Os intelectuais ideal: o mediador

O presente artigo discorre sobre o papel do intelectual mediador.

Fonte: Gisele Leite

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O debate entre os intelectuais sobre a condição dos próprios intelectuais não tem trégua. Lamenta-se muito o chamado "silêncio dos intelectuais"[1] que apesar de ser renegado, reverbera firmemente em nosso cenário brasileiro e também no mundial.


Quem comenta sobre os intelectuais e o papel que desempenham, habitualmente acabam por cogitar sobre a própria confraria, aparentemente como a esta não pertencessem.


Muitas vezes, observa-se obras que ora comentam sobre a decadência e descrédito, ou ainda, do declínio dos intelectuais, ao passo que em outras obras, cogita-se de sua função estratégica e, até os mais passionais que acusam de traição[2].


Em verdade, os mais extremados chegam até mesmo prognosticar o desaparecimento total ou mesmo extinção dos intelectuais.


Em grande parte destes discursos, afirmou Bobbio, resta contaminada por um erro lógico muito conhecido, do qual um intelectual deveria se prevenir, a falsa generalização. Ademais a polêmica em sua linguagem cotidiana não se pauta pela análise adequada dos fatos e nem no uso de distinções, que são necessárias para abordar o tema;


Devemos fugir da linguagem vulgar e repleta de estereótipos[3] para perceber que os intelectuais não pertencem a uma categoria homogênea e constituíssem uma massa indistinta.


Há quem recorde sobre os clercs que eram uma espécie particular de escritório, dotados de peso específico na formação da opinião pública na França na era de nacionalismos exasperados. A função dos intelectuais, numa definição habitualmente dada como pressuposta, não é possível galgar uma definição restritiva o suficiente para tomar plausível um juízo de absolvição ou até mesmo de condenação global.


Infelizmente não é possível afirmar nem que todos sejam inocentes ou culpados, mas sem dúvidas, que são transformistas. Contemporaneamente sobre os intelectuais abateu-se um forte descrédito geral.


Há quem os considerem falantes contumazes, são grilos falantes, prontos a responder a todas as perguntas de modo a fazer aparecer seu nome nos jornais, ou ainda pior, a serem chamados para participar de debate televisivo. Existindo aqueles mais discretos e quietos que não desejam se comprometer demais com as decisões difíceis.


Mas, também existem os incorrigíveis e inoportunos tais como enfants terribles[4]. Ou então são como cães de guarda que só fazem proteger e defender o poder constituído.


A maior parte de tais juízes ressente-se dos humores do momento ou de situações particulares, tanto que quem os lê, mais tarde, em alguns anos, geralmente os considera exagerados ou até equivocados.


Recentemente numa mesa seleta, com a presença de mentes pulsantes, comentei sobre a nossa depressiva trajetória com a democracia[5].


Fiz uma retrospectiva apenas calcada em fatos históricos de nosso país... apontei o advento da ditadura de Vargas, a tentativa de redemocratização, o Estado Novo, depois o Golpe de 1964 e, assim por diante, até sublinhar que logo em nossa primeira eleição, após o fim da ditadura militar, tivemos o azar de eleger um presente (o primeiro, aliás) que sofrera mais tarde o impeachment.


E, atualmente, é senador da República[6]... Então, conclui com tristeza de que são mais apreciadores da rigidez do regime do que propriamente da perigosa abertura e textura do regime democrático. Foi o bastante para receber fervorosos enxovalhos.


Tanto o juízo sobre a natureza do intelectual e sobre sua função na sociedade, quanto àquele juízo sobre a menor ou menor relevância que possuem os intelectuais quando operam, decretam com certeza o seu declínio, decadência, ou pelo menos eclipse, além de preverem sua morte próxima.


O erro depende não só de falsa generalização, apesar de ser condenável, mas também de falta de distanciamento histórico, uma característica muito comum a quem está excessivamente aderido e colado aos acontecimentos viventes, para enfim formular, sobre estes, avaliações que estejam além do consumo imediato dos ouvintes a que se dirigem, satisfazendo-se mais em desempenhar o papel de oráculos do que propriamente conduzir uma ciosa análise a respeito de arco de tempo mais extenso do que o que abrange a contemporaneidade.


A categoria dos intelectuais embora indicada com outros nomes, como se esta só tivesse nascido ao final do século XIX, com affaire Dreyfus[7], difundiu-se o uso do vocábulo, primeiramente em França e, mais tarde, em todo mundo dito civilizado. E, atualmente chamam-se de intelectuais aqueles que em outros tempos já foram chamados de sábios, doutos, phiosophes, literatos, gens de lettre, ou mais simplesmente, de escritores e, ainda, nas sociedades dominadas pelo poder religiosos, de sacerdotes ou clérigos.


Os intelectuais são convocados para a nobre função de custodiar a verdade acima de facções em luta ideológicas pela conquista do poder mundano.


Assim, apesar de estar sob terminologia variada, os intelectuais, em verdade, sempre existiram, pois sempre existiu em todas as sociedades, bem ao lado do poder econômico e do poder político, o poder ideológico que se exerce, não sobre os corpos como o poder político nunca apartado do poder militar, não sobre a posse de bens materiais, dos quais se necessita para viver e sobreviver, como o poder econômico, mas sobre as mentes pela produção e transmissão de ideias, de símbolos, de visões de mundo, de ensinamentos práticos mediante o uso da palavra (o poder ideológico muito dependente da natureza humana como animal falante).


Toda a sociedade tem os seus detentores do poder ideológico cuja função muda de sociedade para sociedade, de cultura para cultura , ou de tempos em tempos, formando relações ora de contraposição e ora de alianças, com que os intelectuais mantêm com os demais poderes.


E, em certas sociedades o poder ideológico é monopólio de certa casta, enquanto que existem outras sociedades onde este é mais difundido, passando por vários centros de irradiação, por vezes, concorrentes entre si.


Nas democracias modernas, e em sociedades pluralistas, o poder ideológico se encontra fragmentado e se exerce nas mais diversas direções e, algumas vezes, até mesmo contrastantes entre si.


Reconhece-se que numa sociedade pluralista, o desaparecimento dos intelectuais que tanto se comenta é bem improvável, pois fechando-se um canal através do qual passava o fluxo do poder ideológico[8], abre-se in continenti um outro.


E nem mesmo em sociedade monocrática, conforme foi a União Soviética, URSS, o mesmo poder ideológico jamais deixou de existir, pois a veia do dissenso, manifesta-se pela constituição de redes de comunicação não-oficiais, clandestinas e que tiveram grande eficácia, apesar de em um círculo restrito.


Assim como o meio do poder político, é sempre em última instância, a posse de armas e, o meio do poder ideológico é a palavra, ou melhor, a expressão de ideias por meio da palavra e, com a palavra, agora e sempre mais, a imagem. A realidade de áudio e vídeo sempre mais testemunhada, gravada e filmada.


Outra confusão imperdoável é a incapacidade de distinguir, no discurso sobre os intelectuais, o plano de ser do plano do dever ser, a postura descritiva da postura prescritiva, o momento da análise, do momento da proposta.


E a passagem de um plano para o outro, ocorre muitas vezes de forma inconsciente, tanto que o juízo negativo sobre a inteira categoria dos intelectuais depende apenas da constatação de que, realmente, os intelectuais de quem observamos o comportamento não desempenham a função que deveriam, segundo aquele modelo ideal que temos em mente e com qual tanto nos identificamos.


Mas nem por isso deixam de ser intelectuais. E, a melhor prova apontou Bobbio, a citar Sartre quando introduziu a distinção entre o s verdadeiros e falsos intelectuais.


Os falsos intelectuais são aqueles que desempenha uma função que para Sartre é negativa, sendo unicamente negativa porque não desempenham a função que segundo este deveriam desempenhar.


Assim, será verdadeiro intelectual o revolucionário, o falso seria o reacionário; o verdadeiro será aquele que se engaja; falso é aquele que não se engaja e permanece fechado e isolado em sua torre de marfim.


Aliás, a expressão Torre de Marfim designa um mundo ou atmosfera onde os intelectuais se envolvem em questionamentos profundos e desvinculados das preocupações práticas do cotidiano.


Trata-se de conotação  pejorativa pois indica uma desvinculação deliberada da realidade, em pesquisas esotéricas ou superespecializadas ou até inúteis. Representando um elitismo acadêmico, se não, o desdém ilimitado por aqueles que habitam a proverbial torre de marfim. No idioma inglês, a expressão é ivory tower que designa o mundo acadêmico de instituições de ensino superior e universidades.


Na acepção religiosa, particularmente na tradição judaico-cristã, essa mesma expressão é símbolo de nobre pureza. E, se originou no Cântico dos cânticos 7:4) ("Seu pescoço é como uma torre de marfim") e foi acrescentado aos epítetos  de Maria na Ladainha de Nossa Senhora do século XVI ("torre de marfim", em latim, Turris eburnea).


A imagem é bíblica e embora a expressão raramente seja usada em sentido religioso é creditada como tendo inspirado o significado moderno. Assim, atualmente, a torre de marfim geralmente descreve um espaço metafísico de solidão e santidade desvinculado de realidades cotidianas, onde certos escritores idealistas sonha e, mesmo onde supostamente, residem alguns cientistas.


Em Ilíada são reconhecidos dois tipos de sonhos, ao sair do reino de Morfeu; os sonhos verdadeiros saem pela Porta de Chifre enquanto que os sonhos falsos saem pela Porta de Marfim[9].


Albert Camus se irritava com a miopia dos intelectuais de sua época, quão comprometidos com a esquerda eram incapazes de formular sequer uma crítica ao regime soviético. Podia-se ser rebelde contra tudo e todos, exceto contra Moscou. E, nisso lembrava o sermão em forma de livro de Julien Brenda, La trahison des Clercs, "A Traição dos Clérigos", de 1927 que profeticamente alertou sobre o abandono dos intelectuais aos princípios da razão, sendo seduzidos e apaixonados pelas religiões terrenas (as ideologias) que abraçavam.


O desacerto de Camus com o socialismo trouxe à baila indicadores apocalípticos que viam sinais da crise derradeira do capitalista a cada dobrar de esquina, vivendo cada vez mais distante o final da guerra.


Que buscassem, pois, a revolução relativa, sem matanças e sem sangue, e sem abomináveis justificativas pelas mortes em massa.  Camus, desencantado, enxergava sentando bem no meio dela um pequeno monstro, parido pelo terror revolucionário.  "O poder é triste no século XX", concluiu ele.


Resta, infelizmente, a suspeita de que os juízos sumários tais como aqueles que a decadência ou sobre a morte do intelectual dependem unicamente do fato de que, uma vez definido o intelectual segundo o modelo que assumimos, a decadência ou a morte referem-se não tanto à categoria em geral, mas àquela espécie de integrante da categoria à qual, em nossa hierarquia de valores, atribuímos um posto preeminente, àqueles que Sartre denominou de verdadeiros intelectuais.


Mas, supondo que os verdadeiros estejam mortos ou estejam morrendo e  terá em breve desaparecido da sociedade, toda forma de poder ideológico passa para outros segmentos.


Bobbio aliás, registre-se, que desde sua obra “Política e cultura”, publicada em 1955, jamais se distanciou do tipo ideal do intelectual mediador[10], cujo método de ação, é o cultivo e a prática do diálogo racional, no qual os dois interlocutores discutem, apresentando, um ao outro, argumentos racionados, e, cuja virtude essencial é a tolerância.


Por isso, justificou Bobbio sua desconfiança para com os apelos e manifestos que buscam reunir homens de cultura para que exprimam unilateralmente e, muitas vezes, fazendo largo uso da moção dos afetos, uma opinião ou conselho, endereçados aos interlocutores que  não escutam. Infelizmente a história das ideias e a história das ações correm sobre trilhos paralelos e, raramente, se encontram.


Destacou Bobbio um problema que não encontrou nenhuma resposta equilibrada, afinal, por que tantos membros da intelligentsia[11] europeia acreditam tão piamente e cegamente no comunismo. Talvez seja por puro romantismo.


Aqui no Brasil podemos destacar sete grandes intelectuais que ensinam muito sobre o nosso país, a saber, mas por suas posições e conceitos, não são unanimidades no meio acadêmico.


A lista compõe-se de: Oliveira Vianna (1883-1951) Por sua reflexão para distinguir o povo brasileiro do resto do mundo. A obra intitulada "Populações Meridionais do Brasil" representa a primeira obra do pensador e considerada a mais  famosa;


Gilberto Freyre (1900-1987) É muito homenageado e debatido, o sociólogo analisou profundamente a miscigenação racial e o Estado patriarcal. Sua obra "Casa-Grande e Senzala" é um ensaio de interpretação do Brasil e possui uma linguagem criativa e inovadora, dotada de métodos de pesquisa pouco ortodoxos;


Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) historiador e autor da obra intitulada "Raízes do Brasil", um dos maiores clássicos da historiografia nacional, refletiu sobre a identidade nacional e cunhou o polêmico conceito de cordialidade[12] do brasileiro;


Caio Prado Júnior (1907-1990) também historiador que abriu novo debate sobre nosso passado colonial, sendo precursor da interpretação sob ótica marxista.


Mesmo depois de tanto tempo da primeira edição de sua obra "História Econômica do Brasil", a leitura continua sendo atual e indispensável; Raymundo Faoro (1925-2003) em sua obra "Os Donos do Poder" tratou das origens do patronato político na formação social desde a colonização, indicando uma nação governada por uma burocracia que frustrou o desenvolvimento independente;


Florestan Fernandes (1920-1995) é considerado uma referência brasileira no desenvolvimento metodológico e científico da sociologia, e entendia que a revolução burguesa no brasil não se deu como um episódio histórico, mas sim, como fenômeno estrutural. Em seu livro "Circuito Fechado" reuniu seus escritos produzidos entre os anos de 1966 a 1976.


Adiciono ao rol Olavo de Carvalho (1947) é escritor, conferencista, ensaísta, jornalista e filósofo autodidata brasileiro. Sendo um dos principais representantes do conservadorismo brasileiro, e em sua juventude fora militante comunista, inclusive sendo membro do Partido Comunista de 1966-1968, tendo oferecido oposição durante todo o regime militar.


Mas, posteriormente, decepcionou-se com a ideologia e, tornou-se anticomunista convicto. Segundo Pablo Ortellado, filósofo argentino, aponta o intelectual como o responsável pelo surgimento da chamada Nova Direita brasileira. É autor de vários livros, sendo o primeiro deles, lançado em 1980, “A Imagem do Homem na Astrologia”.


Seu livro “O Mínimo que Você Precisa Saber para não Ser um Idiota”, lançado em 2013, vendeu algo próximo de  320 mil exemplares. Outros livros dele incluem “O Jardim das Aflições” (1995), “O Imbecil Coletivo” (1996),  entre diversos outros.


Outro nome que merece destaque é Roberto Damatta que em sua obra "O Que Faz o Brasil, Brasil?" o antropólogo compara a postura dos norte-americanos e a dos brasileiros em relação às leis. E, ainda, explica a atitude formalista e zelosa dos ianques que causa tanta admiração e espanto aos brasileiros, que se acostumaram a transgredir e ver violada as próprias instituições; no entanto, chega a afirmar que é ingênuo acreditar que postura brasileira se baseia apenas na ausência de educação adequada. 


Aponta ainda que as instituições brasileiras foram desenhadas para coagir e desarticular o indivíduo. E, a natureza do Estado é eminentemente coercitiva, e no caso brasileiro, se revela em ser inadequada à realidade individual.


O curioso termo Belíndia, define precisamente tal situação, a saber: pois temos leis e impostos típicos da Bélgica, mas a realidade social é própria da Índia.


Da Matta é antropólogo, conferencista, consultor, colunista de jornal e produtor brasileiro de televisão e um sociólogo. É professor titular de Antropologia Social da PUC do Rio de Janeiro e Professor Emérito da Universidade de Notre Dame, ocupando a cátedra de Reverendo Edmund P. Joyce.


A obra de Roberto também estabelece importantes diálogos com os franceses Claude Lévi-Strauss, Louis Dumont, Émile Durkheim e Alexis de Tocqueville (este, muito citado no famoso ensaio sobre  o "Sabe com quem está falando?" e o "jeitinho"), o escocês Victor Turner e, especialmente, com os  brasileiros Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Roberto Cardoso de Oliveira.


Referências:


BOBBIO, Norberto. Estado. Governo. Sociedade. Para uma teoria geral da política. 14ª edição. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.


_______________. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea.. Tradução Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Editora UNESP, 1997.


PIPES, Richard (ed.). The Russian Intelligentsia. New York, Columbia University Press, 1961.


GELLA, Alexander (ed.). The Intelligentsia and the Intellectuals - Theory, Method and Case Study. Londres, Sage Studies in International Sociology, 1976, p. 12, apud PODGÓRECKI, Adam e ŁOS, Maria. Multi-dimensional sociology. London: Routledge, Taylor & Francis Group, 1979.


Camus, Albert - O Homem Revoltado Lisboa: Livros do Brasil,  1987).


Sartre, Jean-Paul - Situações IV ( Lisboa: Europa-América,1972).


Notas:


[1] Sartre é emblemático, foi um tipo de pensador que nem parece ter deixado a cena, de tão  contemporâneo que permanece. Aquele que não se limitou a fazer à esfera das ideias, aquele que se mostrou presentes também no cotidiano, um verdadeiro intelectual em ação. Vivenciamos uma crise que não se adequa com o silêncio. É tempo de incertezas, perplexidades e durante as batalhas rotineiras, somos soterrados por uma massa impressionante de informações, convivemos com incômoda sensação de que muitos valores, conceitos, formulações e ideologias que até pareciam sólidas construções, se encontram em acelerado processo de transição, ou até mesmo desmantelamento. Tudo que é sólido se desmancha no ar.


No cenário contemporâneo há novos dilemas e transformações trazidas pelas condições globais ambientais, os avanços da pesquisa científica e tecnológica e suas inextinguíveis questões éticas. As novas formas de violência e de conflito, as consequências da flexibilização das relações financeiras e de trabalho, as questões da evolução da democracia e  as cambiantes atribuições (e capacidades) das instituições políticas nacionais e internacionais muitas vezes nos levam a um mergulho em plena perplexidade.


[2] BRENDA, Julien. A Traição dos Intelectuais. A obra objetiva interpelar a tarefa pública conferida às elites letradas das sociedades europeias. Em 1927, o escritor Brenda escreveu sob o título original de " La Trahison des Clercs” constituía um libelo do que tencionava enunciar. Tratava-se de definir e especificar o ofício dos homens de letras. Além da tarefa educativa, o gesto de pedagogia política, registrou-se o seu compromisso com a verdade e a defesa da justiça. Brenda sugere que o único compromisso inadiável do intelectual consiste na justiça, na verdade e na razão. Qualquer outra função que mobilize sua escrita é considerada traição.


[3] A visão de Gramsci acerca dos intelectuais teria sido determinante para a formulação de seu conceito de hegemonia:  “A luta pela hegemonia implica uma ação que, voltada para a efetivação de um resultado objetivo no plano social,  pressupõe a construção deum universo intersubjetivo de crenças e valores". A acepção de hegemonia em Gramsci será estabelecida pela dinâmica de transformação da autoridade em consentimento.  Sendo assim, o papel ocupado pelos intelectuais tem a ver coma ideia de formação da opinião pública, mediante diálogo e interlocução.


[4] Les Enfants Terribles é um romance de 1929 de Jean Cocteau. Ela diz respeito a dois irmãos, Elisabeth e Paul, que se isolam do mundo à medida que crescem, um isolamento  que é destruído pelo estresse de sua adolescência.


[5] A história da democracia brasileira é extremamente conturbada e difícil. Quando foi vencida a monarquia semiautocrática e escravista e, adveio a fase democratizante, porém, conturbada pois houve a República da Espada (1889 a 1894), e a República Velha conheceu relativa estabilidade. Apesar de que fora uma estabilidade oligárquica dos coronéis e de eleições a bico de pena, que após 1922 entrou em crise. Adveio também o trauma dos estados de sítio, diante de movimentos armados de contestação ou mesmo disputas internas das oligarquias que fugiram do controle e ainda a forte repressão aos movimentos populares.  A Revolução de 1930 não veio a efetivar seu projeto de liberalização e moralização da política. E, com isso, Getúlio Vargas ficou por quinze anos à frente do Executivo sem eleição. E, a ordem constitucional fora tardiamente restaurada com a Assembleia de 1934 mas durou apenas três anos. Em seguida, de 1937 a 1945 veio a ditadura velha do Estado Novo, quando o Parlamento fora fechado, os partidos foram banidos e, a Constituição fora outorgada e, mesmo assim, era desobedecida, havendo censura, cárceres e tortura. A democratização de 1945 sofreu extremo "empurrão" da derrota do nazismo na Europa. E, internamente não enfrentou maior resistência, até porque o antigo e nobre ditador aderiu a esta, e decretou a anistia, e, ainda, convocou as eleições gerais, voltando a legalizar os partidos.


[6] Collor fora eleito nas eleições de 1989, as primeiras eleições diretas para presidente da República desde 1960. Derrotou na época Luiz Inácio Lula da Silva, Leonel Brizola e Mário Covas. Seu partido, o Partido da Reconstrução Nacional (PRN) era considerado um partido nanico, que assim como outros surgiram com a redemocratização do país. O governo Collor foi iniciado em março de 1990. Logo  estabeleceu medidas econômicas radicais para tentar combater  um dos principais problemas da economia do país: a inflação, que na época chegava a surreais 1700% ao ano (para efeito  de comparação, nos últimos anos ela não passou dos 7% ao ano). A principal dessas medidas foi o confisco das poupanças   por um período de 18 meses, medida estabelecida por meio de medida provisória.  A ideia era diminuir a quantidade de moeda em circulação e, desse modo, preservar seu poder de compra. A estratégia não deu certo, já que a inflação continuou um problema ao longo de todo o governo, o que, claro, deixou  a população completamente insatisfeita. Ainda por cima, já em 1991 surgiram denúncias de corrupção envolvendo pessoas próximas a Collor,  como a sua esposa, Rosane Collor. Em maio de 1992 "estourou" a denúncia que levaria o governo Collor a um fim prematuro. O irmão do presidente, Pedro Collor de Mello, concedeu entrevista à revista Veja acusando-o de manter uma sociedade com o empresário Paulo César Farias, tesoureiro de campanha de Collor. Segundo Pedro, o tesoureiro seria “testa de ferro” do presidente em negociações espúrias, ou seja,  aquela pessoa que faz a intermediação de transações financeiras fraudulentas, a fim de ocultar a identidade de quem realmente as contrata. Com a abertura do processo de impeachment autorizado pela Câmara, Collor foi afastado do cargo dias depois. Em seu lugar,  assumiu o vice-presidente, Itamar Franco. Enquanto isso, o Senado apurava se Collor havia cometido ou não um crime de responsabilidade. O processo durou três meses (lembrando que ele pode durar até 180 dias com o presidente afastado, e até mais tempo, mesmo com  o presidente de volta ao cargo). Com a condenação iminente no Senado, Collor resolveu renunciar ao cargo, no dia 29 de dezembro de 1992, para evitar a inelegibilidade nos oito anos seguintes. Mesmo com a renúncia, o Congresso votou a favor da perda dos direitos políticos  do ex-presidente, afastando-o de cargos eletivos pelo resto da década de 1990. Vale mencionar que, vinte e dois anos após esses fatos,  Collor foi absolvido pelo STF das acusações de peculato, corrupção passiva e falsidade ideológica.


[7] O caso Dreyfus foi um conflito social e político importante na Terceira República francesa, que ocorreu ao fim do século XIX, ao redor da traição feita pelo então capitão Alfred Dreyfus que foi ao final absolvido. O caso mudou a sociedade francesa de 1894-1906, dividindo o povo francês em dois campos opostos, os que apoiavam a inocência de Dreyfus e os que eram anti-Dreyfus, sendo adeptos de sua culpa que postulavam por sua condenação por haver supostamente entregues os documentos secretos franceses ao Império Alemão. O contexto do caso era particularmente propício ao antissemitismo e ao ódio do Império Alemão após sua anexação da Alsácia e parte da Lorena em 1871. Terminou em 1906, por um julgamento do Tribunal de Cassação  que finalmente inocente e reabilitado Dreyfus.


[8] O poder ideológico é o que consiste na capacidade de exercer domínio e controle, trata-se da possibilidade de agir e produzir efeitos desejados sobre indivíduos ou grupos humanos. É a relação que se estabelece entre aquele que possui a força e os mecanismos de dominação e, aquele sobre o qual o poder é exercido. A relação de poder ocorre através de força física, econômica, política e ideológica. O poder ideológico atua de forma sutil e complexa na sociedade. Para compreender com maior profundidade  a estrutura e atuação desse poder, vamos analisar os diversos mecanismos que sustentam esta dominação.  São os núcleos sociais, também chamados de instituições, que formam esta engrenagem.  As mais importantes são: família, escola, igreja, organizações e o Estado.


[9] O interessante é que, em latim, onde o termo "de chifre" é cornea e "de marfim" é elephanto, uma associação se configura  essas imagens poderiam referir-se, dizem os comentadores antigos (os Escoliastes, Eustathius) a duas das "portas de comunicação" do corpo humano, a saber: a porta cornea, de chifre, diria respeito aos olhos (cornea ocular) e a porta de marfim diz respeito às presas, e, portanto aos dentes, e consequentemente, à boca.


[10] O conceito de mediação cultural tem ganhado força dentro do campo de saber das Ciências Humanas desde, pelo menos, meados dos anos 1980, sobretudo nos estudos culturais desenvolvidos na América Latina pelo ­filósofo, semiólogo e antropólogo colombiano Jesús Martín-Barbero a partir de sua obra Dos meios às Mediações, que veio à lume em 1986. O livro, escrito para lidar com problemas afetos às relações comunicacionais, notadamente à recepção, tornou-se influente sobre toda a comunidade das ciências humanas nas décadas seguintes, influenciando a maneira de se pensar a sociedade e suas relações de forças simbólicas.


[11] O termo intelligentsia usualmente se refere a categoria ou grupo de pessoas envolvidas em trabalho intelectual complexo e criativo direcionado ao desenvolvimento e disseminação da cultura, abrangendo os trabalhadores intelectuais. A origem do termo é controvertida, tendo sido usado para identificação de intelectuais que apareceram simultaneamente em contextos políticos distintos, como na Rússia, Polônia e Alemanha no século XIX. Em geral, atribui-se a invenção do termo a Piotr Boborykin, por volta de 1860. Porém Richard Pipes constata o uso do termo intelligentz na Alemanha, em 1849, para designar o mesmo fenômeno, ou seja, um grupo distinto do resto da sociedade por sua educação e atitudes progressistas. De acordo com Waclaw Lednicki, o termo fora utilizado na literatura russa, por Berlinsky (ele próprio um dos membros da intelligentsia russa) que já usara o mesmo termo em 1846. Registre-se que na Rússia, o movimento intelligentsia teve começo em 1840 e almejava a reconstrução da sociedade sobre bases racionais, como também a substituição do absolutismo dos czares por um sistema político constitucional, o fim da servidão e a defesa dos direitos fundamentais do homem. Por sua vez, Alexander Gella afirma que o  termo teria sido usado pela primeira vez na literatura polonesa, pelo filósofo e ativista Karol Libelt, em 1844, em um de seus livros. A princípio, a acepção do vocábulo era restrita, mas depois passou a ser empregada para designar coisas diferentes, tanto o conjunto de intelectuais de dado país como também aos grupos mais restritos de intelectuais que se fazem notar por sua capacidade de fornecer uma visão compreensiva do mundo, por sua criatividade, ou ainda, por suas atividades direta ou indiretamente políticas.


[12] O homem cordial é conceito desenvolvido por Sérgio Buarque de Holanda em sua obra "Raízes do Brasil”, cuja primeira edição fora publicada em 1936. De acordo, com tal conceito, as virtudes tão elogiadas por estrangeiros são como a hospitalidade e generosidade representam um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece viva e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano. Logo, as raízes do caráter brasileiro se encontram no meio rural e patriarcal do período colonial. O homem cordial, portanto, é segundo essa definição, a forma natural e viva que se converteu em fórmula. Mas essas virtudes não são sinônimos de bons modos, muito menos de bondade ou amizade. Na verdade, a nossa forma de convívio social é, justamente o contrário da polidez.  Isto é, a atitude polida equivale a um disfarce que permite cada qual preservar sua sensibilidade e suas emoções e, com essa máscara, o indivíduo consegue manter sua supremacia ante o social. A cordialidade descrita pelo historiador faz com que o brasileiro sinta, ao mesmo tempo, o desejo de estabelecer intimidade e o horror a qualquer convencionalismo ou formalismo social.


Autoras: Gisele Leite e Denise Heuseler


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Debate Intelectuais Ideal Mediador

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