Esqueçam-se de mim! O direito ao esquecimento
O debate jurisprudencial brasileiro sobre o direito ao esquecimento será decidido pelo STF em repercussão geral. O debate envolve acalorado debate em face do aparente conflito de princípios constitucionais.
O vigente contexto da sociedade contemporânea, globalizada e integrada pela informatização crescente provendo a celeridade no acesso de informação, com rápida disseminação através dos meios de comunicação tais como a televisão, jornais, revistas, blogs, vlogs, podcast e etc., tornou o direito ao esquecimento de grande relevância.
O direito ao esquecimento consiste na faculdade da pessoa não ser incomodada pela indevida exploração de episódios passados, carentes de interesse público. É direito inerente à própria personalidade humana, de forma que a sua respectiva tutela se relaciona intimamente com à dignidade humana.
Em resumo, o direito ao esquecimento se refere àquele que uma pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em certo momento de sua vida, seja exposto ao público em geral causando-lhe constrangimentos, sofrimentos ou transtornos.
Quanto à nomenclatura é igualmente chamado de direito de ser deixado em paz ou o direito de estar só. E, nos EUA é denominado de the right to be alone[1] e, em países de língua espanhola é derecho al olvido. Em nosso país tal direito tem assento constitucional, considerado como consequência do direito à vida privada, intimidade e honra constantes no artigo 5º, inciso X da CFRB/1988 e também pelo Código Civil Brasileiro, em seu artigo 21.
Para fundamentar juridicamente plenamente o direito ao esquecimento, é curial pesquisarmos suas origens, e ainda pela jurisprudência dos Tribunais superiores brasileiros e estrangeiros, assim como analisar ciosamente as correntes doutrinárias que defendem o respeito ao direito ao esquecimento, visto que não há propriamente uma previsão explícita em nosso ordenamento jurídico brasileiro.
Ademais, é importante relacionar tal direito ao esquecimento e a sua afinidade com os princípios já existentes, já que protege a pessoa contra a exposição de fatos embaraçosos, infelizes ou desabonadores pelos veículos de comunicação de massa que causem constrangimento e ofensa à personalidade, portanto, revela-se como desdobramento natural do resguardo individual, firmando-se no conceito de que ninguém poderá ser perseguido por atos passados, que já não refletem a sua identidade atual, que está protegido contra a recordação opressora de fatos que pode mitigar a capacidade do ser humano evoluir e modificar-se.
O debate a respeito do direito ao esquecimento envolve conflito aparente de interesses constitucionais, a saber, a liberdade de expressão e/ou informação e os atributos individuais da pessoa humana tais como a intimidade, privacidade e honra. Não se trata de criação recente posto que já é debatido há muito tempo tanto na Europa como nos EUA.
Exemplificando, François Ost (2005) mencionou a decisão de 1983, do Tribunal de última instância de Paris (Mme. Filipahi Cogedipresse), no qual esse direito foi assegurado in litteris:
“(...) qualquer pessoa que se tenha envolvido em acontecimentos públicos pode, com o passar do tempo, reivindicar o direito ao esquecimento; a lembrança destes acontecimentos e do papel que ela possa ter desempenhado é ilegítima se não for fundada nas necessidades da história ou se for de natureza a ferir sua sensibilidade; visto que o direito ao esquecimento, que se impõe a todos, inclusive aos jornalistas, deve igualmente beneficiar a todos, inclusive aos condenados que pagaram sua dívida para com a sociedade e tentam reinserir-se nela.” .
O retorno à baila do direito ao esquecimento como tema da atualidade deve-se à internet. Pois a rede mundial de computadores praticamente eternizou as notícias e informações e, assim tornou-se possível com facilidade ler reportagens sobre fatos ocorridos há muitos anos, inclusive com fotografias e vídeos. Sendo assim, praticamente, é impossível ser esquecido com tamanha ferramenta que pode disponibilizar facilmente um conteúdo informativo.
Aqui, entre nós, voltou a ser a arena de acesos debates, em razão da aprovação de enunciado na VI Jornada de Direito Civil, além de o STJ ter julgado dois casos envolvendo esse direito há cinco anos.
Curial esclarecer que o direito ao esquecimento não se refere nem se aplica somente aos fatos ocorridos no campo penal, portanto, não é privativo de ex-condenados que desejem que tais antecedentes criminais não fossem mais expostos, posto que lhes causassem firmes prejuízos. De sorte que o debate fora ampliado e, envolve também outros aspectos da vida pessoal que se almeja serem esquecidos.
Exemplificando é o caso da apresentadora Xuxa, que no passado fez certo filme do qual se arrepende bastante e que esta não mais deseja que seja exibido ou rememorado por lhe causar prejuízos profissionais além de transtornos pessoais. Assim, uma pessoa famosa, seja artista, esportista, político ou qualquer outra evidente profissional que, em certo momento de sua vida, deseja voltar a ser um anônimo, e não mais ser incomodado por reportagens, entrevistas ou qualquer outra forma de exposição pública.
Na década de noventa, tal medida acontecera com a ex-atriz Lídia Brondi e, também com Ana Paula Arósio que, mesmo com carreiras profissionais de grande sucesso, optaram por voltar ao anonimato. Por isso, é assegurado juridicamente o direito ao esquecimento.
De forma que se um veículo de comunicação tiver a infeliz iniciativa de fazer uma reportagem especial mostrando sua vida atual, com fotógrafos e câmaras abordando seu cotidiano, entrevistando pessoas que as conhecia no passado e, mostrando lugares que atualmente frequentam e, etc, estas poderão requerer ao Judiciário, as devidas medidas que impeçam essa violação ao direito ao esquecimento.
Contudo, existem doutrinadores que muito criticam a existência do direito ao esquecimento. O Ministro Luís Felipe Salomão, no julgamento do REsp 1.335.153 apesar de ser favorável ao direito ao esquecimento, colacionou diversos argumentos contrários à tese. Tais como: a) acolhimento do direito ao esquecimento constituiria atentado à liberdade de expressão e de imprensa; b) o direito de fazer desaparecer as informações que retratam uma pessoa significa a perda da própria história, assim, afronta o direito à memória de toda sociedade; c) direito ao esquecimento tem como consequência fazer desaparecer registros sobre crimes e criminosos perversos e perigosos, que entraram para a história social, policial e judiciária e, traz o ocultamento de informações de interesse público;
d) torna-se absurdo acreditar que uma informação lícita venha a se tornar ilícita pelo simples fato de que já passou muito tempo desde sua ocorrência; e) quando alguém se insere em fato de interesse coletivo, mitiga-se ipso facto a proteção à intimidade e privacidade em prol do benefício do interesse público.
O principal busilis quanto à plena aceitação da proteção do direito ao esquecimento reside exatamente em como conciliar tal direito com a liberdade de expressão e de imprensa e com o direito à informação.
Em março de 2014, na VI Jornada de
Direito Civil do Conselho de Justiça Federal/ATJ fora aprovado enunciado
defendendo a existência do direito ao esquecimento como uma expressão da
dignidade humana. In litteris:
Enunciado 531: “A tutela da
dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao
esquecimento”.
Tais enunciados apesar de desprovidos de
força cogente, é importante fonte de pesquisa e argumentação jurídica utilizada
pelos profissionais de Direito.
O STJ, através de sua Quarta Turma
acolhe essa tese, em dois julgados, onde afirmou que o sistema jurídico
brasileiro protege o direito ao esquecimento (REsp 1.225.153-RJ e REsp
1.334.097-RJ, relator Ministro Luís Felipe Salomão, julgados em 28.05.2015.
Cumpre destacar que tal direito não se
restringe a proteger os conflitos originados ao ciberespaços ou aqueles
oriundos de casos criminais, protege, portanto, a personalidade do homem como
um todo, buscando a não recordação de fato constrangedor ou crime em relação ao
lesado direto ou indireto, preservando sua imagem, privacidade e não a pessoa
do ofensor, isto é, protege-se os próprios direitos de personalidade em todos
os âmbitos.
Não significa ocultar, editar ou apagar
informação desatualizada sobre a pessoa, nem reescrever a própria história.
Principalmente quando tal direito se opõe à memória de fatos verídicos
ocorridos no passado e constrangedores, busca-se impedir que a publicação lesiva
atinja a personalidade, reconhecendo e, finalmente, oferecendo-se a
oportunidade ao homem de superar episódios passados.
Registra-se que o primeiro caso fora
julgado no Tribunal da Califórnia em 1931, num processo envolvendo Gabrielle
Darley e Reide. E, que começou quando este produziu um filme sobre a vida de
Gabrielle, marcada por prostituição e processo criminal no qual fora absolvida.
Os constrangimentos inerente à exposição de fatos passados, a fizeram ajuizar
uma ação contra o produtor Reide. A valorização do direito à intimidade em face
do direito à liberdade de expressão sobre fato pretérito, mas o autêntico
acolhimento do pedido, reconheceu pela primeira vez, apesar de que tacitamente,
o direito ao esquecimento.
Outro caso foi Lebach ocorrido na
Alemanha de 1983 considerado como marco na doutrina, quando quatro soldados
foram brutalmente assassinados enquanto dormiam. Muito tempo após aos óbitos, o
terror que a cidade vivenciou, quando o caso já havia sido esquecido quase
completamente, uma emissora de televisão planejava exibir documentário
intitulado como "O assassinato de soldados em Lebach". Num momento em
que um dos autores estava em processo de ressocialização, conseguiu na direito,
o direito de impedir a exibição do referido documentário, por força da decisão
do Tribunal Constitucional Alemão.
Em nosso país, a temática ganhou atenção
através do Enunciado 531 do CJF/STJ e a justificativa do enunciado consta que o
direito ao esquecimento assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado
aos fatos pretéritos, mais especificamente, o modo e a finalidade com que são
lembrados. Além de dois casos relevantes que envolveram o tema julgado pelo STJ.
Até recentemente, o único diploma legal
que disciplina algo semelhante ao direito ao esquecimento é a Lei do Marco Civil, a Lei 12.965/2014 ao fixar o direito à exclusão definitiva de dados
pessoais, in litteris:
“O acesso à internet é essencial
ao exercício da cidadania e ao usuário é assegurado o direito à exclusão
definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação da
internet, a seu requerimento, ao término da relação entre as partes,
ressalvadas as hipóteses de guarda obrigatória de registros previstas em lei”.
Também a Lei 13.709/18 - LGPD - traz
regras que servirão para nortear a aplicação dos direitos à informação e
liberdade de expressão quando em confronto com o direito ao apagamento de
dados, como referido na lei nacional, mais conhecido como "direito ao
esquecimento". Dando seguimento ao
exame dos direitos dos titulares de dados pessoais, o art. 18, VI, da LGPD,
prevê o direito à “eliminação dos dados pessoais tratados com o consentimento
do titular, exceto nas hipóteses previstas no art. 16 desta Lei.” Também
conhecido como direito ao esquecimento, o direito à eliminação já foi abordado
quando se discorreu sobre o término do tratamento de dados (Parte VII) e quando
se tratou do próprio direito à eliminação de dados previsto no art. 18, IV
(Parte X).
Já o inciso VII do art. 18 da LGPD trata
do direito à “informação das entidades públicas e privadas com as quais o
controlador realizou uso compartilhado de dados”. Corolário dos princípios do
livre acesso (LGPD, art. 6º, IV) e da transparência (LGPD, art. 6º, VI), a
previsão expressa do direito à informação sobre o compartilhamento reforça a
importância de que o titular tenha pleno conhecimento não apenas daqueles com
os quais o controlador realizou qualquer tipo de compartilhamento como também
da extensão do referido compartilhamento – os dados que foram efetivamente
compartilhados – e a finalidade que justificou o procedimento. Não é sem razão
que, ao disciplinar o direito de acesso, o art. 9º, V, evidencia que o seu
objeto abrange “informações acerca do uso compartilhado de dados pelo
controlador e a finalidade”.
A doutrina a respeito da temática pode
ser estudada em dois aspectos, um material e outro procedimental. O primeiro
questiona seu reconhecimento, como forma de impedimento de propagação de
informação verídica e lícita ocorrida no passado e, o segundo, desloca sua
atenção ao sujeito passivo da relação jurídica, para descobrir contra quem se
poderá postular o direito ao esquecimento e questiona, ainda, a legitimidade de
litigar contra intermediário.
É frequente tal questionamento em face
de demandas contra o Google, empresa que já fora sentenciada pelo Tribunal de
Justiça da União Europeia e, fora obrigada, a desindexar links de informações
que continham dados pessoais irrelevantes, em atendimento ao direito ao
esquecimento. Porém, há diferente entendimento do STJ que entendeu pela
impossibilidade de se impor ao Google a desindexação específica de alguns
resultados, devendo ser apurada a responsabilidade do provedor original do
conteúdo, aquele que publica a informação.
Primeiramente, convém ressaltar que o
direito em estudo se deve ao respeito à dignidade humana que deve pautar a
ética jornalística. Portanto, é o entendimento de Simón Castellano, para qual o
direito de ser esquecido, se configura como direito de autonomia e liberdade,
sendo sustentado naturalmente e decorrente da proteção da dignidade da pessoa humana.
Pontua, o renomado doutrinador que nos
derradeiros tempos houve uma majoração significativa de demandas buscando a
proteção contra a perseguição de eventos passados. E, a grande maioria postula
o cancelamento de informações contidas em sites na web, após a recusa do
responsável pelo conteúdo em retirar da internet. Além da remoção, o direito ao
esquecimento também garante o direito a desindexação do conteúdo pelos
provedores de busca. Existem, dois princípios basilares que fazem entender a
tutela de dados pessoais e ainda pela necessidade do direito a ser esquecido no
ciberespaço, são estes: o princípio do consentimento e o princípio do
propósito.
O primeiro princípio compreende que todo
processamento de dado pessoal deverá ser realizado com o consentimento do
titular, o que fora plenamente reforçado pela LGPD. Esse consentimento
refere-se a inequívoca manifestação de vontade, de forma livre e específica.
Tal princípio é aplicável sob duas
formas, a saber: 1. quando o próprio titular, ao publicar informações contendo
dados pessoais na internet, hipótese muito comum nas redes sociais, tais como fotografias,
vídeos, textos e, etc., revoga ao consentimento; e 2. pode o cidadão se opor
aos dados pessoais publicados por terceiros, mas neste caso, há que ser feita
ponderação dos direitos de personalidade e das liberdades comunicativas. O
princípio do propósito poderá servir de base sólida para o direito ao
esquecimento pela determinação de exclusão da informação quando atingido o seu propósito,
ou quando perderem utilidade.
Torna-se bastante razoável prever que
uma informação ultrapassada sem nenhum interesse público não mais apareça nas
buscas de provedores intermediários ou indexadores. O direito ao esquecimento
se insere no campo da proteção de dados pessoais, e também sustenta que o
princípio da finalidade, ao inserir no âmbito de proteção deste direito, que
todo dado pessoal alcançada licitamente, inclusive quando concedido pelo
próprio titular, deve ser retirado do ar quando atingida sua função ou
finalidade.
Em verdade, progressivamente o direito
ao esquecimento galgou espaço no mundo jurídico, sendo alvo de diversos estudos
científicos de relevantes nomes nacionais e internacionais. Ligado ao passado
judicial de uma pessoa, surgiu a clássica ideia de esquecimento sobre registros
criminais, de sorte que não se admite que alguém possa sofrer eternamente por
um erro cometido no passado, cabendo mesmo a sociedade ofertar novas
oportunidades de reabilitação e reinserção do indivíduo no meio social. O
direito de esquecer a história judicial ultrapassa os limites do registro
criminal e, entrar em conflito direto com o direito à informação.
O tempo é o critério preponderante para
a solução do conflito, sendo certo que o interesse jornalístico na divulgação
de um fato é imediato, isto é, é vinculado ao fator tempo. Alguns doutrinadores
sustentam que o direito à informação é prevalente sobre o direito a ser
esquecido, quando há interesse público na divulgação dos fatos. E, são duas as
hipóteses suscitadas, quando os fatos possuem interesse histórico e forem
relacionados ao exercício de atividade pública por uma pessoa pública. E,
nesses casos, o direito à informação prevalecerá sobre o direito de ser
esquecido, não obstante o tempo decorrido.
No próximo dia 3.2.2021 o STF terá sua
primeira sessão judiciária para julgamento do Recurso Extraordinário 1.010.606,
com repercussão geral[2] conhecida. O tema cinge-se
ao controverso direito ao esquecimento na esfera cível.
O recurso fora proposto pela família de
Aída Curi[3], adolescente que em 1958
fora estuprada, espancada e morta. Em 2004, o programa intitulado "Linha
Direta da Justiça[4]"
da TV Globo[5]
dramatizou o caso e ainda exibiu imagens reais da vítima assassinada. E, os
parentes pleiteiam o direito de esquecer tal brutalidade e, ainda, questionam a
exposição do crime em cadeia nacional
Apesar da LGPD há muitos entendimentos
conflituosos a respeito do direito ao esquecimento e, geram demandas contendo
pedidos de remoção de conteúdo da internet. Tal julgamento terá impacto
determinante sobre a liberdade de expressão e a divulgação de informações na
internet, em confronto com o direito à privacidade e à intimidade.
Alguns doutrinadores entendem que o
direito ao esquecimento deverá ser aplicado somente nos casos de notícias
falsas ou fake news ou mentirosas que causem danos morais. Ademais, trata-se
de uma forma de censura o que contraria o texto constitucional vigente, que
exemplificativamente, pode prejudicar matérias jornalísticas investigativas,
cujo principal finalidade é servir de alerta para toda a população.
Defendem os especialistas que deve
prevalecer a liberdade, mesmo porque não agrada ao Judiciário ser o decisor de
pedidos de liminar que impeçam ou restrinjam a manifestação de expressão e
pensamento. E, eventual e raro abuso deverá ser reparado como forma de
indenização. Porém, nem sempre a liberdade de expressão é vista como conceito
prevalente sobre a intimidade do cidadão.
O direito a imprensa livre não é absoluto e depende de seu interesse
público.
Em pauta no STF defende-se que o direito
ao esquecimento deve prevalecer com decorrente da dignidade humana para se
evitar a eterna revitimização da família. Baseando-se também de a vítima não
ser figura pública e a ausência de contemporaneidade do fato noticiado.
Não se presta o direito ao esquecimento
para a ocultação ou mesmo eliminação de fato história ou proibição de
circulação de ideias. Mas, sim, é lícito perpetuar informações desatualizadas
que mais ofendem os direitos de personalidade do que atendem o interesse
público à informação.
Os defensores do esquecimento absoluto
entendem que este deverá sempre prevalecer em conflito com qualquer outro
direito, o que pode desequilibrar a balança do direito. O que se recomenda a
fazer, em verdade, é estabelecer critérios de ponderação dos valores
constitucionais, o que contraria às ideias do Ministro Gilmar Mendes, por
exemplo, para quem o Judiciário jamais pode intervir na divulgação de fatos que
ofendam os direitos da personalidade, para evitar a censura.
Registre-se, ainda que, o Instituto
Brasileiro de Direito Civil adotou intermediária posição através da opinião de
Anderson Schreiber. Pois não há regra sobre qual direito fundamental deva
prevalecer em eventual conflito. Deve ser feito critério de ponderação a fim de
sopesar os princípios em conflito, de modo que seja aplicado em cada caso
concreto.
É conveniente recordar que a
personalidade humana é tutelada em diversos aspectos, como direitos humanos,
direitos fundamentais, direitos sociais e direitos da personalidade. E, importa
destaca ab initio, que a principal diferença entre esses direitos se
arroga até ao plano internacional e independem de previsão legal específico nos
ordenamentos jurídicos dos países soberanos. Já os direitos da personalidade se
manifestam igualmente na proteção da pessoa, mas particularmente, no âmbito das
relações privadas.
Segundo Schreiber (2011), todos esses
direitos se igualam no valor tutelado, a saber, a dignidade da pessoa humana
que conceitua o princípio como sendo o valor-síntese que reúne as esferas
essenciais de desenvolvimento e a realziação da pessoa humana. No rol de
direitos da personalidade se insere tanto a legislação constitucional como a
infraconstitucional não impedindo o reconhecimento de novos direitos, vez que
são todos fundados no megaprincípio que é o da dignidade da pessoa humana.
Foi a publicização e constitucionalização do direito civil, particularmente marcada com a Constituição Federal brasileira de 1988 que todo o ordenamento jurídico, incluindo-se também as relações privadas, tornou inevitável nova leitura ou releitura do direito privado à luz do Estado de Direito, dando maior atenção aos sujeitos das relações jurídicos, enxergando-os como sujeitos de direitos que possuem dignidade.
Referências
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Acesso em 1.2.2021.
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ao esquecimento no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69858/a-protecao-do-direito-ao-esquecimento-no-ordenamento-juridico-brasileiro
Acesso em : 01.2.2021.
MENDES, Gilmar Ferreira. Colisão de
direitos fundamentais: liberdade de expressão e de comunicação e direito à
honra e à imagem. Revista de informação legislativa, v. 31, n. 122, p. 297-301,
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Acesso em 1.2.2021.
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https://draflaviaortega.jusbrasil.com.br/noticias/319988819/o-que-consiste-o-direito-ao-esquecimento
Acesso em 1.2.2021.
OST, François. O Tempo do Direito.
Tradução Élcio Fernandes. Bauru, SP: Edusc, 2005. P. 160-161.
SCHREIBER, Anderson. Nossa ordem
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Acesso 2.2.2021.
______. As três correntes do direito ao
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. Acesso em 1.2.2021.
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Sobre Repercussão Geral. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaRepercussaoGeral&pagina=apresentacao
Acesso em 1.2.2021.
STJ. Uso de imagem de Aída Curi morta no
programa Linha Direta não configurou dano moral. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/noticias/100545604/uso-de-imagem-de-aida-curi-morta-no-programa-linha-direta-nao-configurou-dano-moral
Acesso em 1.2.2021.
Notas:
[1] Nos Estados Unidos, por exemplo, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa possuem uma dimensão poucas vezes vista em outros países, o que pode ser identificado nos casos New York Times v. Sullivan (permissão de publicação de quaisquer manifestações, até informações inverídicas), New York Times v. United States (a liberdade de imprensa não pode ser restringida com a alegação genérica de defesa da segurança nacional) e Miami Herald Publishing v. Tornillo (o direito de resposta é inconstitucional). In: CABRAL, Bruno Fontenele. The right to be alone: Considerações sobre o direito ao esquecimento. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28362/the-right-to-be-let-alone-consideracoes-sobre-o-direito-ao-esquecimento#:~:text=O%20direito%20ao%20esquecimento%20tamb%C3%A9m,intimamente%20ao%20direito%20%C3%A0%20privacidade.&text=RECURSO%20ESPECIAL.,DIREITO%20CIVIL%2DCONSTITUCIONAL. Acesso em 1.2.2021.
[2]
Repercussão Geral é o instituto processual pelo qual se reserva ao STF o julgamento
de temas trazidos em recursos extraordinários que apresentem questões
relevantes sob o aspecto econômico, político, social ou jurídico e que
ultrapassem os interesses subjetivos da causa. A Emenda Constitucional nº
45/2004 incluiu a necessidade de a questão constitucional trazida nos recursos
extraordinários possuir repercussão geral para que fosse analisada pelo Supremo
Tribunal Federal. O instituto foi regulamentado mediante alterações no Código
de Processo Civil e no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. As
características do instituto demandam comunicação mais direta entre os órgãos
do Poder Judiciário, principalmente no compartilhamento de informações sobre os
temas em julgamento e feitos sobrestados e na sistematização das decisões e das
ações necessárias à plena efetividade e à uniformização de procedimentos.
[3]
(...)"O segundo caso analisado foi o dos familiares de Aída Curi, abusada
sexualmente e morta em 1958 no Rio de Janeiro. A história desse crime, um dos
mais famosos do noticiário policial brasileiro, foi apresentada pela rede
Globo, também no programa “Linha Direta”, tendo sido feita a divulgação do nome
da vítima e de fotos reais, o que, segundo seus familiares, trouxe a lembrança
do crime e todo sofrimento que o envolve. Em razão da veiculação do programa,
os irmãos da vítima moveram ação contra a emissora, com o objetivo de receber
indenização por danos morais, materiais e à imagem. A 4ª Turma do STJ entendeu
que não seria devida a indenização, considerando que, nesse caso, o crime em
questão foi um fato histórico, de interesse público e que seria impossível
contar esse crime sem mencionar o nome da vítima, a exemplo do que ocorre com
os crimes históricos, como os casos “Dorothy Stang” e “Vladimir Herzog”. Mesmo
reconhecendo que a reportagem trouxe de volta antigos sentimentos de angústia,
revolta e dor diante do crime, que aconteceu quase 60 anos atrás, a Turma
entendeu que o tempo, que se encarregou de tirar o caso da memória do povo,
também fez o trabalho de abrandar seus efeitos sobre a honra e a dignidade dos
familiares”. (...) In: ORTEGA, Flávia Teixeira. O que consiste o direito ao
esquecimento? Disponível em:
https://draflaviaortega.jusbrasil.com.br/noticias/319988819/o-que-consiste-o-direito-ao-esquecimento
Acesso em 2.2.2021.
[4]
Com muito sangue, denúncias e histórias macabras, o Linha Direta foi exibido
pela Globo durante oito anos e terminou em 6 de dezembro de 2007. Foi o
primeiro programa apresentado por Marcelo Rezende (1951-2017), que decidiu sair
da emissora após reclamar de censura a reportagens.
[5] O advogado da TV Globo, José Perdiz, também apresentou sustentação oral e defendeu o direito à liberdade de expressão: É o direito constitucional, é o direito amparado na matéria infraconstitucional, de se criar, produzir, informar, levar à sociedade aquilo que tem anseio e deve conhecer. O advogado defendeu que, ao contrário do alegado pelos autores de que a exibição teve apenas pretextos comerciais, o programa é estritamente um documentário jornalístico. In: STJ. Uso de imagem de Aída Curi morta no programa Linha Direta não configurou dano moral. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/noticias/100545604/uso-de-imagem-de-aida-curi-morta-no-programa-linha-direta-nao-configurou-dano-moral Acesso em 1.2.2021.