Judicialização da política ou ativismo judicial em face da pandemia de Covid-19
Ao contrário que afirmam alguns doutrinadores, o ativismo judicial[1] é presente no mundo jurídico contemporâneo, olvidando-se que a jurisdição se notabiliza por ser poder inerte, sendo instado a pronunciar-se sobre demandas que em geral envolve o descumprimento dos deveres do Estado para seus cidadãos. O texto destaca também a atuação do Judiciário em face da pandemia de Covid-19.
Vige uma encardida poluição semântica
sobre o termo “ativismo”, por vezes, se referindo a distintos fenômenos e,
outras vezes, para legitimar decisões judiciais somente em razão de seu
resultado.
Não se trata de inadequada invasão
apenas na esfera legislativa, mas também, do executivo, notadamente na
Administração Pública[2]. Há quem encare o ativismo
como insidiosa incursão sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente
atribuídas aos outros Poderes.
Por ativismo judicial deve-se entender o
exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo
ordenamento jurídico que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer
atuar, resolvendo o litígio de caráter subjetivas (conflito de interesses) e
controvérsias jurídicas de natureza objetiva[3] (conflitos normativos).
Robert Alexy[4] ensina oportunamente que
os princípios têm como característica fundamental o fato de que estes são
normas que ordenam que algo seja feito em sua máxima possibilidade dentro das
possíveis situações jurídicas e fáticas existentes, sendo mandamentos de
otimização, ou seja, a satisfação proveniente dos princípios não depende apenas
de possibilidades fáticas, mas também de possibilidades jurídicas.
Há evidente sinalização negativa no
tocante às práticas ativistas, por importarem na desnaturação da atividade
típica do Poder Judiciário, em detrimento demais Poderes.
A premência vivenciada por toda
sociedade nos últimos meses em face da pandemia de Covid-19, evidenciou ainda
mais a inefetividade do Poder Legislativo em razão da morosidade do processo
legislativo e o papel figurativo do Poder Executivo. A falta de protagonismo e
de efetividade dos poderes políticos causa a expansão expressiva da atividade
jurisdicional que vem atuar numa conduta ativista e garantidora de direitos e
de garantias sobre as políticas públicas brasileiras.
Infelizmente, a crise extrapola o âmbito
sanitário e, reverbera nas áreas da economia, educação, liberdades e garantias
individuais, entre outras, requerendo uma alteração comportamental de todos os
envolvidos.
Portanto, se faz necessário mudanças
relativos aos hábitos de higiene, festividades e turismo e, também, ao
comportamento de autoridades públicas que devem atuar com transparência e
publicidade em face dos administrados. Principalmente no sentido de “dar o
exemplo” na conduta e no respeito às medidas sanitárias indispensáveis para
evitar a transmissão do Covid-19.
Lembremos que é impossível caracterizar
uma decisão judicial que utiliza efeito aditivo que implementa política
pública, ou ainda, que anula atos administrativos como mero ativismo judicial.
Christopher Wolfe[5] afirma que o ativismo
judicial é uma questão de tensão entre judicial review e self
retraint. Assim, na medida em que se incrementava o campo da incidência da judicial
self restraint, recrudescia o ativismo judicial.
Constantemente constata-se que o
ativismo judicial está nos debates contemporâneos. Porém, não aquele ativismo
clássico existente do tempo do Chief of Justice Earl Warren[6] que presidiu a Suprema
Corte dos EUA. Pois, naquele tempo, Warren defendera a atuação da Suprema Corte
em defesa e na implantação das diretrizes constitucionais traçadas em emendas e
que não eram devidamente observadas pelos Estados-membros.
Afinal, o ativismo clássico não
objetivava acrescer na ordem jurídica, mas acrescentar na política pública (welfare
policies) as obrigações visando a dar incremento ao programa
constitucionalmente confiado ao Poder do Estado.
O caso mais famoso é Brown versus
Board of Education, no qual a Corte Warren deliberou que alunos negros e
brancos tinham igual direito de acesso à educação, sem qualquer distinção em
razão da cor da pele. Warren não enfrentou, em verdade, o argumento que negros
e brancos eram iguais, porque havia certa hostilidade quanto à eliminação da
escravidão em alguns Estados-membros. A análise situava sobre a perspectiva do
direito à isonomia de condições no ensino público.
Outra fase da Suprema Corte dos EUA
remonta ao período que fora presidida por Oliver Wendell Homes Jr., que é
considerado precursor da escola do pragmatismo[7], observando-se em seus
relatórios e votos a forte preocupação com previsibilidade que o cidadão espera
e busca no sistema legal e de justiça.
Num caso concreto famoso correspondente ao julgamento de Lochner versus New York 198 US[8]., Holmes votou dissidente, considerando em seu voto a consequência econômica que a decisão da Suprema Corte produziria no sistema empresarial, dirimindo a impossibilidade de se alterar o ordenamento jurídico por meio da decisão jurisdicional. Talvez, este seja o primeiro exemplo de autocontenção judicial ou judicial self-restraint.
A decisão da Suprema Corte em Lochner versus
Nova York foi criticada por juristas. O professor de Direito Bernard Siegan o
descreveu como "um dos casos mais condenados da história dos Estados
Unidos". E. segundo o Center for American Progress, tanque
ideológico de esquerda, os professores de Direito costumam usar Lochner,
juntamente com Plessy versus Ferguson e Korematsu versus United
States, como exemplos de "como os juízes não devem se comportar".
Lochner é, às vezes, usado como uma
abreviatura para a teoria constitucional de extrema direita. No entanto, tem sofrido duras críticas de
juristas conservadores e libertários também desde que Lochner adotou o devido
processo legal substantivo, uma doutrina que estava possivelmente em conflito
com o entendimento original da Constituição.
Por exemplo, o conservador acadêmico jurídico Robert Bork[9] chamou a decisão de "abominação" e "quintessência da usurpação judicial do poder". Da mesma forma, o ex-procurador-geral Edwin Meese[10] disse que a Suprema Corte "ignorou as limitações da Constituição e usurpou descaradamente a autoridade legislativa".
Bernard Siegan[11], um autodenominado libertário, descreveu-o como "um símbolo de abandono judicial e abuso". No entanto, a decisão também atraiu defensores de libertários: o Cato Institute e os estudiosos Richard Epstein[12] e Randy Barnett[13], que argumentam que ela protegeu corretamente a liberdade econômica.
Em nosso país, há um conjunto de
decisões ativistas que incutiram a crença de que cabe ao Poder Judiciário
colmatar o ordenamento jurídico quando seja omisso ou falho quanto à
regulamentação do exercício de direitos. O grande embaraço é que representa um
caminho sem retorno, pois aos poucos, o Judiciário assume o poder político concentrado
no Legislativo e, passa, não a buscar a concretização das determinações
constitucionais, mas sim, a inovar no ordenamento jurídico.
A principal questão que é imposta
refere-se à reciprocidade das decisões judiciais, e sua repercussão, eis que
são tomadas com base no voto de juízes singulares, colegiados de três ou cinco
membros, ou ainda, no caso da plenária do Supremo Tribunal Federal, composta
por onze ministros[14].
Ressalte-se que a representatividade é
nula, pois os ministros da Suprema Corte não foram eleitos, e suas decisões não
possibilitam a discussão consensual das repercussões de votos e do caminho que
é adotado, os seus reflexos econômicos e, ainda, o ensejo democrático.(In:
QUINAIA, Cristiano A. Judicial self-restraint: relacionamento do
judiciário com políticas públicas. Disponível em: https://www.megajuridico.com/judicial-self-restraint/
Acesso em 11.1.2021).
Exemplificando, há o julgamento do Recurso
Extraordinário 363889, sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli, decidiu-se
que, após vinte anos do trânsito em julgado de decisão que negou o
reconhecimento da paternidade, era possível reabrir o caso, para a realização
do moderno no exame de DNA.
Nesse caso, foram vencidos o Ministro
Marco Aurélio e o Ministro César Peluso. Ambos fizeram autocontenção, ao
sustentarem que o efeito prático da decisão seria nenhum, porque não poderia o
Judiciário coagir o suposto pai ao exame de DNA. Também afirmou que não poderia
o Judiciário mitigar a coisa julgada que é garantia soberana de segurança.
Enfim, para estabelecer a justiça no
caso, o STF afastou a coisa julgada, ou seja, renunciou a garantia soberana da
coisa julgada e seu efeito pacificador em prol da segurança jurídica.
Convém relembrar que o artigo 139, IV
CPC/2015 outorgou aos juízes o poder de determinar medidas executivas atípicas
para implementação de suas decisões. Trata-se de cláusula aberta[15] que instiga à imaginação
de decisões capazes de causar prejuízo irreversível aos jurisdicionados, como é
o caso da suspensão de carteira de habilitação, de alvará de funcionamento e
até bloqueio de CNPJ.
Em 2018, o Congresso Nacional aprovou
reforma da LINDB (Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro) para
dispor sobre barreiras à atividade jurisdicional, bem como, impondo que ao
decidir os magistrados igualmente fundamentem a consequência de sua decisão, ou
seja, quem e o quê são atingidos por esta (vide o artigo 20 na redação dada
pela Lei 13.655/2018).
Não se trata de cercear ou coibir a
atividade jurisdicional, mas afixar o pragmatismo como ferramenta de autocontenção
e de autoanálise do próprio Judiciário, seguindo a doutrina inaugurada por
Oliver Wendell Holmes Jr.
Na dicção de Mark Tusner[16] o próprio controle de
constitucionalidade gera um problema para o constitucionalismo porque para
impor limites ao poder governamental, o controle é feito em detrimento do
autogoverno do povo sobre seus atos.
Identifica-se três grandes fases do desenvolvimento da judicial review. A primeira decorre do advento da Constituição até o surgimento efetivo da judicial review, por meio do Marbury versus Madison[17].
A segunda fase tem caráter nitidamente
mais restritivo sendo marcada por declínio da judicial review e por uma constante
utilização do original controle de constitucionalidade.
A terceira fase consolida-se
principalmente a partir da segunda metade do século XX com maior atuação da
Suprema Corte na proteção dos direitos assegurando, inclusive, aqueles que não
teriam previsão constitucional expressa. Tal fase também é marcada por decisões
que apregoavam a isonomia com o fito de eliminar discriminações raciais e
sexistas.
Cabe examinar a evolução do ativismo em
face do common law, investigando a relação do ativismo com a judicial review,
e institutos afins, tais como o legislative override /norwithstanding clause
do Canadá.
A Seção 33 da Carta Canadense de
Direitos e Liberdades faz parte da Constituição do Canadá. É comumente
conhecida como a cláusula independente ou la clausula nonobstant
(em francês) ou com poder de anulação que permite que o Parlamento ou
legislaturas provinciais anule temporariamente certas partes da carta
constitucional.
O Parlamento do Canadá, a legislatura
provincial ou legislatura territorial pode declarar que uma de suas leis ou
parte desta, se aplica temporiamente (não obstante) seções de contra-ordenação
da Carta, anulando assim qualquer revisão judicial ao anular as proteções da
Carte por um período ilimitado período de tempo.
No entanto, os direitos a serem anulados
devem ser um direito fundamental garantido na Seção 2 (tais como a liberdade de
expressão, religião e igualdade). Outros direitos, como a Seção 6 prevê como os
direitos de mobilidade, direitos democráticos e direitos de linguagem são
invioláveis.
Tal declaração caduca após cinco anos ou
menos especificado na cláusula, embora o legislador possa reeditar a cláusula
qualquer número de vezes. A justificativa por trás de uma data de expiração de
cinco anos é que também é o período máximo de tempo que o Parlamento ou a
legislatura podem se reunir antes de uma eleição ser convocada.
Portanto, se o povo deseja que a lei
seja revogada, ele tem o "direito" de eleger representantes que irão
realizar a vontade do eleitorado. (As
disposições da Carta que tratam das eleições e da representação democrática
(§§3–5) não estão entre as que podem ser anuladas pela cláusula não obstante
(§§2,7–15).)[18]
A cláusula de não obstante reflete o
caráter híbrido das instituições políticas canadenses. Na verdade, ele protege
a tradição britânica de supremacia parlamentar sob o sistema americano de
direitos constitucionais escritos e tribunais fortes introduzidos em 1982.
O ex- primeiro-ministro Jean Chrétien[19] também o descreveu como
uma ferramenta que poderia proteger contra uma decisão da Suprema Corte
legalizar o discurso de ódio e a pornografia infantil como liberdade de
expressão.
Legislative override ou Nortwithstanding clause constitui as designações
doutrinárias para descrever o dispositivo na Seção 33, da Canadian Charter
of Rights and Freedoms. Desta forma, por meio da legislative override,
o Parlamento possui a possibilidade de imunizar a lei em relação a uma decisão
de inconstitucionalidade pelo prazo renovável de cinco anos. Já a Nortwithstanding
clause tem sido raramente utilizada, em sua força pleno pelo Parlamento
Canadense.
Contudo, sua presença criou um
diferenciado sistema de judicial review (weak judicial review – fraca
revisão judicial), em que o Parlamento dialoga com maior frequência com o
Judiciário para se definir o alcance e a inconstitucionalidade de determinadas
leis.
O jurista norte-americano é favorável a
uma modalidade moderada de judicial activism, mediante a qual a judicial
review seria utilizada para proteger direitos individuais, resguardar
minorias, impulsionar reformas sociais, e liminar discriminações ilegais, bem
como fulminar as leis inconstitucionais.
Há, portanto, o ativismo na dimensão
macroestrutural e na micro (decisória). Nessa última dimensão, o ativismo
consiste na suspensão da legalidade (CF+ lei) como critério decisório por um
voluntarista que pode ser puramente ideológico, econômico, religioso, moral e,
etc.
Por outro viés, na dimensão macro ou
estrutural, o ativismo traz a caracterização do fenômeno da juristocracia ou a
própria supremacia judicial.
Portanto, a dimensão macro do ativismo
(doravante, ativismo judicial material), refere-se à provimentos judiciais de
natureza final envolvendo a concretização de direitos materiais invocados em
juízo, um fenômeno contemporâneo que pode ser verificado em pronunciamentos de
qualquer Tribunal do Poder Judiciário, especialmente os de cúpula, como é o
caso do Supremo Tribunal Federal brasileiro. Além disso, segundo a doutrina, o
ativismo judicial material é fruto de uma postura puramente ideológica do
julgador.
Já a dimensão micro do ativismo judicial,
ou seja, ativismo judicial no ritualismo processual, refere-se aos
pronunciamentos judiciais (despachos de mero expediente e decisões
interlocutórias) que resolve matérias envolvendo a marcha processual. Tal
fenômeno da experiência brasileira pode ser verificado, especialmente, nos
pronunciamentos dos juízes de primeira instância, tanto titulares quanto
substitutos.
Desta forma, sua principal diferença com
o ativismo material está em suas causas, pois o ativismo no ritualismo
processual, embora se relacione com o neoprocessualismo[20], é resultado da presença
de resquícios funcionais do CPC de 1973 (Lei nº 5.689, de 11 de janeiro de
1973, revogada pela Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, que entrou "em
vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial",
conforme art. 1.045) e de duas das inovações trazidas pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004 (EC 45/2004), uma de fato e outra de direito,
quais sejam:1º) a positivação do direito fundamental à celeridade processual;
2º) e a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)[21].
Conforme, esclarece Paulo Sérgio Souza
Andrade (2014) in litteris:
"... a EC 45/2004 promoveu
um redesenho institucional do Poder Judiciário brasileiro, ao instituir uma
política de incentivos negativos, consubstanciada em punições cominadas à
magistratura em razão da baixa produtividade. O CNJ, além do controle externo,
também fomenta o controle social, visto que recebe e apura reclamações e
denúncias contra magistrados da sociedade civil. Com efeito, a relação jurídica
havida entre o Estado e juiz não pode mais ser concebida como uma relação de
presentação, como tradicionalmente se concebe, mas sim como uma relação de
mandato. Vale dizer, o magistrado não pode ser mais tido apenas como a
personificação do Estado, mas, acima de tudo, como um representante do Estado,
em nome de quem age. Destarte, de acordo com a visão tradicional, o juiz seria
um órgão investido de parcela do poder jurisdicional do Estado, a fim de
promover a pacificação social. Hoje, todavia, resta mais claro que o juiz é um
agente público como os demais, com a particularidade de funcionar em nome do
Estado, praticando atos e administrando interesses da justiça, o que
justificaria os poderes e as prerrogativas adquiridos em função do cargo que
titulariza e do encargo recebido." In: ANDRADE, Paulo Sérgio Souza.
Ativismo Judicial no ritualismo processual. Direito Público. v.10, n.57, p. 09-26.
Acesso em 10.1.2021.
Assim, ocorre o gigantismo do Judiciário
em face dos demais poderes instituídos. Obviamente sempre o STF realiza o
controle de constitucionalidade e, ipso facto, julga inconstitucional a lei por
meio de ADIn, listando a interferir diretamente na esfera do legislativo.
Todavia, essa interferência pertence a
nossa engenharia constitucional. E, o referido controle além de ter sido
previsto pelo Poder Constituinte Originário, sendo regulamentado pela lei nos
termos da Constituição vigente.
Conclui-se, portanto, que a
interferência do Judiciário especialmente o STF em face do Legislativo e do Executivo,
sem autorização constitucional, configuram a invasão de competência e a
violação à separação de poderes, concretizando in casu, a faceta ou dimensão
macro do ativismo.
São paradigmáticas as decisões do STF
que determinaram, ainda em sede liminar, sobre o Presidente da Câmara e do
Senado.
O STF vem modificando seu entendimento
hermenêutico na direção de decisões mais criativas, valorativas e inovadoras de
direitos e de posições jurídicas fundamentais, o que demonstra ser uma inserção
transformativa no papel do Direito e no papel da Corte dentro da nova ordem
política e democrática que emergiu com a Constituição brasileira de 1988.
Essa progressista postura hermenêutica
somada ainda aos seus novos poderes de decisão, principalmente, à ampla
eficácia vinculante de suas decisões, tem sido decisiva para o crescimento do
ativismo judicial, na tarefa de guardião da Constituição e dos direitos
fundamentais. In: CAMPOS, Carlis Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo
judicial no Supremo Tribunal Federal 2012.376.f Tese de Doutorado Curso de Pós-graduação
em Direito. Faculdade de Direito. Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), Rio de Janeiro, 2012).
Em 2019. o STF protagonizou importantes
decisões seja na esfera penal, social e econômica. O primeiro dos julgamentos
que começou em fevereiro e terminou em junho, quando o STF equiparou a
homofobia e a transfobia ao crime de racismo. A decisão gerou mal-estar com o presidente
atual e também com o Legislativo, que acusou a Corte de usurpar sua competência
ao criar um tipo penal. E, os membros do referido tribunal, entretanto,
defenderam que houve omissão do Congresso e que a decisão fora resultante de
mera interpretação da Constituição.
Merece destaque ainda, que o STF passou
a entender como delito de apropriação indébita tributária quando a empresa
deixa de quitar débitos de ICMS, mesmo se da dívida for declarada, e não houver
acusação de fraude. E, os críticos à decisão acusaram de ser a criação de tipo
penal e que abriu precedentes: prisão por dívida que é proibida pela
Constituição vigente.
Novamente na esfera penal, o STF teve
atritos com o Ministério Público. Na primeira derrota que impôs à Operação
lava-jato, o plenário decidiu que a Justiça Eleitoral é quem devem julgar
crimes comuns conexos com os eleitorais. Mais tarde, decidiu que, em ações em
que existam corréus delatatores e delatados, os delatados devem falar por
último. O mais julgamento, no entanto, terminou em novembro de 2019, quando o
STF decidiu que a execução da pena só deve ser feita após o trânsito em
julgado, derrubando a prisão depois da segunda instância e, colocando em
liberdade o ex-presidente Lula.
Noutra feita, o STF decidiu que a venda
do controle acionário de subsidiárias de estatais não exige lei específica e
nem de licitação tradicional. Na ocasião, a Corte ainda ressaltou que a venda
do controle acionário de estatais precisa seguir a dois critérios, a saber:
aval do Congresso Nacional e processo licitatório.
Tal decisão da Suprema Corte foi
considerada um verdadeiro marco para o bilionário plano do governo de
privatizações, que deve obter maior ênfase após a reforma da Previdência Social
e, atende ao que atual governo esperava, uma vez que permite assim modelo mais
flexível para as subsidiárias que são o principal foco da equipe econômica. O
entendimento também deve ser adotado por Estados e Municípios.
Os ministros discutiram as ADIs 5624,
5846, 5924 e 6029, que questionam dispositivos da Lei 13.303/2016, a chamada
Lei das Estatais. A lei trata do estatuto jurídico da empresa pública, da
sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos
estados, do Distrito Federal e dos municípios.
O STF invalidou pela primeira vez uma
mudança trazida pela reforma trabalhista de Michel Temer, a Lei 13.467/2017.
Por dez votos a um, o plenário decidiu pela inconstitucionalidade de
dispositivo que permite que grávidas trabalhem em atividades insalubres.
Os ministros entenderam que o artigo
394-A da Lei 13.467/2017 viola a proteção constitucional à criança e à
maternidade e a igualdade de gênero. Com isso, na prática, voltou a valer o
afastamento imediato em qualquer grau de insalubridade. A decisão foi tomada na
ADI 5.938, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos.
O ministro Marco Aurélio foi o único a votar em sentido contrário.
Nos votos, alguns ministros deram sinais
do que pensam sobre a reforma trabalhista, que é questionada em dezenas de
ações no STF ainda pendentes de julgamento. Este foi o segundo tema da reforma
julgado pelo Plenário – no ano passado, no entanto, a Corte decidiu
favoravelmente a ela: é constitucional o fim da contribuição sindical
obrigatória.
O atual Presidente da República sofreu
sua primeira derrota no STF, que suspendeu liminarmente parte de Medida
Provisória que extinguia dezenas de conselhos populares. O plenário decidiu que
o presidente não pode dissolver, por meio de decreto, conselhos e colegiados da
administração pública federal que foram criados por lei.
Com a decisão, o Presidente da República
só poderá extinguir os conselhos criados por decretos, portarias, atos de
outros colegiados ou qualquer outra norma infralegal. A extinção dos conselhos
constava da MP 870.
Em maio, o plenário do STF decidiu que
juízes não podem obrigar o poder público a fornecer medicamentos experimentais
ou sem registro na Anvisa, mas fixou critérios de excepcionalidades que poderão
ser analisadas pelo Judiciário. O caso começou a ser julgado em 2016. O Supremo
Tribunal Federal entendeu ainda que ações que demandem fornecimento de
medicamentos sem registro na Anvisa deverão ser necessariamente propostas em
face da União, já que se trata de um órgão federal.
Ficou estabelecido que é possível excepcionalmente
a concessão judicial de medicamentos sem registro sanitário em caso de mora
irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei
13.411 de 2016) quando preenchidos três requisitos, a saber: 1) a existência de
pedido de registro do medicamento no Brasil, salvo no caso de medicamentos
órfãos para doenças raras e ultrarraras; 2) a existência de registro do
medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; 3) inexistência de
substituto terapêutico com registro no Brasil.
Em outubro, o STF finalizou um
julgamento antigo que preocupava Estados, municípios, União e credores de
precatórios, e que afetou mais de 170(cento e setenta) mil processos no país.
Na ocasião, o plenário decidiu por
maioria que o IPCA-E deve ser utilizado como índice de correção monetária nos
débitos judiciais da Fazenda Pública, mesmo no período da dívida anterior à
expedição do precatório, entre 2009 e 2015. Foram 6 votos a 4, pelo índice de
correção mais favorável ao credor para correção de débitos contra a Fazenda
Pública que ainda estão sub judice.
A maioria dos ministros rejeitou a
modulação de efeitos que estados e União pediam para que a Taxa Referencial
(TR) fosse aplicada no período de 2009 a 2015 — e somente depois disso, o
IPCA-E. Os embargos começaram a ser julgados em dezembro de 2018 e foram
interrompidos duas vezes por pedidos de vista.
Em março, já havia sido formada maioria
de seis votos contra a modulação, mantendo o IPCA-E entre 2009 e 2015 nos
processos que tramitavam, antes mesmo da emissão do precatório, mas o ministro
Gilmar Mendes pediu vista.
A corrente vencedora foi inaugurada pelo
Ministro Alexandre de Moraes que era o relator, Ministro Luiz Fux votou pela
aplicação da TR no período. Para o Ministro Moraes, aplicar a TR seria contra a
segurança jurídica e o interesse social, e geraria uma sensação de “ganhou mais
não levou” para os credores. Em sua visão, a TR não repõe a perda de valor da
moeda.
Um tema que, ao contrário de muitos que
passam pelo tribunal, foi decidido de forma unânime, foi a constitucionalidade
do sacrifício de animais em cultos religiosos. Os ministros julgaram
improcedente um recurso que questionava lei estadual do Rio Grande do Sul que
permite a sacralização de animais em rituais religiosos, destacando as
religiões de matriz africana.
A sessão de 28 de março foi marcada por
discursos em defesa da liberdade religiosa e acompanhada de perto por
representantes de religiões de matriz-africana que, com vestes típicas,
ocupavam a maior parte das cadeiras no plenário. No fim do julgamento, os
presentes aplaudiram de pé a decisão.
O julgamento teve início ainda em 2018,
mas foi interrompido por pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso. Por
fim, a seguinte tese foi promulgada: “É constitucional a lei de proteção animal
que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício de animais
em religiões de matriz africana”.
O ano de 2020 foi um ano atípico e fora
assim mesmo para o Supremo Tribunal Federal. Antes, existiam as sessões
presenciais que passaram a se realizarem por meio videoconferência, o plenário
virtual aumentou a quantidade de julgamentos e, a Corte Suprema passou a ter
central atuação na pandemia da Covid-19, onde ações e omissões relacionadas com
a pandemia foram avaliadas.
O Tribunal Supremo deu aval para Estados
e Municípios agirem, proibiu campanhas pedindo o fim do distanciamento social,
determinou ações para proteger indígenas, restringiu operações policiais em
comunidades do Rio de Janeiro, garantiu a divulgação diária dos dados
epidemiológicos, revogou normas que limitavam o acesso à informação e, ainda,
validou acordos de redução salaria mesmo sem a participação sindicato.
Mereceram destaque dois inquéritos. Um
destes investiga o atual Presidente da República por suposta tentativa de ter
interferido politicamente na Polícia Federal. O segundo inquérito investiga as
ameaças e notícias falsas (Fake News) contra a Corte e seus ministros. A
referida investigação acabou atingindo aliados do governo e foi validade
plenamente pelo Plenário do STF, por maioria expressiva.
Logo no início de 2020, o governo se
encontrava no segundo ano de seu mandato e, também correspondeu aos primeiros
momentos da crise da pandemia do coronavírus no Brasil, o atual Presidente da
República passou a ser investigado, é o inquérito 4.831 que foi aberto depois
que uma das pessoas que tanto o ajudou a eleger, o ex-juiz Sérgio Moro, deu
declarações explícitas à imprensa de que o Presidente da República teria
tentado interferir na Polícia Federal em prol de objetivos pessoais.
No final de abril de 2020 estremeceram
as relações existentes entre a Presidência da República e o STF. Com o fim de anunciar e justificar sua saída
do governo federal, Moro chamou coletiva de imprensa em 24 de abril e, nessa
ocasião, afirmou que o presidente tentara ter alguém de seu contato pessoal na
Polícia Federal, para poder ligar e colher os relatórios de inteligência e que
demonstrou preocupação com os inquéritos que tramitam no STF.
Pouco tempo depois da referida coletiva,
o Procurador-Geral da República, Dr. Augusto Aras solicitou a abertura de
inquérito, em 27 de abril, o então decano da Corte, Ministro Celso de Mello
determinou a abertura da investigação da suposta ocorrência dos crimes de
falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa,
prevaricação, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada e, por parte
de Moro, denunciação caluniosa e crime contra a honra.
Em menos de trinta dias mais tarde, o
Ministro Celso de Mello liberou o vídeo da reunião ocorrida entre o Presidente
da República e seus ministros em 22 abril, ocasião onde foram falados mais de
quarenta palavrões entre outras injúrias de mau gosto. O encontro fora citado
por Moro em depoimento à Polícia Federal como sendo o momento crucial que
explicitou as interferências do presidente na instituição em benefício próprio
e da sua família.
Já em 5 de maio de 2020, o decano
determinou a oitiva de três nomes do primeiro escalão do governo atual, a
saber: os ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo); Augusto Heleno
(Gabinete de Segurança Institucional da Presidência); Braga Netto (Casa Civil).
E, ainda determinou que o planalto entregasse a cópia do material.
Somente em 8 de maio o governo entregou
o vídeo ao ministro relator, que decretou sigilo temporário do material. A
defesa de Moro solicitou a divulgação integral do vídeo. A AGU preferia que o
ministro Celso divulgasse apenas alguns trechos específicos. E, Aras opinou que
a liberação do vídeo seria dar palanque precoce às eleições de 2022.
Em 22 de maio, finalmente, a reunião foi
integralmente divulgada. E, o inquérito segue em tramitação na Suprema Corte,
que ainda precisa decidir quando o presidente deverá prestar depoimento
pessoal.
Em 15 de abril de 2020, o STF referendou
em liminar do Ministro Marco Aurélio Mello que decidiu que Estados e Município
possuem competência para tomar medidas com objetivo de conter a pandemia de
Covid-19. O STF definiu, nessa ocasião, que tais entes da federação podem
determinar quarentenas, isolamento, restrição de atividades, sem que a União
possa interferir no assunto.
A decisão fora proferida na ADI 6.341,
ajuizada pelo PDT, na qual o partido pedia a suspensão da Medida Provisória
925/2020 a respeito de procedimentos para aquisição de bens, serviços e
insumos. O PDT pedia a declaração de inconstitucionalidade da MP 926 editada
pelo Presidente em 20 de março por entender que a norma desrespeita o preceito
constitucional da autonomia dos entes federativos e foi editada com a
finalidade política de atingir os governadores.
Em 6 de dezembro de 2020, o STF julgou
inconstitucional a possibilidade de reeleição dos presidentes da Câmara e do
Senado. E, tal resultado impede que Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre
(DEM-AP) venham disputar a reeleição para os comandos da Câmara e do Senado, respectivamente.
O julgamento foi um dos mais relevantes
na seara política neste ano, já que impacta diretamente na sucessão do comando
do Congresso de 2021 a 2022. As Casas Legislativas esperavam aval para decidir
a questão internamente, mas não obtiveram sucesso. Votaram contra a
possibilidade de reeleição os Ministros Marco Aurélio, as ministras Rosa Weber
e Cármen Lúcia e os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Edson Fachin.
Ficaram vencidos os Ministros Gilmar
Mendes, que relatou o processo, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Nunes
Marques e Alexandre de Moraes. A Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.524 foi
movida pelo PTB contra possíveis interpretações dos regimentos internos da
Câmara que permitissem a reeleição de Maia e Alcolumbre.
Em duas ocasiões, o STF atuou para
limitar as operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro durante a
pandemia da Covid-19. Inicialmente, o ministro Edson Fachin concedeu uma
liminar em 5 de junho, para proibir o estado, sob pena de responsabilização
civil e criminal, de seguir com operações policiais nas comunidades do Rio de
Janeiro enquanto durar a pandemia do coronavírus, “salvo em hipóteses
absolutamente excepcionais, que devem ser devidamente justificadas por escrito
pela autoridade competente, com a comunicação imediata ao Ministério Público do
Estado do Rio de Janeiro”.
Em 5 de agosto, no plenário virtual, o
STF referendou a decisão. Já no dia 18 de agosto, o plenário do STF determinou,
por 7 votos a 3, algumas mudanças nas operações policiais em favelas do Rio de
Janeiro. A Corte fixou a restrição do uso de helicópteros em operações
policiais, o respeito a certas regras para operações em localidades próximas a
escolas, creches, hospitais ou postos de saúde e que os agentes de segurança
preservem todos os vestígios de crimes cometidos em operações policiais. Também
foi fixado que, sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes dos
órgãos de segurança pública na prática de infração penal, a investigação será
atribuição do Ministério Público competente, e não da corregedoria da própria
polícia.
Em duas ocasiões, o STF atuou para
limitar as operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro durante a
pandemia da Covid-19. Inicialmente, o ministro Edson Fachin concedeu uma
liminar em 5 de junho, para proibir o estado, sob pena de responsabilização
civil e criminal, de seguir com operações policiais nas comunidades do Rio de
Janeiro enquanto durar a pandemia do coronavírus, “salvo em hipóteses absolutamente
excepcionais, que devem ser devidamente justificadas por escrito pela
autoridade competente, com a comunicação imediata ao Ministério Público do
Estado do Rio de Janeiro”.
Em 5 de agosto, no plenário virtual, o
STF referendou a decisão. Já no dia 18 de agosto, o plenário do STF determinou,
por 7 (sete) votos a 3 (três), algumas mudanças nas operações policiais em
favelas do Rio de Janeiro.
A Corte fixou a restrição do uso de
helicópteros em operações policiais, o respeito a certas regras para operações
em localidades próximas a escolas, creches, hospitais ou postos de saúde e que
os agentes de segurança preservem todos os vestígios de crimes cometidos em
operações policiais. Também foi fixado que, sempre que houver suspeita de
envolvimento de agentes dos órgãos de segurança pública na prática de infração
penal, a investigação será atribuição do Ministério Público competente, e não
da corregedoria da própria polícia.
Em 8 de junho, o Ministro Alexandre de
Moraes determinou que o Ministério da Saúde mantivesse, de forma integral, a
divulgação diária dos dados epidemiológicos relativos à Covid-19 no site
oficial, como fazia até o dia 04 de junho, inclusive com “os números acumulados
de ocorrências”.
O governo havia decidido mudar o
critério de divulgação de casos e mortes. Além disso, o site do Ministério da
Saúde chegou a ficar fora do ar por um dia inteiro. A pasta também deixou de
fazer coletivas de imprensa diárias para divulgar os dados, que começaram a
sair cada dia mais tarde. Diante de um possível “apagão de dados”, o PSOL,
PCdoB e Rede ajuizaram a ADPF 690 no STF.
O Ministro Alexandre de Moraes acolheu o
pedido dos partidos para determinar a divulgação como era realizada
anteriormente. Na decisão, Moraes disse que a gravidade da emergência causada pela
pandemia da Covid-19, “exige das autoridades brasileiras, em todos os níveis de
governo, a efetivação concreta da proteção à saúde pública, com a adoção de
todas as medidas possíveis para o apoio e manutenção das atividades do Sistema
Único de Saúde”. Em sessão virtual realizada de 13 a 21 de novembro, o plenário
referendou a liminar de Moraes, por unanimidade.
Durante as primeiras semanas da pandemia
no Brasil, o governo federal publicou no Diário Oficial da União várias medidas
provisórias relacionadas ao combate à disseminação da Covid-19. Muitas foram
questionadas no STF, como foi o caso da MP 926 e também da MP 966. Esta última,
publicada em 15 de maio, isentava agentes públicos de responsabilização por
erros que viessem a cometer ao lidar com a crise sanitária e econômica em
decorrência da pandemia.
De acordo com o texto da MP, os agentes
públicos somente poderiam ser responsabilizados nas esferas civil e
administrativa “se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro” pela
prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as ações de
enfrentamento do coronavírus.
Dias mais tarde, no entanto, o STF
restringiu a abrangência do texto, definindo que a expressão “erro grosseiro”
deve ser lida como não a não observância dos critérios científicos e adotados
por organizações reconhecidas nacional e internacionalmente, especialmente a
Organização Mundial de Saúde (OMS). O julgamento, que se deu em 21 de maio,
incluiu, ainda, na tese a atenção aos princípios constitucionais da precaução e
da prevenção, sob pena de os agentes públicos que ignorarem tais critérios se
tornarem corresponsáveis por eventuais violações de direitos.
A MP 966 gerou reação da sociedade civil
e de setores de oposição ao governo. Em poucos dias, seis ações foram
apresentadas à Corte: ADI 6.421, ADI 6.422, ADI 6,424, ADI 6.425, ADI 6.427 e
ADI 6.428 dos partidos Rede Sustentabilidade, Cidadania, PSL, PCdoB, PDT, e da
Associação Brasileira de Imprensa (ABI), que apontavam que a medida do governo
federal seria, para além de um relaxamento da responsabilização, um salvo
conduto à administração pública. Os termos usados, inclusive nas sustentações
orais, apontam para uma anistia, uma blindagem a toda e qualquer atuação
estatal no âmbito das medidas contra o coronavírus.
Em 8 de julho, o Ministro Luís Roberto
Barroso determinou que o governo federal adotasse uma série de medidas para
conter o contágio e a mortalidade por Covid-19 entre a população indígena. Em 5
de agosto, o plenário do STF referendou a decisão.
Entre as medidas estão: elaboração de um
planejamento com a participação das comunidades, ações para contenção de
invasores em reservas e criação de barreiras sanitárias no caso de indígenas em
isolamento (aqueles que por escolha própria decidiram não ter contato com a
sociedade) ou de contato recente (aqueles que têm baixa compreensão do idioma e
costumes), acesso de todos os indígenas ao Subsistema Indígena de Saúde e
elaboração de plano para enfrentamento e monitoramento da Covid-19.
A decisão foi proferida na ADPF 709,
ajuizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e seis partidos
políticos (PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PT, PDT), em que se apontou omissão do
governo federal no combate à Covid-19 entre os indígenas. Na decisão, Ministro
Barroso disse que “tem-se verificado grande resistência no governo quanto à
concretização dos direitos dos povos indígenas”, citou falas do Presidente da
República contra políticas a indígenas e chamou a atenção para a gravidade de
desmatamento e garimpo ilegal em terras indígenas.
Por 9 (nove) votos a 1 (um), o plenário
do STF suspendeu todo e qualquer ato do Ministério da Justiça e Segurança
Pública (MJSP) que autorize ou produza relatórios sobre a vida pessoal e
escolhas políticas de cidadãos que estejam dentro da lei. Em julho, a imprensa
revelou a existência de um documento sigiloso sobre 579 (quinhentos e setenta e
nove) servidores que se intitulavam antifascistas e que se opunham ao governo
do Presidente da República. Em 20 de agosto, os dossiês produzidos pela pasta
foram proibidos.
O julgamento foi marcado por duras
manifestações dos ministros contra o governo, destacando que usar o sistema de
inteligência para mapear opositores e posições políticas de cidadãos configura
desvio de finalidade. Ministros disseram que a prática de listar inimigos do
regime é prática de governos autoritários, e que isso é vedado pela
Constituição. Outros ainda destacaram a má qualidade do relatório, que se
baseou em postagens em redes sociais.
A existência do documento, produzido
pela Secretaria de Operações Integradas (Siopi), do Ministério da Justiça, não
foi negada pelo governo. O ministro André Mendonça, entretanto, disse que não
tinha ciência dele, e afirmou que só soube do dossiê pela matéria jornalística.
Segundo o ministro, a elaboração se deu por “atuação proativa da própria
diretoria”.
Foi a Rede Sustentabilidade ajuizou no
STF a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 722, relatada
pela Ministra Cármen Lúcia. O dossiê foi
produzido em junho e trazia informações sobre servidores federais e estaduais,
principalmente policiais, mas também sobre professores universitários. Mendonça
assumiu a pasta em abril, após a saída de Moro. Ele trocou 9 dos 14 nomes em
cargos de chefia na Seopi, incluindo a diretoria e a coordenação da área de
Inteligência.
Por meio da análise de uma consulta
eleitoral feita pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), com suporte da
Associação Educafro (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes), o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou, em 25 de agosto, que a
distribuição de recursos do fundo eleitoral e do tempo gratuito de rádio e TV
fosse proporcional ao total de candidatos negros que o partido tiver.
Aí estão incluídos os recursos públicos
do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e o
tempo de rádio e TV para propaganda eleitoral gratuita.
A consulta tratava das cotas de gênero,
mas o TSE deu uma resposta mais ampla, no sentido de que vale tanto para
mulheres quanto para homens o requisito. A alteração, pelo entendimento firmado
pelo TSE, teria validade a partir das eleições gerais de 2022, para que
houvesse tempo hábil para que a Corte eleitoral regulamentasse o tema por meio
de uma resolução.
O caso, no entanto, foi levado ao STF,
com pedido de aplicação imediata. Líderes e presidentes partidários se
preocuparam com a proximidade do pleito e tempo mais curto de campanha pela
alteração de datas em decorrência da pandemia.
Se no TSE os ministros do Supremo que
compõem a Corte foram os vencidos para que a mudança tivesse validade já para
2020, no STF eles formaram maioria. Em 2 de outubro, o plenário aplicou a
reserva de recursos financeiros e de tempo de propaganda em rádio e TV já para
as eleições municipais.
Em 1 de outubro, o plenário do STF negou
pedido do Congresso Nacional para suspender a criação e alienação de
subsidiárias da Petrobras, em um dos julgamentos econômicos mais importantes do
ano para o governo. Por 6 (seis) votos a 4 (quatro), o plenário entendeu que
não havia indícios de que a Petrobras estaria atuando com desvio de finalidade
na transformação de refinarias em subsidiárias.
O Congresso Nacional alegava que a
estatal estaria transformando as refinarias em “subsidiárias artificiais”, e
deste modo estaria “fatiando” a empresa-mãe e a privatizando sem passar pelo
Congresso Nacional. A maioria do plenário, entretanto, entendeu deu aval para o
plano de privatização de subsidiárias da estatal.
A investigação sobre ameaças e fake
news contra o STF foi referendada pelo plenário da Corte em 18 de junho. O Inquérito
4.781 foi instaurado pelo então presidente do STF Ministro Dias Toffoli em
março de 2019. Mas, em maio deste mesmo ano, chegou ao chamado gabinete do
ódio, do clã presidencial, quando o relator, ministro Alexandre de Moraes,
determinou operação de busca e apreensão em endereços de blogueiros,
empresários e parlamentares ligados ao Presidente da República.
Com votos longos e enfáticos na defesa
do tribunal, no sentido de diferenciar a liberdade de expressão de ataques e
ameaças, 10 dos 11 ministros votaram por negar a ação que questionava a
portaria que instaurou o inquérito.
Desta forma, o tribunal endossou a
medida e as investigações tiveram o aval para prosseguir, sem haver
questionamentos formais relevantes quanto à legitimidade e legalidade. O
inquérito pode continuar a ser fonte de desgaste entre Judiciário e Executivo.
O julgamento durou quatro sessões
plenárias. Apenas o Ministro Marco Aurélio divergiu do entendimento
majoritário. Para ele, “o inquérito foi instaurado logo pela vítima”, o que
fere o sistema penal acusatório instituído pela Constituição. A maioria, no
entanto, defendeu a necessidade de se preservar a integridade das instituições
e de o STF agir diante da inércia dos órgãos usuais de apuração.
Em 20 de maio, o STF homologou o acordo
entre União e Estados sobre a compensação por perdas de ICMS geradas pela Lei
Kandir, acabando com um conflito federativo que já durava mais de 20 anos.
Segundo os termos firmados, a União deverá repassar aos estados um valor total
de R$ 65,6 bilhões. Desse montante, R$ 58 bilhões devem ser transferidos entre
2020 e 2037. Em troca, os Estados se comprometeram a retirar as ações judiciais
contra a União sobre o tema.
Ficou acordado que a União deveria
apresentar ao Congresso Nacional, em até 60 dias, um projeto de lei
complementar com os termos do acordo – o que foi feito – e, a partir daí, a
discussão passou ao Congresso. Em 14 de dezembro, a Câmara aprovou o PLP 133/2020;
e texto foi para a sanção.
A Lei Kandir está em vigor desde 1996 e
isenta do pagamento de ICMS as exportações de produtos e serviços, com a devida
compensação feita pelo governo federal a estados e municípios.
O Congresso deveria regulamentar uma
fórmula para essa compensação – mas isso nunca foi feito. Por isso, o estado do
Pará ajuizou uma ação no STF alegando a omissão da Casa Legislativa, e após
reuniões no STF mediadas por Gilmar Mendes, os entes chegaram a um acordo.
No mesmo dia em que o atual Presidente
da República e um grupo de empresários cruzaram a Praça dos Três Poderes a pé,
numa atitude heterodoxa, para cogitar sobre a retomada da atividade econômica
com o presidente do Supremo, o governo sofreu uma derrota na Corte, que
suspendeu, na íntegra, a eficácia da MP 954/2020.
O julgamento de 7 de maio desobrigou as
empresas de telefonia, fixa e móvel, de enviar dados pessoais dos clientes ao
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).
Para os ministros, a MP (Medida
Provisória) não fornecia mecanismo técnico ou administrativo para proteger os
dados pessoais de acessos não autorizados, vazamentos acidentais ou utilização
indevida. Logo, não era proporcional nem razoável.
O colegiado referendou a liminar dada
anteriormente, em 24 de abril, pela relatora do caso, ministra Rosa Weber. Como
aconteceu com outras MPs, várias ADIs foram apresentadas à Corte contra o
texto.
A MP permitia que o IBGE tivesse acesso
aos nomes, números de telefone e endereços dos clientes de empresas de
telefonia. A justificativa era possibilitar que o órgão fizesse a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), que mede o desemprego no
país, durante a situação de emergência de saúde pública.
Uma importante vitória do governo na
Corte também foi em uma MP. O STF negou, em 17 de abril, liminar para suspender
a possibilidade dos acordos individuais para redução de jornada e de salário e
a suspensão temporária de contratos de trabalho. As mudanças estavam previstas
na Medida Provisória 936/2020.
Com 7 (sete) votos contrários, os
ministros não referendaram a liminar do relator do caso, ministro Ricardo
Lewandowski, que determinava que as empresas comunicassem os sindicatos no
prazo de até 10 (dez) dias para que estes deflagrassem uma negociação coletiva
se assim o entendessem necessário.
Os ministros entenderam que o texto da
MP não viola direitos dos trabalhadores e não fere o princípio da
proporcionalidade. Isso porque se trata de uma medida emergencial e provisória
e que pretendia justamente evitar que houvesse demissões em massa, e manter as
empresas sustentáveis.
A MP 936/2020 instituiu o Programa
Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e foi transformada em norma em
6 de julho. A Lei 14.020 foi sancionada com vetos, proibindo-se a prorrogação
até 2021 da desoneração da folha de pagamento de empresas de 17 setores da
economia.
Em outubro do ano passado, o atual
Presidente da República assinou decreto que estende até o fim de dezembro as
medidas possibilitadas pela MP 936. Dessa forma, o programa vai totalizar oito
meses de vigência.
Logo no início da pandemia da Covid-19,
o governo acionou o STF pedindo autorização para descumprir, temporariamente,
regras da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF), para que não tivesse necessidade de apontar uma fonte de recursos
extras para compensar gastos não previstos na LDO com medidas de combate ao
coronavírus. Em março de 2020, o Ministro Alexandre de Moraes atendeu ao pedido
do governo, suspendendo obrigações da LRF também para estados e municípios.
Em 13 de maio de 2020, o plenário
referendou a decisão por unanimidade, mas declarou extinta a ação apresentada
pela Advocacia-Geral da União (AGU), diante da aprovação do Orçamento da
Guerra. Para os ministros, a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 6357
perdeu o objeto, já que a Emenda Constitucional 106, promulgada em 7 de maio,
já abrangeria os pedidos da União à Corte Suprema.
Ainda assim, os ministros avaliaram que,
em nome da segurança jurídica, devia-se assentar o referendo da liminar do
relator do caso para que ficasse claro que a flexibilização tem validade para
todos os entes da federação.
Dentre as últimas sessões do ano, um dos
destaques é o julgamento que definiu que o Estado deve oferecer, sempre que
possível, alternativas de datas para pessoas que não possam prestar concursos
públicos ou atividades de serviço público em determinados dias por motivos
religiosos. O julgamento levou três sessões plenárias e motivou debates entre
os ministros quanto à solução firmada.
O colegiado concluiu que, em respeito à
liberdade religiosa, a Administração Pública deve buscar alternativas para
aqueles que professam fé que imponha particularidades, quando for razoável. Ou
seja, os ministros se preocuparam em assentar que não é em todo e qualquer caso
que a administração pública deverá se adequar às idiossincrasias religiosas.
O caso foi discutido em dois processos:
em um destes um homem adventista passou na prova objetiva para o cargo de
técnico judiciário no Acre, mas a prova de aptidão física foi marcada para um
sábado. Como a religião adventista não permite que os fiéis trabalhem ou se
esforcem do pôr-do-sol de sexta-feira ao de sábado, o candidato, então, acionou
a Justiça.
No outro, uma professora adventista se
insurgiu contra a reprovação no estágio probatório por ela ter se recusado a
ministrar aulas às sextas-feiras após o pôr-do-sol, faltando 90 (noventa) vezes
injustificadamente em razão de suas convicções religiosas.
Em 11 de março, o plenário do STF julgou
um dos casos mais importantes sobre saúde que tramitam na Corte, e definiu que
o Estado, via de regra, não é obrigado a fornecer medicamentos de alto custo
não disponíveis na listagem do Sistema Único de Saúde (SUS). Mas, para os
ministros, há casos excepcionais em que o fornecimento é devido. Os casos
excepcionais ainda serão estabelecidos por meio da tese do julgamento, que
ainda não foi fixada data.
Na ocasião, entretanto, os ministros já
manifestaram pontos de entendimento convergente sobre os critérios
excepcionais, como quando paciente nem família têm condições financeiras e não
há tratamento equivalente pelo SUS. Havia mais de 42 mil processos no país
aguardando este julgamento do STF.
O Presidente da República editou, em 23
de março do corrente ano, a Medida Provisória (MP) 928/2020, na qual suspendeu
os prazos para resposta da Lei de Acesso à Informação (LAI) durante a pandemia
da Covid-19. Quase instantaneamente, a norma foi questionada no STF[22], por meio das três ações
diretas de inconstitucionalidade, que foram distribuídas ao Ministro Alexandre
de Moraes. Em 26 de março, o ministro suspendeu a MP.
Para o Ministro Alexandre de Moraes, a
medida “transforma a regra constitucional de publicidade e transparência em
exceção, invertendo a finalidade da proteção constitucional ao livre acesso de
informações a toda sociedade”. O ministro destacou que “a publicidade e
transparência são absolutamente necessárias para fiscalização dos órgãos
governamentais. O acesso à informação é verdadeira garantia instrumental do
pleno exercício democrático”.
Em 30 de abril, em mais uma derrota para
o governo atual, o plenário confirmou a liminar, deixando claro que a pandemia
não é motivo para desobedecer a preceitos constitucionais, como a transparência
da administração pública.
Não é possível reconhecer que uma pessoa
tenha duas uniões estáveis concomitantes para dividir a pensão por morte entre
os companheiros. Esta foi uma das últimas decisões do STF tomadas no ano. A
conclusão ocorreu em 14 de dezembro no plenário virtual.
No caso concreto, depois da morte de um
homem, uma mulher acionou a Justiça pleiteando o reconhecimento de uma união
estável e da consequente pensão e, mais tarde, um homem fez o mesmo pedido. Tanto
ministros que ficaram vencidos quanto os vencedores enfatizaram que o debate
não se deu em torno do fato de uma das relações ser homoafetiva.
Na sessão que deu início ao julgamento,
em 2019, o relator, ministro Alexandre de Moraes, enfatizou que o Supremo não
poderia reconhecer a bigamia. Ele foi acompanhado por Gilmar Mendes e Ricardo
Lewandowski. Mas outros cinco ministros votaram pelo reconhecimento de duas
relações concomitantes desde que provado que não houve má-fé dos envolvidos.
Neste caso, deveria ser concedida proteção jurídica para os efeitos
previdenciários decorrentes. Na ocasião, Dias Toffoli pediu vista e o caso foi
devolvido ao plenário em sessão virtual. Tanto Toffoli como os autores dos dois
votos restantes, Luiz Fux e Nunes Marques, acompanharam o relator.
Em 17 de dezembro, o plenário do STF
decidiu que tanto a União, quanto os estados e municípios podem determinar a
vacinação compulsória. Os ministros destacaram que a vacinação não pode ser
forçada, mas o poder público pode adotar medidas restritivas para incentivar a
imunização.
Foi definida a seguinte tese: “A
vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada
sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de
medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício
de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que
previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências
científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de
ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos
imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das
pessoas, (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e (v)
sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente”.
Ainda segundo a tese adotada pelo
Supremo, “tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser
implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e
Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência”.
Em relação à vacinação contra a
Covid-19, foi decidido que as vacinas devem ter registro em órgão de vigilância
sanitária, mas não necessariamente na Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa). A depender do caso, excepcionalmente, os entes podem importar
materiais, medicamentos, equipamentos ou vacinas registrados em agências de
vigilância sanitária dos Estados Unidos, Reino Unido, Japão, Europa ou China. (IN:
POMPEU, Ana; FREITAS, Hyndara. Os 20 julgamentos mais importantes do STF em
2020. Disponível em: https://www.jota.info/stf/do-supremo/os-19-julgamento-mais-importantes-do-stf-em-2020-28122020
. Acesso em 12.1.2021[23].).
Para facilitar a compreensão desse impacto
nos reportamos a 5.5.2016 quando o STF referendou a decisão do Ministro Teori
Zavascki, proferida na Ação Cautelar 4070 que suspendeu Eduardo Cunha do
exercício do mandato de deputado federal e, por consequência, da função de
presidente da Câmara dos Deputados.
Por unanimidade, os ministros
acompanharam o posicionamento do ministro relator, que deferiu a medida
requerida pelo Procurador-Geral da República que apontou uma série de
evidências de que Eduardo Cunha teria agido com desvio de finalidade para
atender aos seus próprios interesses.
A denúncia do Inquérito 3983 contra o
parlamentar citado, foi recebida por unanimidade pelo Plenário do STF. Por esse
motivo, o relator invocou o artigo 282 do CPPP segundo o qual é possível a
interposição de medidas cautelares em processo penal para assegurar a aplicação
da lei, resguardar a conveniência das investigações e da instrução penal e
evitar a prática de infrações penais.
O Ministro relator sustentou também que
a posição de presidente da Câmara de Deputados não imuniza o parlamentar de
medidas sociais de caráter cautelar. A decisão ainda ressalta a iminência da
instauração, pelo Senado Federal, do processo de impeachment contra a
presidente da República, e, Eduardo Campos, como presidente da Câmara de Deputados,
encontrava-se na linha sucessória para o cargo.
De acordo com o STF, um parlamentar que
é réu em ação penal não tem condições de exercer responsabilidades do cargo, e,
portanto, não pode estar na linha sucessória para a presidência da República.
Foi ajuizada perante o STF, a ADPF 402 que discutia a possibilidade de réus em
processo penal ocuparem cargo cujas atribuições constitucionais incluem a
substituição do Presidente da República tem-se como automática a suspensão das
funções exercidas.
Por maioria de votos, o STF entendeu que
réus em processo-crime no STF não podem ocupar cargos cujas atribuições incluam
a substituição do Presidente da República, sob o fundamento de que recebida a
denúncia contra o Presidente da República tem-se a suspensão automática das
funções exercidas.
A referida decisão foi proferida em
03.11.2016. No dia 01.12.2016, o STF, por maioria dos votos, recebeu denúncia
oferecida pela PGR contra o presidente do Senado, Renan Calheiros, no Inquérito
2593, tornando o réu o senador em processo criminal.
Por esse motivo, foi realizado em pedido
cautelar na ADPF 402, requerendo o afastamento do senador da linha sucessória
da presidência da república, sob os mesmos fundamentos que se baseara a decisão
original da arguição de descumprimento de preceito fundamental.
O Ministro Marco Aurélio, relator da
medida deferiu o pedido liminar para afastar não do exercício do mandato de
senador, outorgado pelo povo alagoano, mas do cargo de Presidente do Senado. O
plenário do STF não confirmou a decisão do relator.
Por maioria, o STF negou o afastamento
de Renan Calheiros da Presidência do Senado, mas após uma ginástica
hermenêutica, afirmou que o Senador, por ser réu não poderia assumir a
Presidência da República na ausência do Presidente. Comenta a doutrina que
houve uma invasão direta do Judiciária dentro da esfera do Legislativo, sem
haver específica autorização constitucional para tanto.
Nem é necessário destacar os adjetivos
dos parlamentares em questão, pois pretende-se apontar somente a proibição do
réu em ação penal, não poder ocupar o cargo na linha sucessória presidencial, o
que não possui respaldo constitucional.
Segundo Pierpaolo Cruz Bottini relatou
que o STF entende que os réus em processos penais não podem ocupar o cargo de
Presidente da República.
Cabe realizar um breve histórico: no dia
3 de novembro, o STF iniciou o julgamento da mencionada ação, de autoria da
Rede Sustentabilidade, que tem o escopo de impedir que réus em ações penais em
trâmite no STF possam ocupar cargos que estejam na linha sucessória ou
substitutiva do presidente da República.
Em outras palavras, aqueles que
respondem a processos criminais na Suprema Corte não poderiam estar à frente da
Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Supremo Tribunal Federal, pois todos
eles podem, eventualmente, ocupar o cargo de Chefe do Poder Executivo Federal.
A Constituição Federal vigente em seu
artigo 86, parágrafo primeiro, prevê que o Presidente da República será
suspenso de suas funções, se o STF recebe contra ele denúncia ou queixa-crime
pela prática de crime comum. Isto é, caso seja instaurada a ação penal contra o
Presidente, este não poderá exercer suas atribuições e, ficará afastado do
cargo. Portanto, a função de Presidente da República é incompatível com a
condição de réu.
A previsão legal está correta, mas apenas daqueles atos relacionados ao
exercício de suas funções, ou seja, aqueles praticados durante o mandato, nos
quais o agente usa do cargo de Presidente da República para a empreitada
criminosa (por exemplo, corrupção passiva, quando o ato prometido está dentre
as funções de Chefe do Executivo).
E se o presidente for acusado da prática
de um delito sem relação com o exercício de suas funções, como, por exemplo, um
crime financeiro, contra a ordem tributária, ou mesmo um ato de corrupção
anterior à posse, quando ocupava outro posto? Pelo artigo 86 parágrafo 4º da
Constituição Federal, ele não poderá ser responsabilizado por esses atos
estranhos às suas atribuições, na vigência de seu mandato. Assim, por exemplo, se
o presidente era processado antes da posse por qualquer infração, tal
procedimento será suspenso até que ele deixe o cargo.
Já pontuou o ministro Celso de Mello,
ocorrerá "a cláusula de exclusão inscrita nesse preceito da Carta Federal
(CF, artigo 86, §4º), ao inibir a atividade do Poder Público, em sede judicial,
alcança as infrações penais comuns praticadas em momento anterior ao da
investidura no cargo de Chefe do Poder Executivo da União, bem assim aquela
praticadas na vigência do Mandato, desde que estranhas ao ofício
presidencial" (Inquérito 672-6/DF).
Por isso, o posto de presidente da
República pode ser ocupado por réu em ação penal. O que a Constituição não
admite é o exercício do cargo por alguém processado por crime relacionado ao
exercício das funções de chefe do Executivo. Não há impedimento para que um réu
processado por outro delito exerça — ou pretenda exercer — o cargo. (In:
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Réus podem integrar linha sucessória da Presidência da
República. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-nov-08/pierpaolo-bottini-nem-todo-reu-afastado-linha-sucessoria Acesso em 12.1.2021).
O fundamento do afastamento e a determinação
do afastamento são frutos da criatividade do STF e não possuem dispositivos
constitucionais que as autorize.
Evidencia-se o agigantamento do
Judiciário. O fato é que a CF/1988 não autoriza o STF determine o afastamento
de parlamentar regulamento eleito. Conclui-se que é ativista na perspectiva
macro porquanto, por meio de distorções interpretativas de princípios que,
possuem alto teor de abstração, o STF forjou óbice que a própria CF/1988 não
estabeleceu.
O que permitiu a direta ingerência do
Judiciário no Legislativo, ocasionando o afastamento dos Chefes das Casas
Legislativas, ressaltando que o Presidente do Senado é o Chefe do próprio Poder
Legislativo.
Alguns segmentos doutrinários preferem
identificar o bom e o mau ativismo judicial. O bom ativismo proporciona
benefícios ao jurisdicionado como criar direitos, assegurar direitos, não
previstos expressamente em nenhum diploma legal, ampliar as garantias
processuais para proteção dos direitos;
assinala o Congresso Nacional a necessidade de reforma legislativa em
determinada matéria; controlar os excessos do poder em geral, flexibiliza
certas decisões legislativas restritivas de direitos; implementar mecanismos
para superar a inconstitucionalidade por omissão.
Nelson Nery Jr. e George Abboud afirmam
que o ativismo é perigoso ao Estado Democrático de Direito, não cabendo
diferenciar o bem ou mal ativismo. Tanto que caracterizam o ativismo como
afastamento da legalidade vigente.
Aqui em nosso país, o termo “ativismo”
tem sido usado para justificar inúmeras decisões judiciais que, facialmente
seriam consideradas inconstitucionais ou ilegais. As decisões dos Ministros Gilmar Mendes e
Eros Grau na Reclamação 4335 que pretenderam criar uma pseudomutação
constitucional à brasileira.
Diferente do ativismo, é a
judicialização das políticas públicas que consagra novos direitos, fundamentais
tendo limites intransponíveis para o Poder Público e para os particulares.
Essa judicialização de novos direitos e conflitos, bem como uma nova cadeia normativo-constitucional a reger a atuação do Poder Público em todas as suas esferas, juntamente com a consolidação do controle de constitucionalidade, atribuindo, nova dimensão ao Poder Judiciário, tornando-o um locus privilegiado na resolução de questões político-constitucionais mais relevantes.
Estudos oriundos da ciências jurídica que dão conta da expansão do judge made law no continente europeu, e mais recentemente, pelos países periféricos (emergentes) como é o Brasil.
As transformações operadas pelo
constitucionalismo, do segundo pós-guerra e, o papel efetivo desempenhado pelo
Tribunal Constitucional Federal alemão para efetividade da Lei Fundamental de
Bonn de 1949, passam por essa atual tendência, de expansão do poder judicial.
No Estado Democrático de Direito o
Judiciário tem o dever de demonstrar os fundamentos jurídicos que o fizeram
decidir dessa ou daquela maneira. Desse modo, ainda que o juiz considere
injustas as figuras, por exemplo, da revelia, da usucapião, a prescrição,
apenas para ficarmos nesse exemplo, deverá aplica-las quando for o caso, porque
contempladas na legislação vigente que, por sua vez, vincula a atividade
decisória.
Da mesma forma que aplica o cabimento de
prescrição porque estabelecida na lei e, assim a justificam também em questão
de mérito deve valer da Constituição e da lei e, não de sua própria moralidade.
Não há prescrição moralizadora, nem moralizável.
Analisando alguns julgados do STJ para
mensurar a dimensão do ativismo decisório. No julgamento da QO no REsp 1063343[24], o STJ negou à parte a
possibilidade de desistir do recurso, com fundamento em interesse público,
tendo em vista seu recurso ter sido selecionado como paradigma pra fins de
aplicação do CPC/1973 (artigo 543-C).
Noutra ocasião, no julgamento do REsp
1308830[25], o interesse público foi
invocado no fundamento normativo para impedir a parte de desistir de seu
recurso, uma vez que o julgamento da lide individual seria de interesse de toda
a coletividade.
Entretanto, o CPC/1073 em seu artigo 501
admitia expressamente à possibilidade de o litigante renunciar a qualquer tempo
seu recurso, inclusive, sem necessidade de o recorrido ou o litisconsorte
anuírem a essa decisão.
Já salientamos que a desistência
recursal é um negócio jurídico unilateral não receptício, segundo o qual a
parte que já interpôs recurso contra decisão judicial declara sua vontade em
não prosseguir o procedimento recursal que, em consequência, tem de ser
existido. Inclusive, opera-se, independentemente, da concordância do recorrido,
produzindo efeitos desde que é efetuada tem necessidade de homologação.
Percebe-se que o STJ julgou de forma
contrária ao que estabelecia o CPC de 1973. Ou seja, desaplicou o referido
dispositivo legal, no caso concreto, apenas pelo desconforto de eleger, outro
recurso como paradigma da repetição.
Sobre a possibilidade de o recorrente
poder desistir de seu recurso especial ou extraordinário. Isto porque o caso
que será julgado pelo STF e/ou STJ como recurso repetitivo tem, com matéria de
fundo, lide individual que encerra discussão sobre o direito subjetivo.
Eventual má-fé do recorrente, com a
quebra do dever de lealdade processual e o agir de má-fé objetivo ou subjetivo,
desde que reconhecida pelo tribunal, pode ensejar a pena de improbus
litigator prevista no CPC de 1973[26].
O que não pode ocorrer é, sob alegação
de que o recorrente teria desistido do Resp por má-fé, ignorar-se o ato
unilateral não receptício da desistência, a despeito de inexistir pressuposto
de admissibilidade desse, Resp pelo só fato da desistência, conhecer-se do
recurso.
O que de fato merece exame sobre as
mencionadas decisões do STJ é indagar-se em quais circunstâncias essa medida se
coaduna com o Estado Democrático de Direito, ao afastar a legalidade vigente em
função do interesse público. Seria possível desse modo, aumentar ou diminuir o
prazo prescricional em razão do interesse público? Ou ainda, modificar-se o
regime de nulidade em virtude do interesse público?
Evidente que tais respostas a esses
questionamentos devem ser negativas. A legalidade não está à disposição dos
Tribunais. Não existe opção constitucionalmente válida que permita ao
Judiciário, sponte sua, optar em aplicar ou não a lei, sob o argumento de
preservar o interesse público.
Não é lícito ao STJ admitir que seja
constitucional e vigente o CPC/1973 e negar a sua aplicação ao caso concreto. A
todo Judiciário não é lícito recusar-se a aplicar a lei.
Comentando essa decisão do STJ, Lenio
Streck ressalta, que nas palavras do STJ, restou claro que o Recurso Especial
não pertence mais às partes, mas apenas ao interesse público, que seria, na
verdade uma “anemia significativa”, nela cabendo qualquer coisa que o interesse
ao Judiciário e do Poder Público para fins pragmáticos.
Prossegue Streck, o Estado não pode agir
tal como Midas ao seu toque de impor o selo de “público” aos casos que lhe
aprouver em detrimento dos direitos fundamentais e garantias dos particulares.
Ademais, a desistência do recurso nos
termos do CPC de 1973, constituiu ato unilateral que na dicção do CPC independe
de anuência da parte para que valha e produza efeitos. Se a parte desistir, não
há recurso.
No sentido em que é criticada a utilização do interesse público, há interessante trabalho de George Abboud intitulado “O mito da supremacia do interesse público sobre o privado - A dimensão constitucional dos direitos fundamentais e os requisitos necessários para autorizar restrição a direitos fundamentais[27]”.
A fora isso, se fosse realmente o caso
de aplicar o CPC/1973 (CPC/2015 arts. 1.036, 1.041), bastava somente o STJ
pinçar outro recurso dentre os múltiplos existentes e solucionar a questão
jurídica subjacente. Do mesmo modo, o STJ teria diversas outras oportunidades
para manifestar-se sobre a mesma questão posta no recurso do qual se
desistiria.
Há um déficit qualitativo na
fundamentação de pronunciamentos judiciais, porque, de certa forma, os juízes,
em diversas hipóteses, admitem o afastamento da legalidade com o fundamento em
convicções pessoais.
Note-se que tais modalidade de decisões
são absolutamente discricionárias, na medida em que com fundamento em
convencimento pessoal, sob o pretexto de interesse público, admitem que seja
afastada a legalidade vigente. Como não existe discricionariedade judicial, a
expressão, nesse caso quer significar que decisão discricionária é decisão
inconstitucional e/ou ilegal.
No fundo, esse tipo de decisão suspende
a legalidade vigente, a fim de fazer prevalecer o ponto de vista do julgador.
Por meio dessas decisões é criado um estado de exceção em que a necessidade do
julgador o faz abrir mão da legislação vigente. Nessa perspectiva, a lei
formalmente continua vigente e válida; todavia, sua aplicação é excepcionada
(negada) em relação ao caso concreto, em razão de interesse público.
Tais decisões, ora analisadas, devem ser
consideradas apenas como paradigmas, demonstram que existe verdadeiro déficit
qualitativo na fundação das decisões judiciais, que não pode ser corrigido pelo
simples recrudescimento do efeito vinculante.
O STJ cujo mister constitucional mais
nobre é, pelo recurso especial, preservar o respeito e autoridade da lei
federal no Brasil e uniformizar o seu entendimento negou vigência (em duas
oportunidades) ao CPC de 1973, por considera-lo em desacordo com o interesse
público e defasado em relação à nossa realidade social.
Ao STJ cabe garantir o respeito à lei
federal e à uniformização do entendimento da lei federal brasileira, com as
decisões ora analisadas negou vigência ao CPC/1973 (artigo 501). Não existe no
ordenamento vigente brasileiro a previsão constitucional que autorize o STJ a
julgar a tese jurídica subjacente quando aquele que recorreu por meio do
recurso especial desiste do recurso.
O referido tema foi novamente analisado
pelos STJ e durante o julgamento do Resp 1370698, a Terceira Turma,
acertadamente e com ressalva da posição da Ministra relatora Nancy Andrighi,
modificou posição manifestada, anteriormente na questão de ordem (QO) no Resp
106343-RS, para dizer que é direito da parte a desistência de recurso, ainda
que afetado ao regime jurídico de recursos repetitivos.
Dentro do Estado Constitucional ao
Judiciário somente é lícito afastar a aplicação da lei em relação ao caso
concreto quando reconhece, incidenter tantum, a inconstitucionalidade
dessa lei, tarefa que faz mediante controle difuso de constitucionalidade. A
possibilidade de declarar inconstitucional a Lei Federal em abstrato é
atribuição exclusiva do Supremo Tribunal Federal (STF) vide artigo 102, I a da
CF/1988.
As analisadas decisões do STJ são claros
sintomas de insegurança jurídica que infelizmente tem ocorrido em nosso país.
E, contemporaneamente, tem recrudescido em sede doutrinária e legislativa, a
tendência em incrementar-se o efeito vinculante dos pronunciamentos dos
Tribunais Superiores.
Importante frisar que o efeito vinculante
não pode desvirtuar a força normativa da legislação vigente. Conclui-se que não
é poque nosso sistema existem a súmula vinculante e as decisões judiciais
dotadas de efeito vinculante que a lei não possui o efeito vinculante.
Em outros termos, a lei vincula o Poder
Judiciário, motivo por que deve interpretá-la e aplicá-la no caso concreto. Não
há aplicação de texto normativo, sem a mediação da atividade interpretativa. Ao
juiz não é dado aplica-la quando considerar adequada ou quando estiver em consonância
com suas convicções pessoais.
Realmente, a insegurança jurídica no
sistema jurídico brasileiro, trazida pela jurisprudência lotérica, não se deve
à inexistência de efeito vinculante em todas as decisões do STF e STJ.
Pensar, nesse sentido, sugere que a lei
não seria também dotada de efeito vinculante. De modo que o Judiciário poderia
descumprir a lei, mas não a súmula vinculante. Lembremos que aos juízes e
tribunais, é defeso ignorar tanto a lei quanto a súmula vinculante, somente
podendo fazê-lo, se declarar incidentemente inconstitucional o texto normativo
da lei ou da súmula vinculante.
Há um déficit qualitativo das
decisões, mais precisamente da falta de motivação adequada, procedimento que
infringe a CF/1988, art.93, IX e não em função da falta de efeito vinculante
das decisões dos tribunais superiores.
Trata-se de equívoco apontar a falta de
efeito vinculante das decisões das Cortes Superiores como causa da insegurança
jurídica ignorando-se, assim a verdadeira discricionariedade judicial que
impera em nosso sistema, que ocasiona reflexos no ativismo judicial ou na
nulidade de diversas decisões em virtude de omissão e falta/deficiência de
fundamentação.
Faz-se necessário ressaltar que os
pronunciamentos, que possuem efeito vinculante também necessitam interpretação
para serem utilizados, de modo que tal como a própria legislação, nada garante
que as decisões, dotadas do referido efeito não serão afastadas em diversos
casos, com fundamento em convicções pessoais do magistrado.
A função jurisdicional, principalmente a
constitucional, ganha força e legitimidade, não com aumento de decisões dotadas
de efeito vinculante, como acontece em nosso país, mas sim, por meio de
fundamentação constitucional rigorosa de suas decisões. Eis a fonte de
legitimidade das decisões do Judiciário, que não podem mais buscar em meras
convicções pessoais de seus julgadores, mas em critérios racionais imputáveis e
contidos no próprio texto constitucional.
Deve-se concretizar a obrigatoriedade do
Judiciário submeter-se-á legislação vigente, nada assegura que o
recrudescimento de decisões com efeito vinculante contribuirá para o progresso
da democracia, com o incremento da fundamentação das decisões e redução da
discricionariedade judicial. Somente pode se desvincular da Constituição ou da
lei ao realizar o controle difuso de constitucionalidade, recolhesse a
inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo.
A atual Constituição Federal brasileira
em seu artigo 3º e seus incisos aborda a necessidade de a república pátria
construir uma sociedade justa, livre e solidária, garantir o desenvolvimento
nacional, erradicar a pobreza e promover o bem de todos.
Assim, o Judiciário responde quando evocado por demandas que envolvem o mínimo existencial, que corresponde ao conjunto de direitos e garantias do cidadão para lhe assegurar a sobrevivência humana com dignidade, a isso não podemos chamar de ativismo judicial e, sim, de acesso ao processo justo onde resta assegurado a razoável duração do processo[28].
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Notas:
[1]
Tanto o ativismo judicial como a judicialização necessitam de provocação do
Judiciário. No ativismo há o entendimento criativo de um Tribunal, uma
interpretação nova do direito, muitas vezes precedente a uma lei, interpretação
legal de forma muito ampla não contemplada pela própria lei. Na judicialização,
as decisões com teor político, das políticas públicas, entre outros, na qual o
Poder Judiciário interfere nas decisões de outros poderes, baseado na
legislação (princípios e regras). No ativismo, o Judiciário atua além da
legislação sem respaldo legal e, na judicialização, o Judiciário atua além de
suas competências baseado em lei.
[2] Administração Pública é o conjunto de órgãos,
serviços e agentes do Estado que procuram satisfazer as necessidades da
sociedade, tais como educação, cultura, segurança, saúde, etc. A administração direta é aquela exercida pelo
conjunto dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios.
Di Pietro admite que a
expressão Administração Pública pode ser compreendida em sentido subjetivo,
formal ou orgânico e, em sentido objetivo material ou funcional. Em sentido
formal ou orgânico designa os entes que exercem a atividade administrativa,
compreendendo pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de
exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal; a função
administrativa. Já em sentido material ou funcional designa a natureza da
atividade exercida pelos referidos entes, nesse sentido, a Administração
Pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, ao
Poder Executivo. Segundo a doutrinadora citada (2012:50), a Administração
Pública também pode ser compreendia em sentido amplo ou em sentido restrito:
“a) em sentido amplo, a Administração Pública, subjetivamente considerada,
compreende tanto os órgãos governamentais, supremos, constitucionais (Governo),
aos quais incumbe traçar os planos de ação, dirigir, comandar, como também os
órgãos administrativos, subordinados, dependentes (Administração Pública, em
sentido estrito), aos quais incumbe executar os planos governamentais; ainda em
sentido amplo, porém objetivamente considerada, a Administração Pública
compreende a função política, que traça as diretrizes governamentais e a função
administrativa, que as executa; b) em sentido estrito, a Administração Pública
compreende, sob o aspecto subjetivo, apenas os órgãos administrativos e, sob o
aspecto objetivo, apenas a função administrativa, excluídos, no primeiro caso,
os órgãos governamentais e, no segundo, a função política”. In: DI PIETRO,
Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo, Atlas, 2012.
[3]
Os conflitos de normas ocorridos durante o processo de interpretação
denominam-se antinomias. Tais busilis podem ser solucionados através de
aplicação de três critérios, a saber: hierárquico, cronológico e da
especialidade. O primeiro critério solucionador de antinomias e o mais
relevante é o hierárquico, pois não há o que se falar em norma jurídica
inferior contrária à superior. Isto
ocorre porque “a norma que representa o fundamento de validade de uma outra
norma é, em face desta, uma norma superior”, por exemplo a Constituição Federal
de 1988 tem caráter supralegal, na qual, as demais leis (ordinárias,
complementares, etc.) devem estar em consonância aos princípios estabelecidos
por ela, caso contrário será considerada inconstitucional perdendo sua
efetividade.
O critério cronológico tem
por fundamentado o artigo 2º, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro, que regula que norma posterior revoga a anterior: “A lei posterior
revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela
incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei
anterior”.
O terceiro e último
critério é o da especialidade o qual prescreve que a norma especial prevalece
sobre a geral. Este critério também se encontra no artigo 2º, § 2o da Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro. “A lei nova, que estabeleça
disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem
modifica a lei anterior”. O princípio da especialidade tem por finalidade
evitar o bis in idem, sendo certo que a comparação entre as normas será
estabelecida in abstracto. Um exemplo que podemos citar é o conflito de
parâmetros de níveis sonoros determinados em decibéis. O Decreto-Lei n.
4.657/1942, em sua redação original, tinha como ementa: “Lei de Introdução ao
Código Civil Brasileiro” (LICC). Porém, com a entrada em vigor da Lei n.
12.376/2010, o título do referido decreto-lei foi alterado para “Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro” (LINDB). Essa mudança ocorreu em
virtude de a LINDB não ser parte integrante do Código Civil, e sim uma lei
autônoma. As normas previstas na LINDB não regulam apenas as partes integrantes
do Código Civil, mas todas as normas previstas no ordenamento jurídico. Ela não
rege a vida das pessoas, como é o caso do Código Civil, mas sim as próprias
normas jurídicas, alcançando tanto o direito privado, quanto o direito público.
[4] ALEXY,
Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo, SP: Malheiros
Editores, 2011. p. 90.
[5]
É presidente do American Philosophy Institute, que é um grupo
interdisciplinar de acadêmicos de várias universidades, apoiado por líderes
empresariais e profissionais locais, que promove uma filosofia pública de
direito natural enraizada nos princípios da Fundação Americana - uma que busca
a liberdade e prosperidade, alicerçada na integridade moral da cultura e das
nossas instituições sociais e políticas. O trabalho recente do doutrinador
inclui: O Direito Natural Hoje: O Estado Atual da Filosofia perene ( Lexington
Books, 2018; Reflexões Origiinalistas sobre a Liberdade de Expressão
Constitucional, SMU Law Review, volume 71, nº3 (verão de 2019); Natural
Law and Politics em The Cambridge Companion to Natural Law
Ethics, Ed. Tom Angier (Cambridge
University Press, 2019); O Conceito de Justiça Judicial (St. Augustine Press);
McCulloch versus Md. e Marschall's Constitutional Interpretation
(AEI).
[6]
Earl Warren (1891-1974) foi político e jurista norte-americano que serviu como
governador da Califórnia entre 1943 a 1953 e Chefe de Justiça dos EUA de
5.10.1953 a 23.6.1969. É considerado em geral como sendo um dos juízes e
líderes políticos da Suprema Corte mais influentes da história dos EUA.
[7]
O pragmatismo jurídico consiste na revivescência de movimento preponderante na
esfera jurídica norte-americana, no início do século XX. o realismo jurídico
que é igualmente conhecido como Jurisprudência sociológica. O pragmatismo pode
ser considerado como um movimento filosófico, principalmente difundido nos
Estados Unidos da América, surgido entre o final do século XIX e início do
século XX. A segunda a ideia fundante do pragmatismo, o consequencialismo,
impõe o exame axiológico da ação, avaliando quais serão as suas possíveis
consequências, de modo que esta antevisão possibilite obter os resultados mais
satisfatórios, úteis ou benéficos para a coletividade. A lição de Holmes, de
que o direito é, sobretudo, experiência e não lógica pura, ou a tese de Ortega
Y Gasset, de que a lógica do direito é a lógica do razoável, de certa forma
guardam a essência do método sociológico que é também conhecida como a Escola
Sociológica do Direito de Benjamin Cardozo e Roscoe Pound. O pensamento
compartilhado aí era no sentido de que o elemento político-social deve
interferir na interpretação da lei, com vistas à satisfação do interesse
público e dos superiores interesses da coletividade.
[8]
Lochner versus New York, 198 US 45 (1905), foi uma decisão histórica da
Suprema Corte dos EUA, que considerou que os limites do tempo de trabalho
violavam a Décima Quarta Emenda. A decisão foi efetivamente anulada. Uma lei do estado de Nova York limitava as
horas de trabalho dos funcionários da padaria a 10 horas por dia e 60 horas por
semana. Uma maioria de cinco juízes considerou que a lei violava a cláusula do
devido processo, afirmando que a lei constituía uma "interferência
irrazoável, desnecessária e arbitrária no direito e na liberdade do indivíduo
de contratar ". Quatro juízes dissidentes rejeitaram essa visão, e a
dissidência de Oliver Wendell Holmes Jr., em particular, tornou-se uma das
opiniões mais famosas da história do direito dos Estados Unidos. Lochner é uma
das decisões mais controversas da história da Suprema Corte e deu o nome ao que
é conhecido como Era Lochner. Durante esse tempo, o Supremo Tribunal Federal
emitiu várias decisões invalidando estatutos federais e estaduais que buscavam
regular as condições de trabalho durante a Era Progressiva e a Grande
Depressão. O período terminou com West Coast Hotel Co. versus Parrish
(1937), no qual a Suprema Corte manteve a constitucionalidade da legislação de
salário mínimo promulgada pelo Estado de Washington.
[9]
Robert Heron Bork (1927-2012) foi juiz norte-americano, funcionário do governo
e acadêmico jurídico que serviu como Procurador-Geral dos EUA de 1973 a 1977.
Professor da Escola de Direito de Yale por ocupação, e mais tarde serviu como
juiz no influente Tribunal de Apelações dos EUA para o Circuito de DC de 1982 a
1988. Em 1987, o presidente Ronald Reagan indicou Bork para a Suprema Corte dos
EUA, mas o Senado dos EUA rejeitou sua nomeação.
[10]
Edwin Meese III é um advogado norte-americano, professor de Direito, autor e
membro do Partido Republicano que ocupou cargos oficiais na administração
governamental de Ronald Reagan, na Equipe de Transição Presidencial Reagan e a
Casa Branca Reagan (1981-1985), eventualmente subindo para ocupar o cargo de
75º Procurador-Geral dos EUA (1985-1988), cargo do qual renunciou após o
escândalo Wedtech.+
[11]
Bernard H. Siegan (1924-2006) foi professor de direito de longa data na Escola
de Direito da Universidade de San Diego, teórico jurídico libertário e
ex-nomeado juiz federal para o Tribunal de Apelações dos EUA para Novo
Circuito. O New York Times chamou a nomeação de Siegan como uma das
nomeações judiciais mais amargamente disputada na Era Reagan.
[12]
Richard Allen Epstein é estudioso do direito americano conhecido por seus
escritos sobre temas como delitos, contratos, direitos de propriedade, direito
e economia, liberalismo clássico e libertarianismo. Epstein é atualmente Laurence A. Tisch
Professor de Direito e diretor do Classical Liberal Institute da New York
University, Peter e Kirsten Bedford Senior Fellow na Hoover Institution
e James Parker Hall Distinguished Service, Professor emérito de Direito
e conferencista sênior na Universidade de Chicago. Os escritos de Epstein
influenciaram amplamente o pensamento jurídico americano. Em 2000, um estudo publicado no The
Journal of Legal Studies identificou Epstein como o 12º acadêmico jurídico
mais citado do século XX. Em 2008, ele foi escolhido em uma pesquisa feita pela
Legal Affairs como um dos pensadores jurídicos mais influentes dos tempos
modernos. Um estudo de publicações jurídicas entre 2009 e 2013 revelou que
Epstein foi o terceiro estudioso jurídico americano mais citado durante esse
período, atrás apenas de Cass Sunstein e Erwin Chemerinsky. Ele é membro da
Academia Americana de Artes e Ciências desde 1985.
[13]
Randy Evan Barnett é jurista e advogado norte-americano. Atua como professor na
Patrick Hotung de Direito Constitucional na Universidade de Georgetown. onde
ensina Direito Constitucional e Contratos, sendo o Diretor do Centro de
Constituição de Georgetown. As publicações de Barnett incluem onze livros, mais
de cem artigos e resenhas, bem como numerosos op-eds. Seu livro mais
recente é “Uma introdução ao direito constitucional”: 100 casos da Suprema
Corte que todos devem saber] '(2019) (com Josh Blackman). Seus outros livros
sobre a Constituição são Restaurando a Constituição perdida: A Presunção da
Liberdade (2ª ed. 2013), A Estrutura da Liberdade: Justiça e o Estado de
Direito (2ª ed. 2014), Nossa Constituição Republicana: Garantindo a Liberdade e
a Soberania de We the People (2016) e Constitutional Law: Cases in Context (3ª
ed. 2018) (com Josh Blackman). Seus livros sobre contratos são The Oxford Introductions
to US Law: Contracts (2010), Contracts: Cases and Doctrine (6ª ed.
2016) (com Nate Oman).
[14]
A Suprema Corte aceitou o argumento de que a cláusula do devido processo
protegia o direito de contratar sete anos antes em Allgeyer versus
Louisiana (1897). No entanto, a Corte havia reconhecido que o direito não era
absoluto, mas sujeito ao poder de polícia dos Estados. Por exemplo, em Holden versus
Hardy (1898), a Suprema Corte manteve uma lei de Utah estabelecendo um dia de
trabalho de oito horas para os mineiros. Em Holden, o juiz Henry Billings Brown
escreveu que, embora "o poder policial não possa ser apresentado como
desculpa para legislação opressora e injusta, pode ser legalmente utilizado com
o propósito de preservar a saúde, segurança ou moral públicas". A questão
enfrentada pela Suprema Corte em Lochner era se a Lei Bakeshop
representava um exercício razoável do poder de polícia do Estado.
O caso de Lochner foi
defendido por Henry Weismann, que foi um dos principais defensores da Lei
Bakeshop quando era secretário do Sindicato dos Padeiros de Journeymen.
Em seu relatório, Weismann condenou a ideia de que "a liberdade valorizada
do indivíduo, deve ser varrida sob o disfarce do poder de polícia do
Estado". Ele negou o argumento de Nova York de que a Lei Bakeshop era uma
medida de saúde necessária, alegando que "a padaria comum dos dias atuais
é bem ventilada, confortável tanto no verão quanto no inverno, e sempre com um
cheiro doce". O relatório de Weismann continha um apêndice com
estatísticas mostrando que as taxas de mortalidade dos padeiros eram
comparáveis às dos profissionais de colarinho branco.
[15]
Leciona Fredie Didier Jr. que há distinção entre cláusula geral e o conceito
jurídico indeterminado é be sutil, porém, é existente. Pois ambos pertencem ao
gênero conceito vago. No conceito jurídico indeterminado, o legislador não
confere ao juiz a competência para criar o efeito jurídico do fato cuja
hipótese de incidência é composta por termos indeterminados; já na cláusula
geral, além da hipótese de incidência ser composta por termos indeterminados,
ainda é conferida ao magistrado a tarefa de criar o efeito jurídico decorrente
da verificação da ocorrência daquela hipótese normativa.
Rodrigo Mazzei ainda complementa que: "Havendo identidade quanto à vagueza legislativa intencional, determinando que o Judiciário faça a devida integração sobre a moldura fixada, a cláusula geral demandará do julgador mais esforço intelectivo. Isso porque, em tal espécie legislativa, o magistrado além de preencher o vácuo que corresponde a uma abstração (indeterminação proposital) no conteúdo na norma; é compelido também fixar a consequência jurídica correlata e respectiva ao preenchimento anterior. No conceito jurídico indeterminado, o labor é reduzido, pois, com mera e simples enunciação abstrata, o juiz após efetuar o preenchimento valorativo, já estará apto a julgar de acordo com a consequência previamente estipulada em texto legal. (In: Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes; RACHEL, Andrea Russar. Como diferenciar a cláusula geral do conceito jurídico indeterminado? Disponível em: https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1886442/como-diferenciar-a-clausula-geral-do-conceito-juridico-indeterminado-andrea-russar-rachel Acesso em 11.1.2021).
[16]
Mark Turner é cientista cognitivo, linguista e autor. É professor do Instituto
e professor de ciência cognitiva na Case Western Reserve University. Ele
ganhou um Anneliese Maier Research Prize da Alexander von Humboldt
Foundation (2015) e um Grand Prix da Academia Francesa (1996) por seu
trabalho nessas áreas. Turner e Gilles Auconnier fundaram a teoria da
combinação conceitual, apresentada em livros e enciclopédias. Em Linguística Cognitiva,
Combinação conceitual, também chamada de integração conceitual ou aplicação de visão,
é uma teoria da cognição desenvolvida por Gilles Fauconnier e Mark Turner. De
acordo com essa teoria, elementos e relações vitais de diversos cenários são
"mesclados" em um processo subconsciente, que se supõe onipresente no
pensamento e na linguagem cotidianos. Muito parecido com a memética, é uma
tentativa de criar uma descrição unitária da transmissão cultural de ideias.
[17] Aduz Marshall, brilhantemente, em sua decisão, que a Constituição norte-americana teria atribuído à Suprema Corte a competência originária para analisar todas as causas concernentes a embaixadores, outros ministros públicos e os cônsules, bem como as ações em que for parte um Estado. Nas demais causas, teria a Corte competência revisional, em grau de recurso. Nesse sentido, verificava-se um conflito de normas entre a Constituição Americana e a Seção 13 do Judiciary Act. O questionamento que se fazia, por óbvio, era o que deveria prevalecer: a carta magna ou uma lei federal? John Marshall, em sua decisão, se encarrega de pacificar a questão. Argumenta Marshall, em apertada síntese, que, na hierarquia das leis, impera a Constituição dos EUA, estando os tribunais, bem como os demais departamentos, vinculados a ela. Deste modo, toda lei que contrarie a Constituição deveria ser declarada nula. Assim, decide Marshall, incidentalmente (incidenter tantum), pela inconstitucionalidade da Seção 13 do Judiciary Act, no ponto em que contraria os preceitos da Constituição Americana. Declarou-se a inconstitucionalidade de uma lei, sem a análise do mérito propriamente dito. Percebam que Marshall, ao proferir tal decisão não adentrando no mérito, não profere, em tese, entendimento favorável a nenhum dos dois polos, de modo a não gerar, para ele, conflitos políticos com os dois partidos. Criou-se, assim, um novo modelo de controle de constitucionalidade: o controle difuso, que pode ser entendido, portanto, como aquele que é realizado incidentalmente, num caso concreto, prejudicando o exame de mérito. In: BOAVENTURA, Thiago Henrique. Conheça o caso Marbury vs. Madison. Disponível em: https://thiagobo.jusbrasil.com.br/artigos/451428453/conheca-o-caso-marbury-vs-madison Acesso 11.1.2021.
[18]
Duas províncias do Canadá usaram o poder de anulação. Saskatchewan o usou para
forçar funcionários provinciais a trabalhar e permitir que o governo pagasse
para não-católicos frequentarem uma escola católica, e Quebec o usou para
permitir que o governo restringisse a linguagem dos sinais. Nenhum dos usos foi
renovado e, portanto, cada um deles expirou após cinco anos. Saskatchewan e Quebec introduziram uma nova
legislação que invoca a substituição e ainda pode entrar em vigor em outubro de
2019. Quatro jurisdições - Yukon, Alberta, Ontário e New Brunswick -
introduziram projetos de lei que invocaram a anulação, mas nunca entraram em
vigor por vários motivos. Outras províncias e territórios, e o governo federal,
não o usaram.
[19]
Jean Chrétien é estadista canadense. Foi o vigésimo primeiro-ministro do Canadá
de 4.11.1993 a 12.12.2003, sob a bandeira do partido liberal do Canadá. Foi
elemento membro do Parlamento nas eleições federais de 1963, ocupou vários
cargos ministeriais, notadamente nos governos de Lestes B. Pearson e Pierre
Elliott Trudeau, bem como de vice-primeiro ministro do Canadá por alguns meses
em 1984 sob John Turner. Retirou-se desde 2004, Chrétien é conhecido por sua
promoção da unidade canadense e a luta contra a soberania de Quebec.
[20]
O Neoprocessualismo é caracterizado pela aproximação de institutos processuais
aos ditames previstos na Constituição Federal vigente, sendo um relevante
fenômeno manifestado no direito processual pátrio através da Lei 13.105/2015
fruto da busca no estreitamente da efetivação de direitos e garantias
fundamentais dentro do processo. In: LEITE, Gisele. Neoprocessualismo e o
Contraditório. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/o-neoprocessualismo-e-o-contraditorio#:~:text=O%20Neoprocessualismo%20%C3%A9%20caracterizado%20pela,direitos%20e%20garantias%20fundamentais%20dentro
Acesso em 10.1.2021.
[21]
Destaque-se que a constitucionalização dos direitos e garantias processuais não
pode ser tratada como mero fenômeno, pois retira a centralidade do ordenamento
processual e ressalta o caráter publicístico do processo.
[22]
É fato que o STF também se apresenta como Tribunal Constitucional quando afirma
o vinculante efeito de suas decisões, afastando-se de suas tradicionais funções
de Corte Suprema. Enfim, o Tribunal Constitucional, afastando-se da típica
missão do Judiciário, que é aplicar a lei contenciosamente, também produz
provimentos que devem gozar da mesma força vinculante da lei E, novamente, o
Tribunal Constitucional, por estar fora do Poder Judiciário, tem poderes
estranhos ao Poder Judiciário. Cabe recordar que a via processual mais
relevante da Suprema Corte, por ser autêntico órgão de cúpula do Judiciário
adquiriu novos contornos, no que se tem chamado de objetivação do recurso
extraordinário, Tal fenômeno é perceptível na repercussão geral, que fora
introduzida pela Emenda Constitucional 45/2004. Portanto, não é mais a demanda
particular e concreta que importa para o STF quando do julgamento do recurso
extraordinário, mas sim, as características objetivas que são consideradas na
controvérsia dos autos, as quais permitem identificar sua repercussão geral. O
julgamento no extraordinário passa então a ser um provimento geral e abstrato
que repercute nas demais instâncias inferiores em todos os casos concretos
análogos. E, tal repercussão automática já significa um ensaio de efeito
vinculante a ser reconhecido nas decisões proferidas em recurso extraordinário.
In: HORBACH, Carlos Bastide. É preciso definir a função do Supremo Tribunal
Federal. Disponível: https://www.conjur.com.br/2014-mar-22/observatorio-constitucional-preciso-definir-funcao-supremo-tribunalfederal#:~:text=O%20STF%20tamb%C3%A9m%20se%20apresenta,tradicionais%20fun%C3%A7%C3%B5es%20de%20Corte%20Suprema.&text=Mais%20uma%20vez%20aqui%2C%20o,poderes%20estranhos%20ao%20Poder%20Judici%C3%A1rio
. Acesso em 11.1.2021.
[23] ANA POMPEU – Repórter em Brasília. Cobre Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Passou pelas redações do ConJur, Correio Braziliense e SBT. Colaborou ainda com Estadão e Congresso em Foco. E-mail:[email protected] ; HYNDARA FREITAS – Repórter em Brasília. Cobre Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Antes, foi repórter no jornal O Estado de São Paulo. E-mail: [email protected]
[24]
Ementa: Processo civil. Questão de
ordem. Incidente de Recurso Especial Repetitivo. Formulação de pedido de
desistência no Recurso Especial representativo de controvérsia (art. 543-C, §
1º, do CPC). Indeferimento do pedido de desistência recursal. - É inviável o
acolhimento de pedido de desistência recursal formulado quando já iniciado o
procedimento de julgamento do Recurso Especial representativo da controvérsia,
na forma do art. 543-C do CPC c/c Resolução n.º 08/08 do STJ. Questão de ordem
acolhida para indeferir o pedido de desistência formulado em Recurso Especial
processado na forma do art. 543-C do CPC c/c Resolução n.º 08/08 do STJ.
Decisão: Vistos, relatados e
discutidos estes autos, acordam os Ministros da CORTE ESPECIAL do Superior
Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas
constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr.
Ministro Nilson Naves indeferindo o pedido de desistência, no que foi
acompanhado pelos Srs. Ministros Ari Pargendler e Hamilton Carvalhido, e as
retificações de voto da Sra. Ministra Relatora e do Sr. Ministro Luiz Fux para
aderir ao voto do Sr. Ministro Nilson Naves, e os votos dos Srs. Ministros
Aldir Passarinho Junior, Eliana Calmon e Francisco Falcão acompanhando a
posição originária da Sra. Ministra Relatora, por maioria, indeferir o pedido
de desistência. Vencido o Sr. Ministro João Otávio de Noronha e vencidos, em
parte, os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior, Eliana Calmon, Francisco
Falcão e Laurita Vaz. Os Srs. Ministros Luiz Fux, Nilson Naves, Ari Pargendler
e Hamilton Carvalhido votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausentes,
justificadamente, os Srs. Ministros Gilson Dipp e Paulo Gallotti e,
ocasionalmente, os Srs. Ministros Fernando Gonçalves e Felix Fischer.
Declarou-se habilitada a votar a Sra. Ministra Eliana Calmon. Não participaram
do julgamento os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Castro Meira e Arnaldo
Esteves Lima. Data: 12.12.2208.
[25]
Ementa: CIVIL E CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC.
GRATUIDADE DO SERVIÇO. INDIFERENÇA. PROVEDOR DE CONTEÚDO. FISCALIZAÇÃO PRÉVIA
DO TEOR DAS INFORMAÇÕES POSTADAS NO SITE PELOS USUÁRIOS. DESNECESSIDADE. MENSAGEM
DE CONTEÚDO OFENSIVO. DANO MORAL. RISCO INERENTE AO NEGÓCIO. INEXISTÊNCIA.
CIÊNCIA DA EXISTÊNCIA DE CONTEÚDO ILÍCITO. RETIRADA IMEDIATA DO AR. DEVER.
DISPONIBILIZAÇÃO DE MEIOS PARA IDENTIFICAÇÃO DE CADA USUÁRIO. DEVER. REGISTRO
DO NÚMERO DE IP. SUFICIÊNCIA.
A exploração comercial da
internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90.
O fato de o serviço
prestado pelo provedor de serviço de internet ser gratuito não desvirtua a
relação de consumo, pois o termo mediante remuneração, contido no art. 3º, §
2º, do CDC, deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho
indireto do fornecedor. A fiscalização prévia, pelo provedor de conteúdo, do
teor das informações postadas na web por cada usuário não é atividade
intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos
termos do art. 14 do CDC, o site que não examina e filtra os dados e imagens
nele inseridos. O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo
inseridas no site pelo usuário não constitui risco inerente à atividade dos
provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade
objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/02. Ao ser comunicado de
que determinado texto ou imagem possui conteúdo ilícito, deve o provedor agir
de forma enérgica, retirando o material do ar imediatamente, sob pena de
responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão
praticada. Ao oferecer um serviço por meio do qual se possibilita que os
usuários externem livremente sua opinião, deve o provedor de conteúdo ter o
cuidado de propiciar meios para que se possa identificar cada um desses
usuários, coibindo o anonimato e atribuindo a cada manifestação uma autoria
certa e determinada. Sob a ótica da diligência média que se espera do provedor,
deve este adotar as providências que, conforme as circunstâncias específicas de
cada caso, estiverem ao seu alcance para a individualização dos usuários do
site, sob pena de responsabilização subjetiva por culpa in omittendo. A
iniciativa do provedor de conteúdo de manter em site que hospeda rede social
virtual um canal para denúncias é louvável e condiz com a postura esperada na
prestação desse tipo de serviço – de manter meios que possibilitem a
identificação de cada usuário (e de eventuais abusos por ele praticado) – mas a
mera disponibilização da ferramenta não é suficiente. É crucial que haja a
efetiva adoção de providências tendentes a apurar e resolver as reclamações
formuladas, mantendo o denunciante informado das medidas tomadas, sob pena de
se criar apenas uma falsa sensação de segurança e controle. Recurso especial
não provido.
[26]
CPC 2015 Art. 79. Responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como
autor, réu ou interveniente. Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele
que: I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato
incontroverso; II - alterar a verdade dos fatos; III - usar do processo para
conseguir objetivo ilegal; IV - opuser resistência injustificada ao andamento
do processo; V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do
processo; VI - provocar incidente manifestamente infundado; VII - interpuser
recurso com intuito manifestamente protelatório.
Art. 81. De ofício ou a
requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá
ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da
causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar
com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou. § 1º Quando
forem 2 (dois) ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na
proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se
coligaram para lesar a parte contrária.
§ 2º Quando o valor da
causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até 10 (dez)
vezes o valor do salário-mínimo.
§ 3º O valor da indenização
será fixado pelo juiz ou, caso não seja possível mensurá-lo, liquidado por
arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos.
Quando o assunto é
litigância de má-fé, o Superior Tribunal de Justiça tem diversos entendimentos
que delimitam as punições possíveis nos casos em que ocorre o abuso do direito
de recorrer ou quando uma das partes do processo litiga intencionalmente com
deslealdade.
O Código de Processo Civil
de 2015 (CPC/2015), em seus artigos 79, 80 e 81, estabelece a configuração da
litigância de má-fé e as sanções que podem ser aplicadas para quem age de
maneira desleal. A prática da litigância de má-fé e as punições possíveis, de
acordo com o que prevê a legislação, têm despertado várias discussões no STJ e,
por vezes, críticas ao sistema recursal. Para o ministro Og Fernandes, faltam
sanções efetivas para impedir a sucessão indefinida de recursos nas cortes do
país.
[27]
Vide em http://neryadvogados.com.br/blog/wp-content/uploads/2013/12/Georges-Abboud-Direitos-Fundamentais-RT-907.pdf
ou https://www.academia.edu/20309804/O_MITO_DA_SUPREMACIA_DO_INTERESSE_PU_BLICO_SOBRE_O_PRIVADO_A_DIMENSA_O_CONSTITUCIONAL_DOS_DIREITOS_FUNDAMENTAIS_E_OS_REQUISITOS_NECESSA_RIOS_PARA_SE_AUTORIZAR_RESTRIC_A_O_A_DIREITOS_FUNDAMENTAIS
[28]
A duração razoável do processo, consagrada como princípio constitucional, não
pode ser um mero ornamento no texto da Constituição. É preciso que nós
efetivamente concretizemos esse princípio, e aqui temos um instrumento eficaz,
um instrumento idôneo para a concretização das teses e, consequentemente, para a
diminuição do tempo do processo." A afirmação foi feita pelo presidente do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ministro João Otávio de Noronha, nesta
terça-feira (29.10.2019), ao abrir o seminário Recursos Repetitivos nos 30 anos
do STJ, no auditório do tribunal. In Notícias STJ. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Duracao-razoavel-do-processo-nao-pode-ser-mero-ornamento-do-texto-constitucional--diz-presidente-do-STJ.aspx Acesso em 11.1.2021.