamento público serve como pano de fundo para atacar e eliminar determinados partidos do cenário político, bem como não impediria o continuísmo da enorme corrupção porque seus incentivadores seriam neste momento agraciados com os maiores percentuais de financiamento e poderiam obter recursos indiretos de outros fundos como Sindicatos, ONG´s e entidades sociais e da propaganda natural das estatais demais entidades da máquina pública.

Na proposta de ADI ao STF, a OAB requer que seja concedida medida cautelar com objetivo de suspender, até o julgamento definitivo da ação: (a) a eficácia do art. 24 da Lei nº 9.504/97, na parte em que autoriza, a contrario sensu, a doação por pessoas jurídicas a campanhas eleitorais, bem como do art. 81, § 1º do referido diploma legal; (b) a eficácia do art. 31 da Lei nº 9.096/95, na parte em que autoriza, a contrario sensu, a realização de doações por pessoas jurídicas a partidos políticos; bem como a eficácia das expressões "ou pessoa jurídica", constante no art. 38, inciso III, da mesma lei, e "e jurídicas", inserida no art. 39, § 5º do citado diploma legal.

De acordo com a fundamentação da ação ajuizada, os dispositivos da legislação eleitoral atacados violam, flagrantemente, os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, sendo incompatíveis, portanto com os princípios Democrático e Republicano que regem a Nação brasileira. Na ADI, a OAB propõe também que, uma vez julgada procedente a ação pelo STF, seja declarado inconstitucional o sistema de financiamento eleitoral questionado, mas propõe um prazo de 24 meses como transição para que não ocorra "uma lacuna jurídica". Nesse período, o Congresso seria instado a aprovar uma legislação de com revisão no sistema vigente de financiamento das campanhas.

A proposta formulada pela OAB para substituir o atual modelo, em que pessoas físicas podem doar até 10% de seu rendimento anual e pessoas jurídicas contribuem até o limite de 2% do faturamento bruto do ano anterior ao da eleição. A ação no STF sugere que haja somente um limite nominal (em R$) para as doações de pessoas físicas, sem levar em conta a renda total de cada doador individual. Doações privadas de pessoas físicas seria a medida ideal para quem possui o domínio de sindicatos e corporações, aparelhamento (aqui em seu pior sentido). Proibindo os financiamentos de empresas, abre-se às escâncaras os portões para as doações ilegais. Quando proibirem as doações legais — aquelas registradas —, estarão deixando o sistema político brasileiro ainda mais à mercê de figuras como esse Alberto Youssef. Quando, então, a totalidade das doações privadas for para a clandestinidade, é gente como este senhor que passará a ditar as regras nos bastidores da política.

O que se sucederá, em verdade é que, grandes financiadores de campanha distribuirão o dinheiro a várias pessoas para fazer as doações, escondendo assim a verdadeira origem do recurso, o caixa 2 será um instrumento ainda mais utilizado e difícil de ser detectado, quando o processo politico nacional poderá mergulhar ainda mais na abjeta clandestinidade.

Inelutável que, em um sistema corrompido e sem fiscalização adequada, nenhum dos modelos, o atual ou qualquer outro proposto impedirá os males, as mazelas que os financiamentos de campanha promovem. Sem controle/fiscalização rígido (a) de instituições “bem aparelhada” (agora no sentido nobre do vocábulo) e independente, nenhuma proposta trará a solução adequada para se sustar o descalabro hodierno, desta questão que deve ser discutida no Congresso Nacional e não no Supremo Tribunal Federal.

Muito provavelmente com base nas máximas experiências da vida que, o STF incorporará a proposta do PT de financiamentos públicos e de pessoas físicas. Em abril de 2014, o STF interrompeu o julgamento da ação quando a maioria dos 11 ministros da Corte já havia votado afavor da proibição de doações de empresas a partidos políticos e campanhas eleitorais. A interrupção foi provocada por um pedido de vista (mais tempo para analisar a matéria) do ministro Gilmar Mendes. Desde então, o magistrado ainda não levou o voto ao plenário, e o julgamento permanece suspenso. O Congresso tenta por emenda à Constituição legislar antes que o STF “legisle”, já que foi provocado e terá que se pronunciar.

Um dos vetores que têm pautado a minirreforma eleitoral é diminuir o gasto das campanhas. Subjaz a essa ideia certo consenso de que o poder econômico influencia de maneira perniciosa a liberdade de opinião do eleitor.

Baratear campanhas? O problema é que o discurso sobre o alto custo das campanhas tem orientado a proposta de minirreforma de maneira equivocada, na medida em que as modificações legislativas não tratam efetivamente de limitar as despesas de campanha ou – o que seria mais adequado – de criar instrumentos de controle mais efetivos e que possam conferir maior transparência à contabilidade da campanha. Aliás, de pouco vale “baratear” as campanhas se não há instrumentos que coíbam o “caixa 2”. É verdade que em pacote contra a corrupção enviado pelo Governo Federal após manifestações das ruas, caixa 2 vira crime de campanha com pena de 3 a 6 anos.

Em sentido contrário, sob o pretexto de baratear o custo das campanhas, a proposta de minirreforma restringe os meios e as formas de divulgação da propaganda eleitoral (desde a redução do período de campanha, passando pelo tamanho dos materiais impressos, até a proibição de veiculação de propaganda eleitoral em bem particular), diminuindo os espaços para o debate democrático e limitando a própria manifestação do eleitor.

Se reduzir o custo da campanha eleitoral é um dos objetivos que pautam o atual momento em que o processo eleitoral é posto em debate – em boa parte decorrente das manifestações recentes –, há meios mais eficazes e menos nocivos à democracia: a própria Lei 9.504/97, em seu art. 17-A, prevê o mecanismo de o Poder Legislativo regular (limitar) a despesa de campanha dispondo que “A cada eleição caberá à lei, observadas as peculiaridades locais, fixar até o dia 10 de junho de cada ano eleitoral o limite dos gastos de campanha para os cargos em disputa; não sendo editada lei até a data estabelecida, caberá a cada partido político fixar o limite de gastos, comunicando à Justiça Eleitoral, que dará a essas informações ampla publicidade”.

Não é preciso dizer que o art. 17-A nunca foi regulamentado por lei, restando sempre aos partidos políticos fixarem os limites de gastos – o que sempre foi muito conveniente aos partidos.

Aspecto importante que deve ser destacado na redação do art. 17-A é que a fixação dos limites de gastos deve observar “as peculiaridades locais”, impondo a necessária graduação dos limites de gasto em atenção às diferenças econômicas e sociais. Em outras palavras, não se deve fixar um único limite mas, sim, diversos limites que possam dar conta das peculiaridades de cada localidade, abrindo um leque de possibilidades ao legislador na formulação de critérios como, por exemplo, renda per capita, população, índice de desenvolvimento humano, dados do IBGE, etc.

Se no propósito de reduzir os custos das campanhas eleitorais subjaz diminuir a influência que o poder econômico exerce sobre o eleitorado, nada mais oportuno do que atrelar indicadores sociais e econômicos, aliados evidentemente a outros critérios, para fixação dos limites de gastos.

Uma nova resolução do Tribunal Superior Eleitoral acaba com o sigilo bancário de todos os partidos políticos, obrigando que bancos enviem extratos eletrônicos das siglas. A informação deverá ser repassada mensalmente, informando quem fez depósitos. Obviamente não é medida que se intrometa no sistema de caixa 2 de campanha.

Conforme a Resolução 23.432/2014, os partidos políticos deverão abrir, em cada esfera de direção, três contas bancárias específicas. Uma deve destinar exclusivamente recursos recebidos do Fundo Partidário, outra será voltada para doações de campanha e uma terceira para “outros recursos”, como sobras financeiras de campanha e valores recebidos com a venda de produtos ou promoção de eventos.

Os recibos de doação serão emitidos obrigatoriamente a partir do site do TSE, em numeração sequenciada por partido. No documento, deve aparecer advertência ao doador de que ele poderá ser multado em até dez vezes o valor doado caso haja irregularidade. Também ficou definido que as siglas poderão recusar doações em suas contas e devolver o valor ao responsável pelo depósito.

O Congresso aprovou o projeto de Orçamento de 2015, com uma alteração no texto original que triplicou o valor previsto para o Fundo Partidário, que reúne recursos a serem distribuídos aos partidos políticos de forma proporcional ao tamanho de suas bancadas na Câmara. O projeto original do governo destinava R$ 289 milhões para o fundo, mas o senador Romero Jucá (PMDB-RR), relator da proposta, ampliou essa previsão em R$ 578 milhões. Com isso, o valor que será distribuído aos partidos políticos em 2015 foi fixado em R$ 867 milhões. Este valor leva-se em conta a vigência do financiamento misto de campanha, sendo certo que para os parlamentares, se houver decisão ou lei que altere o regime atual para que se tenha apenas por financiamento público, o valor terá que chegar perto de 5 bilhões de reais, como já adiantaram alguns parlamentares. Austeridade? Ajuste fiscal? Só para o contribuinte?

Conforme a lei eleitoral, 5% do total do Fundo Partidário são destacados para entrega, em partes iguais, a todos os partidos que tenham seus estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral. Os outros 95% são distribuídos às siglas na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados. Proporcionalidade? Isonomia? Concluímos informando que o relatório aprovado pelo plenário do Congresso reservou ainda R$ 900 milhões para pagar o aumento do salário de parlamentares, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), procurador-geral e presidente da República.

Não buscamos no presente artigo filiar-nos a nenhuma das propostas, mas trazermos as propostas para debate. Apenas firmamos que nenhuma das propostas surtirá o efeito desejado pela sociedade sem que haja uma confluência do sistema para capacitar e dotar de independência a função de fiscalizar a movimentação financeira em campanhas eleitorais. Uma força conjunta do TCU, MP e Polícia Federal com poderes reais investigatórios, sem entraves políticos odiosos, poderia ser um início de medida em busca da racionalização do uso do dinheiro público. Com um controle efetivo, livre e competente, qualquer dos modelos funcionaria às nossas realidades, mas sabemos da utopia que reverbera quando cogitamos de uma fiscalização eficiente.

Defendemos uma reforma constitucional no sistema de controle dos órgão de fiscalização, como é o TCU, retirando-o de mero auxiliar do Congresso Nacional e atribuindo-lhe independência como a ostentada pelo Ministério Público. A Polícia Federal sofreria apenas controle do Ministério Público, não mais da União. Sustentamos essa linha de mudanças para que os organismos de fiscalização de fato possam fiscalizar e cumprir suas finalidades constitucionais sem interferências ou pressões odiosas. Não sem oferecer uma estrutura eficiente de trabalho, com pessoal concursado habilitado dos cargos mais inferiores aos cargos de direção, em quantidade suficiente para que diminua o alto percentual de omissão. Só assim vislumbramos melhores dias para o nosso combalido Estado Democrático de Direito.

A reforma política tem se demonstrado avessa ao interesse público de moralizar, de ofertar transparência ao sistema, mas no interesse de colmatar possibilidades de crescerem os lucros e as possibilidades de ganhos por detrás, quando o povo ganhará “surpresinhas” e os partidos políticos e seus antagonistas dinheiros e facilidades... A sociedade precisa informar-se, compreender as motivações, se estruturar, e avocar seu direito de participar dos destinos políticos da Nação.

Nosso modelo de representação está falido, tergiversou. Não há um modelo de representação entre representantes e representados, mas um modelo de autorrepresentação.


Leonardo Sarmento

Leonardo Sarmento

Professor constitucionalista

Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Direito Processual Civil, Direito Empresarial e com MBA em Direito e Processo do Trabalho pela FGV.


Palavras-chave: PEC Congresso Nacional CF

Deixe o seu comentário. Participe!

colunas/leonardo-sarmento/onde-esta-o-interesse-publico-financiamentos-de-campanhas-e-suas-intencoes-por-detras

0 Comentários

Conheça os produtos da Jurid