Existe direito de arrependimento nas compras realizadas pela internet?

O presente artigo discorre sobre as compras realizadas pela internet

Fonte: Josiane Coelho Duarte

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A legislação consumerista, em especial o Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei 8.078/90) garante o direito de arrependimento ou prazo de reflexão aos consumidores, nos seguintes termos:


Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.


O instituto foi criado com o fim de proteger o consumidor ante as práticas de propagandas agressivas que o levem a adquirir produtos ou serviços no calor da emoção, alheio ao contato físico com o bem e, ainda, sem que dele realmente o adquirente necessite, o tendo comprado apenas em razão do convencimento formado sobre a indispensabilidade do item. Em geral a transação é realizada fora do estabelecimento comercial, sem que o consumidor tenha sua vontade livremente formada e demonstrada.


Nas palavras do advogado Felipe Caputti:


Os casos clássicos exemplificados pela doutrina são as chamadas “vendas de porta em porta”, que reduzem os riscos de reclamação e devolução; os contratos de time-sharing ou multipropriedade, em que os consumidores são convidados para local escolhido pelo fornecedor, em que servem buffet e entretenimento para influenciar o lado emocional e ofertar produtos e serviços; e ofertas publicitárias que reduzem o tempo de reflexão quanto do ato de consumo, tais como o “ligue já” ou “os primeiros que ligarem terão determinado desconto”. (Fonte: http://www.conjur.com.br/2015-fev-21/direito-arrependimento-nao-vale-toda-compra-internet).


Assim, a gênese da questão é o agir impensado do consumidor face à proposta irrecusável do fornecedor de bens e serviços através de propagandas extremamente persuasivas e convincentes.


Mas será que tal direito ao arrependimento também ocorre nas compras via internet em que o consumidor é quem escolhe o fornecedor dentre uma gama de possibilidades?


Visão mais conservadora do tema interpreta o direito de modo extensivo, ou seja, se aplica igualmente às compras realizadas pela internet, pois se trata de compra fora do estabelecimento comercial. Assim, pode o comprador se arrepender da aquisição e devolver o produto dentro do prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço.


Seguindo este entendimento, a seguinte jurisprudência:


DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO. RESCISÃO CONTRATUAL. CONTRATO DE CRÉDITO DIRETO AO CONSUMIDOR – CDC. DIREITO AO ARREPENDIMENTO. PRAZO DE REFLEXÃO. CONTRATAÇÃO PELA INTERNET. DEVIDA A RESTITUIÇÃO DOS VALORES COBRADOS. APELO IMPROVIDO. 1. AFIRMA A CONSUMIDORA QUE REALIZOU APENAS UMA SIMULAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NO SÍTIO DO BANCO DO BRASIL. ENTRETANTO, VERIFICOU NO DIA SEGUINTE, EM SEU EXTRATO, QUE FOI DEPOSITADO O VALOR DO EMPRÉSTIMO EM SUA CONTA, PASSANDO A SER DESCONTADAS PRESTAÇÕES EM FOLHA DE PAGAMENTO. 2. INDEPENDENTEMENTE DE O EMPRÉSTIMO TER SIDO OU NÃO CONTRATADO POR EQUÍVOCO PELA AUTORA, O ART. 49 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR POSSIBILITA O PRAZO DE REFLEXÃO DE 7 (SETE) DIAS, PERMITINDO O ARREPENDIMENTO E DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO JURÍDICO SEMPRE QUE A CONTRATAÇÃO DE FORNECIMENTO DE PRODUTOS E SERVIÇOS OCORRER FORA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL, ESPECIALMENTE POR TELEFONE OU A DOMICÍLIO. 2.1. O PARÁGRAFO ÚNICO DO REFERIDO DISPOSITIVO É CLARO AO ESTABELECER QUE SE O CONSUMIDOR EXERCITAR O DIREITO DE ARREPENDIMENTO PREVISTO NESTE ARTIGO, OS VALORES EVENTUALMENTE PAGOS, A QUALQUER TÍTULO, DURANTE O PRAZO DE REFLEXÃO, SERÃO DEVOLVIDOS, DE IMEDIATO, MONETARIAMENTE ATUALIZADOS. 3. PRECEDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: “2. O ART. 49 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DISPÕE QUE, QUANDO O CONTRATO DE CONSUMO FOR CONCLUÍDO FORA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL, O CONSUMIDOR TEM O DIREITO DE DESISTIR DO NEGÓCIO EM 7 DIAS (“PERÍODO DE REFLEXÃO”), SEM QUALQUER MOTIVAÇÃO. TRATA-SE DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO, QUE ASSEGURA O CONSUMIDOR A REALIZAÇÃO DE UMA COMPRA CONSCIENTE, EQUILIBRANDO AS RELAÇÕES DE CONSUMO. (…) 4. EVENTUAIS PREJUÍZOS ENFRENTADOS PELO FORNECEDOR NESTE TIPO DE CONTRATAÇÃO SÃO INERENTES À MODALIDADE DE VENDA AGRESSIVA FORA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL (INTERNET, TELEFONE, DOMICÍLIO). ACEITAR O CONTRÁRIO É CRIAR LIMITAÇÃO AO DIREITO DE ARREPENDIMENTO LEGALMENTE NÃO PREVISTO, ALÉM DE DESESTIMULAR TAL TIPO DE COMÉRCIO TÃO COMUM NOS DIAS ATUAIS. . RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (RESP 1340604/RJ, REL. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES, SDJE 22/08/2013). 4. APELO IMPROVIDO. (TJ-DF – APC: 20120111115148 DF 0031108-58.2012.8.07.0001, Relator: JOÃO EGMONT, Data de Julgamento: 04/06/2014, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 16/06/2014 . Pág.: 165) (Fonte: http://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/123889411/apelacao-civel-apc-20120111115148-df-0031108-5820128070001). (Grifo meu).


Outra parte da doutrina, denominada moderna, interpreta a lei no sentido de visualizar a livre iniciativa e possibilidade de escolha do consumidor que adquire produtos ou serviços pela internet, haja vista que não há marketing agressivo direto sobre o consumidor e este ainda possui a prerrogativa de pesquisa ampla, sem maiores ingerências do estabelecimento comercial.


Neste sentido, eis a jurisprudência:


Ação civil pública. Danos materiais e morais. Venda de passagens aéreas fora do estabelecimento comercial, em especial pela Internet e por telefone. Desistência voluntária manifestada pelo consumidor. Alegada contrariedade ao disposto no artigo 49 da Lei nº 8.078/90, que conferiria ao consumidor o prazo de sete dias para desistir do serviço contratado. Direito de arrependimento. Afastamento. Ausência de vulnerabilidade do consumidor. A situação do comprador de passagem aérea no estabelecimento comercial da transportadora é idêntica à do comprador do mesmo produto pela internet, pelo menos no que se refere ao conhecimento do que está sendo adquirido. Desta forma, se um ou outro consumidor desiste da viagem, por conveniência pessoal, não há porque conferir-se a apenas àquele que comprou o bilhete pela internet – e o fez até com mais comodidade e conforto – o direito ao reembolso integral. Retenção lícita por parte da companhia aérea de 10% (dez por cento) do valor da passagem. Sentença de improcedência. Desprovimento do recurso de apelação e não conhecimento do agravo retido. (TJRJ. Sétima Câmara Cível Apelação Cível nº 2008.001.33979 Apelante: Ministério Público Apelada(1): Gol Transportes Aéreos S.A. Apelada(2): S.A. Viação Aérea Rio Grandense (em recuperação judicial) Apelada(3): TAM Linhas Aéreas Relatora: Des. Maria Henriqueta Lobo Revisor: Des. José Mota Filho. Fonte: http://www1.tjrj.jus.br/gedcacheweb/default.aspx?UZIP=1&GEDID=00036C9E401F31B14E6DE251C1B3B48C6F5AF3C402171B64&USER=). (Grifo meu).


Ademais, certo que o direito de arrependimento previsto no art. 49 do CDC não se equipara ao da resolução do contrato por vício de fornecimento trazida nos artigos 18, § 1º, II, 19 e 20 do CDC. Desta forma, o direito de arrependimento, quando cabível, independe de qualquer impropriedade no objeto, ao contrário do que se passa com aquele, ainda que corresponda exatamente ao apresentado no estabelecimento eletrônico, por outro lado, se houve técnica agressiva de venda, o consumidor pode desistir da compra no prazo legal de reflexão.


Por fim, diante da oscilação de interpretação doutrinária e jurisprudencial, comungo com a vertente que amplia o direito aos consumidores que realizam compras pela internet, apenas e tão somente, quando o estabelecimento comercial tenha agido de modo a valer-se de marketing agressivo a fim de concretizar suas vendas, sendo ônus de prova do fornecedor comprovar que se manteve nos limites da lei.


Josiane Coelho Duarte

Josiane Coelho Duarte

Advogada Bacharel em Direito pela Anhanguera Educacional S/A, pós graduada em Direito e Processo do Trabalho pela UNIVAG em convênio com a Amatra XXIII, Servidora Pública Estadual perfil Advogado e Professora do Ensino Superior.


Palavras-chave: Compras Internet CDC Rescisão Contratual

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1 Comentários

Thiago do Nascimento Elias Estudante!11/03/2016 11:04 Responder

Perfeito!!

Josiane Coelho Duarte Advogada 25/10/2016 18:47

Obrigada!!! 😀

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