Democracia ferida brasileira

Considerações da colunista Gisele Leite.

Fonte: Gisele Leite

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Existiram vários momentos  em que violência contra os políticos marcou o futuro do Brasil. Cumpre primeiramente repudiar veementemente o ataque desferido contra o candidato à Presidência da República Jair Messias Bolsonaro, saiu sangrando de morte a nossa combalida democracia.


Não existe divergência doutrinária ou ideológica que credencie qualquer ato de violência. Deve haver o debate e convencimento e, na a contundência de ferramentas pérfuro-contundentes, se atingiu principalmente a dignidade da pessoa humana e a cidadania brasileira.


Ao longo da história de nosso país, registrou-se um crime passional que vitimou João Pessoa, então candidato à vice- presidente de Getúlio Vargas, em 1930 e, mais tarde, serviria de estopim para a Revolução de 1930. 


Outro atentado bastante notório e prejudicial foi o desferido contra o jornalista e político Carlos Lacerda em 1954, o que mais tarde, viria a causar o afastamento trágico de Getúlio Vargas.


Em períodos de disputas eleitorais transita uma verve muito passional e idiossincrática e, tamanha violência só serve para criar imagens, personagens, construir vítimas ou até mesmo mártires. 


E, tais personagens passam a integrar o imaginário coletivo, desferindo certeira influência no resultado final das eleições . Os atentados, por fim, desfiguram a democracia.


O nosso terceiro Presidente da República foi Prudente de Moraes  e, assumira nos primórdios da nossa república, quando contava apenas com cinco anos . 


E, governou o nosso país durante forte turbulência, que incluíra a Guerra dos Canudos  que contrapôs o Exército e os integrantes do movimento popular de caráter religioso liderado por Antônio Conselheiro . 


Logo após ocorrer a chacina da população do arraial do sertão baiano, deu-se a consequente proclamação de vitória da União Federal,  ocasião em que Prudente de Moraes participava de uma cerimônia para recepcionar a dois batalhões que retornavam de Canudos para o Arsenal de Guerra, onde hoje é atualmente a Praça Mauá, quando sofreu atentado.


Quando o soldado chamado Marcelino Bispo de Mello falhou em acertar o então Presidente e, acabou por ser atingido pelo Marechal da Guerra, Marechal Bittencourt  que infelizmente morreu esfaqueado em seu lugar. 


Tal episódio levou Prudente de Moraes a decretar o estado de sítio , adquirindo dessa feita amplos poderes  para governar o Brasil e, ainda, contribuiu para a rápida ascensão da oligarquia cafeicultora dentro da política brasileira.


O assassinato de João Pessoa, que era então presidente do Estado da Paraíba, o que equivaleria ao de Governador do Estado, fora morto a tiros pelo advogado João Duarte Dantas. 


O referido crime tinha motivações passionais. Pois o opositor de João Pessoa, Dantas sofrera e tivera seu escritório violado e revirado pela polícia local e seus documentos recolhidos e enviados para divulgação na impressa local, com a anuência de João Pessoa.  


Na época o Jornal intitulado "A União" que era um órgão oficial do governo estadual, publicou tudo em primeira página, dando publicidade as cartas de amor, repletas de detalhes picantes, que foram trocadas entre o advogado e a jovem Anayde Beiriz , uma professora de vinte e cinco anos, que era bonita, solteira, poetisa e, cumulava em ser fumante e ainda feminista. 


Uma vez formado o estrondoso escândalo, Anayde não suportou a publicidade e, terminaria por se suicidar. Outras mortes também se seguiram ao episódio, como a do então deputado federal e ex-presidente do Estado, João Suassuna , pai do escritor Ariano Suassuna que fora assassinado, no Rio de Janeiro, por Miguel Laves de Sousa.


Assim, para defesa de sua honra, João Duarte Dantas  invadira a confeitaria Glória, situada no centro de Recife, e interrompeu o chá de Pessoa com três tiros disparados à queima-roupa. 


Lembrando que a vítima era figura de alto prestígio político, sendo sobrinho do ex-presidente da República Epitácio Pessoa  e, o assassinato chocou todo o país.


Quando então, Getúlio Vargas em sua campanha habilmente fora competente em converter o assassinato passional em um crime político, não descartando que algo similar, venha mesmo a acontecer com relação ao ataque sofrido por Bolsonaro.


O corpo de Pessoa fora transladado em navio para o Rio de Janeiro, o que na época, gerou ampla comoção no povo. 


E, a Aliança Liberal  de Vargas que era oposição a Júlio Prestes, candidato que na época, tinha maior apoio do então Presidente Washington Luís e dos poderosos cafeicultores de São Paulo. 


Quando se definiu o crime como sendo político e atribuiu a culpa deste aos aliados do presidente. O crime serviu de combustível para a revolta civil e militar que depôs Washington Luís e, colocou Getúlio Vargas no poder, na Revolução de 1930 .


O atentado a Carlos Lacerda também conhecido como “atentado da rua Toneleiro”, por conta do nome do logradouro situado em Copacabana, bairro carioca, onde Lacerda quase foi morto em 5 de agosto de 1954.


A fracassada tentativa de assassinato redundou em séria crise política e militar e, culminou com a exigência da renúncia de Vargas que não acontecera mas mesmo assim, sairia do poder, através do seu suicídio no dia 24 do mesmo malsinado agosto... 


Aliás, no final de sua carta-testamento ele escrevera: “Saio da vida para entrar na história”.


Na época Lacerda era inimigo figadal de Vargas e, tal tentativa de homicídio que acabou por matar o major Rubens Vaz que era seu segurança  e agente da Aeronáutica. 


E, mais tarde, as investigações policiais revelaram o envolvimento direto do chefe da guarda pessoal de Vargas, o famoso “Anjo Negro”, Gregório Fortunato  que por fim, acabou confessando ser mesmo o mandante do crime.


O impressionante é verificar que se a morte de João Pessoa teve repercussão direta na Revolução de 1930 , por sua vez, a tentativa de homicídio de Lacerda também teve influência forte para as mudanças da política brasileira, e com o suicídio de Vargas, novo ciclo na vida política brasileira se abriu.


Outro episódio sinistro foi o atentado do aeroporto dos Guararapes, logo no inicial período da ditadura militar , o Marechal Arthur da Costa e Silva chegou ao dito aeroporto, em Pernambuco, com parte de sua campanha presidencial. 


Eis que ocorrera um atentado a bomba bem no saguão do aeroporto que matou duas pessoas (o jornalista Edson Régis e o Vice-Almirante Nelson Gomes Fernandes) e feriu outras quatorze e, por muito pouco, não veio vitimar Arthur Costa e Silva. A bomba fora colocada em uma mala abandonada no saguão, que veio a explodir, quando fora removida por um guarda local.


Mas, mesmo assim, através de eleições indiretas Costa e Silva  fora escolhido para ser presidente e pouco mais de dois meses do dito atentado, e efetivamente presidiu o Brasil de 1967 a 1969. 


Na época, o episódio fora considerado com ato terrorista, mas alguns historiadores contestam e consideraram que o ataque possa ter sido orquestrado pelos militares afim de fomentar o medo no povo brasileiro.


Outro atentado foi o ocorrido no RioCentro, em 30 de abril de 1981, quando a extrema-direita do Exército brasileiro explodiu o carro onde estavam o sargento Guilherme Pereira do Rosário e o capitão Wilson Dias Machado, durante a comemoração do Dia do Trabalho. 


Teve também uma segunda explosão a alguns quilômetros de distância, na miniestação elétrica responsável pelo fornecimento de luz do RioCentro. 


Na época a abertura do Inquérito Policial Militar fracassou em apontar os responsáveis pelo crime, culminando com a renúncia do general Golbery do Couto e Silva, então Chefe da Casa Civil do governo do General João Figueiredo, e um dos criadores do SNI e, resultou no arquivamento do caso.


Somente em 2014, a Comissão Nacional da Verdade  apresentou relatório preliminar sobre o referido atentado e conclui que fez parte de ação articulada do Estado brasileiro e, o episódio bem como seus desdobramentos serviram para marcar a decadência e o esgotamento do regime militar no Brasil e, rumar para o restabelecimento da democracia.


Por conta da saúde de nossa frágil democracia, o atentado fere de morte a necessidade de todos terem direito a livre manifestação, a liberdade de manifestação bem como de participar no debate e da escolha de seus futuros representantes. 


Não é possível acreditar que seja a violência  a linguagem adequada para que sejamos um país melhor, mais próspero e, principalmente, mais respeitador dos direitos humanos. 


Deixo aqui patente meus sinceros votos de pronto restabelecimento de Bolsonaro bem como meu respeito aos seus familiares e correligionários


Referências:


Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil; Silvia Noronha Sarmento.  «Dicionário da Elite Política Republicana (1889-1930), verbete: Manuel Vitorino» (PDF).  Fundação Getúlio Vargas. Consultado em 7 de setembro de 2019.


CARNEIRO, Júlia Dias. 4 momentos em que a violência contra políticos marcou os rumos do Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45444618 Acesso em 7.9.2018.


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NARLOCH, Leandro. Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil.2.ed. São Paulo: Leya, 2014.


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SCHWARCZ, Lília M.; STARLING, Heloisa M. Brasil: uma biografia - Pós-escrito São Paulo: Companhia das Letras, 2015.


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CÁCERES, Florival. História Geral. 4.ed. São Paulo: Moderna, 1998.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Democracia Brasil Atentado Jair Bolsonaro Candidato Presidência da República

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