O privilegiado princípio da afetividade no direito contemporâneo

O presente texto mostra a importância e aplicação do princípio da afetividade.

Fonte: Gisele Leite

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Não conseguimos analisar incólumes a intrincada relação existente entre o direito e a moral, ademais os riscos hermenêuticos em se realizar considerações puramente éticas sobre o fenômeno jurídico também não servem para garantir e reconhecer a autonomia que o direito contemporâneo alcançou.


Sabemos a quão antiga é a relação entre o direito e a moral[1], por isso mesmo, jamais poderíamos por vias hermenêuticas esgotar tão caudalosa temática, principalmente em razão de Dworkin, pois a ameaça de destruição do positivismo do direito pelos valores, poderia resultar num retorno a barbárie medieval.


Os valores travestidos de premissas principiológicas podem mesmo esconder as decisões judiciais discricionárias e, até mesmo, arbitrárias, traçando um caminho confuso sobre a função social do Judiciário contemporâneo, ainda atrelado ao sentimento do justo, como algo concreto e palpável quando só materializável em certo momento histórico e social.


É mesmo ontologicamente inviável buscar a racionalização extrema do conhecimento, quiçá do conhecimento jurídico. A análise contextual dos princípios jurídicos pode servir para entender os novos princípios que surgiram, apesar de serem meros desdobramentos de antigos princípios, num país que tem se revelado em ser uma autêntica “fábrica de princípios” afagando um Estado de Direito cada vez mais hermenêutico e, cada vez menos positivista.  Continuamos a acreditar na absoluta relevância da fundamentação das respostas constitucionalmente adequadas, principalmente porque o ato de decidir e julgar está imbuído de um dever accountability.


Não se pode simplificar a vasta e penosa evolução da hermenêutica, principalmente porque é a partir do que se interpreta, é que se decide. E, o resgate hermenêutico da interpretação jurídica sempre oscila entre dois focos principais.


O primeiro que enfatiza a noção de sujeito e objeto, presente mais nitidamente nas ciências naturais, e sob forte influência de Descartes. Depois, com o pensamento de Immanuel Kant[2] sendo ulteriormente reformulado principalmente pelo advento da fenomenologia hermenêutica de Heidegger[3] e, depois, com a hermenêutica de Gadamer[4].


A partir dessas linhas metodológicas, se pode identificar as diferenças entre o que se chama de sujeito metafísico para sujeito hermenêutico[5].


Não é mesmo possível haver uma revelação unívoca de sentidos, como também não é crível no pleno arbítrio do ato interpretativo, a crença num sentimento de justiço individualizado, é pueril e infantil, pois o direito é apenas um sistema normativo convencional que funciona inerentemente às concepções pessoais de justiça.


Em verdade, a hermenêutica não pode se apegar a um método, nem aos procedimentos que pretendam garantir resultados interpretativos corretos e que não sejam sujeitos à correção.


Em verdade, a hermenêutica tenta em vão construir uma ponte simbólica entre o homem e o mundo. Pois inicialmente enxergava o momento dedutivo como o modo mais adequado para que o intérprete que partia de princípios reconhecidos como verdadeiros (premissa maior) e então, os relacionava com proposições específicas (premissa menor), para afinal, por meio de raciocínio lógico, chegar à verdade do que era investigado (conclusão).


Aliás, é outra figura mítica acreditar que exista realmente uma conclusão hermenêutica.


O texto como objeto de investigação pode gerar muitas dúvidas e confusões tanto no que tange ao seu significado como significante, e o método dedutivo pode, sendo comum de ocorrer, ser insuficiente para saná-las.


Justifica-se, portanto, porque no contexto do romantismo alemão capitaneado por Friedrich Scheleiermacher se percebeu com inteira razão e acerto, que o método dedutivo[6], no mínimo, precisava ser mais complexo.  O método de Scheleiermacher era circular, onde o intérprete se movimentava do todo para a parte e da parte para o todo, de forma a apurar sua compreensão a cada movimentação efetuada.


Ao término do procedimento, o filósofo chamou de Círculo Hermenêutico[7], que em sentido original estaria preservado e a compreensão encontraria neste, aquilo que o próprio autor quis realmente imprimir.


Ainda esse círculo hermenêutico possibilitava conhecer qual foi a intenção da fala, do autor do texto, assim, decifrando o que ele efetivamente almejou dizer. O teólogo alemão, passou a usar o método, que ele denominou de circular, através do qual o intérprete se movimenta continuamente do todo para parte e da parte para o todo, de forma a apurar o seu entendimento a cada movimentação efetuada.


Procura-se entender a ênfase ao sentido do autor ou criador do texto. Essa busca pelo sentido do autor, fez que a hermenêutica do teólogo alemão fosse apelidada de “hermenêutica psicológica”.


Assim, a interpretação que manteve suas raízes profundas e firmes no essencialismo aristotélico[8], pelo menos, teoricamente, presenciava uma correspondência entre o significante e significado, ou entre signos e coisas[9].


A verdade era, portanto, revelada, ou desnudada, o que é afastado tanto pela hermenêutica de Heidegger como em seguida pela hermenêutica de Gadamer.


A insuficiência do método matemático para a obtenção de verdades, significa que a produção de conhecimento por meio de regras predefinidas, procedimentalmente marcada, por força do pensamento de Descartes. Assim o conhecimento, surgiria como forma de resolver problemas interpretativos.


Explicou Heidegger que a expressão "matemático" tem sempre dois sentidos, a saber: em primeiro lugar, o que se pode aprender do modo já referido e somente desse modo; em segundo lugar, o modo do próprio aprender e do proceder. Assim, o matemático é aquilo que há de manifesto nas coisas, em que sempre nos movimentamos e de acordo com o qual experimentados como coisas e como coisas de tal gênero.


A falha do raciocínio metodológico é observada principalmente pelo fato de que o homem, enquanto sujeito cognoscente é um ser que compreende o mundo pela linguagem[10] e, esta, é construída de forma intersubjetiva, influenciada pelos efeitos da história, que não é metodológica.


Se a história não é método, e se a linguagem também não o é, pode-se cogitar que mesmo que não queira, não há como se compreender algo sem que esteja influenciado pelos efeitos que esta história nos traz. No fundo, a história nos antecipa de forma inconsciente, o significado das coisas.


O pensamento heideggeriano trouxe em síntese a realização de três grandes impactantes transformações na Filosofia do século XX, a saber: 1. o giro linguístico, entendido, pela superação do esquema sujeito-objeto, a partir do vínculo indissociável entre o pensamento e linguagem;  2. o declínio do modelo matemático de fundamentação do pensamento e a ascensão de um modelo histórico que desse conta do problema da fundamentação nas ciências de espírito e, também, 3.o giro ontológico que supera a ontologia da coisa pela ontologia da compreensão a partir do deslocamento do ser humano.


Heidegger construiu um estudo preambular do que foi denominado Ser-aí ou Dasein. Ser que compreendendo, se compreende. Então, não é possível explicar o homem, mas apenas explicar como ele é. E, assim, dá-se a inserção do pensamento sob a condução da linguagem, de forma que a linguagem deixa de ser uma terceira coisa que liga o sujeito e o objeto e, passa ser entendida como verdadeira condição de possibilidade; a necessidade de se pensar historicamente seus fundamentos; a aceitação de que o conhecimento não é criado pelo sujeito solipsista, mas sim, através de uma intersubjetividade, cuja condutora é a linguagem, ao passo que o horizonte de sentido é precisamente o acontecer da historicidade do Ser- aí (Dasein[11]).


Com Heidegger concluímos que a leitura ou interpretação de um texto é sempre realizada por alguém influenciado, imerso, jogado no turbilhão da história. E, inconscientemente, este alguém, deparando-se com algo, um texto, por exemplo, antecipa seu significado, não porque quer, não intencionalmente, mas sim, por ser dotado de historicidade.


Importante é perceber que tal imersão na história não é percebida apenas a partir da historicidade individual de certo sujeito. Pois se assim, o fosse, seria chancelar a compreensão individualizada ou solipsista o que seria incompatível com o pensamento de Heidegger e também com a postura teoria de Gadamer.


Assim, ao entender que os efeitos da história e a tradição onde estão imersos o intérprete equivale à sua específica história, ou ainda, à imersão num ambiente familiar, por exemplo é, não compreender um pressuposto teórico hermenêutico dos mais basilares.


Gadamer ao desenvolver sua hermenêutica filosófica não se volta especificamente para o Direito e, nem poderia, pois, sua pretensão é mesmo a universalização do fenômeno hermenêutico. Assim ao apreender a tradição hermenêutica, significa, antes de qualquer coisa, vislumbrar que a linguagem traduz uma experiência particularmente linguístico- dialógica numa relação entre eu e você, de forma que os sentidos produzidos pelo intérprete adquirem a validade que é compatível com a coisa mesma. Não existe, portanto, uma apreensão individualizada de sentidos sob hipótese alguma.


Gadamer não se preocupou especificamente com a interpretação jurídica, mas afirmou que os preconceitos e opiniões prévias que ocupam a consciência do intérprete não se encontram à sua livre disposição. Porque o intérprete não está em condições de distinguir por si mesmo e de plano os preconceitos[12] produtivos, que tornam possível a compreensão, daqueles outros que impediram e levam a mal-entendidos.


Tais opiniões prévias não pode, de qualquer forma, ser arbitrárias, já que necessitam de legitimação quanto à origem e validez. A compreensão só alcança sua verdadeira possibilidade quando as opiniões prévias com as quais se iniciou não forem arbitrárias. Por essa razão, faz sentido que o intérprete não se dirija diretamente aos textos a partir da opinião prévia que lhe é própria, mas examine expressamente essas opiniões quanto à sua legitimação, ou seja, quanto à sua origem e validez.


Segundo as palavras de Gadamer, a necessidade de as interpretações encontrarem legitimação quanto à origem e validez, já afasta a possibilidade de argumentar que a tradição comunitária, por não ser dotada de homogeneidade conduziria aos relativismos, ou mesmo, as respostas não sujeitas ao controle, no que toca ao seu acerto ou desacerto.


Dá-se um erro compreensivo-interpretativo da teoria gadameriana que muitos, infelizmente, talvez por desconhecimento, insistem em cometer. Ao ligar a tradição à comunidade, e por perceber que esta não é homogênea, conclui que o julgador certamente iria decidir a partir de suas próprias convicções morais, pois estas seriam idênticas às comunidades. Seguem, por oportuno, deve-se questionar quem é o outro, a quem o intérprete está vinculado.


Ao se abordar os princípios, deve-se sanar a confusão comum com princípios com valores, e ao assim agir, estes valores, sob o indevido rótulo de princípios, e que são aplicados em detrimento de dispositivos legais, sem que se promova o uso da jurisdição constitucional.


O uso indiscriminado dos princípios gera o que Eros Grau denominou de o "despedaçar a segurança jurídica". Pois a irresponsável argumentação principiológica acarreta a destruição da positividade do direito contemporâneo pelos valores. E, assim quando os julgadores abusam no uso dos princípios, abala-se a segurança jurídica e se perdem os controles da proporcionalidade e da razoabilidade das leis.


Note-se que o uso axiológico-moralizante dos princípios que encontra amparo em grande parte da doutrina brasileira e também da alienígena, talvez com base na noção sofisticada da teoria de Robert Alexy para quem os princípios são reconhecidos como mandados de otimização, não relacionados a um nível deontológico, mas a um nível axiológico.


Atualmente[13], vivencia-se uma autêntica repristinação da jurisprudência dos valores, à moda brasileira. Onde se confere a primazia da ótica do julgador pois o objetivo principal é mesmo promover uma adequada orientação do juiz aos valores arraigados em certa sociedade.


A jurisprudência dos valores surgiu como forma de conceber o Direito no pós-guerra, mais particularmente, pós-1945. Aliás, Habermas criticou asperamente a jurisprudência de valores já com base na experiência malograda do Tribunal Constitucional alemão, onde ocorria a atribuição livre de valores pelo juiz lhe concedia um poder acima da racionalidade jurídica.


Embora que reconheça que a jurisprudência dos valores realmente suscinta o problema de legitimidade, porquanto implica num tipo de concretização de normas que coloca a jurisprudência constitucional no estado de uma legislação concorrente.


Busca-se apenas contextualizar e ilustrar como a má utilização dos pressupostos da jurisprudência de valores serve de base para decisões discricionárias e até como arbitrárias. É impossível não perceber que a força dos princípios implícitos e a elasticidade das normas explicitadas dentro do texto constitucional, necessariamente, conferem uma liberdade perigosa ao Judiciário, potencializada pela Jurisprudência de Valores ou sua versão tupiniquim.


A Jurisprudência de Valores tornou-se fator de desmobilização da sociedade, e, por conseguinte, uma concreta ameaça à democracia participativa, pois torna o Direito uma dócil instância aos interesses do poder econômico que se manifesta através da burocracia governamental.


Se compreendermos os princípios como valores e sendo estes superiores às regras, percebe-se o simplismo do raciocínio, chancelando a possibilidade de se corrigir o direito democraticamente criado (regras, por exemplo) por meio de posturas axiológicas.


Alexy aduz: princípios são normas que ordenam que algo se realize na maior medida possível, em relação às possibilidades jurídicas e fáticas. Os princípios são, por conseguinte, mandados de otimização que se caracterizam porque podem ser cumpridos em diferentes gruas e porque a medida de seu cumprimento não só depende das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. (Alexy, 1998, p. 12)


Eis que em nosso país, se transformou em fábrica de princípios pois que se baseia no raciocínio de subsistem valores, que estão implícitos no ordenamento jurídico. E, os princípios tácitos, inferidos e subentendidos, o que corrigem a aplicação de regras sob os mais diversos fundamentos, todos estes relacionados ao mais geral dos aforismas, que o juiz não pode mais ser tido como a boca da letra fria da lei.


Entretanto, deve ficar claro que não se pretende defender um modelo puro de regras, pois seria um franco retrocesso, mas é preciso afirmar que os princípios não abrem a interpretação, mas sim, justificam o direito em suas mais importantes bases, que são a equanimidade e a integridade.


Dworkin identifica os princípios como autênticas virtudes soberanas de uma comunidade política, ou ainda, também por tal razão, há, com acerto, na doutrina pátria, assevere que a ideia de princípio em Dworkin não é materializável a priori em um texto ou enunciado emanado de precedente, lei ou mesmo Constituição, mas um argumento de princípio que remeta à totalidade referencial dos significados destes instrumentos jurídicos.


Segundo o pensamento de Dworkin percebe-se que princípios[14] não são valores, apesar de conter um em seu âmago, também singular axioma, que interliga com outros que fundamentam uma comunidade política, justamente porque compartilhados por esta.


Assim, concluímos que ninguém cria princípios a seu bel prazer, mas existem porque historicamente pertencentes a uma comunidade, ou ainda, porque ligados à prática social de um direito reconhecido.


Os princípios, ainda sob o viés dworkiano, não propiciam moralismos jurídicos e nem discricionariedades, mas servem de anteparo ou blindagem face a tais, pois fecham a interpretação do texto, conferindo ao intérprete meios de manter a coerência e a integridade do direito.


Desta forma concluiu Streck que os princípios fecham a interpretação e, não a abrem, como sustentam, especialmente os adeptos das teorias da argumentação, por entenderem que, entre regras e princípios, existe um grau menor ou maior de subjetividade do intérprete. A partir disso, é possível afirmar que é equivocada a tese de que os princípios sejam mandados de otimização[15] e que as regras traduzem especificidades, onde, em caso de colisão, uma afastaria a outra, na base do tudo ou nada.


Ora, ao pensar assim é fazer clara concessão à discricionariedade. E, não parece democrático delegar ao juiz o uso de ponderação para a escolha do princípio que será utilizado para a resolução do problema.


A doutrina familiarista e a jurisprudência aplicam o princípio da afetividade, a partir de pressupostos e fundamentos extraídos diretamente dos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. E, para tanto, se sustenta que existe entrelaçamento destes princípios com os da convivência familiar e da igualdade entre os cônjuges e entre os filhos.


Como o afeto[16] é estruturante da entidade familiar é essa merece proteção do Estado. Podemos afirmar que a função social da família é representada pelo afeto, seja para determinar a filiação, como também nas hipóteses de adoção, seja porque o afeto é que atribui sentido à existência do ser humano, mormente do ponto de vista subjetivo e intrínseco, fundamental a seu psiquismo e à manutenção das relações deste com outros indivíduos.


A jurisprudência cogita na admissão da reparação por danos em decorrência do abandono afetivo é tema controvertido, e, a primeira decisão do STJ que concluiu pelo descabimento de indenização a favor do filho em face do pai que o abandonou moralmente (vide STJ, REsp 757 411/MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Quarta Turma, julgado em 29.11.2005, DJ 27.03.2006, p.299). Destacou-se que não há ilícito na conduta do pai que abandona afetivamente o filho. E, o fundamento é que o afeto não pode ser imposto na referida relação parental, até porque não se trata, a convivência, de um dever jurídico em sentido estrito.


Mas o tema evoluiu. Tanto que uma mais recente decisão do STJ veio a admitir a reparação civil pelo abandono afetivo, vide STJ REsp 1159242/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado 24.04.2012, DJe 10.05.2012)


A relatora Andrighi observou que o dano moral se faz presente pela presença de obrigação inescapável dos pais em fornecer auxílio psicológico aos filhos. Fundamentou sua decisão na premissa de cuidado como valor jurídico, e, assim enxergou a presença do ilícito e culpa pelo abandono afetivo, vindo a dizer: "amar é faculdade, cuidar é dever".


A nova decisão invocou o artigo 229 da CF/88 e art. 1.634, inciso I e II do CC de 2002, para concluir que há dano em hipótese tal sob a égide do artigo 186, também do Código Civil.".


O doutrinador José Fernando Simão recentemente abordou que há muito tempo se debate o valor jurídico do afeto. E, as teses que negam e afirmam que se trata de mero sentimento estranho ao Direito de Família, restam mesmo superadas, razão pela qual não perde tempo sequer em rebatê-las.


Mas, cabe a devida delimitação do conceito de afeto, para evitar qualquer confusão com conceitos semelhantes, como carinho, amor, respeito e consideração. Já tive oportunidade de dizer que confundir amor e afeto é algo danoso ao sistema jurídico. Se fosse amor, sua aferição necessitaria de longo e inócuo o trabalho de investigação da alma humana. E, por fim, haveria mais um risco, findo o amor, logo, equivocadamente, findo o afeto, os vínculos jurídicos deste decorrente, podem ser desfeitos.


Segundo Giselle Groeninga, o afeto é, no Direito, em ramos da filosofia e no senso comum, identificado com o amor[17]. Mas, na visão positivista era inclusive visto como sendo dissociado do pensamento.


Mas, é muito mais do que isto. Uma qualidade que nos caracteriza é a ampla gama de sentimentos com que somos dotados e que nos vinculam uns aos outros, de forma original face a outras espécies.


Com base nos afetos, que se transformam em sentimentos, é que criamos as relações intersubjetivas composta de razão e emoção do que nos move. À diferença dos outros animais somos constituídos, além dos instintos, de sua tradução mental em impulsos de vida e de morte. Estes ganham a qualidade mental de afetos, energia mental com a qualidade de ligação e de vinculação.


É por meio dos afetos que valorizamos e julgamos a experiência em prazerosa, desprazerosa, boa ou má. E mais, valoramos nossas experiências também de acordo com o pensamento, com a experiência e com valores construídos nas relações e apreendidos do meio social.


São os afetos que nos vinculam das mais diversas formas às pessoas. E é certo que também somos afetados pelos estímulos externos que são traduzidos, interpretados mentalmente segundo as experiências passadas e a valoração que lhes foram atribuídas. Somos seres axiológicos por excelência, e parte desta qualidade que nos é inerente vem justamente dos afetos” (In: SIMÃO, José Fernando. O afeto em xeque a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-abr-12/processo-familiar-superior-tribunal-justica-afeto-valor-juridico2?pagina=  Acesso em 13.4.2019).


Abordando o tema jurisprudencialmente, a admissão positiva de reparação por danos em face do abandono afetivo é tema controvertido. Haja visto a primeira decisão tomada pelo STJ que concluiu pelo descabimento da indenização em favor do filho do pai que o abandonou moralmente (vide STJ REsp 757 411/MG, Relator Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, julgado em 29.11.2005, DJ 27.03.2006, p. 299). Abordou que não há ilícito na conduta do pai que abandonou afetivamente o filho. Assim, se concluiu que o afeto não pode ser imposto na relação parental, até porque não se trata, a convivência, de um dever jurídico in stricto sensu.


A primeira consequência da aplicação do princípio da afetividade foi o reconhecimento jurídico da união homoafetiva expressão cunhada pela Maria Berenice Dias, como entidade familiar. Foi um longo e penoso trajeto que se iniciou pela total negação de direitos, depois, passou pelo tratamento como sociedade de fato e, por fim, chegou-se ao enquadramento a entidade familiar. E, ao final, deu-se a histórica decisão do STF em 5.5.2011 publicada em seu Informativo 625.


A segunda consequência foi a admissão de reparação por danos em razão de abandono afetivo. Que passou por quase o mesmo quadro evolutivo, culminando em recente decisão do STJ que admitiu a reparação civil pelo abandono afetivo (STJ, REsp 1159.242/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j.24.02.2012, DJe em 10.5.2012). Onde se aplicou a noção de cuidado como valor jurídico, a relatora deduziu pela presença de ilícito e da culpa do pai pelo abandono afetivo.


Partindo-se para a análise técnica da questão, pontue-se que o dever de convivência dos pais em relação aos filhos menores é expresso pelo art. 229 da CF/1988 e pelo art. 1.634, incisos. I e II  do CC/2002. Se a violação desse dever – que se contrapõe a um direito subjetivo equivalente, causar dano, estarão presentes os requisitos do ato ilícito civil (art. 186 do CC/2002).


A terceira e derradeira consequência da afetividade é o reconhecimento da parentalidade socioafetiva como mais nova forma de parentesco, inserida na cláusula geral de "outra origem", do artigo 1.593 do Código Civil brasileiro. Aliás, a desbiologização da paternidade traduz que o vínculo de parentalidade é bem mais do que um dado biológico, sendo um dado cultural, consagrando a máxima popular que alude "pai é quem cria", "mãe é quem cria".


Assim, a jurisprudência pátria passou aceitar que a posse de estado de filho deve ser considerada para determinação do vínculo filial, bem ao lado do vínculo registral e biológico. (Vide em: por todos: STJ, REsp 234.833/MG, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 25/09/2007, DJ 22/10/2007, p. 276; REsp 709.608/MS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 05/11/2009,  DJe 23/11/2009 e REsp 1.259.460/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2012, DJe 29/06/2012).


Numa historicidade contida no princípio da afetividade nos aponta que o princípio da afetividade é adequado ao constitucionalismo contemporâneo e sob a tradição trazida por nossa Constituição Cidadã.


Afinal, se os métodos e técnicas de interpretação são frutos de concepções ultrapassadas, seria inviável reservar ao intérprete escolhas metodológicas que lhe propiciam decidir discricionariamente.


E, até certo ponto, há a influência da linguagem na compreensão, portanto, não se pode admitir mais, o sujeito como algo desconectado do objeto e, acima do mundo.


Portanto, racionalizar a interpretação significa valer-se de álibi teórico para aplacar a emergência de crenças que orientam a aplicação do direito, conforme já afirmou Luiz Alberto Warat[18], pois os diversos métodos postos à disposição do intérprete conferem a este um repertório de pontos de vista e de comportamentos idealizados.


O atual constitucionalismo não se pode concluir a leviana confusão de que princípio sejam valores, apesar de serem sumariamente axiológicos e, por tal ocorrência, advém o famoso sentimento do justo. Pois isso, significaria delegar à Constituição a missão de previsibilidade das relações sociais e jurídicas, o que arruinaria a integração que deve existir entre o elemento democrático e o Estado de Direito.


Se bem, que particularmente creio que o Estado democrático de Direito ainda permaneça em construção, num gerúndio contínuo que não vejo fim.


Por essa razão, Habermas[19] acertadamente afirmou que a dogmática jurídica confere certo alívio ao indivíduo, pois este não dependeria de suas próprias escolhas, eis que a moral se encontre institucionalizada.


E, em face da complementaridade existente entre direito e moral, o processo de legislação parlamentar, a prática de decisão judicial institucionalizada, bem como o trabalho profissional de uma dogmática jurídica, que venha sistematizar as decisões e concretizar as regras, e significam assim um grande alívio para o indivíduo que não precisa carregar o peso cognitivo da formação do juízo moral próprio.


Aliás, também na mesma linha do pensamento de Habermas a moral não pode ser reduzida à sociabilização ou à consciência dos indivíduos, pois acaso assim fosse, seu campo de ação seria muito estreito. E o alívio apontado é destinado aos indivíduos de forma interessante, pois a moral irradia efeitos sobre todos os campos de ação, dada a conexão que esta possui com tais, mas a única exceção à relativização do dever de obediência às regras morais, seria a obediência geral ao direito. E, advém daí a dita complementaridade existente entre moral e direito.


Sob os olhos atentos da doutrina, a afetividade é algo como que sobrevém do plano absolutamente valorativo. Mas, o direito possui um código binário, algo que se afasta da noção principiológica ligada aos valores. Cogitar em valor, sob prisma moral, é tratar algo atrativo e desejável, recomendável, é refletir sobre o certo e o errado, valorando maneiras de ser, de agir, de pensar e também de sentir.


O valor afetividade em si, em uma relação familiar significa um bem querer, um altruísmo, uma sentimental consideração por uma pessoa, por suas qualidades, por exemplo. Deontologicamente, é contraposto ao axiológico- gradual, sempre se terá pela frente o código binário do permitido e do proibido, mesmo porque, a partir de normas jurídicas, decido qual ação é ordenada.


E, por outro viés, por meio de valores é que decido o que seja bom, o que é melhor, o que pode ou não ser aceito em um certo grupo de pessoas, a partir de elementos culturais e sociais que tanto caracterizam seus membros. Frise-se que os valores são priorizados, o que não ocorre propriamente com as normas, de forma que é escorreita a conclusão de Habermas.


Uma jurisprudência orientada por valores precisa definir qual pretensão e qual ação deve ser exigida diante de certo conflito[20] e não arbitrar sobre o equilíbrio de bens ou sobre o relacionamento entre os valores.


Certo é que as normas válidas formem uma estrutura relacional flexível, na qual as relações podem deslocar-se segundo as circunstâncias de cada caso concreto. Porém, tal deslocamento está sob a reserva da coerência, a qual garante que todas as normas se ajuntam num sistema finado, o qual admite para cada caso uma única solução correta.


A validade jurídica do juízo tem sentido deontológico de mandamento, não o sentido teleológico daquilo que é alcançável no horizonte dos nossos desejos, sob circunstâncias dadas. Aquilo que é o melhor para cada um de nós, não coincide ipso facto, com aquilo que é igualmente bom para todos.


Questiona-se: seria injurídico não amar? Não ter afeto. Seria ilícito não amar? Certamente é bom que todos da família se tratem com afeto, mas a indiferença seria mesmo criminosa?


Assim, a depender das respostas ofertadas, poder-se-á perceber se o intérprete ou aplicador compreende o direito e os princípios como uma ordem de valores e, consequentemente, nega a este sua autonomia e seu caráter naturalmente deontológico obrigatório.


Desta forma, o intérprete seguiria, por um destes dois caminhos, a saber:1. qualquer valor pode ser moralmente aceito, o que descambaria para o subjetivismo; 2. que participamos de sociedade política em que seus membros compartilham, uniformemente, dos mesmíssimos pressupostos axiológicos, algo, que é no mínimo infantil.


Streck ironicamente demonstra sua preocupação que apelidou gentilmente de flambagem do direito e manifesta, particularmente sobre o princípio da afetividade um inconformismo que vale a pena citar, in litteris:


“Princípio da afetividade: embora esse standard possa ser considerado ‘fofo’ (quem não gosta de que sejamos afetivos?), na verdade apenas escancara a compreensão do Direito como subsidiário a juízos morais (sem levar em conta os problemas relacionados pelo ‘conceito’ de afetividade no âmbito da psicanálise, para falar apenas desse campo do conhecimento). Isso para dizer o mínimo. Daí a perplexidade: se os princípios constitucionais são deontológicos, como retirar da ‘afetividade’ essa dimensão normativa? Trata-se, na verdade, de mais um álibi para sustentar/justificar decisões pragmatistas. É evidente que a institucionalização das relações se dá por escolhas pela relevância delas na sociedade. Ocorre que as decisões devem ocorrer a partir de argumentos de princípio e não por preferências pessoais, morais, teleológicas, etc. No fundo, acreditar na existência deste ‘princípio’ é fazer uma profissão de fé em discursos pelos quais a moral corrige as ‘insuficiências ônticas’ (sic) das regras jurídicas. Ou seja, nada mais do que uma espécie de ‘terceiro turno’ do processo constituinte: os juízes – apoiados em forte doutrina, ‘corrigem-no’. (STRECK, 2013)”. STRECK, L. L. O pamprincipiologismo e a flambagem do Direito. Fonte: Conjur. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2013.


Portanto, decidir não é escolha moral e a importância da fundamentação na busca de respostas constitucionalmente adequadas é necessária e imperativa.


As decisões judicias não se confundem com um processo psicológico, através do qual o juiz faz fluir suas preferências e afeições pessoais, de modo especial seus conceitos morais. Permitir a escolha ou a eleição de valores individuais ao julgador significa escancarar espaço para a arbitrariedade decisória.


Aliás, a pretexto de ser justo, de proferir decisão que seja moralmente aceita, o juiz abandonaria sua função republicana para se tornar mero justiceiro, algo que destoa completamente do Estado Democrático de Direito. E, tal senso de justiça que via de regra só proporciona a necessidade de uma postura ativa do julgador é outro busilis capcioso.


Apesar de vetusta a lição deixada por Montesquieu[21], não deixa de ser atual e pertinente principalmente no detalhe que explicita os riscos de imposição comportamental por parte do Judiciário.


Assim, não haverá liberdade se poder de julgar se não estiver separado do poder legislativo e do executivo. E, se estivesse relacionado ao Poder Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seriam arbitrários, pois o juiz seria então legislador.


E, se estivesse ligado ao poder executivo, o juiz poderia ter a força e o poder de um opressor. É necessário para que se se veja a função judicante e, também, por correlato, o ato de decidir que traz consigo o dever de prestar contas ao Estado Democrático de Direito.


Sendo enxergada assim, a decisão poderá ser tida como legítima do ponto de vista jurídico e não de um intérprete detentor de autoridade decisória. É bom, enfim, que se perceba que fundamentar e simplesmente explicar são conceitos díspares.


Pois há diferença entre a fundamentação válida de suas simulações. Fundamentar validamente não significa explicar a decisão. A explicação, quando muito, só confere à decisão uma falsa aparência de validade.


O juiz explica, e não fundamenta, quando diz que assim decide por ter incido ao caos, tal ou qual norma legal.


A atitude do julgador que tão-somente repete literalmente o texto normativo que lhe pareceu adequado, sem justificar a escolha, não vai além do que faria se não explicitasse de forma alguma o motivo da decisão tomada. Tal escolha livre de sentido não fundamenta o julgado a não ser para alguém tão imerso no paradigma racionalista que acredite que a lei tenha mesmo um sentido unívoco e pressuposto.


Portanto, ao juiz contemporâneo não basta ao dar cabo a uma discussão, a mera declaração do vencedor, repetindo as razões deste como quem enuncia uma fria equação matemática. Ao revés, é preciso que o julgador, diga porque acolheu as razões do vencedor, afirmando as razões pelas quais rejeitara a interpretação oferecida pela parte sucumbente.


Conclui-se que decidir carrega um dever accountability que é termo oriundo da Administração notadamente pública do norte-americano, que significa, em geral, ser responsável ou pelo menos ser responsabilizável por ações, decisões e omissões.


Aliás, a boa doutrina afirma que o termo não possui mesmo uma tradução para as inúmeras línguas e aduz que apesar de se tratar de conceito amplamente usado em estudos de ciência política, subsistem problemas na formulação de um conceito que sistematicamente capte todos os seus elementos e características.


E, diante de tamanha complexidade temática e do conceito, adverte-se que o termo ora usado é no sentido que lhe deu o Ministro da Suprema Corte Joaquim Barbosa, in litteris: “Trata-se, como todos sabemos, da materialização da função de controle, ou seja, do princípio dos checks and balances[22], que constituem um dos elementos fundamentais da organização do Estado brasileiro, a tal ponto que o eventual descumprimento do dever de prestar contas no âmbito dos estados pode levar a União a decretar a mais grave das medidas cabíveis em um Estado federal: a intervenção federal (art. 34, VII, d, Constituição de 1988)”. (BRASÍLIA, Supremo Tribunal Federal, MS 25181/05. Relator: Ministro Joaquim Barbosa.


Que se decida apoiado em princípios é possível, além de permitido, porém não em moralismos, políticas ou mesmo em pragmatismos dos mais diversos.


A jurisdição preconizada no Estado Constitucional para sua legitimação necessita de accountability[23], lastreada sob os ditames da Constituição Federal e, a partir de fundamentação coerente, íntegra e apta, além de bem alicerçada na boa doutrina e precedentes, perfazendo assim, o que se espera, ser um poder limitado.


Lembremos a lição de Streck quando apontou que a fundamentação é, em resumo, a justificativa pela qual decidiu desta ou daquela maneira.


Pois é a condição fundamental do Estado Democrático de Direito[24], haver a legitimidade da decisão. Onde há dois princípios principais que conformam a decisão judicial: a integridade e a coerência, que se materializam a partir de tradição filtrada pela reconstrução linguística da cadeia normativa que tanto envolve a querela sub judicie.


Assim, a obrigatoriedade da fundamentação é natural corolário do Estado democrático de Direito, confirma Canotilho[25] sendo o cerne da legitimidade da decisão, na qualidade de direito fundamental, deve ser a fundamentação íntegra e coerente, devidamente materializada pela tradição e filtrada numa reconstrução linguística feita pela história de certa comunidade.


O exemplo privilegiado do princípio da afetividade serve para demonstrar a razão pela qual, em verdade, estamos diante de um valor e, ainda, frisar sobre a diferença fundamental entre valores e princípios, os primeiros relacionados a uma ênfase gradual de preferências e os segundos visualizados sob prisma deontológico submissos ao código binário do permitido e do proibido.


A importância de se adotar critérios objetivos decisórios são imprescindíveis para se evitar os mandonismos judiciais disfarçados pelo uso de poder discricionário e, sob a desculpa de prover um "processo justo".


Referências:


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SIMÃO, José Fernando. O afeto em xeque a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-abr-12/processo-familiar-superior-tribunal-justica-afeto-valor-juridico2?pagina=  Acesso em 13.4.2019).


STRECK, L. L. O pamprincipiologismo e a flambagem do Direito. Fonte: Conjur. Disponível em: Acesso em: 10 out. 2013.


Notas:


[1] Na doutrina de Kelsen evidencia-se o caráter relativo da Moral que, pois possui um conteúdo variável, não apenas pela época ou espaço, mas também por grupos ou indivíduos inseridos nas mesmas circunstâncias. Kelsen desbravou esse tema, tão recorrente nas ciências sociais, sob a perspectiva herdada de Emanuel Kant, para quem Direito e Moral estariam em planos distintos. Assim como representação dessa concepção está mais uma ilustração de Miguel Reale, dessa vez correspondendo à visão que em suas palavras seria real, ou pragmática, das relações entre o Direito e a Moral. Ainda segundo a visão de Reale, essas duas ordens sociais seriam representadas através de dois círculos secantes, induzindo que há um campo do Direito que não seria moral nem completamente imoral. Para entender tal observação, é preciso ter em mente que fora do domínio da moral há sim o “imoral”, mas também existe aquilo que é apenas indiferente às normas morais, isto é, o “amoral”. Kelsen concluiu o encadeamento de seu pensamento acerca da dualidade entre Direito e Moral afirmando que se todo Direito positivo, isto é, em vigência, fosse bom e, portanto, justo, nada existiria que pudesse ser mau. No entanto, se assim o fosse, o raciocínio jurídico, de caráter propriamente dicotômico, não versaria sobre o que é lícito ou ilícito, justo ou injusto.


[2] A importância de Kant para o desenvolvimento da hermenêutica moderna foi reconhecida por alguns de doutrinadores clássicos, como Dilthey, Heidegger e Gadamer. Dilthey foi o primeiro a registrar a presença da filosofia kantiana no espaço de fundação da hermenêutica moderna. Em sua biografia de Schleiermacher, de 1860, Dilthey recapitula os estágios que levam de Kant a Schleiermacher, enfatizando a importância de alguns aspectos do texto A religião nos limites da simples razão para os desenvolvimentos subsequentes. Para este, o escrito de Kant sobre a religião é um marco na história da exegese bíblica e, por conseguinte, da hermenêutica:  "Este escrito de Kant constitui uma virada decisiva da compreensão da Sagrada Escritura. O fato, o dogma, o artigo de fé não são nada como tais; eles apenas são algo na medida em que aparece neles a ideia moral-religiosa. Levando-se rigorosamente a sério este princípio, também o conteúdo da Bíblia só pode ter seu valor nesta relação. A tarefa do doutrinário da religião é, portanto, relacionar cada passagem àquela ideia; ela tem de ganhar essa relação. Ao ganhá-la, entretanto, na medida em que o mais poderoso espírito desde Leibniz luta com o cabedal de ideias da Escritura, levanta-se aqui pela primeira vez desde a Reforma uma intuição básica da Escritura, a teologia bíblica do idealismo, com base na contraposição do mal radical e da santidade da lei moral.".


[3] A interpretação funda-se existencialmente na compreensão, não sendo esta que surge daquela. A interpretação não é tomada de conhecimento do compreendido, mas a elaboração das possibilidades projetadas na compreensão. Dado que a interpretação permanece sempre condicionada pela pré-compreensão do intérprete, o processo interpretativo é interminável, razão pela qual Heidegger, em vez de aspirar à objetividade, se limita a alertar a interferência de ideias ocasionais e conceitos populares, apelando simultaneamente a que se desenvolva a interpretação a partir das "próprias coisas".


[4] Hans-Georg Gadamer (1900-2002) é o autor que nos auxilia na “compreensão do compreender hermeneuticamente”. Nascido em Manburg, Gadamer é considerado um marco do pensamento filosófico do século XX. Professor de Habermas e dedicado ao pensamento de Platão, teve a obra Verdade e Método: traços fundamentais para uma hermenêutica filosófica reconhecida como a sua maneira de conceber a hermenêutica. Em tal concepção, o sujeito só se insere num plano hermenêutico, em termos práticos, na medida em que consegue situar-se no ponto de vista do seu interlocutor para compreender as suas posições.


[5] Foi o pensamento de Marx e Freud que serviram de partida para questionar a noção unitária de sujeito autônomo, que para muitos pensadores da tradição continental é ainda visto como o fundamento da teoria liberal do contrato social. Tais pensadores alavancaram a progressiva desconstrução do sujeito como um conceito central da metafísica. Ao explorar o inconsciente, Freud somou um argumento para as noções iluministas de subjetividade. E, entre os mais radicais estava Heidegger, cujo conceito de ser aí que deslocou todas as noções tradicionais de sujeito pessoal. Já Lacan inspirado em Heidegger e Saussure, construiu o modelo psicanalítico de Freud sobre o sujeito, em que o sujeito dividido é constituído por um duplo vínculo, ou seja, alienado pela jouissance quando este deixa o real, e, entra no imaginário (durante o estágio do espelho) e, separa do outro, quando esse entra no campo da linguagem, diferença e demanda no simbólico ou nome do pai. Althusser, Foucault e Bourdieu trataram o assunto como uma construção social. Portanto, o sujeito é uma construção ideológica. Dotado de subjetividade existe "sempre pronta" e é descoberta através do processo de interpelação.


[6] Entre o cogito exaltado de Descartes e o cogito humilhado de Nietzsche, a atestação de Ricoeur que expressa a confiança na capacidade que tem o homem de poder fazer sentido no mundo; afirma o primado do agir e inscreve-se na via aberta pelas hermenêuticas da suspeita. Para Ricoeur, a ideia de um «cogito quebrado» é o resultado da apropriação da mensagem fundamental das hermenêuticas de Nietzsche e de Freud, e estas impõem ao homem, que se assume como corpo finito movido por uma vontade, a dialética de atestação, do testemunho e da interpretação.


[7] É uma maneira reflexiva de interpretar dados com base em outras informações. A circularidade da interpretação não é mero método, mas o processo do círculo hermenêutico está presente em qualquer apreensão do conhecimento. O Círculo hermenêutico serve como argumento padrão para aqueles que desejam sustentar a autonomia das ciências humanas. Charles Taylor definiu assim o círculo: O que se tenta estabelecer é uma certa leitura de textos ou de expressões e as bases a que se recorre para essa leitura só podem ser outras leituras. O círculo também pode ser formulado mediante as relações entre a parte e o todo: tentamos estabelecer a leitura do texto como um todo e para isso recorremos a leituras de suas expressões parciais; mas como estamos lidando com significado e com atribuição de sentido, em que as expressões fazem ou não sentido apenas em relação a outras, a leitura das expressões parciais depende da leitura das outras e, em última análise, da leitura do todo (Taylor, 1985, p. 18). Taylor, C. (1985), “Interpretation and the sciences of man”.  In: ______. Philosophical papers. Vol. 2: Philosophy and the human sciences. Cambridge, Cambridge University Press.


[8] Mas, além disso, se Aristóteles obtém alguma instância que preenche as condições de, então não apenas refuta a negação forte do princípio primário, mas também aponta para um tipo de necessidade de re (e não apenas de dicto), como em, justamente aquilo que foi chamado de  “essencialismo aristotélico” e que constitui precisamente o objeto central da Metafísica, ou seja, as essências (ou jsivai) enquanto sentido focal  para os múltiplos sentidos do ser, ligando assim a análise do princípio primário de todo discurso declarativo possível com o tema primordial para a ciência do ente enquanto ente e suas propriedades intrínsecas.


[9] Aristóteles subordina sua ética à política, acreditando que na monarquia e na aristocracia se encontraria a alta virtude, já que esta é um privilégio de poucos indivíduos. Também diz que na prática ética, nós somos o que fazemos, ou seja, o Homem é moldado a medida em que faz escolhas éticas e sofre as influencias dessas escolhas. O Mundo Essencialista é o mundo da contemplação, ideia compartilhada pelo filósofo grego antigo Aristóteles.  No pensamento filosófico dos antigos, os seres humanos aspiram ao bem e à felicidade, que só podem ser alcançados pela conduta virtuosa. Para a ética essencialista o homem era visto como um ser livre, sempre em busca da perfeição. Esta por sua vez, seria equivalente aos valores morais que estariam inscritos na essência do homem. Dessa forma – para ser ético – o homem deveria entrar em contato com a própria essência, a fim de alcançar a perfeição.


[10] Símbolo é termo no contexto hermenêutico que designa um modo específico de funcionamento da linguagem. Aquele que em não sendo claro e unívoco, necessita de tradução hermenêutica. O símbolo refere a dupla intencionalidade da linguagem, conforme lembra Paul Ricoeur, o representante da hermenêutica contemporânea e o que mais deu atenção à problemática envolvendo as relações entre linguagem, símbolo e interpretação. O filósofo inclusive define um por meio do outro, o campo do símbolo e da interpretação.


[11] A utilização do termo "dasein" é contemporânea, surgindo como fenômeno, ou seja, algo que se mostra a si mesmo. Assim, no sentido de ser-no-mundo. Onde “Ser” e “não Estar”, no sentido de existência e coexistência e, não de permanência e passagem. O Dasein é o lugar para começar a responder a questão sobre o ser porque ele, diferente dos outros tipos de entidades, sempre tem uma compreensão do ser: entes humanos são entes para quem as entidades são manifestas em seu modo de ser. Isso não significa que nós já temos uma concepção desenvolvida sobre o que é ser (se tivéssemos, haveria pouco para Heidegger e Ser e tempo realizarem), mas, em vez disso, nossa compreensão é em grande medida implícita e pressuposta, o que Heidegger chama de “pré-ontológico”. Uma vez que o Dasein tem uma compreensão do ser, ainda que implícita e não temática, Heidegger argumenta que a ontologia fundamental deve começar com a tarefa de interpretar ou articular essa compreensão pré-ontológica do ser. Fazer isso fornecerá uma primeira passagem para responder a questão do ser em geral, uma vez que compreender o Dasein, ou seja, o que é ser o tipo de ente que somos, pressupõe compreender o que compreendemos, ou seja, o ser.


[12] Preconceito é expressão-chave da hermenêutica de Gadamer da finitude. Com esta o filósofo alemão efetua uma crítica severa dos pressupostos cientistas da hermenêutica filosófica, que se desenvolveu no Romantismo e do Historicismo. O fio condutor desta hermenêutica, dita científica, era a ideia metodológica moderna segundo a qual compreender o texto seria reconstruir objetivamente intenção do autor, evitando toda a intromissão dos dados subjetivos ou pressupostos do intérprete.


[13]  À hermenêutica contemporânea cabe, sobretudo, perceber como toda a interpretação singular é finita; é uma apropriação limitada do sentido simbólico, que reduz por definição a determinação múltipla do sentido traduzindo-a numa grelha de leitura que lhe é própria.  Cabe-lhe, ainda, revelar como reduzir não significa, no entanto, anular todo o significado potencial do símbolo. Apenas suspendê-lo, isto é, partir de pressupostos que determinam um ponto de vista específico e a sua coerência.


[14] Na lição de José de Oliveira Ascensão, os princípios são como “grandes orientações que se depreendem, não apenas do complexo legal, mas de toda a ordem jurídica”. Os princípios estruturam o ordenamento, gerando consequências concretas, por sua marcante função para a sociedade.  E não restam dúvidas que a afetividade constitui um código forte no Direito Contemporâneo, gerando alterações profundas na forma de se pensar a família brasileira. Vejamos três consequências pontuais, perceptíveis nos últimos anos.


[15] Este entendimento assume papel decisivo em sua teoria já que os princípios são conceituados por ele como “mandados de otimização”, sendo que mandados (proibição e permissão) fazem parte da deontologia, ou seja, fazem parte do que é obrigatório. Desde logo se vê, portanto, que os princípios são tratados já como uma categoria deontológica, e não axiológica ou antropológica. Diante disso, podemos considerar que regras e princípios são normas, uma vez que ambos dizem o que deve ser. Os princípios, como as regras, são fundamentos para os casos concretos, mas com aplicações distintas.


[16] O prestigiado doutrinador e professor Flávio Tartuce informa que é comum se afirmar que o afeto tem valor jurídico e, além, que foi promovido à condição de autêntico princípio geral. Conforme pondera a juspsicanalista Giselle Groeninga, "o papel dado à subjetividade e à afetividade tem sido crescente no Direito de Família, que não mais pode excluir de suas considerações a qualidade dos vínculos existentes entre os membros de uma família, e forma que possa buscar a necessária objetividade na subjetividade inerente às relações(...)". Deve-se alertar que afeto não se confunde com amor. Afeto significa a interação ou ligação entre pessoas que pode ter carga positiva ou negativa. O afeto positivo é, por excelência, o amor. Já o negativo é o ódio.  A afetividade é um dos princípios do direito de família brasileiro que está implícito no texto constitucional, explícito e implícito no Código Civil brasileiro bem como em outras regras do ordenamento jurídico pátrio. In: TARTUCE, Flávio. O Princípio da Afetividade no Direito de Família. Disponível em: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/121822540/o-principio-da-afetividade-no-direito-de-familia Acesso em 14.4.2019.


[17] O afeto possui concepção bastante ampla que envolve a História, a Filosofia, a Psicanálise (especialmente Freud e Lacan) e, também a Literatura. "Afeição é usado filosoficamente em sua maior extensão e generalidade, porquanto designa todo estado, condição ou qualidade que consiste em sofrer uma ação sendo influenciado ou modificado por ela" Abbagnano.  Implica, portanto, em uma ação sofrida. Diz-se que um metal é afetado pelo ácido, e que alguém tem uma afecção pulmonar, mas as palavras afeto e paixão são reservadas aos humanos. Ficou em Freud a noção de afeto fora da referência de consciente.  Mas o próprio Freud pergunta: "É legítimo falar de afeto inconsciente?" Ele se recusa a estabelecer um paralelo com o afeto dito inconsciente (sentimento de culpabilidade do inconsciente, por exemplo) e as representações inconscientes.  Na obra de Lacan, podemos agora afirmar que em sua longa e profunda inserção na questão do gozo, o afeto está sempre presente. Ele faz inclusive uma separação entre uma série de afetos de um lado e de outros aqueles que se encontram no gozo. Lacan faz ainda importante observação sobre a temporalidade dos afetos, quando lembra que eles duram apenas um momento, enquanto o gozo estrutura o sujeito. Isto para Lacan constitui o caráter limite e paradoxal da angústia: ao mesmo tempo em que procedendo afeto, ele toca o gozo.


[18] Em um de seus mais importantes textos jurídicos, O Saber Crítico e Senso Comum Teórico dos Juristas, escrito em 1982, Warat destacou dois momentos decisivos para a elaboração de um discurso crítico na ciência jurídica: "primeiro,  pela substituição do controle conceitual pela compreensão do sistema de significações; e segundo, pela introdução  da temática do poder como forma de explicação do poder social das significações, proclamadas científicas".  Ainda, constatou que "o conhecimento, na medida em que é purificado pela razão, limita, maldosamente a percepção  dos efeitos políticos das verdades".


[19] Habermas detalhou como se dá o processo de construção de uma relação que, segundo o filósofo, poderíamos chamar de consensual.  Na medida em que um confia e aceita o discurso do outro, entram em vigor as obrigações que são uma consequência do passo anterior.  a) Se o discurso for de ordem e instrução, o outro deve proceder seu cumprimento, como, por exemplo, seguir as prescrições do médico ou as orientações do agente de saúde. b) Se forem promessas e declarações evidenciadas, seu cumprimento deve ser executado pelo falante, no caso do médico ou do agente de saúde em proceder os respectivos encaminhamentos, como a realização de exames, por exemplo. c) No caso de acordos e contratos, os dois lados, isto é, falante e ouvinte, devem cumpri-los. Exemplificando, o médico ou o agente de saúde prescrevem e orientam os procedimentos e com isso geram expectativas que, se cumpridos estes procedimentos se obterá determinados resultados, e no caso do paciente, este deverá seguir e praticar as orientações do profissional da saúde. d) As recomendações e advertências com teor normativo também devem ser cumpridas pelas duas partes. Por exemplo, tanto o profissional da saúde como o paciente devem seguir as normatizações de controle de saúde existentes diante de determinadas moléstias.


[20] A hermenêutica integra assim o conflito das interpretações.  Este revelamos como toda a interpretação é uma leitura limitada e coerente no interior da sua própria perspectiva que, por isso mesmo, pressupõe, conceitos operatórios fundamentais que inscrevem, ao serem explicitados, numa das interpretações a linha de sentido desenvolvida pela outra. E, isto o que significa é o seguinte: se a coerência de toda a interpretação exige uma certa suspensão do conflito que a suscita, isto é, uma redução da polissemia inicial do símbolo, pela sua tradução para um determinado contexto, esse facto não implica que o conflito tenha sido anulado.


[21] O Poder no Estado Moderno, particularmente no Brasil, divide-se em Legislativo, tido como a expressão máxima do poder popular e que cria as leis e as regras que são dirigidas a todos, o Executivo, o órgão responsável pela execução das leis e da direção central da nação, também eleito pelo povo e o Judiciário que é repositório da legislação, com a função de intérprete e guardião das normas e princípios norteadores do Estado Democrático de Direito. Aperfeiçoando tal conceito, Canotilho pressupõe não apenas uma divisão horizontal, mas também uma separação vertical dos poderes, como princípio básico do federalismo e a separação em União, Estados e Municípios. A análise retoma a ideia funcional dos entes de governo como complexos orgânicos com regimes de competências definidos, estas sendo separadas e interdependentes.


[22] A teoria Checks and balances também conhecida como freios e contrapesos desenvolvido por Montesquieu, retratando as particularidades do Poder, outrora centralizado apenas na figura monarca, teve sua mudança após a obra "Espírito das Leis" cogitando como se deu o progresso e evolução dos poderes, sendo tais poderes independentes e harmônicos entre si.


[23] Accountability é termo da língua inglesa que pode ser traduzido como responsabilidade com ética, e que remete à obrigação, à transparência, de membros de um órgão administrativo ou representativo de prestar contas as instâncias controladoras ou a seus representados. É um conceito da esfera ética dotado de significados variados. Frequentemente é usado em circunstâncias que denotam responsabilidade civil, imputabilidade, obrigações e prestações de contas. Em administração, a accountability é considerado um central aspecto da governança, tanto na esfera pública como na privada, como controladoria ou contabilidade de custos.


[24] O Estado Democrático de Direito concilia, em verdade, o Estado Democrático e o Estado de Direito, mas não consiste apenas em reunião formal dos elementos desses dois tipos de Estado. Revela, em verdade, um conceito novo que incorpora os princípios daqueles dois conceitos, mas os supera na medida em que agrega um componente revolucionário de transformação do status quo.  O Brasil se constitui um Estado Democrático de Direito não como mera promessa de organizar tal Estado, pois a Constituição o está expressamente proclamando e fundando.  O Democrático qualificando o Direito e, não o Estado.


[25] O Estado Democrático de Direito foi acolhido pela Constituição Brasileira vigente que reside em seu primeiro artigo, como sendo o conceito-chave do regime adotado. E, comparativamente também a Constituição da República portuguesa o faz, em seu artigo 2º e o Estado Social e Democrático adotado no primeiro artigo da Constituição espanhola. Aliás conforme J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, a Constituição da República portuguesa anotada 2. ed., v.1. p.73, a doutrina lusitana e espanhola e também a alemã sobre o Estado Democrático de Direito já fornece uma configuração desse conceito que, foi, por certo, o que tanto influenciou a Constituinte brasileira a acolhê-la.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Privilégio Princípio da Afetividade Direito Contemporâneo CC CF

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