Considerações sobre os Crimes contra a Dignidade Sexual no direito penal brasileiro
Apesar das Leis 12.015/2009 e Lei 13.718/2018 traduzem grande progresso na repressão aos crimes contra a dignidade sexual, ainda carecemos de mecanismos mais eficazes para evitar e dirimir os conflitos dessa natureza.
O
presente texto trata de alguns crimes contra a dignidade sexual, os mais
relevantes e sobre a importância das leis que atualizaram o nosso Código Penal.
O
Título VI do Código Penal brasileiro sofreu grande alteração em decorrência da
Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009, a começar pela mudança de denominação do
Título que era crimes contra os costumes, notadamente, por passar a disciplinar
os delitos contra vulneráveis, além da fusão de diversas figuras típicas, como
é o caso da reunião dos tipos de estupro e o de atentado violento ao puder
dentro do mesmo dispositivo legal, bem como a introdução de outras modalidades
criminosas, tais como o estupro de vulnerável[1], previsto no artigo 217-A
CP, entre outras.
Antes
da Lei 12.015/2009 sustentava-se que o objeto da proteção era o interesse
jurídico era a conservação do mínimo ético reclamado pela experiência social
dos fatos sexuais. Tutelava-se a moral pública sexual, onde os intérpretes e os
julgadores ao aplicar a lei valiam-se, da observação de costumes vigentes na
sociedade onde vivem.
E, com
a crescente liberdade sexual, atualmente, vigente, as relações entre homem e
mulher perderam a outrora conotação de pecado e segredo.
Afinal,
contemporaneamente, o sexo é amplamente discutido e revelado, por vezes, mui
diretamente, pelos meios de comunicação. Tanto que as gerações mais recentes
conhecem logo o mundo do sexo e até o encaram com naturalidade.
Rogério
Greco entende que a vulnerabilidade é absoluta, já que a determinação da idade
foi uma eleição político-criminal feita pelo legislador. Refere o doutrinador
que o tipo não está presumindo nada, ou seja, estará tão-somente proibindo que
alguém tenha conjunção carnal ou pratique outro ato libidinoso com pessoa
vulnerável.
Já
para Guilherme Nucci, ao contrário, defende a relativização da vulnerabilidade,
referindo que o legislador pátrio, na área penal, continua retrógrado e incapaz
de acompanhar e entender as mudanças de comportamentos reais na sociedade
brasileira. Cita algumas decisões do TJRS têm esse sentido, como por exemplo,
TJRS Apelação Crime 70056571656, j. 18.12.2013.
Com a
nova denominação do Título VI já se avista a radical mudança de enfoque dado,
principalmente, quanto ao bem jurídico tutelado. E, revela ter priorizado a
proteção calcada no princípio da dignidade da pessoa humana, conforme consta no
artigo 1º, III da Constituição Federal Brasileira de 1988. E, promove assim a
indispensável sintonia entre o conjunto de valores fundamentais albergado
constitucionalmente e os tipos penais descritos no Código Penal pátrio.
O
Direito Penal elege, penalmente, em termos de sexualidade, as condutas típicas,
ou seja, as atitudes que se refiram à relação sexual não consentida (seja por
meio de coerção ou fraude), à explorada por terceiros e à cometida por vítimas
reconhecidas como vulneráveis. Assim, fora disso, há de prevalecer o direito à
liberdade, à intimidade e à tolerância.
Sendo
por esse motivo que a homossexualidade, a prostituição e a bestialidade não são
puníveis por si mesmos.
Aliás,
a homofobia[2]
é constituída estruturalmente na sociedade, tal qual como o racismo e o
machismo e, deixar essas atitudes de lato é parte de um exercício diário de
civilidade. Em 8 de maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a proibição
de homens declarantes homossexuais doarem sangue, ainda assim gays relatam
impedimentos para doar algumas semanas após a retirada judicial do impedimento.
Em
junho de 2019, o STF decidiu pela criminalização da homofobia e da transfobia,
determinando que a conduta passe a ser punida pela Lei de Racismo (Lei
7.716/1989). Enquanto não for editada a lei pelo Congresso que regulamenta o
tema, a homotransfobia será tratada como um tipo de racismo, constituindo
crime, portanto, praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito em
razão da orientação sexual de qualquer pessoa.
A pena
pode variar de um a três anos, mais multas, podendo chegar a cinco anos se
houver a divulgação de ato homofóbico em meios de comunicação como nas redes
sociais.
O
Estado de São Paulo regulamentou por meio de Decreto 65.127, de 12 de agosto de
2020, a atuação das Delegacias de Defesa da Mulher[3] para prever o atendimento
às mulheres trans. Dando-se o completo acolhimento, os campos que também
integram as identificações de orientação sexual, identidade de gênero e nome
social.
É
importante ressaltar que existem diferenças entre o crime de homofobia previsto
no artigo 20 da Lei 7.716/2018 (crime de racismo) para um crime comum, já que
para ser enquadrado como um crime de homofobia (dentro da Lei do Racismo), o
crime se torna inafiançável (não existe fiança) e imprescritível (o crime não
prescreve), diferentemente do crime comum.
Em 13 de junho de 2019 o Plenário do STF entendeu que houve omissão inconstitucional do Congresso Nacional por não editar lei que criminalize atos de homofobia e de transfobia. O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, de relatoria do ministro Celso de Mello, e do Mandado de Injunção (MI) 4733, assim, por maioria de oito votos a favor e três contrários, a Corte reconheceu a mora do Congresso Nacional para incriminar atos atentatórios a direitos fundamentais dos integrantes da comunidade LGBT[4].
De tal
sorte que a conclusão foi: Por maioria, o Plenário aprovou a tese proposta pelo
relator da ADO, ministro Celso de Mello, formulada em três pontos. O primeiro
prevê que, até que o Congresso Nacional edite lei específica, as condutas
homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, se enquadram nos crimes
previstos na lei 7.716/89 e, no caso de homicídio doloso, constitui
circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe.
No
segundo ponto, a tese prevê que a repressão penal à prática da homotransfobia
não alcança nem restringe o exercício da liberdade religiosa, desde que tais
manifestações não configurem discurso de ódio. Finalmente, a tese estabelece
que o conceito de racismo ultrapassa aspectos estritamente biológicos ou
fenotípicos e alcança a negação da dignidade e da humanidade de grupos
vulneráveis[5].
A
postura da Igreja Católica mudou com o atual Papa Francisco que, inclusive
critica os fiéis que vão às igrejas e depois professam discursos de ódio.
O Sumo
Pontífice Francisco[6]
criticou novamente alguns membros da sua própria Igreja sugerindo que é melhor
ser ateu do que um dos "muitos" católicos que levam o que disse ser
uma vida dupla e hipócrita.
A
criminalização da homofobia não foi a primeira vez que os membros do STF
legislaram, também o foram em ocasiões anteriores, como no caso da ADPF 54
sobre a temática do aborto, sobre a união homossexual, e ao que parece outros
casos ainda surgirão em que o STF confunde seu papel.
Os
membros daquela Corte justificam suas ações ao equipara as funções brasileiras
com da Corte Constitucional Alemã, no entanto, as atribuições, poderes e
estrutura são diferentes e não se aplica tal comparação, claro está que a seara
do legislador é invadida indevidamente.
Não se
pode confundir o papel de guardião da Constituição para adquirir uma influência
política. Sobre o tema Ives Gandra da Silva Martins expressou: “Tenho,
reiteradamente, declarado admiração aos 11 (onze) ministros da suprema corte,
mas nem por isso, muito mais velho que eles, sinto-me confortável em vê-los,
poder técnico que são, transformarem-se em poder político”.
A má
vontade social em reconhecer sua escolha e o desrespeito para com esta. Alguns
tratam o homossexualismo como doença e o preconceito é tamanho que evitam até
ter contato físico porque pode ser "infectado".
Há
trinta anos, a OMS retirava homossexualidade da lista de doenças. A referida
decisão, no entanto, não extinguiu o preconceito e discriminação, porém, foi
importante para a compreensão da homossexualidade como identidade sexual, que
não necessita de cura. Foi apenas em 17 de maio de 1990, há trinta anos que a
OMS (Organização Mundial da Saúde) retirou a homossexualidade da Classificação
Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID).
O fato
é que a desinformação ainda predomina aliada a uma sociedade que permanece
machista, misógina e resistente ao novo. Inclusive com orientações recentes da
própria ciência que rotulou, até meados da década de oitenta, o homossexualismo
como doença. (In: GONÇALVES, Antonio Baptista. STF e a criminalização da
homofobia. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/319644/stf-e-a-criminalizacao-da-homofobia Acesso em 28.10.2021).
O
incesto, a seu turno, igualmente não está previsto como crime autônomo. E, em
determinados casos a relação próxima de parentesco se constitui como causa de
aumento de pena prevista no artigo 226, II do Código Penal.
O
adultério que não caracterizava crime contra os costumes, pois o bem jurídico
tutelado era a fidelidade conjugal, tornou-se fato penalmente atípico, após a
revogação do artigo 240 CP através da Lei 11.106/2005.
A
classificação dos crimes contra a dignidade sexual está disposta em cinco
capítulos, a saber:
1. Dos
crimes contra a liberdade sexual;
2. Da
exposição da intimidade sexual;
3. Dos
crimes sexuais contra vulneráveis;
4. Do
lenocínio[7] (que menciona o tráfico de
pessoas, conduta que desde 2016 não mais se inclui no Título VI CP, mas sim, no
Título I, conforme o artigo 149-A CP);
5. Do
ultraje público ao pudor.
O
atentado violento ao pudor, antes tipificado no artigo 214 CP foi expressamente
revogado pela Lei 12.015/2009, passando suas elementares a compor o crime de
estupro (artigo 213 CP).
Os
crimes contra a liberdade sexual, a lei penal visa proteger a livre escolha e
consentimento nas relações sexuais. Afinal, é o direito de dispor do próprio
corpo, de selecionar parceiros e de praticar livremente atos de sexo. Os
dispositivos penais preveem que a liberdade sexual pode ser violada por meio de
violência (seja física ou moral) ou de fraude.
Onde
haverá o comprometimento da vontade do sujeito passivo ou vítima, que praticará
atos sexuais (sejam normais ou anormais), sem prestar seu consentimento. E,
para a plena caraterização desses delitos resta indispensável a existência de
violência física ou moral, ou fraude. O bem jurídico ora tutelado, em geral, é
disponível.
Destacaremos
alguns tipos penais importantes. O primeiro é o estupro que está definido como
constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal
ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso
(previsto no artigo 213 CP, com a redação dada pela Lei 12.015/2009). Trata-se
crime hediondo[8],
nos termos do artigo 1º, V da Lei 8.071, de 25 de julho de 1990.
O
estupro[9], em sua redação original
no CP, somente poderia ser praticado por homem, como sujeito ativo, porque só
ele podia manter com a mulher conjunção carnal, que é o coito normal.
A Lei
12.015/2009 mudou o paradigma, e transformou estupro em crime comum. Portanto,
é possível que o estupro seja cometido por homem contra mulher, homem contra
homem, mulher contra mulher e por esta contra o homem.
Também
superada a questão controversa sobre a possibilidade de o marido[10] praticar o crime contra
sua esposa. Mesmo com a existência do
casamento e do dever de relacionamento sexual entre os cônjuges.
Assim,
a mulher também pode negar0se ao ato sexual por razões morais, tais como a
situação de saber que o marido teve pouco antes ou até no mesmo dia, relações
sexuais com prostituta ou amante, ou a hipótese de manter sexuais no dia da
morte do próprio filho.
Segundo
o notável Damásio de Jesus, o marido sempre pôde ser sujeito ativo do crime de
estupro mesmo contra a própria esposa. Justificando que, embora com o casamento
haja o direito de manter relacionamento sexual, tal direito não autoriza o
marido a forçar a mulher ao ato sexual, empregando contra esta violência física
ou moral que caracteriza o crime de estupro.
Conclui-se
que a esposa não fica obrigada a manter relações sexuais quando e onde este
quiser, e sujeita aos caprichos do marido em matéria sexual.
A
mulher casada, portanto, não perde o direito de dispor de seu corpo[11], isto é, o direito de se
negar ao ato sexual. E, sempre que não consentir na conjunção carnal e o marido
a obrigar ao ato, com violência ou grave ameaça, em princípio,
caracterizar-se-á o crime de estupro.
A
vítima do estupro, ou seja, o sujeito passivo é qualquer pessoa. Pois não se
exige qualquer qualidade especial para que seja a vítima de estupro, não
importando se trata de pessoa virgem ou não, prostituída ou não, de qualquer
estado civil (casada, solteira, viúva e, etc.), se velha ou jovem, ou se é
liberada ou recatada.
Não há
necessidade de que a vítima compreenda o caráter libidinoso do ato praticado.
Bastando que ofenda o pudor médio e tenha conotação sexual para que se
constitua o delito.
Se
houver vítimas vulneráveis, aplicar-se-á o artigo 217-A CP (estupro de
vulnerável), e se o ofendido for adolescente com quatorze anos completos,
incidirá a qualificadora do primeiro parágrafo do artigo 213 CP.
Referente
aos crimes sexuais contra vulnerável, há a previsão do estupro de vulnerável no
artigo 217-A CP, onde a objetividade jurídica cinge-se a dignidade sexual das
pessoas vulneráveis, entendidas como os menores de quatorze anos, deficientes
mentais que não têm necessário discernimento para atos sexuais e pessoas
impossibilitadas de oferecer resistência.
Trata-se,
igualmente, de crime hediondo na forma simples como nas formas qualificadas
conforme a Lei 8.072/1990 com a redação dada pela Lei 12.015/2009.
Esclareça-se
que, em se tratando de crianças e adolescentes na faixa etária referida,
sujeitos de proteção especial prevista na Constituição Federal e na Convenção
das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil, não há
situação admitida de compatibilidade entre o desenvolvimento sexual e o início
da prática sexual. Afastar ou minimizar tal situação seria exacerbar a
vulnerabilidade, numa negativa de seus direitos fundamentais”.
Nota-se
que a circunstância mencionada, literalmente interpretada, somente se dá quando
a vítima for maior de quatorze anos. Se for menor de quatorze anos, ocorrerá
delito mais grave que é tipificado no artigo 217-A CP.
Questiona-se
quanto o enquadramento penal do estupro quando a vítima comemora o seu
décimo-quarto aniversário. Damásio de Jesus entendeu que deve incidir a
qualificadora do artigo 213 CP, sob pena de recair no absurdo de considerar o
ato de estupro simples[12].
Mas,
numa interpretação literal, não haveria estupro de vulnerável ou estupro
qualificado. Mas, se a infração penal ocorrer um dia depois do aniversário,
todavia, incide a circunstância mencionada, submetendo o criminoso a uma pena
majorada. Tal exegese é absurda e deve ser corrigida mediante uma interpretação
extensiva do texto legal.
Resulta
daí que a conduta relativa ao constrangimento de alguém ao cometimento de ato
libidinoso, mediante violência ou grave ameaça, no dia de seu décimo-quarto
aniversário, deve subsumir-se à figura típica do artigo 213, primeiro parágrafo
CP.
Convém
frisar que o termo inicial da prescrição da pretensão punitiva dos crimes
contra dignidade sexual praticados contra menores de dezoito anos, desde que
ocorridos a partir do dia 18 de maio de 2012, que é a data que a vítima
completar a maioridade, salvo se a esse tempo, já houver sido proposta a ação
penal.
Se a
conduta foi praticada antes da data apontada, aplica-se a regra geral constante
no artigo 111, I CP, segundo a qual o prazo da prescrição antes do trânsito em
julgado inicia sua contagem com a consumação do delito.
A
conduta típica consiste em constranger alguém, mediante violência ou grave
ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se
pratique ato libidinoso. Constranger significa obrigar, forçar.
O
constrangimento se materializa diante da falta de consentimento do ofendido
seja sincera e positiva, que a resistência seja inequívoca, demonstrando a
vontade de evitar o ato desejado pelo agente, que será quebrada pelo emprego da
violência física ou moral. Portanto, não bastam, pois, as negativas tímidas,
nem resistência passiva e inerte.
Também,
não se exige o heroísmo, levando a resistência às últimas consequências.
Conclui-se que a mulher ou homem que se entregar ao estuprador ou estupradora
por exaustão de suas forças, nem a que sucumbe ao medo, evitando a prática de
qualquer ato externo de resistência. Importa é que não haja a adesão da vítima
à vontade do criminoso.
Frise-se,
também, que a realização de atos libidinosos com vítimas vulneráveis configura
ilícito penal independentemente do consentimento do ofendido (vítima) previsto
no artigo 217-A CP. Debate-se sobre o emprego da violência física para a
concretização da conjunção carnal.
Geralmente,
aponta-se a necessidade de reduzir a vítima à incapacidade de resistir, o que
seria difícil para a prática do ato sexual normal. Trata-se, segundo Damásio de
Jesus, de hipótese aceitável.
Na
análise de cada caso concreto, dever-se-á apreciar as condições pessoais de
estuprador e vítima para se saber, se o primeiro teria condições de dominar a
segunda pessoa, apenas com o uso de força física. A possibilidade, pois, não pode ser excluída
abstratamente.
Para a
tipificação do estupro, exige-se, em primeiro lugar, a prática de conjunção
carnal, ou seja, a cópula normal, típica de relação sexual normal entre homem e
mulher, com penetração, seja completa ou incompleta do órgão masculino na
cavidade vagínica. É a introductio penis in vaginam.
Não se
compreendem na expressão outros atos libidinosos ou relações sexuais anormais,
tais como o coito anal ou oral, o uso de instrumentos ou dos dedos para a
penetração do órgão sexual feminino, ou a cópula vestibular, em que não há
penetração. Nesses casos, todavia, há estupro, tendo em vista que o tipo penal,
com a modificação provocada pela Lei 12.015/2009, também incluiu na disposição
legal o cometimento de "outro ato libidinoso".
A
respeito do "ataque-surpresa", isto é, quando o agente surpreende a vítima
com rapidez de ação, e dá-se penetração, com tamanha destreza que não consegue
detê-lo, trata-se de estupro de vulnerável, previsto no artigo 217-A CP, pois a
vítima, em razão da surpresa, não pôde oferecer resistência.
Convém
esclarecer que o ato libidinoso é o que visa ao prazer sexual. Serve de
desafogo à concupiscência, é ato lascivo, voluptuoso, dirigido apenas para a
satisfação do instinto sexual.
Considerado, objetivamente, o ato libidinoso deve ser ofensivo ao pudor
coletivo, contrastando com o sentimento de moral médio, sob ponto de vista
sexual. Mas, subjetivamente, deve ter por objetivo a satisfação de impulso de
lascívia, luxúria.
A
vítima ou ofendido, a seu turno, não carece de ter consciência da
libidinosidade do ato praticado. Bastando, que o referido ato ofenda o pudor do
homem médio, independentemente da capacidade da vítima de entender o seu
caráter libidinoso, seja por falta de capacidade psíquica, seja por extrema
depravação moral.
Afinal,
caso se firmasse entendimento em contrário, dependeríamos de análise do grau de
pudor individual da vítima para saber da caracterização ou não de ato
libidinoso, o que impediria o seu reconhecimento, principalmente, quando se
tratasse de criança inocente ou de alienado mental, incapazes de entender a
lascívia contida em atos contra eles praticados.
Portanto,
é suficiente, portanto, que contrarie o pudor médio, pouco importando se a
vítima ou ofendido consiga, ou não compreender cabalmente sua finalidade
sexual.
A
título de exemplificação, tem-se como atos libidinosos, o coito anal, inter
femora, a fellatio in ore (sexo oral). Porém, outros atos, não se
revesta da mesma objetividade e, somente mediante a análise de cada caso
concreto é que nos poderá levar à conclusão de que se trata ou não, de ato libidinoso.
E, tal
dificuldade surge em razão de o conceito não abranger somente o equivalente ou
sucedâneo fisiopsicológico da conjunção carnal, mas igualmente, outras
manifestações de libidinagem em que, apesar de não se realizarem sobre ou com
os órgãos sexuais nem levem à plena satisfação genésica, estejam presentes o
impulso lascivo e a ofensa à moralidade média.
O
estupro possui duas formas de realização típica, a saber: praticar a vítima o
ato libidinoso, seja este, a conjunção carnal ou ato diverso, ou permitir que
com ela se pratique tal ato.
Outro
detalhe é que pouco importa, se a vítima ou ofendido esteja vestido ou despido.
Pratica o crime também aquele que despe uma jovem e lhe apalpa seios desnudos,
com emprego de violência ou grave ameaça. Da mesma forma pratica o crime aquele
que, com o uso de violência ou grave ameaça, acaricia partes pudendas de uma
jovem por sobre seu vestido.
Não há
necessidade de que a vítima pratique o ato libidinoso com o autor do crime.
Pode ser levada a praticá-lo com terceiro (ou a permitir que este o pratique)
ou ainda em si mesmo, como na hipótese de automasturbação.
Diferente,
é a hipótese de contemplação passiva, em que o criminoso constrange a vítima a
assistir atos libidinosos praticados por terceiros. Não havendo a intervenção
material da vítima, não estará caracterizada a prática de ato libidinoso
praticado por terceiro. Não havendo a intervenção
material
da vítima, não resta caracterizada a prática de ato libidinoso. E, dependendo
das circunstâncias do caso concreto, trata-se do crime previsto no artigo 218-A
CP (satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente) ou do
descrito no artigo 146 CP (constrangimento ilegal) com a agravante genérica do
motivo torpe.
Da
mesma forma, as palavras ou narração obscenas não se constituem estupro. Embora
o pudor possa ser ofendido por meio de palavras e gestos, a lei se refere ao
ato libidinoso, o que exclui os escritos e as palavras.
O
beijo lascivo, também, constitui-se em estupro quando praticado por meio de
violência ou grave ameaça. Cumpre distinguir entre as variadas formas de beijo.
Não se
considera como ato libidinoso, o beijo casto, respeitoso, aplicado nas faces,
ou mesmo, o famoso "beijo roubado", furtivamente e rapidamente dado
em pessoa admirada ou desejada. Porém, é diversa a questão, do beijo lascivo
nos lábios, aplicado à força que revela luxúria e desejo incontido, ou quando
se trate de beijo aplicado em partes pudendas.
A
violência pode ser vis absoluta ou vis corporalis, ou ainda,
moral (grave ameaça ou vis compulsiva). No primeiro caso, há emprego de
força material sobre a própria vítima, reduzindo-a à impossibilidade de
resistir ao ataque sexual. O emprego de força física contra coisas ou contra
terceira pessoa, todavia, não configura o crime.
Eventualmente,
no caso concreto, poder-se-á falar em violência moral, quando o uso de
violência física contra terceiros ou contra coisas infunda justo temor à
ofendida, levando-a entregar-se ao agressor.
A
ameaça pode ser direta, exercida diretamente contra a própria vítima, ou ainda,
indireta, quando dirigida a terceira pessoa, consistindo em mal prometido a
pessoa ligada ao ofendido, fazendo com que este ceda para evitar a
concretização de tal ameaça. É a hipótese da mãe que cede aos instintos do
criminoso diante de ameaça de matar-lhe o filho.
O mal
ameaçado pode ser justo ou injusto. E, o agente pode ter até o dever de causar
ma, mas, se usar de tal dever para viciar a vontade da vítima e obter-lhe os
favores sexuais, praticará o crime de estupro. É a hipótese de policial, que
apesar de ter dever legal de prender mulher que se encontre em flagrante
delito, ao invés de fazê-lo, a ameaça de prisão, caso ela não se entregue aos
seus desejos.
O
crime de estupro é punível a título de dolo, que consiste na vontade de obter a
conjunção carnal e outro libidinoso. O tipo penal não requer nenhum fim
especial do agente.
Para
que se configure o crime, portanto, não há necessidade de que esteja presente
uma finalidade especial, qual seja, a satisfazer a própria libido, na atuação
do criminoso ou estuprador (a). Portanto, bastam a intenção de praticar o ato
libidinoso e a consciência da libidinosidade de tal ato.
Trata-se
de crime de mera conduta[13], não fazendo referência a
nenhum resultado advindo do comportamento do sujeito ativo ou criminoso.
Quando
se tratar de estupro cometido mediante emprego exclusivo de conjunção carnal (o
que, de certo, será raro), consuma-se o crime com a introdução, completa ou
incompleta, do pênis na vagina da ofendida.
Basta,
pois, a introdução parcial, não se exigindo a ejaculação. Se o agente, todavia,
realizar outros atos libidinosos, ainda que configurem prelúdio da cópula
normal, o ilícito já estará consumado, em razão da elementar “outro ato
libidinoso”. Admite-se a tentativa. Note que o estupro é crime
plurissubsistente, de vez que seu iter criminis admite fracionamento.
Há
dois momentos distintos, a saber: o do uso da violência ou grave ameaça e o da
prática do ato libidinoso. Em alguns casos, será impossível fracionar-se o
crime, pois, simultaneamente, o agente empregará a violência e praticará o ato
de libidinagem. E, nesse caso, o crime está consumado.
Há
casos, todavia, em que o agente ao usar da violência, é impedido de prosseguir,
antes de praticar o ato libidinoso. E, nesses casos, fica demonstrada a
intenção de lesar o pudor da vítima, quando se caracteriza a tentativa.
Por
outro lado, há estupros que podem fracionar-se em diversos atos, já por si
libidinosos. É o caso do agente que, com a intenção de constranger a vítima ao
coito anal, a domina, despe-lhe as vestes e a toca nas partes íntimas,
preparando-a para o ato que se propõe.
Para a
caracterização do crime, não é necessário que ele atinja sua finalidade
específica de praticar o coito anal. Com o primeiro ato libidinoso, o de despir
a vítima, já estará consumado o crime, visto que já se encontram presentes
todos os elementos de sua definição legal.
Há
formas qualificadas, quando a pena será de oito a doze anos de reclusão, nos
termos do primeiro parágrafo quando a vítima for maior de quatorze anos e menor
de dezoito anos, devendo-se incluir, por interpretação extensiva, a data do
décimo-quarto aniversário do ofendido ou vítima.
Se a
vítima for menor de quatorze anos, o crime será o estupro vulnerável (artigo
217-A CP), apenado com oito a quinze anos de reclusão.
A
qualificadora é incidente também quando do estupro resultar em lesão corporal
de natureza grave. E, se da conduta resultar em morte, a sanção será de doze a
trinta anos, conforme prevê o artigo 213, §2º CP.
Tais
formas qualificadas pelo resultado constituem crimes preterdolosos, em que deve
existir dolo na ação ou na omissão resultante do estupro e culpa no evento
agravador.
No
caso de estupro com resultado morte (art. 213, § 2º), além dos efeitos
regulares da hediondez, como a inafiançabilidade, a insuscetibilidade de
anistia, graça e indulto, o prazo superior para a prisão temporária (trinta
dias, em vez de cinco dias), veda-se o livramento condicional e a saída
temporária; além disso, a progressão de regime penitenciário se dará, caso
primário, uma vez cumprido cinquenta por cento da pena e, se reincidente,
depois de executado setenta por cento da pena.
Interessante
sublinhar que a Lei n. 13.239/2015 dispõe sobre a oferta e a realização, no
Sistema Único de Saúde (SUS), de cirurgia plástica reparadora de sequelas
causadas por atos de violência contra a mulher.
As
causas de aumento de pena aplicáveis ao estupro são apenas aquelas contidas nos
arts. 226 e 234-A CP:
a)
aumenta-se a pena de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta,
tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da
vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela (art. 226, II); b) aumenta-se a pena de
um a dois terços, se o crime é praticado mediante concurso de duas ou mais
pessoas (“estupro coletivo”) art. 226,
IV, a; c) aumenta-se a pena de um a dois terços, se o crime for cometido para
controlar o comportamento social ou sexual da vítima (“estupro corretivo”) –
art. 226, IV, b; d) aumenta-se de metade a dois terços se do crime resulta
gravidez (art. 234-A, III); e) aumenta-se a pena de um a dois terços se o
agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou
deveria saber ser portador, ou se a vítima é idosa ou pessoa com deficiência
(art. 234-A, IV).
O
concurso de crimes por conta da fusão dos artigos 213 e do revogado artigo 214
CP gerou polêmica doutrinária a respeito da existência de crime único ou
concurso de crimes quando o sujeito, no mesmo contexto fático, constrange a
vítima a realizar com ele a conjunção carnal e outro ato libidinoso, dela
desvinculado (como o coito anal).
Com a
Lei 12.015/2009 não havia dúvida alguma que o estupro pode ser praticado em
concurso com o revogado atentado violento ao pudor, desde que os atos
libidinosos praticados não fossem daqueles que precediam ao coito normal.
Damásio
de Jesus afirmou que o coito anal, praticado com a mesma vítima, antes ou
depois da cópula normal, constituía-se em crime autônomo, em concurso com o
estupro, não podendo ser absorvido por este.
A lei
vigente, contudo, não ampara mais semelhante interpretação, visto que a
conjunção carnal forçada e os demais atos libidinosos realizados sem o
consentimento, em razão do uso de violência ou grave ameaça, passaram a
integrar a mesma figura típica (artigo 213 CP).
Isso
importa em que a prática de mais de um ato libidinoso de relevo, como a
conjunção carnal e o coito anal, cometidos no mesmo contexto fático e em face
do mesmo sujeito passivo, caracterizam crime único (e não mais concurso
material).
Não
aquiescemos com o ponto de vista que sustenta cuidar-se o tipo penal insculpido
no art. 213 de tipo misto cumulativo, ou seja, de uma disposição legal que
contém dentro de si mais de um crime.
Cuida-se,
na verdade, de tipo misto alternativo, já que o constrangimento da vítima pode
se dar para obrigá-la à intromissio penis in vaginam ou a ato lascivo
diverso deste. É evidente, contudo, que a multiplicidade de atos libidinosos em
tais condições, deverá ser tomada em conta por ocasião da dosagem da pena,
resultando no reconhecimento de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao
agente (nos termos do art. 59, caput, CP).
Já na
hipótese de lesões corporais leves, resultantes da violência empregada, estas
são absorvidas, integrantes que são da violência (elementar do tipo). O mesmo
se diga das simples vias de fato. Admite-se a continuação quando se trata do
mesmo sujeito passivo.
Tratando-se
de vítimas diversas e distintas e lesando o estupro interesses jurídicos
pessoais, somos de opinião de que não se poderá aceitar a figura do crime
continuado.
Com a
Reforma Penal de 1984[14], contudo, não há mais
essa questão, uma vez que o art. 71, parágrafo único, CP expressamente admite a
continuação na hipótese em que os delitos componentes do nexo de continuidade
atingem bens pessoais.
Como
exemplo da primeira hipótese, suponhamos que determinado indivíduo, ameaçando
uma senhora casada de lhe causar mal grave, a constranja à conjunção carnal.
Depois disso, ainda sob ameaça, a obrigue a numerosos outros encontros,
possuindo-a diversas vezes. Configura-se o estupro continuado.
O art.
213 CP prevê, para a forma simples de estupro, a pena de reclusão, de seis a
dez anos (caput). Resultando lesão corporal de natureza grave a reclusão
é de oito a doze anos (art. 213, § 1º CP); o mesmo ocorre quando a vítima é
menor de 18 anos (desde que não seja menor de 14 anos, visto que haverá, nesse
caso, estupro de vulnerável, art. 217-A CP); resultando morte, de doze a trinta
anos (§ 2º). Quanto à ação penal, remetemos o leitor ao estudo do art. 225 CP.
O
crime de importunação sexual[15] é previsto no artigo 215-A
CP e consiste na prática contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com
o fito de satisfazer a própria lascívia ou a terceiro. Assim, protege-se a
liberdade sexual da vítima, ou seja, sua capacidade de autodeterminação sexual
e, em sentido mais amplo, a dignidade sexual.
O tipo
penal foi inserido no CP pela Lei 13.718, de 24 de setembro de 2018, que teve
origem o Projeto da Lei do Senado brasileiro 618/2015.
Qualquer
pessoa pode figurar como sujeito ativo da importunação sexual[16] (crime comum). O sujeito
passivo é a pessoa importunada pelo ato libidinoso não anuído. Se a vítima for
pessoa menor de 14 anos, ou portadora de enfermidade ou deficiência mental que
retire sua capacidade de discernimento sexual, ou que tenha, por qualquer
motivo, retirada a capacidade de oferecer resistência, há estupro de vulnerável
(art. 217-A).
O fato
se dá com a conduta de praticar, contra alguém e sem sua anuência, ato
libidinoso. Praticar significa realizar de qualquer modo. O fato deve ser
cometido contra a vítima, isto é, em oposição a ela. Não se exige toque do
agente na vítima.
A
norma não diz “com alguém”, mas “contra alguém”. O sujeito que, num coletivo,
se masturba e ejacula na ofendida realiza ato libidinoso contra ela. É
necessário que não haja anuência (concordância) da vítima.
Ato
libidinoso é aquele tendente à satisfação da libido. Essa elementar tem
conteúdo abrangente, compreendendo qualquer tipo de ação de cunho sexual, até
mesmo o ato de encostar lascivamente nas nádegas da vítima ou em seus seios.
Trata-se
de crime expressamente subsidiário, conforme se verifica no preceito secundário,
que ressalva sua não aplicação quando o ato constituir crime mais grave.
Nesse
sentido, para que o crime se configure, é necessário que o agente não tenha
empregado, como meio executório, violência contra a pessoa, grave ameaça,
fraude ou se aproveite de meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de
vontade da vítima.
Se
existir grave ameaça ou violência contra a pessoa, o agente responde por
estupro (CP, art. 213). Se empregar fraude ou recurso que dificulte ou impeça a
livre manifestação de vontade do ofendido, atua em violação sexual mediante
fraude (CP, art. 215).
É o
dolo (o elemento subjetivo do tipo penal), traduzido na vontade e consciência
de praticar o fato. Há, ainda, como elemento subjetivo específico, o propósito
de satisfazer a lascívia própria ou de outrem.
A pena
cominada ao tipo penal é de reclusão, de um a cinco anos (salvo se o fato não
constituir crime mais grave). Por se cuidar de delito com pena mínima não
superior a um ano, afigura-se cabível a suspensão condicional do processo (art.
89 da Lei n. 9.099/95). A ação penal é pública incondicionada (art. 225 CP).
O
assédio sexual[17]
tem seu conceito e previsão no artigo 216-A CP, introduzido pela Lei 10.224, de
15 de maio de 2001, que o definiu como sendo o fato de constranger alguém com o
intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da
sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de
emprego, cargo ou função.
Convém
destacar o fato de que o assédio, de acordo com a Lei, tem como elementos
típicos o constrangimento exercido por alguém em busca de satisfação sexual.
Envolve, portanto, relação de poder, sujeição da vítima, ofensa à sua dignidade
e, por fim, afetação à sua liberdade sexual. Tratando-se de assédio laboral,
pode-se incluir outro bem jurídico importante: direito à não discriminação no
trabalho.
Apesar
do título do dispositivo ser de "assédio sexual", o legislador pátrio
optou, na construção da figura típica, por usar o verbo constranger, que é bem
mais amplo, em face das dificuldades na conceituação do tipo penal.
Na
descrição do ato de constranger são utilizadas, entre outras acepções: tolher a
liberdade, cercear, forçar, coagir, compelir. Apesar das dificuldades geradas
pela redação do tipo penal, não se tem qualquer dúvida de que a configuração do
assédio sexual exige muito mais do que a abordagem atrevida ou inconveniente.
Sua principal característica reside na forma impositiva das propostas sexuais
realizadas pelo assediador e no efetivo poder de cumprir a ameaça.
No
âmbito das relações laborais, existe, além do assédio sexual[18], o assédio ambiental.
Mas, o legislador brasileiro apesar de escolher uma redação não casuística,
restringiu as hipóteses de assédio sexual ao não contemplar o assédio
ambiental.
Damásio
de Jesus aponta que o tipo penal do artigo 216-A CP possui redação confusa,
deixando de outorgar clareza e precisão ao texto legal, contrariando, portanto,
as recomendações do artigo 11, I e II da Lei Complementar 95, de 26 de
fevereiro de 1998 (Lei da Técnica de Elaboração das Leis). Pecou, novamente, na
limitação da incriminação bem como pelo exagero punitivo, pois a pena mínima é
a mesma a do aborto consentido.
Desta
forma, criou mais um busilis de adequação típica, isto é, o de distinguir o assédio
sexual dos delitos de ameaça, constrangimento ilegal, tentativa de estupro e da
contravenção de perturbação da tranquilidade. Se o sujeito diz, só admito na
empresa, como empregada, se agora, sua filha for comigo ao motel, seria assédio
sexual?
E se o
patrão ameaçar a empregada afirmando que nesse minuto, ou você me acompanha a
um motel ou estará demitida, é caso de estupro ou assédio sexual[19]? E não se encontra
expresso qual o comportamento do sujeito passivo desejado pelo seu superior
(constranger alguém a fazer o quê?).
Muito
embora não exigida a conduta da vítima para a consumação do crime, que é
formal, o legislador não a precisou, permitindo interpretação no sentido de que
o favor sexual pretendido pode ser de terceiro, que não a vítima que exerce o
cargo ou função ou a atividade laboral.
Não se
confundem a vontade do legislador com a vontade da lei. Todos sabemos o que é
assédio sexual e qual era a pretensão do legislador. Mas o que restou definido
não expressa o significado universal do assédio sexual e nem o que sabíamos que
o legislador perseguia. Como o Direito Penal se manifesta por intermédio de
tipos, é necessário que sejam claros e precisos.
Não é
o caso. Mesmo o notável doutrinador Damásio de Jesus encontra enormes
dificuldades em distinguir, diante do novo tipo penal, o assédio sexual de
outras figuras típicas.
O Juiz
não pode condenar o réu porque o fato por este cometido coaduna-se com o que
ele entende por assédio sexual, pois a tipicidade decorre do enquadramento
material do fato ao tipo incriminador.
Se
fôssemos Juiz, afirmou Damásio de Jesus, confessamos, sob o aspecto da
tipicidade, não teríamos tranquilidade em condenar nenhum réu por assédio
sexual nos termos do referido artigo de lei.
O
assédio sexual tem seu conceito e previsão no artigo 216-A CP, introduzido pela
Lei 10.224, de 15 de maio de 2001, que o definiu como sendo o fato de
constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual,
prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico[20] ou ascendência inerentes
ao exercício de emprego, cargo ou função.
Convém
destacar o fato de que o assédio, de acordo com a Lei, tem como elementos
típicos o constrangimento exercido por alguém em busca de satisfação sexual.
Envolve, portanto, relação de poder, sujeição da vítima, ofensa à sua dignidade
e, por fim, afetação à sua liberdade sexual. Tratando-se, portanto, de assédio
laboral, pode-se incluir outro bem jurídico importante: direito à não
discriminação no trabalho.
Apesar
do título do dispositivo ser de "assédio sexual", o legislador pátrio
optou, na construção da figura típica, por usar o verbo constranger, que é bem
mais amplo, em face das dificuldades na conceituação do tipo penal.
Na
descrição do ato de constranger são utilizadas, entre outras acepções: tolher a
liberdade, cercear, forçar, coagir, compelir. Apesar das dificuldades geradas
pela redação do tipo penal, não se tem qualquer dúvida de que a configuração do
assédio sexual exige muito mais do que a abordagem atrevida ou inconveniente.
Sua principal característica reside na forma impositiva das propostas sexuais
realizadas pelo assediador e no efetivo poder de cumprir a ameaça.
No
âmbito das relações laborais, existe, além do assédio sexual, o assédio
ambiental. Mas, o legislador brasileiro apesar de escolher uma redação não
casuística, restringiu as hipóteses de assédio sexual ao não contemplar o
assédio ambiental.
Damásio
de Jesus aponta que o tipo penal do artigo 216-A CP é confusa, deixando de
outorgar clareza e precisão ao texto legal, contrariando, portanto, as
recomendações do artigo 11, I e II da Lei Complementar 95, de 26 de fevereiro
de 1998 (Lei da Técnica de Elaboração das Leis).
Pecou,
novamente, na limitação da incriminação bem como pelo exagero punitivo, pois a
pena mínima é a mesma a do aborto consentido.
Desta
forma, criou mais um busilis de adequação típica, isto é, o de
distinguir o assédio sexual dos delitos de ameaça, constrangimento ilegal,
tentativa de estupro e da contravenção de perturbação da tranquilidade. Se o
sujeito diz, só admito na empresa, como empregada, se agora, sua filha for
comigo ao motel, seria assédio sexual?
E se o
patrão ameaçar a empregada afirmando que nesse minuto, ou você me acompanha a
um motel ou estará demitida, é caso de estupro ou assédio sexual? E não se
encontra expresso qual o comportamento do sujeito passivo desejado pelo seu
superior (constranger alguém a fazer o quê?).
Muito
embora não exigida a conduta da vítima para a consumação do crime, que é
formal, o legislador não a precisou, permitindo interpretação no sentido de que
o favor sexual pretendido pode ser de terceiro, que não a vítima que exerce o
cargo ou função ou a atividade laboral.
Não se
confundem a vontade do legislador com a vontade da lei. Todos sabemos o que é
assédio sexual e qual era a pretensão do legislador. Mas o que restou definido
não expressa o significado universal do assédio sexual e nem o que sabíamos que
o legislador perseguia. Como o Direito Penal se manifesta por intermédio de
tipos, é necessário que sejam claros e precisos.
Não é
o caso. Mesmo o notável doutrinador Damásio de Jesus encontra enormes
dificuldades em distinguir, diante do novo tipo penal, o assédio sexual de
outras figuras típicas.
O Juiz
não pode condenar o réu porque o fato por este cometido coaduna-se com o que
ele entende por assédio sexual, pois a tipicidade decorre do enquadramento
material do fato ao tipo incriminador.
Se
fôssemos Juiz, confessamos, sob o aspecto da tipicidade, não teríamos
tranquilidade em condenar nenhum réu por assédio sexual nos termos do referido
artigo de lei.
O novo
tipo penal de assédio sexual encontra-se inserido no rol de crimes contra a
dignidade sexual, especialmente, nos delitos contra a liberdade sexual. A
leitura do dispositivo legal em comento, no entanto, nos faz concluir sobre a
existência, concomitante, de outros bens jurídicos: honra e direito a não ser
discriminado no trabalho ou nas relações educacionais.
No
Código Penal lusitano, por exemplo, existe previsão específica do crime de
assédio sexual, o que o insere nos crimes contra a liberdade sexual e, o mesmo
se dá, em relação à norma prevista no Estatuto Criminal espanhol.
Assédio
é o termo utilizado para designar toda conduta que cause constrangimento
psicológico ou físico à pessoa. Assédio moral é um tipo de assédio, conhecido
como mobbing (molestar) nos Estados Unidos, bullying (tiranizar)
na Inglaterra, harcèlement (assédio moral) na França, murahachibu
(ostracismo social) no Japão ou, ainda, manipulação perversa, terrorismo
psicológico.
Caracteriza-se
por ser uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a
dignidade psíquica do trabalhador, de forma repetitiva e prolongada, e que
expõe o mesmo a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar
ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tenha por
efeito excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de
trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.
A
liberdade sexual em seu aspecto positivo, ou seja, a liberdade de praticar ato
sexual entre adultos, em privado e com consentimento. E, em seu aspecto
pejorativo, é representado pela liberdade de não ser objeto de atos sexuais não
desejados e consentidos.
A
conduta tipificadora do assédio sexual viola e ofende o sentimento próprio em
relação aos atributos morais e intelectuais da vítima, afetando a sua
dignidade.
E, no
assédio laboral, quando, por exemplo, eventual promoção ou aceitação de emprego
encontra-se condicionada não a desempenho, capacidade ou dedicação no trabalho,
mas a eventual aceitação de proposta de cunho sexual.
A
ideia de utilização do corpo para obtenção de vantagem sempre foi
tradicionalmente relacionada à condição feminina. E, tenta-se, com frequência,
desqualificar determinadas mulheres que estejam em cargos elevados, afirmando
que não conquistaram por competência, mas sim, por envolvimento com seus
chefes, patrões, mercadejando favores sexuais por vantagens profissionais.
O assédio
sexual inegavelmente é forma de agressão, constituindo ainda um atentado à
dignidade da mulher, falseando a relação de trabalho, pois sobrepõe a
sexualidade ao papel de trabalhadora. E, por isso, se considera o assédio uma
forma de discriminação no trabalho. Lembrando que há o direito à não
discriminação no trabalho.
Tudo o
que ocorre no local do trabalho e acarreta desconforto ou impossibilidade de
convivência entre os funcionários, evidentemente, interessa ao ramo do Direito
respectivo, visto que afeta as relações e produção laborais.
É, por
essa razão, que progressivamente, as empresas (especialmente as privadas)
passam a se preocupar imensamente com o assédio sexual, contratando, muitas
vezes, para seus quadros de funcionários, profissionais ligados à área de
psicologia, para que estes possam receber e encaminhar quando necessário os
casos ocorridos na empresa.
Também há o direito à não discriminação nas relações educacionais. Pois o tipo penal admite a possibilidade de existência do assédio sexual em casos que envolvam a relação entre o discente e o docente[21]. Desde que a conduta imputada como assédio seja inerente ao exercício de emprego, cargo ou função, enquadrando-se na figura típica.
O
crime de assédio sexual é pluriofensivo, posto que haja afetação a diversos
bens jurídicos, a depender da situação concreta que se esteja analisando. Além
da proteção da liberdade da vítima, que se vê forçada a realizar um
comportamento de natureza sexual, também se vislumbra a proteção do sujeito
passivo em determinados âmbitos da relação laboral ou educacional frente a
ofensas de natureza sexual que comprometem as condições de trabalho ou de
ensino.
A
anormalidade no ambiente expõe a liberdade daqueles que trabalham ou estudam e
tanto, ou mais, a sua dignidade. A igualdade também é ofendida quando se
condiciona a realização de alguma prestação ou benesse a que fazia jus a
vítima, por direito ou por condições meritórias, à execução de favores sexuais.
Inúmeras
instituições públicas e privadas que passaram a se preocupar com o tema, vieram
reforçando programas de esclarecimento, promovendo cursos, palestras, afixando
comunicações nos quadros de avisos da empresa, etc. E, assim, foram criados
setores dedicados e específicos para resolver problemas advindos de condutas
que envolvam assédio sexual.
O
assédio moral não se confunde com o assédio sexual. Enquanto o assédio moral
visa a eliminação da vítima do mundo do trabalho pelo terror psicológico, o
assédio sexual é caracterizado pela conduta que objetiva o prazer sexual de
várias formas, causando constrangimento e afetando a dignidade da vítima.
O
assédio moral expõe os trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras,
repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas
funções, levando a vítima a se desestabilizar emocionalmente.
Já o
assédio sexual pode acontecer por atos, insinuações, contatos físicos forçados,
convites inconvenientes, que apresentem as seguintes características: condição
clara para manter o emprego, influência em promoções na carreira, prejuízo no
rendimento profissional, humilhação, insulto ou intimidação da vítima.
A
doutrinadora francesa Marie-France Hirigoyen (2015, p.17) nos conduz ao
pensamento, in litteris:
“O assédio moral no trabalho é definido
como qualquer conduta abusiva (gestos, palavra, comportamento, atitudes…) que
atente por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade
psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima
de trabalho”.
Enfim,
é sabido que não é função do Direito Penal não é alterar os valores da
sociedade nem mesmo a axiologia civilizatória, mas sim, protegê-los, desde que,
para tanto, não interfira no âmbito da liberdade de princípios de grupos, posto
que o pluralismo há de ser respeitado numa sociedade havida por democrática.
Contudo,
mesmo não sendo função desse ramo jurídico, é certo que a criminalização de
certa conduta pode ter por efeito positivo a demonstração de que o bem jurídico
que se busca proteger possui tamanha dignidade ao ponto de sua tutela ter sido
destinada ao campo penal, o que não dispensa também outras formas de tutela.
Qualquer
pessoa, homem ou mulher, pode ser sujeito ativo do crime de assédio sexual, o
mesmo ocorrendo em relação ao sujeito passivo. A lei exige, entretanto, uma
condição especial dos sujeitos do crime (crime próprio).
No caso do autor, deve estar em condição de
superioridade hierárquica ou de ascendência em relação à vítima, decorrente do
exercício de cargo, emprego ou função. Em contrapartida, a vítima deve
encontrar-se em relação de subalternidade.
O
sujeito ativo do crime deve ser necessariamente superior hierárquico, excluindo
aqueles que exercem a mesma função ou cargo inferior. O que caracteriza o
assédio na legislação brasileira é, principalmente, a relação de sujeição da
vítima, que não lhe permite, em certas circunstâncias, deixar de realizar a
conduta a que está sendo constrangida sem que recaia sobre ela um grave
malefício (seja em relação à perda do emprego, a uma promoção e, mesmo, à não
admissão laboral).
O
Código Penal espanhol, diferentemente, admite o assédio sexual entre colegas de
trabalho do mesmo nível. É o que se convencionou chamar de “assédio sexual
ambiental” e que se caracteriza pela situação objetiva e gravemente
intimidatória, hostil ou humilhante para a vítima.
Entre
nós, a relação de ascendência encontra-se vinculada a qualquer situação de
superioridade, podendo ser incluído desde o relacionamento entre pais e filhos,
como também aquele que, por exemplo, desenvolve-se no âmbito docente ou
eclesiástico.
No que
tange ao sujeito ativo, a mulher pode ser autora. Basta que haja uma relação de
superioridade. Aliás, nada impede que os sujeitos ativo e passivo sejam do
mesmo sexo. De qualquer forma, dados fornecidos por diversos organismos
internacionais revelam que 99% dos casos de assédio têm como vítima a mulher.
Os
elementos objetivos do tipo é o verbo constranger, que significa compelir,
coagir, obrigar, deixando-se de fazer menção ao meio por intermédio do qual a
ação se pode dar (constrange-se alguém por meio de).
A
inexistência de adjunto adverbial no primeiro caso e de objeto indireto ou
complemento preposicionado, no segundo, não pode ser considerada somente uma
lacuna gramatical. Estes teriam a função de esclarecer mais plenamente o
dispositivo lega, integrando assim, o sentido latente do verbo constranger, o
que se adequaria ao princípio da taxatividade.
O
constrangimento pode se dar por quaisquer das formas de comunicação (verbal,
escrita ou mímica). A violência não pode ser física, sob pena de
descaracterizar o assédio, cuja etimologia tem por significado a ação de
“sitiar”. Exige-se, aqui, uma interpretação teleológica da lei, na qual se
pretende encontrar o significado da norma.
Admitir-se
que o delito possa vir a ser praticado por meio de violência equivale a negar a
origem social da palavra “assédio”, o que não seria sensato. Ademais, a própria
localização topográfica determinada para o delito (logo em seguida ao crime de
violação sexual mediante fraude – art. 215) nos dá conta de que se trata de
delito sem violência. Há que se anotar, ainda, que na construção do tipo penal
foram utilizadas as expressões “vantagem” e “favorecimento sexual”, cujos
sentidos afastam a ideia de força.
Com um
último argumento, quer-se chamar a atenção para a circunstância de o tipo penal
exigir que o constrangimento seja realizado com aproveitamento de uma condição
de superioridade ou de ascendência, o que, por si só, exclui, por
incompatibilidade, a presença de violência.
No
prevalecimento o agente se vale, se aproveita, se utiliza de determinada
situação. Na violência, diferentemente, o agente anula a vontade da vítima.
E
poderia o assédio sexual, tal qual ocorre no constrangimento ilegal, ser
praticado mediante outro meio capaz de reduzir a capacidade de resistência da
vítima? Cremos que não, pois uma das elementares do tipo é a referência a que o
agente se prevaleça da sua condição de superior hierárquico ou de ascendência.
Dessa
forma, tendo a vítima satisfeito os favores sexuais visados pelo autor em
decorrência de, por exemplo, seu estado de embriaguez, esse dado acabaria sendo
o determinante da sua conduta, e não a condição do sujeito ativo.
Verificando-se
uma tal situação, a classificação correta será de constrangimento ilegal,
violação sexual mediante fraude (considerando a elementar introduzida pela Lei
n. 12.015/2009: “outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de
vontade da vítima”), ou, em casos excepcionais, nos quais o ofendido se
encontrar completamente incapaz de resistir, haverá estupro de vulnerável (CP,
art. 217-A, § 1º).
Diferentemente
do que sucede em relação ao crime de constrangimento ilegal ou ameaça, o tipo
penal de assédio não exige que a intimidação seja grave. Na verdade, nem sequer
há indicação de que deva existir ameaça, contentando-se a figura típica com o
constrangimento.
Não é
qualquer constrangimento que pode, todavia, configurar o delito de assédio
sexual. Há necessidade de cerceamento a um direito a que a vítima faz jus.
Assim, não se pode cogitar no tipo em análise quando se trata de um privilégio
que o sujeito ativo oferece à vítima em troca de uma ação de natureza sexual.
Pode-se
ilustrar tal assertiva da seguinte forma: um professor, não tendo o aluno
alcançado a pontuação necessária para passar de ano, dispõe-se a lançá-la
suficientemente alta, desde que o discente consinta em algum favor sexual.
Trata-se,
aqui, em verdade, de mercancia de interesses, o que não se confunde com o
assédio, situação em que a aspiração da vítima será legítima, ou injusta a
desvantagem que deva suportar.
O
legislador brasileiro, portanto, dotou o crime de assédio sexual das
seguintes
elementares:
a)
ação de constranger;
b)
intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, para si ou para outrem;
c)
prevalência do agente de sua condição de superior hierárquico ou de ascendência
em relação à vítima;
d)
ambas as situações (superioridade hierárquica ou ascendência) devem existir em
decorrência de emprego, cargo ou função;
e)
legitimidade do direito ameaçado ou injustiça do sacrifício que a vítima deve
suportar por não ceder ao assédio.
O tipo
exige que o comportamento seja realizado com prevalecimento de uma condição de
superioridade ou de ascendência do autor, que se aproveita, se utiliza de
determinada situação, cometendo abuso no exercício de cargo, função ou emprego.
Cuida-se de elemento normativo, cumprindo ao juiz elaborar uma apreciação
valorativa sobre a presença do abuso.
O
primeiro é o dolo. A norma prevê outro elemento subjetivo do tipo, caracterizado
pelo especial fim de agir do agente, qual seja obter vantagem ou favorecimento
sexual. A vantagem e o favorecimento podem ser de diversas ordens, desde que
tenham cunho sexual. Não se exige, diferentemente do que ocorre na legislação
portuguesa, que o ato sexual seja de relevo. Além disso, a vantagem ou
favorecimento sexual podem ser para o próprio agente ou para terceiro, ainda
que sem o conhecimento deste. Estando ciente o terceiro, e agindo com dolo,
configura-se concurso de pessoas.
Trata-se
de crime próprio. Além disso, é formal: o tipo descreve a conduta e o resultado
visado pelo sujeito, mas não o exige. A conduta é expressa pelo verbo
“constranger”. O resultado pretendido é a realização, por parte da vítima, de
favores sexuais. Para caracterização do crime, porém, não há necessidade de que
o agente obtenha o que pretendia, bastando que tenha constrangido a vítima com
a intenção de consegui-lo.
Consuma-se
o assédio sexual no momento em que o agente realiza a ação de constranger, o
que pode ser feito de forma livre, já que o legislador não a especificou,
independentemente de obter ou não os favores sexuais buscados.
Conforme
a hipótese, a tentativa é admissível. É o que se dá, por exemplo, no caso em
que o assédio tenha sido tentado por meio escrito, chegando à correspondência,
em face de extravio, nas mãos de terceira pessoa.
Aplica-se
ao assédio sexual o disposto no art. 226 CP, com exceção de parte de seu inciso
II, porque as hipóteses ali aventadas, por já integrarem a figura típica (direta
ou indiretamente), não podem, novamente, ser objeto de valoração.
Uma
das causas de agravação da pena reside na circunstância de o agente ser
ascendente, pai adotivo, padrasto, irmão, tutor, curador, ou preceptor da
vítima (inciso II).
O
motivo que embasa o aumento de pena é o mesmo que justifica a elementar de
prevalecimento da condição de superior hierárquico ou ascendência. O próprio
dispositivo penal, aliás, também inclui, no mesmo inciso analisado, a hipótese
de o agente ter, por qualquer outro título, autoridade sobre a vítima.
Há que
se perceber, aqui, que quaisquer destas hipóteses somente podem ser objeto de
análise se, concomitantemente, o assediador estiver em condição de
superioridade hierárquica ou ascendência em decorrência de emprego, cargo ou
função. Do contrário, não haverá fato típico.
A Lei
n. 12.015/2009, introduziu três exasperantes que podem ser aplicadas ao crime
de assédio sexual:
a)
Aumento da pena em um terço, quando a vítima é menor de 18 anos (§ 2º do art.
216-A). Quando a vítima for menor de catorze anos, se ao assédio sexual, cuja
consumação se dá com o constrangimento, independentemente da prática seguida do
ato libidinoso, a realização do contato sexual, ainda que voluntário,
configurará estupro de vulnerável (CP, art. 217-A), o qual absorverá o delito
antecedente (princípio da consunção ou da absorção).
Registre-se
que o legislador inseriu o § 2º no dispositivo, que não contém outro parágrafo.
b) Aumento de metade a dois terços, se do crime resultar gravidez (art. 234-A,
III). c) De um a dois terços, se o agente transmite à vítima doença sexualmente
transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador, se a vítima é idosa ou
pessoa portadora de deficiência (art. 234-A, IV CP).
Tendo
o constrangimento sido praticado por meio de intimidação grave, discute-se a
existência de concurso com crime de ameaça (art. 147 CP) ou mesmo com o de
constrangimento ilegal (art. 146 CP).
No que
tange a este último, não parece prosperar o entendimento que autorizaria o
cúmulo material, visto que levaria a que se estabelecesse o bis in idem,
o que é vedado no Direito Penal. Isso porque a ação de constranger encontra-se
prevista em ambos os tipos penais (sendo que em um constrangimento ilegal a
conduta deve ser exercida por meio de uma grave ameaça e, no outro – assédio –
não se exige tal qualidade nem sequer a existência de ameaça), não sendo
permitido que uma única ação (no caso constrangimento) possa servir para
configurar dois (ou mais) tipos penais.
Mais
correto, então, é, utilizando-se do princípio da especialidade[22], que aquele elemento
típico sirva para constituir o crime de assédio, pois no constrangimento ilegal
a intimidação é genérica.
No que
se refere ao tipo penal de ameaça, ainda que a lógica aplicada à solução que
envolva o constrangimento ilegal não possa ser aplicada na sua totalidade,
chega-se a idêntica conclusão. É que, nesta hipótese, por não ser a ameaça
elementar do crime de assédio (e sim, o constrangimento), poder-se-ia
vislumbrar uma hipótese de concurso de crimes. Essa solução, entretanto, também
não incide neste caso.
A
ameaça configura elementar do crime de constrangimento ilegal, passando a
constituir o meio pelo qual o crime foi perpetrado, não se admitindo, tal qual
se dá na hipótese anterior, o cúmulo material, pois, de tal forma estar-se-ia
valorando duplamente uma mesma ação que teria dado ensejo a um único resultado,
ou seja, ao constrangimento ilegal.
Tal
afirmação, entretanto, não afasta a possibilidade de o magistrado, quando da
dosimetria da pena, analisando as circunstâncias do crime (art. 59 CP),
aumentar a reprimenda em decorrência da intensidade da ameaça.
Havendo
violência ou grave ameaça para a prática de relação sexual, ou de ato
libidinoso diverso da conjunção carnal, o fato se desloca para estupro.
“A
violência presumida foi eliminada pela Lei n. 12.015/2009. A simples conjunção
carnal com menor de quatorze anos consubstancia crime de estupro. Não se há
mais de perquirir se houve ou não violência. A lei consolidou de vez a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Ordem indeferida” (HC 101.456. Rel.
Min. Eros Grau .2ª Turma. DJe 076, p. 378).
No
mesmo sentido, tem decidido o Superior Tribunal de Justiça: “Pacificou-se a
jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, segundo o
sistema normativo em vigor após a edição da Lei n. 12.015/09, a conjunção
carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos configura o crime
do artigo 217-A do Código Penal independentemente de grave ameaça ou violência
(real ou presumida), razão pela qual tornou-se irrelevante eventual
consentimento ou autodeterminação da vítima para a configuração do delito”
(AgRg no REsp 1.363.531/MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura , 6ª Turma,
julgado em 27-6-2014. DJe 4-8- 2014).
Em 27
de agosto de 2015, no julgamento do Recurso Especial 1.480.881/PI, relatado
pelo Min. Rogerio Schietti Cruz, a Terceira Seção do Superior Tribunal de
Justiça, em julgamento realizado sob o rito de recursos repetitivos, aprovou a
seguinte tese: “Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável
previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha
conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14
(quatorze) anos.
O
consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a
existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a
ocorrência do crime” (tema 918). Em novembro de 2017, o Superior Tribunal de
Justiça aprovou Súmula n. 593 com idêntica redação.
A Lei
n. 13.718/2018 inseriu um § 5º no art. 217- A, estabelecendo que “as penas
previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se
independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido
relações sexuais anteriormente ao crime”.
A pena
prevista para o assédio sexual é de detenção, de um a dois anos. A Lei n.
12.015/2009 tornou a ação penal nos crimes contra a dignidade sexual pública
condicionada à representação, salvo quando o fato for praticado contra menores
de 18 anos ou contra vítimas vulneráveis.
Essa
regra, porém, se encontra superada, pois nova mudança ocorreu (Lei n.
13.718/2018), e os delitos contra a liberdade sexual, bem como os crimes
sexuais contra vulneráveis ou menores de 18 anos, previstos nos arts. 213 a 218-C,
passaram a ser, sem exceção, crimes de ação penal pública incondicionada (art.
225 CP).
Alguns
doutrinadores, como Rogério Greco ainda sustentam a aplicação da Súmula 608
STF: "No crime de estupro praticado mediante violência real, a ação penal
é pública incondicionada[23] "Ou seja, se o meio
de execução for a violência real, a ação penal será incondicionada.
E, no
mesmo sentido: A ação penal nos crimes contra dignidade sexual praticados com
violência real continua sendo pública incondicionada, permanecendo hígida a
orientação constante do verbete 608 da Súmula da Suprema Corte, mesmo após o
advento da Lei 12.015/2009”. (RHC 40.719/RJ, 5ª Turma, J. 18.03.2014).
No
entanto, o STJ já decidiu em sentido contrário. Com advento da Lei 12.015/2009,
que alterou a redação do artigo 225 CP, os delitos de estupro e de atentado
violento ao pudor, mesmo com violência real (hipótese da Súmula 608 STF) ou com
resultado lesão corporal grave ou morte (antes definidos no artigo 223 do
Código Penal e hoje definidos no artigo 213, §§ 1º, 2º CP), passaram a se
proceder mediante ação penal pública condicionada à representação, nos termos
da nova redação do artigo 225 do Código Penal. Vide: STJ, 5ª T. REsp.
1227746/RS, j.02.08.2011; RHC 39.538/RJ, 6ª T., J. 08.04.2014).
Cogitar
da incidência do princípio da insignificância em qualquer crime, seja
tributário, ambiental, previdenciário, de dano, contra a Administração Pública
e até os sexuais.
Há de
se analisar se estão presentes os requisitos reitores da insignificância, quais
sejam: a) conduta minimamente ofensivo ao agente; b) ausência de risco social
da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; d) relativa
inexpressividade da lesão jurídica.
Aliás,
o fato típico, anteriormente da moderna teoria da imputação objetiva possuíam
em razão do finalismo de Welzel[24] apenas duas dimensões
objetiva (ou formal) e subjetiva. A tipicidade formal se caracteriza pela
adequação do fato à letra da lie.
O fato
concreto se amolda ao tipo formalmente previsto em lei. Já, o aspecto
subjetivo, refere-se ao dolo ou culpa. Ignorava-se o bem juridico protegido e
sua dimensão ofensiva.
Não
havia preocupação com o aspecto valorativo da conduta. Para a caracterização da
infração, era basicamente suficiente a subsunção do fato à letra da lei.
De
acordo com a teoria constitucionalista do Direito que deve ser adotada por um
Estado constitucional e democrático de
Direito,
como o Brasil e após a teoria da imputação objetiva de Claus Roxin, a
tipicidade passou a ser composta pela dimensão formal (objetiva) e material.
Assim, para uma conduta possa ser considerada crime, é necessário que esta
preencha os requisitos formais e materiais do tipo.
A
tipicidade material é formada por juízos valorativos, sendo o desvalor da
conduta e o desvalor do resultado ou lesão, ou perigo concreto de lesão ao bem
jurídico. Deste modo, observando-se insignificância da conduta ou do resultado,
afasta-se a tipicidade material, ou seja, carecendo o fato de relevante
resultado da ofensa ou da conduta ou de ambos, incide o princípio da
insignificância, como excludente da tipicidade.
Com o
advento da Lei 12.015/2009 cogita-se sobre as consequências advindas e,
analisa-se o que ficou mais rígido e o que ficou mais brando. E, então,
cogita-se na incidência de princípio da insignificância nos crimes sexuais.
Partindo
aos comentários pertinentes a reforma do artigo 213 CP (crime de estupro), dois
pontos mostram-se mais evidentes: os sujeitos do crime e o atentado violento ao
pudor, este último agora fazendo parte da concepção de estupro, pois antes era
tipificado autonomamente (art. 214 CP).
Antes
da Reforma, o artigo exigia condição especial dos dois sujeitos (ativo e
passivo), havia necessidade de ser praticado por um homem e sofrido por uma
mulher, com a mudança, qualquer pessoa pode tanto praticar como sofrer o
estupro. Foram acrescidas qualificadoras aos 1.º e 2.º.
No que
tange as alterações pertinentes ao artigo 215 CP, notamos nova união de
artigos, entre o antigo 215 (posse sexual mediante fraude) e 216 CP (atentado
ao pudor mediante fraude), formando-se o novo 215 (violação sexual mediante
fraude), que tipifica a conduta de conjunção carnal e ato libidinoso mediante
fraude, sem (como no estupro) exigir condição especial de sujeitos. Também
houve majoração das penas dos tipos básicos.
O
crime de assédio sexual, artigo 216-A CP, sofreu pequena alteração. Continua
com a sua tipificação original, acrescido apenas da majorante do 2º, quando o
crime for cometido contra vítima menor de 18 (dezoito) anos.
Outra
novidade trazida pela nova lei foi o artigo 217-A, que prevê o estupro de
vulnerável, tipificando a prática de conjunção carnal ou ato libidinoso com
menor de 14 (quatorze) anos.
Considera-se
vulnerável não só a vítima menor de 14 (quatorze) anos, como também pessoa que
por enfermidade ou deficiência mental não tenha o necessário discernimento para
a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não possa oferecer
resistência.
O
artigo 218 trouxe como novidade a tipificação autônoma de induzir alguém menor
de 14 (quatorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem, mudança benéfica.
Diante da diminuição da pena, deve retroagir para beneficiar o réu ou
condenado.
Criou-se
o artigo 218-A, que segundo os ensinamentos de Rogério Sanches: não sem razão,
observava que induzir vítima, não maior de 14 (catorze) anos, a presenciar atos
de libidinagem, sem deles participar ativa ou passivamente, era, em regra, um
indiferente penal (fato era atípico). A Lei 12.015/2009 integrou a lacuna,
criando o artigo 218-A.
Nova
junção de artigos ocorreu com a formação do artigo 218-B, que uniu o artigo
244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente ao artigo 228, 1º, do Código
Penal, formando o delito de favorecimento da prostituição ou outra forma de
exploração sexual de vulnerável. O artigo 228 prevê o mesmo delito, entretanto,
a vítima deste não será criança ou adolescente.
As
mudanças ocorridas com a nova redação do artigo 225 são as que com certeza
darão muita discussão doutrinária. As ações penais nos crimes sexuais antes
eram de iniciativa privada, passando com a nova previsão, a adotar a ação penal
pública condicionada.
A
controvérsia reside, principalmente, em que ação adotar quando do crime
resultar morte ou lesão corporal grave, o que o legislador não deixou
expressamente tipificado.
Uns
cogitam em pública incondicionada, outros defendem pública condicionada
conforme a nova disposição e alguns já aludem a inconstitucionalidade do
dispositivo, último posicionamento recentemente defendido pela PGR na ADI
4.301, junto ao STF.
O
legislador pátrio manteve o delito do artigo 229 CP, no entanto, deu-lhe nova
configuração, exigindo um estabelecimento onde haja exploração sexual, com ou
sem intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente.
Também
de pequena expressão foi a alteração sofrida pelo delito de rufianismo, artigo
230 CP, que apenas teve acrescido nas circunstâncias qualificadoras o emprego de
fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da
vítima.
Assunto
pouco explorado pelos doutrinadores, a existência de infrações bagatelares nos
crimes sexuais é possível, como em praticamente qualquer outro crime, entretanto,
neste com muito mais difícil aferição, pois se trata de avaliação quase que
inteiramente subjetiva.
Para
se descaracterizar o crime sexual através do princípio da insignificância
(excludente da tipicidade material), temos que imaginar uma conduta ou resultado
dessa conduta extremamente insignificante, pois do contrário, possivelmente
cairíamos no artigo 61 da Lei de Contravenções Penais, Decreto-lei 3.688/1941,
que prescreve a contravenção de importunar alguém, em lugar público ou
acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor.
Para
identificarmos uma hipótese de incidência do princípio da insignificância em
crimes contra a dignidade sexual, podemos imaginar a conduta do beijo lascivo,
toque nas nádegas ou algo análogo. Embora sejam condutas formalmente típicas,
não atingem o aspecto material do tipo, seja pelo desvalor da conduta ou
desvalor do resultado, o que denota sua insignificância criminal.
Nestes
casos, em respeito aos princípios constitucionais da intervenção mínima,
subsidiariedade, fragmentariedade, adequação social e ao próprio princípio da
insignificância, tais situações deverão ser resolvidas, caso necessário, pelas
demais esferas do Direito.
O
crime da exposição da intimidade sexual corresponde ao registro não autorizado
da intimidade sexual e consiste no ato de produzir, fotografar, filmar ou
registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou
libidinoso de caráter íntimo e privado sem a autorização dos participantes.
A
norma incriminadora propõe a concreção aos direitos fundamentais previstos no
artigo 5º, X CFRB/1988, a saber, a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, todos sob a ótica da dignidade sexual.
O
referido tipo penal foi acrescentado pelo CP através da Lei 13.772, de 19 de
dezembro de 2018, que também efetuou modificações na Lei 11.340/2016, a Lei
Maria da Penha[25],
incluindo no seu artigo 7, II, como forma de violência psicológica, a violação
da intimidade.
O
dispositivo deve ser compreendido em conjunto com o art. 218-C CP, incluído pela
Lei n. 13.718, de 24 de setembro de 2018, que criminalizou a divulgação de cena
de estupro, estupro de vulnerável, ou, quando não houver consentimento da
vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia.
Esse
dispositivo foi indevidamente inserido no capítulo referente aos crimes sexuais
contra vulneráveis, demonstrando falta de técnica legislativa. O correto seria
ter alocado o tipo penal no Capítulo I-A (como, aliás, se pretendia na redação
original do substitutivo do Senado ao Projeto de Lei n. 5.555/2013), pois a
divulgação de cena de estupro etc., além de não proteger somente vulneráveis,
mas todas as pessoas, tutela bens jurídicos correlatos àqueles protegidos pelo
art. 216-B.
Há,
portanto, dois crimes que protegem a intimidade das pessoas sob o ângulo de sua
dignidade sexual:
a)
art. 216-B, que pune o registro não autorizado de cena de nudez, ato sexual ou
libidinoso de caráter íntimo e privado (pena: detenção, de seis meses a um ano,
e multa).
b)
art. 218-C, no que tange à tipificação da divulgação de cena de sexo, nudez ou
pornografia sem o consentimento da vítima, bem como de cena de estupro, estupro
de vulnerável (pena: reclusão, de um a cinco anos, se o fato não constituir
crime mais grave). pode ser praticado por qualquer pessoa (crime comum). Só pode
ser sujeito passivo desse crime a pessoa maior de 18 anos.
Quando
se tratar de registro de cena de sexo explícito ou pornográfica de criança ou
adolescente, aplica-se o art. 240 do ECA, cuja pena é de reclusão, de quatro a
oito anos, e multa.
De
acordo com o estatuto, compreende-se dentre as cenas de sexo explícito ou
pornográfica quaisquer situações que retratem o menor em atividades sexuais
explícitas, reais ou simuladas, ou exibam seus órgãos genitais para fins
primordialmente sexuais (art. 241-E).
A
conduta pode ser praticada mediante os atos de produzir, fotografar, filmar ou
registrar o conteúdo com cena de nudez, ato sexual ou libidinoso. Produzir cena
significa dirigi-la, montá-la, de maneira a indicar aos participantes a forma
como agirão.
Como
se trata de uma “produção” efetuada sem autorização destes, o comportamento em
questão diz respeito a uma ação sub-reptícia, na qual o participante desconhece
que está sendo “dirigido” para que o ato seja registrado.
Fotografar significa colher a imagem com o uso
de algum aparelho analógico ou digital. Filmar significa capturar imagens com
impressão de movimento relativo à nudez alheia ou ao ato sexual ou libidinoso
praticado por terceiro.
Quem
fotografa ou filma duas pessoas, sem autorização destas, praticando sexo em
local público, aberto ao público ou exposto ao público responde pelo crime do
art. 216-B?
Não,
porque o ato libidinoso ou sexual, quando efetuado nessas condições, não tem
cunho íntimo e privado. Em verdade, quem pratica crime, em tese, são aqueles
que realizam o ato sexual, haja vista o art. 233 CP, que pune o ato obsceno.
Há,
por fim, o elemento normativo do tipo, que consiste na falta de autorização das
vítimas. Essa autorização pode ser manifestada de qualquer forma, mas deve ser
anterior ou concomitante ao ato.
Se o
agente efetuou o registro sem que a pessoa consentisse e, posteriormente, a
esta revelou o feito, tendo ela demonstrado indiferença, subsiste o crime.
Melhor
teria sido que o legislador tornasse o fato crime de ação penal pública
condicionada à representação, de maneira que o ofendido, ciente do fato,
tivesse seis meses contados do conhecimento da autoria delitiva para manifestar
seu interesse em ver o agente processado, sob pena de decadência e,
consequentemente, extinção da punibilidade.
Não
foi esse, contudo, o caminho escolhido pelo legislador. Imagine, por exemplo, o
casal em que o parceiro, sem o conhecimento da namorada, registra a cena de
sexo e, depois de realizado o ato, a ela exibe a filmagem.
Suponha
que ela não se importe com isso, demonstrando, inclusive, ter gostado do fato.
Imagine, ainda, que o casal termine o relacionamento meses depois e a mulher,
por vingança, decida comunicar à Polícia o crime.
O
agente responde pelo fato? Sim, pois, ao efetuar o registro do ato sexual
íntimo e privado, não obteve o consentimento, expresso ou tácito, da ofendida,
consumando-se o delito.
O elemento
subjetivo do tipo é o dolo, traduzido na vontade e na consciência de registrar
a nudez alheia ou a cena lúbrica. O tipo penal não requer elemento subjetivo
específico, consistente no fim libidinoso. Pouco importa, desse modo, se o
registro foi efetuado para satisfazer a lascívia do agente ou não.
Assim,
por exemplo, o proprietário de um imóvel, que instala sem o conhecimento dos
locatários uma câmera no quarto ou no banheiro e, desse modo, os filma desnudos
ou praticando ato sexual ou libidinoso, incorre no tipo.
O
registro não autorizado da intimidade sexual é crime comum e de mera conduta,
pois o tipo não faz referência a nenhum resultado naturalístico. Trata-se,
ainda, de crime instantâneo e plurissubsistente
Consuma-se
o crime com a captura (o registro) da imagem ou da cena de nudez, do ato sexual
ou libidinoso. Admite-se a tentativa, caso o sujeito tente efetuar a gravação,
mas não consiga por circunstâncias alheias à sua vontade (por exemplo, porque
ocorre uma queda de energia no instante em que a vítima se despia, impedindo a
filmagem de sua nudez, ou acaba a bateria da câmera antes de começar a prática
do ato sexual ou libidinoso).
De
acordo com o parágrafo único, incorre na mesma pena quem realiza montagem em
fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa
em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo. Pune-se o ato
de alterar a fotografia, o vídeo ou áudio, de maneira a inserir a imagem ou a
voz da vítima em cena lúbrica envolvendo outrem.
O registro
não autorizado da intimidade sexual é apenado com detenção, de seis meses a um
ano, e multa. Constitui infração de menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei n.
9.099/95), sendo abrangido pela competência material dos Juizados Especiais
Criminais.
Comporta,
desse modo, transação penal (art. 76 da Lei n. 9.099/95) e suspensão
condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95). A ação penal é pública
incondicionada (art. 225).
Em que pese a Lei 13.718/2018 e a Lei 12.015/2009 traduzirem avanços significativos, elas não permitem um gerenciamento satisfatório dos conflitos que envolvem os crimes de natureza sexual, sendo necessário encontrarem mecanismo a fim de evitar o cometimento frequente de crimes de natureza sexual, como por exemplo, um estado mais punitivo para que ofereça maior proteção para as vítimas com as penalidades mais rígidas para estes agressores e que o poder público continue a criar mecanismos para o enfrentamento dos crimes sexuais, buscando finalmente promover a igualdade material entre os gêneros.
Referências
Assédio
sexual: o que é, quais são os seus direitos e como prevenir? Disponível
em: https://www.tst.jus.br/assedio-sexual
Acesso em 28.10.2021.
AZEVEDO,
Marcelo André de.; SALIM, Alexandre. Direito Penal. Parte Especial. Dos
Crimes Contra a Pessoa aos Crimes contra a Família. Coleção Sinopses para
Concursos. 4ª edição. Coordenação de Leonardo de Medeiros Garcia. Salvador: Editora JusPODIVM, 2015.
BITENCOURT,
Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 10.ed. São Paulo: Saraiva
Educação, 2019.
CARDOSO,
João Pedro Pereira. O dever de dignidade da pessoa humana. A
inconstitucionalidade do crime de lenocínio. Disponível em: http://www.datavenia.pt/ficheiros/edicao11/datavenia11_p199_391.pdf
Acesso em 28.10.2021.
CHRISTÓFARO,
Danilo Fernandes. Princípio da insignificância e a nova lei de crimes
sexuais. Disponível em http://www.lfg.com.br Acesso em 28.10.2021.
DE
JESUS, Damásio. ESTEFAM (André) atualizador. Direito Penal. Parte Especial.
Volume 3. 24ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
DELMANTO,
Celso. Código Penal Anotado. 9. edição. São Paulo: Saraiva, 2016.
ENTRE
NESTE TIME. DIGA NÃO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. UNIDOS VENCEREMOS ESTE JOGO.
Disponível em: http://www.mprj.mp.br/documents/20184/230172/folder_caovd.pdf
Acesso em 28.10.2021.
GITELMAN,
Suely Ester. Assédio moral. Enciclopédia Jurídica da PUCSP. Disponível
em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/337/edicao-1/assedio-moral Acesso em 28.10.2021.
GONÇALVES,
Antonio Baptista. STF e a criminalização da homofobia. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/319644/stf-e-a-criminalizacao-da-homofobia
Acesso em 28.10.2021.
GONÇALVES,
Victor Eduardo Rios. Direito Penal. Parte Especial. Coordenador Pedro Lenza.
Coleção Esquematizado. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.
GRECO,
Rogério. Curso de Direito Penal. Parte geral. Rio de Janeiro: Editora
Impetus, 2005.
______________.
Código Penal Comentado. 11ª edição. Niterói, RJ: Impetus, 2017.
HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho:
Redefinindo o assédio moral. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2015.
MASSON,
Cleber. Código Penal Comentado. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: Método, 2014.
NUCCI,
Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual. São Paulo: RT, 2009.
PORTAL
JURISPRUDÊNCIA. Importunação Sexual: O papel da nova Lei 13.718/2018 na
proteção das vítimas. Disponível em: https://portaljurisprudencia.com.br/2020/12/19/importunacao-sexual-o-papel-da-nova-lei-13-7182018-na-protecao-das-vitimas/
Acesso em 28.10.2021.
ROCHA,
Ana Caroline Viana Garcia. A diferenciação entre assédio moral e assédio
sexual e suas repercussões no Direito do Trabalho. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50994/a-diferenciacao-entre-assedio-moral-e-assedio-sexual-e-suas-repercussoes-no-direito-do-trabalho
Acesso em 28.10.2021.
TESES
DO STJ sobre crimes contra a dignidade sexual II (1ª parte).
Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2020/07/17/teses-stj-sobre-os-crimes-contra-dignidade-sexual-ii-1a-parte/
Acesso em 28.10.2021.
Notas:
[1] O
crime de estupro de vulnerável fora criado pela Lei 12.015/2009 e, antes deste,
o fato era enquadrado como estupro (artigo 213) ou atentado violento ao pudor
(artigo 214) praticado mediante violência presumida (artigo 214). O bem
jurídico tutela a dignidade e o desenvolvimento sexual a pessoa vulnerável. A
doutrina majoritária afirma que se protege também a liberdade sexual das
pessoas que justamente não possuem capacidade de discernimento para consentir
validamente sobre o ato sexual. Aquele que se omite diante do estupro do
vulnerável, tendo o dever jurídico de agir para evitar o resultado, responde
pelo mesmo crime, na forma do artigo 13, §2º CP.
[2] O
Supremo Tribunal Federal (STF) determinou em 13 de julho de 2019 que a
discriminação por orientação sexual e identidade de gênero seja considerada um
crime, equiparado ao racismo. Inclusive com caráter de imprescritível. Dez dos onze ministros reconheceram haver uma demora
inconstitucional do Legislativo em tratar do tema. Apenas Marco Aurélio Mello
discordou. Diante desta omissão, por 8 votos a 3, os ministros determinaram que
essa conduta passe a ser punida pela Lei de Racismo (7716/89), que hoje prevê
crimes de discriminação ou preconceito de “raça, cor, etnia, religião e
procedência nacional”. A lei brasileira considera o crime de homofobia
imprescritível e inafiançável desde 2011, quando o STF julgou o tema. A
homofobia é um crime equiparado ao crime de racismo no Brasil. Mas os
direitos da população LGBTQIA+ ainda são frágeis. Durante uma sessão da CPI da
Pandemia, a comunidade LGBT se viu representada pelo senador Fabiano Contarato
(REDE – ES).
[3] O
órgão é uma unidade policial especializada no atendimento de mulheres, crianças
e adolescentes que vivenciaram situações de violência física, moral e sexual. É
responsável pelo registro de ocorrências, investigação e apuração de crimes.
Além disso, faz a solicitação de medidas preventivas previstas na Lei Maria da
Penha e o encaminhamento para laudos no Instituto Médico Legal (IML).
Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs): São unidades
especializadas da Polícia Civil para atendimento às mulheres em situação de
violência. As atividades das DEAMs têm caráter preventivo e repressivo, devendo
realizar ações de prevenção, apuração, investigação e enquadramento legal, as
quais dever ser pautadas no respeito pelos direitos humanos e pelos princípios
do Estado Democrático de Direito (Norma Técnica de Padronização das DEAMs,
SPM:2006). Com a promulgação da Lei Maria da Penha, as DEAMs passam a desempenhar
novas funções que incluem, por exemplo, a expedição de medidas protetivas de
urgência ao juiz no prazo máximo de 48 horas. Entre neste Time. Diga Não à
violência contra a mulher. Disponível em: http://www.mprj.mp.br/documents/20184/230172/folder_caovd.pdf Acesso em 28.10.2021.
[4]
LGBT é uma sigla que significa Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgênero.
Em uso desde a década de 1990, o termo é uma adaptação da sigla LGB, que começou
a substituir o termo gay em referência à comunidade LGBT mais ampla a
partir de meados da década de 1980. LGBTQQICAPF2K+ é a sigla de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Transexuais e Travestis, Queer, Questionando, Intersexo,
Curioso, Assexuais, Pan e Polissexuais, Amigos e Familiares, Two-spirit
e Kink. A ordem das letras não foi padronizada. Além das variações entre as
posições do "L" e do "G" como inicial, as letras menos
comuns, se usadas, podem aparecer em quase qualquer ordem. Os termos variantes
nem sempre representam diferenças políticas dentro da comunidade, mas surgem
simplesmente das preferências de indivíduos e grupos. Algumas pessoas defendem
o termo "identidades sexuais e de gênero minoritárias" (MSGI, em
inglês, cunhado em 2000), ou "gêneros e sexualidades minoritários"
(GSM), de modo a incluir explicitamente todas as pessoas que não são cisgênero
e heterossexual, ou "minorias românticas, sexuais e de gênero"
(GSRM), que é mais explicitamente inclusivo das orientações românticas
minoritárias e poliamor, mas nenhuma tem sido amplamente adotada. Outros termos
guarda-chuva raros são Gênero e Diversidade Sexual, Orientações Marginalizadas,
Identidades de Gênero e intersexo e Orientações Marginalizadas, Gêneros
Excluídos e intersexo.
[5] A
Lei n. 13.441/2017 inseriu a Seção V-A na Lei n. 8.069/90, introduzindo os
arts. 190-A a E, a fim de permitir a infiltração de agentes de polícia na
internet com o fim de investigar os crimes previstos nos arts. 154-A, 217-A,
218, 218-A e 218-B do Código Penal (e também nos crimes dos arts. 240, 241,
241-A, 241-B, 241- C e 241-D do próprio Estatuto).
[6]
Casais homossexuais devem ter o direito a firmar uniões civis, afirmou o Papa
Francisco em um documentário em 21.10.2020. Os comentários do papa são os mais
recentes de uma série de falas sobre os direitos LGBT sempre expressando algum
apoio, mas não um endosso total. O Vaticano anunciou, em 15.03.2021 que padres
e outros ministros não podem abençoar uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Segundo nota oficial divulgada pela Congregação para a Doutrina da Fé, um dos
órgãos responsáveis por estabelecer diretrizes para os católicos, "Deus
não pode abençoar o pecado". A decisão é percebida como uma vitória da ala
conservadora da Igreja.
[7] O
lenocínio compreende a ação que visa a facilitar ou promover a prática de atos
de libidinagem ou a prostituição de outras pessoas, ou dela tirar proveito. O
tráfico de pessoas compreende a ação de promover ou facilitar a entrada o saída
de pessoas para que exerçam a prostituição ou qualquer outra forma de
exploração sexual. Observa-se que os elementos caracterizadores do delito são:
a conduta de induzir alguém e a finalidade de satisfazer a lascívia de
outrem. Por induzir entende-se a ação de
convencer, persuadir a vítima para a prática de certo comportamento. A
finalidade do induzimento é satisfazer a lascívia de outra pessoa, sendo esta
diferente do agente que induziu. Assim a finalidade é a realização de atos
libidinosos desejados por alguém, desde que este não seja a pessoa que induziu
a vítima.
[8] A
partir da Lei dos Crimes Hediondos — que elevou a pena de estupro e atentado
violento ao pudor para seis a dez anos de reclusão —, em que pese alguma
divergência, passar as mãos nas coxas, nas nádegas ou nos seios da vítima ou
mesmo um abraço forçado configuram, a nosso juízo, a contravenção penal do art.
61 da lei especial, quando praticados em lugar público ou acessível ao público.
Atos de pouca importância, ainda que ofensivos ao pudor, não podem ser
classificados como estupro (ou tentativa de estupro), adequando à tipificação
dessa contravenção.
[9] Pode-se observar que o delito de importunação sexual possui algumas semelhanças com os crimes de estupro, ato obsceno e assédio sexual, desta forma a presente pesquisa traz as diferenciações do delito de estupro para o delito de importunação sexual visto que aquele é o que mais se assemelha a este. Entretanto, podemos compreender facilmente as diferenças de um para o outro com um exemplo bem simples: Suponhamos que um indivíduo ameaça de morte a vítima com emprego de arma de fogo e determina que esta se masturbe, dessa forma, houve o constrangimento e a grave ameaça (por conta da arma de fogo) para a vítima praticar o ato libidinoso, ainda que não tenha havido contato físico com o agressor, assim sendo ocorre o crime de estupro. Por sua vez, no delito de importunação sexual não há o emprego da violência ou grave ameaça, ou seja, a vítima não é constrangida a praticar ou permitir a prática de atos libidinosos com ela, o ato libidinoso é praticado pelo próprio agente.
[10] Os povos da Antiguidade já puniam severamente os crimes sexuais, particularmente, os violentos, dentre os quais se destacava o de estupro. E, após a Lex Julia de adulteris (em 18 depois de Cristo), no antigo direito romano, procurou-se diferenciar o adulterius de stuprum, significando o primeiro a união sexual com mulher casada, e o segundo, uma união sexual ilícita com a viúva. In stricto sensu, considerava-se estupro toda união sexual ilícita com mulher não casada. Mas, a conjunção carnal violenta, que ora se denomina de estupro, os romanos incluíam em conceito amplo de crimen vis, passível de pena de morte.
[11]
Em relação à liberdade de dispor do próprio corpo, o consentimento não
pressupõe qualquer lesão daquela, antes o exercício positivo do direito à
liberdade no que ao seu corpo respeita. O direito de dispor livremente da
liberdade sexual (bem jurídico protegido) deriva dessa mesma liberdade e
constitui parte essencial do seu valor para o direito. Do mesmo jeito que quem
autoriza outrem a entrar em sua casa dificilmente representará que consentiu
numa lesão do seu direito à inviolabilidade do domicilio, tal qual a mulher
adulta que consente na cópula não sentirá que tenha sido violada a sua
liberdade de decisão ou execução da ação, também a pessoa que de forma
esclarecida e livre se prostitui, concordando com a intermediação lucrativa do
proxeneta, sentirá como ofendido o seu direito à liberdade sexual, funcionando
o acordo, na sua relevância sistemática, como causa de exclusão do tipo.
[12] A
introdução de dedos na vagina da ofendida, por exemplo, não caracteriza
conjunção carnal, pois, como afirmamos, esta pressupõe a introdução do membro
genital masculino na cavidade vaginal, e dedos não são órgãos genitais.
Portanto, essa prática, desde que forçada, pode caracterizar a segunda figura
do estupro, qual seja a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
[13]
Crime de mera conduta é aquele em que o tipo penal descreve apenas a conduta
humana, não havendo sequer a possibilidade de ocorrência de um resultado
naturalístico. Crimes de mera conduta
são crimes sem resultado, em que a conduta do agente, por si só, configura o
crime, independentemente de qualquer alteração do mundo exterior (embora isso
seja questionável, porque, no crime de violação de domicílio, típico crime
formal, a presença do agente altera o mundo exterior e poderia ser considerada
um resultado).
[14] A
reforma penal brasileira de 1984 trouxe uma série de preceitos e princípios que
mais tarde adotaria a Constituição Federal de 1988, representando um marco para
o Direito Penal. A ideia inicial era modificar a Parte Especial do Código Penal
de 1940, que, no entanto, permaneceu intacta. Nas discussões científicas que
antecederam o anteprojeto da Parte Especial do Código Penal, destacava-se a
preocupação em reduzir a intervenção penal do Estado aos casos de extrema
necessidade. Os desvios da política legiferante se acentuaram nos anos 60 e 70
com a hipercriminalização. O princípio da intervenção mínima traduz a ideia
expressa por Maihofer, de um Direito Penal como ultima ratio da política
social, autêntica exigência ética para orientar o legislador quanto aos fatos a
punir e quanto às penas a aplicar. Ao institucionalizar as penas restritivas de
direitos, a Lei n.º 7.209/84 acolheu o generoso princípio da intervenção
mínima: a pena de prisão somente em casos de maior gravidade objetiva e da
maior culpabilidade.
[15] Importunação sexual – adequação típica – proporcionalidade A conduta de passar a mão no corpo da vítima por cima das vestes, sem a manipulação direta dos órgãos sexuais ou o contato entre os genitais, configura o crime de importunação sexual. O réu apelou de sentença que o condenou pela prática de estupro de vulnerável (artigo 217-A, caput, c/c artigo 61, inciso II, alíneas “f” e “h”, ambos do Código Penal). Nas razões, pugnou pela absolvição ou pela desclassificação da conduta para a infração penal do artigo 65 da Lei de Contravenções Penais (molestar ou perturbar a tranquilidade de alguém). Ao apreciar o recurso, os Desembargadores destacaram que a Lei 13.718/2018 criou o delito de importunação sexual, previsto no artigo 215-A do Código Penal, o qual prevê a conduta de “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. Esclareceram que a intenção do legislador, quando instituiu o novo tipo penal, foi a de punir os crimes sexuais conforme a gravidade das condutas, as quais podem ir desde a mera importunação até a prática de ato libidinoso com penetração, mediante violência ou grave ameaça. Os Julgadores asseveraram que o ato de passar a mão no corpo da vítima por cima das vestes, sem a manipulação direta dos órgãos sexuais ou o contato entre os genitais, amolda-se ao tipo do artigo 215-A CP. Acrescentaram que, in casu, não houve prova de que o apelante tivesse agido com violência física ou grave ameaça, de forma que não se poderia reconhecer a prática de crime de estupro. Com isso, o Colegiado, por maioria, deu parcial provimento ao recurso para desclassificar a imputação de estupro de vulnerável para a de importunação sexual e determinou a remessa do processo ao Ministério Público para análise da possibilidade de oferecimento da suspensão condicional do processo. Acórdão 1177322, 20170910026634APR, Relator Des. J.J. COSTA CARVALHO, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 30/5/2019, publicado no DJe: 13/6/2019.
[16] O
juiz Rafael Brüning, da 4ª Vara Criminal da comarca da Capital, converteu em
preventiva a prisão em flagrante de um homem acusado de importunação sexual a
uma vítima dentro de um ônibus, prática que é considerada crime desde a semana
passada, após sanção de lei pela Presidência da República (artigo 215-A do
Código Penal). De acordo com os autos, o réu foi surpreendido por passageiros
ao passar a mão por dentro da blusa da vítima. O homem, que foi ouvido pelo
magistrado em audiência de custódia, já possui outros recentes registros de
ocorrência pela suposta prática dos mesmos fatos. Só este ano, ele teria
praticado o ato por nove vezes, todas no interior de veículos de transporte
coletivo da Capital. Além de o acusado não possuir endereço fixo, também foi
levada em conta a maneira como o agressor agia, a qual colocaria em risco a
ordem pública. “Ressalto que, em situações particulares, a jurisprudência tem
aceito que o modus operandi em tese empregado pelo agente sirva de
justificativa para o aprisionamento pela garantia da ordem pública quando, pelo
modo de proceder, percebe-se haver risco concreto de reiteração criminosa e/ou acentuado
potencial lesivo da conduta”, assinalou Brüning. Fonte: Tribunal de Justiça de
Santa Catarina.
[17]
Segundo a presidente do TST e do CSJT, ministra Maria Cristina Peduzzi, é dever
do empregador promover a gestão racional das condições de segurança e saúde do
trabalho. “Ao deixar de providenciar essas medidas, ele viola o dever objetivo
de cuidado, configurando-se a conduta culposa”, assinala a ministra Peduzzi.
“Cabe ao empregador, assim, coibir o abuso de poder nas relações de trabalho e
tomar medidas para impedir tais práticas, de modo que as relações no trabalho
se desenvolvam em clima de respeito e harmonia”.
O gênero da vítima não é
determinante para a caracterização do assédio como crime. “A tipificação
específica é de 2001, quando se introduziu o artigo 216-A no Código Penal, e a
prática é punível independentemente do gênero”, explica a presidente do TST,
ministra Maria Cristina Peduzzi. No entanto, estatisticamente, a prática se dá
preponderantemente em relação às mulheres.
Embora o processo criminal
decorrente do assédio sexual seja da competência da Justiça Comum, a prática
tem reflexos também no Direito do Trabalho. Ela se enquadra, por exemplo, nas
hipóteses de não cumprimento das obrigações contratuais (artigo 483, alínea
“e”, da CLT) ou de prática de ato lesivo contra a honra e boa fama (artigo 482,
alínea “b”). Nessa situação, a vítima pode obter a rescisão indireta do
contrato de trabalho, motivada por falta grave do empregador, e terá o direito
de extinguir o vínculo trabalhista e de receber todas as parcelas devidas na
dispensa imotivada (aviso prévio, férias e 13º salário proporcional, FGTS com
multa de 40%, etc.). Caracterizado o dano e configurado o assédio sexual, a
vítima tem direito também a indenização para reparação do dano (artigo 927 do
Código Civil). Nesse caso, a competência é da Justiça do Trabalho, pois o
pedido tem como origem a relação de trabalho (artigo 114, inciso VI, da
Constituição da República).
[18] É possível a configuração do crime de assédio
sexual (art. 216-A CP) na relação entre professor e aluno. O crime de assédio
sexual é tipificado no art. 216-A CP e consiste em constranger alguém com o
intuito de obter vantagem sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de
superior hierárquico ou de ascendência (condição de mando) inerentes ao
exercício de emprego, cargo ou função. É, em síntese, a insistência importuna
de alguém em posição privilegiada, que usa dessa vantagem para obter favores
sexuais de um subalterno. A doutrina discute se é possível o assédio sexual do
professor contra o aluno. A controvérsia nasce a partir da interpretação que se
pode conferir às expressões “superioridade hierárquica” e “ascendência”,
condições elementares do tipo.
[19] Segundo Victor Eduardo Rios Gonçalves como a lei não esclarece os meios de execução, do crime de assédio sexual, todos devem ser admitidos (crime de ação livre), como por exemplo, atos, gestos, palavras, escritos e, etc. É evidente que existe o crime quando o empregador beija furtivamente o pescoço da funcionária, pede-lhe uma massagem, cheira seus cabelos, troca de roupa em sua presença, pede que ela experimente uma lingerie, convida-a para ir a um motel, mostra-lhe o pênis no escritório e, etc. Convém lembrar que é sempre necessário para a configuração do crime de assédio sexual que o agente tenha se valido do seu cargo.
[20]
Para Guilherme de Souza Nucci, ambas são inerentes ao exercício de emprego,
cargo ou função, mas a superioridade hierárquica retrata uma relação laboral no
âmbito público, enquanto a ascendência espelha a mesma relação, porém no campo
privado. Nesse contexto, não configura o crime a mera relação entre docente e
aluno, por ausência do vínculo de trabalho entre os dois sujeitos.
[21] O
STJ firmou tese na qual adota a segunda orientação sob o argumento de que não é
possível ignorar a ascendência exercida pelo professor, que, devido à sua
posição, pode despertar admiração, obediência e temor nos alunos, e, em virtude
disso, tem condição de se impor para obter o benefício sexual : “É patente a
aludida “ascendência”, em virtude da “função” desempenhada pelo recorrente –
também elemento normativo do tipo -, devido à atribuição que tem o professor de
interferir diretamente na avaliação e no desempenho acadêmico do discente,
contexto que lhe gera, inclusive, o receio da reprovação. Logo, a “ascendência”
constante do tipo penal objeto deste recurso não deve se limitar à ideia de
relação empregatícia entre as partes. Interpretação teleológica que se dá ao
texto legal” (REsp 1.759.135/SP, j. 13/08/2019).
[22] Em razão do princípio da especialidade, é descabida a desclassificação do crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal – CP) para o crime de importunação sexual (art. 215-A CP), uma vez que este é praticado sem violência ou grave ameaça, e aquele traz ínsito ao seu tipo penal a presunção absoluta de violência ou de grave ameaça.
[23] Nos termos do art. 234-B do Código Penal, os
processos que apuram essa modalidade de infração penal correm em segredo de
justiça. O prazo prescricional somente terá início quando a vítima completar 18
anos, salvo se antes disso a ação penal já tiver sido proposta (art. 111, V,
CP).
[24] O
Finalismo vem com uma nova conceituação de ação, a qual faz frente ao conceito
naturalista e lógico de ação. Welzel, principal representante da teoria
finalista, vai escrever que a realidade que serve de fundamento para o Direito
não é das ciências naturais, no entanto tal fundamento é a vida social. Sendo
assim, para a teoria welzeliana a ação é um fenômeno social, ou seja, um
fenômeno da existência em sociedade e, ao mesmo tempo, é uma expressão de
sentido (essa expressão de sentido não é meramente individual, deve-se levar em
conta dentro de um contexto social). Se se tomar de forma literal a teoria de
Welzel, ela parecerá uma reedição da teoria de Hegel (para este trata-se de um
sentido social, não havendo persecução de interesses individuais). No entanto,
Welzel, de forma alguma, mantém-se nessa linha hegeliana de pensamento, muito
pelo contrário, porquanto Welzel não deriva o conceito de sentido da sociedade,
mas sim converte esse conceito para algo individual - para uma atividade humana
segundo fins. O jurista ainda faz distinção entre o sentido instrumental
próprio da ação, como meio para a modificação do meio ambiente dos indivíduos,
e a decisão valorativa que se interconecta com a ação. Welzel exclui essa
decisão axiológica do conceito de ação, voltando, assim, a uma dogmática
naturalista de ação. Vale destacar que aqui começa a se introduzir essa decisão
valorativa – embrionária do dolo – para o tipo penal, formando assim o elemento
subjetivo do tipo. Então, pode-se perceber que a ação penal é apenas uma
vontade instrumental dirigida (ação final, que visa a um fim).