A Tragédia de Ricardo II. Legitimidade injusta de Ricardo II

Quando a ficção explica a realidade, somos capazes de refletir sobre o amplo espectro da natureza humana, a história da humanidade e, principalmente, o Direito.

Fonte: Gisele Leite

Comentários: (0)




The Life and Death of King Richard The Second, foi uma das primeiras peças do dramaturgo, por essa razão, tão cercada de cuidado. Ricardo II[1] apear de muito inteligente fora um rei fraco e alienado, vivia de frivolidades e cercado favoritos e puxa-sacos. Para piorar, cobrava altos impostos[2] de seus súditos sem atentar para realidade que o povo enfrentava. Logicamente, não era um soberano bem-quisto e amado.

Os dramas históricos do bardo são aqueles onde focalizou diversos aspectos da história inglesa, excetuando-se as peças Macbeth e Rei Lear, caracterizadas como tragédias, compondo um conjunto de dez peças teatrais dotadas de cinquenta atos e centenas de personagens e, ainda abrangem dois séculos e meio da história da Inglaterra.

É habitual ordená-lo em duas sequências, a primeira que compreende três peças consagradas ao reinado de Henrique VI, sendo controvertida a autoria única de Shakespeare, principalmente, para a primeira parte da trilogia, citando-se como colaboradores seus Greene, Nashe e Peele e, o drama Vida e Morte de Ricardo III.

A segunda focaliza os reinados de Ricardo II, Henrique IV e Henrique V. Os dois restantes dramas históricos, são referentes ao Rei João Sem Terra e Henrique VIII, postos como início e fim do vasto contexto histórico, foram escritos, o primeiro, mais ou menos entre as duas teatralogias e, o segundo já no fim da carreira do dramaturgo inglês.

Embora, de acordo com a cronologia histórica, a primeira teatralogia devesse ter sido escrita após a segunda. (...). A narrativa minuciosa tanto do real como do fictício, presente em Ricardo II, há uma crassa mistura entre história e poética.

A Peste Negra[3] considerada a maior pandemia da história da civilização, iniciou-se em 1347, na Ásia Central. Assolou a Europa (como consequência da falta de saneamento) e foi responsável por dizimar entre um terço (25 milhões) a metade da população (75 milhões). Esta epidemia global de peste bubónica foi verdadeiramente devastadora.

Em 1665, a cidade de Londres[4] foi assolada pela peste bubónica, conhecida como a Grande Peste de Londres que matou cerca de 20% da sua população. No ano seguinte, ainda os londrinos estavam a recuperar da Grande Peste quando foram abalados por outra tragédia – o Grande Incêndio de Londres.

Sob o impacto da Peste Negra, o Reinado de Ricardo II afetou toda a sociedade inglesa. Durante todo o verão de 1381, houve uma fermentação geral, e, em maio, irrompeu a violência em Essex que foi iniciada por uma tentativa de fazer nova e severa arrecadação de capitais, maior do que a do ano anterior. E.  tais elementos turbulentos de Londres inflamaram-se a um bando liderado por Thomas Farringdon.

“Londres estava toda em lágrimas. A choradeira das mulheres e das crianças, nas janelas e portas das casas onde seus parentes mais queridos talvez estivessem morrendo, ou recém mortos, era tão frequente quando se passava pelas ruas que bastava para cortar o mais insensível coração do mundo”. In: Um diário do ano da peste, de Daniel Defoe (2002). A grande peste de Londres[5] só acabou em 1666.

A cidade era outra, afinal famílias inteiras tinham morrido e milhares de casas estavam abandonadas. Como nenhum país aceitava receber os navios do Reino Unido, por causa do medo da epidemia, a crise financeira tinha tudo para ser longa.

A parte histórica desta peça é baseada nas Chronicles of England, Scotland and Ireland, de Raphael Holinshed.  A referência à estada do Duque de Norfolk na Terra Santa vem nos Annals, de Stown, publicados em 1580.

Os personagens femininos são criados por Shakespeare. A rainha como é retratada, não tem qualquer base histórica, visto que só tinha onze anos de idade, na data da deposição de Ricardo II.

Esta peça é uma das mais antigas, sendo sua data determinada entre os anos de 1593-4. Duas edições, publicadas em 1597, não trazem o trecho da deposição de Ricardo II (ato IV, cena I), claro que para não ofender os sentimentos da Rainha Isabel (Elizabeth I).  Só em 1608 quando já reinava Jaime I, filho da Rainha Mary Stuart, foram restaurados os versos omitidos. (MENDES, 1960, p.78).

Aristóteles em sua obra intitulada "Arte Poética" define aspectos sobre a escrita de fábulas: 1. Das fábulas, umas são simples, outras complexas, pois evidentemente são assim as ações, de que as fábulas são a imitação.

Observa-se que em Ricardo II há resgate de elementos medievais como a função da cavalaria e dos nobres como sustentáculos importantes da monarquia. Há ênfase nas ações aristocráticas, isto é, nas chamadas "melhores ações". O bardo repassa a noção de moralidade medieval através da narrativa que une o sublime com o realismo diário. Há, não apenas a mistura de personagens, mas também, entre o trágico e o cômico.

Assim, o bardo não considera como a Idade Média, todos os homens tragicamente, também é mais conscientemente aristocrático do que foi Montaigne e, na abordagem a condição humana reflete as diversas classes sociais, tanto do viés prático como quanto à dignidade estética. Enfim, seus heróis trágicos são reis, príncipes, generais, nobres e grandes figuras da história romana.

Ricardo II iniciou efetivamente seu governo em 1377 e casou-se com Ana da Boêmia em 1382. Já em 1390, enviou seu antigo tutor e tio para a Aquitânia e lá este se tornou Duque da região.

Logo em seguida, exilou seu primo Henrique de Lancaster para a mesma região. As tensões ficaram agressivas ao ponto de ficarem insustentáveis: após a morte de John de Gant na Aquitânia (local onde estava exilado), Ricardo II retirou de Henrique a chance de obter a herança.

Esse motivo levaria Henrique de Lancaster a retornar para o reino da Inglaterra e com a ajuda de muitos nobres descontentes com a política instável de Ricardo II planejar a sua morte.

No entanto, como Shakespeare demonstrou, brilhantemente, com a imagem de Ricardo II como espectro na continuidade de suas peças Henrique IV e Henrique V, mesmo o crime ter conseguido abrir caminho para Henrique se transformar no rei Henrique IV isso seria um mal jamais esquecido. Ora, o assassinato do rei era o mais execrado dos crimes que um indivíduo poderia realizar no medievo. O regicídio era o mais grave dos crimes sob o governo monárquico e, tramado por integrantes da própria nobreza, exigia uma punição exemplar e pública.

A tragicidade da trajetória cumprida por Ricardo II descrita por Shakespeare. como o rei das feras, se tivesse governado somente as feras, reinaria ainda felizmente sobre homens.

O olhar do bardo sobre os reis medievais[6] é diferenciado do comportamento das épocas em que eles viveram. Pois, na Idade Média, os reis estavam integrados com suas realidades cotidianas em sociedade, mas o arquétipo de rei shakespeariano não inclina sua majestade com tanta facilidade.

Trata-se da consciência histórica do bardo que revela indícios sobe sua análise contextual, sua mimesis do realismo histórico medieval que estamos a analisar no drama histórico não está totalmente no inexorável destino grego, nem está em outro mundo como da forma medieval, que se realiza no presente dos personagens que estão descritos em camadas de atuação. A solução dos conflitos é a história. E, alcance certa realidade, mas a sobrepuja com sua reflexão.

Durante o século XVI, a divisão dos destinos humanos entre as categorias de trágico e cômico tornou-se, novamente, consciente. E, a concepção do trágico não pode se desenvolver livremente, e isto não se deveu de forma alguma à circunstância de teoria antiga, por ter sido esquecida ou mal compreendida, o que não impediu a formação de tragicidade peculiar, devida a visão cristã da vida humana ter-se oposto a uma formação do trágico.

Por sobre todos os acontecimentos, por mais sérios que fossem, estava a dignidade superlativa, que tudo abrangia, de um único acontecimento, a aparição de Cristo e, toda tragédia não era senão figura ou reflexo de um só conjunto de acontecimentos, no qual necessariamente desembocava: o conjunto do pecado original, nascimento e sofrimento de Cristo. Juízo Final[7].

Assim relacionava-se, a transferência do centro de gravidade da vida terena para a vida no além, de tal forma que a tragédia nunca chegava ao seu fim na vida terrena.

Repare que a narrativa medieval tinha a sua resolução em outra vida, e esta mudança do plano terreno para o além concretizava a visão providencialista foi característica constante no contexto medieval.

Shakespeare apresenta consciência histórica colocando as possibilidades do homem em cena. A pesquisa histórica ao analisar sua narrativa literária alcança uma viabilidade de observação de certa representação da realidade medieval.

As intenções do dramaturgo inglês, dos desejos da corte e o que era encontro de expectativas entre o autor e plateia, um momento de sucesso. A angústia transmitida pela peça Ricardo II não apenas nos informa sobre um rei a ser deposto, mas como estava sendo utilizado no século XVI como exemplo de construção da memória de um rei legítimo na época medieval para uma monarquia elizabetana que necessitava de estofo ideológico.

Com Ricardo II, então, Shakespeare volta-se para os eventos que iniciaram o século de crise na Inglaterra. Esses eventos ainda estavam recentes e relevantes para as mentes da época.

A competição de Ricardo e Bolingbroke pela coroa inglesa proporcionou sóbrio exemplo de transgressão política e, ao menos por implicação, uma rega para a escorreita conduta política. Estudar história para elizabetano, era a de evitar pelo menos os mesmos erros do passado. A relevância sobre a analogia histórica, era, realmente, enfatizada por volta de seis anos depois que o bardo escrevera a peça em 1601, os seguidores do Conde de Essex encarregaram à companhia teatral de Shakespeare, mas é provável que sim. A companhia foi, finalmente, desculpada, mas não antes da Rainha Elizabeth I concluir que estava sendo comparada com Ricardo II.

Quando escrevera a peça, o bardo presumivelmente não sabia que poderia ser usado para esse fim, mas ele deveria saber que a derrocada de Ricardo II foi, de qualquer forma, tema controvertido, por conta de seu uso potencial como precedente para a rebelião.

A cena da deposição de Ricardo II foi considerada tão provocativa pelo governo elizabetano que ela foi censurada nos quatro impressos da peça durante toda a vida da Rainha Virgem.

Qual a extensão que as lições políticas podem ser extraídas da peça de Shakespeare?

Inicialmente, não devemos subestimar às qualidades atrativas de Ricardo, como um homem e mesmo como um rei. Ao longo da peça, Ricardo é consistentemente mais impressivo e majestoso na aparência do que seu rival, Bolingbroke.

Ricardo nos fascina com sua sensibilidade verbal, sua profundidade poética e sua autoconsciência dramática. Ele eloquentemente expõe uma visão sacramental da monarquia, de acordo com a qual “Nem toda a água no turbulento e rude mar / Pode lavar à unção de um rei ungido”. Bolingbroke pode depor Ricardo, mas nunca poderá capturar à aura de majestade que Ricardo possui;

Bolingbroke pode ser bem-sucedido politicamente, mas somente às custas de uma ideia profana. Ricardo é muito mais interessante para nós humanos e meros mortais do que Bolingbroke, mais capaz à tristeza, mais meigo em seus relacionamentos pessoais, e mais necessitado em ser compreendido.

De fato, um importante fator da tragédia de Ricardo II é o conflito entre seu papel público (em que ele vê a si mesmo como divinamente nomeado, quase super-humano) e seu papel privado (em que ele é emocionalmente dependente e facilmente ferido).

O Rei confunde o que o mundo medieval e da Renascença chama de os “dois corpos” do Rei, o corpo sacramental da monarquia, que é eterno, e o corpo humano de um simples ocupante do trono, cuja frágil condição mortal está sujeita ao tempo e à fortuna.

O fracasso de Ricardo em perceber e agir sabiamente perante essa diferença é parte de seu dilema trágico, mas sua profundidade cada vez maior, através do sofrimento, na verdade da distinção é, também, parte de seu crescimento espiritual.

Seu dilema, apesar de comoventemente pessoal, encontra-se no coração da monarquia. Ricardo II detém, assim, muito mais de um rei. Apesar de, às vezes, ceder ao sentimentalismo infantil, em seu melhor, é soberbamente refinado, perceptivo e poético.

Apesar dessas qualidades, Ricardo II é governante incompetente. E, confessa a extravagante despesa em manter uma corte muito grande. Ricardo propõe a emissão de cartas brancas aos seus subordinados, que estarão autorizados a atualizar as quantias referentes aos impostos e taxas a serem pagas por qualquer súdito desafortunado. Entre os abusos infames, há o desfile de símbolos do desgoverno autocrático.

Não foi menos infeliz o confisco de Ricardo II do Ducado de Lancaster de seu primo Bolingbroke. Não obstante ter o consentimento de seu Conselho para banir Bolingbroke por causa de sua discórdia no conflito entre ele e Mowbray.

Enfim, o Rei viola a própria noção de herança de propriedade quando retiro o título e as terras de Bolingbroke. E, de acordo com seu primo Duque de York protesta, o próprio direito de Ricardo ao trono depende dessa noção de herança. Enfim, ao publicamente contrariar o sagrado conceito da ordem e do grau, ele ensina a todos a rebelaram-se.

O auspicioso comportamento de Ricardo II, antes mesmo da peça teatral começar, já gera desconfianças. E, a natureza de sua cumplicidade na morte de seu tio Thomas Woodstock, Duque de Gloucester, nunca é talvez, totalmente evidenciada, e, Gloucester pode ter sido provocativo e desrespeitoso.

Realmente, é possível simpatizar-se com o dilema de jovem governante prematuramente levado ao poder pela morte precoce de seu pai, o Príncipe coroado, tendo agora que enfrentar vários tios que são experimentados conselheiros.

Mas, Ricardo II é inequivocamente culpado pelo assassinato aos olhos da viúva de Gloucester, enquanto o meio-irmão desta, João de Gaunt, Duque de Lancaster, assume o Rei que causou a morte de Gloucester.

Também o filho de Gaunt, Bolingbroke, crê que o Rei seja o algoz e, ele acusa Thomas Mowbray, Duque de Norfolk, em parte como meio de constranger Ricardo II, a quem ele não pode ousar acusar diretamente. O destino de Mowbray não é invejável, pois estava no comando em Calais quando Gloucester foi executado e, insinua que o Rei ordenou a execução, mesmo que Mowbray alegue que ele próprio não deu a ordem.

Enfim, Ricardo estava feliz em banir o homem suspeito de ter sido seu agente no assassinato. Portanto, Mowbray é bode expiatório conveniente.

Em tom refinado e cerimonial a abertura da peça teatral é rompido, então, por nossa crescente consciência da violência implícita e oculta e do faccionismo, que jaz na cena. A primeira impressão de Ricardo II é de rei devotado à exposição pública de imparcialidade conciliatória.

Esse julgamento traz um oceano de repetições cerimoniais e rituais. E, os combatentes estão devidamente juramentados à justiça de suas causas e, Deus decidirá a disputa ao conceder à vitória ao campeão que informar a verdade.

Ricardo II, assume, como oficial, o papel do deputado ungido de Deus na Terra. Porém, torna-se crasso, em certo momento, que Ricardo é grande perpetrador de injustiça, ao invés de ser um juiz imparcial, que Bolingbroke está em busca de finalidades mais nobres do que ele reconhece para si mesmo e que a recusa de Ricardo II em permitir que o julgamento por combate acontece e o banimento dos dois competidores são formas desesperadas de ocultar um problema com qual não sabe lidar diretamente. Seus tios, relutantemente, consentem no banimento, somente porque eles, também, veem que a desafetação alcançou dimensões preocupantes.

A motivação de Bolingbroke nessas cenas de abertura, é ainda, mais obscura do que a de Ricardo II. Pois, ab initio, Bolingbroke é a de fraqueza, indignação moral e zelo patriótico. De fato, nunca realmente questionamos a sinceridade ao ser banido.

Porém, somos incitados a questionar, qual é a essencial causa da inimizade entre Bolingbroke e Ricardo II? Se Mowbray é apenas pretexto, a morte de Gloucester não é, também, uma desculpa para construir uma aliança ampla contra o próprio Rei, é significativa e profética.

Assim, Bolingbroke diz que Ricardo, age Como se a Inglaterra fosse, em uma reversão dele. E ele o próximo degrau da esperança de nossos súditos. Tal apreciação desfavorável poderia ser atribuída à maliciosa inveja da parte de Ricardo II, se não fosse provada pelos subsequentes eventos como inteiramente precisa.

Realmente, Ricardo é, sem dúvida, o mais presciente dos dois competidores ao trono inglês. De fato, é ele que percebe de antemão que o conflito entre os personagens é irreconciliável.

Desta forma, bane Bolingbroke como seu principal rival e, não mais questiona os motivos que trarão Bolingbroke quais os motivos que trarão Bolingbroke de volta à casa novamente. Entrementes, Bolingbroke recusa qualquer outro motivo para seu retorno do que o amor pelo país e o ódio da injustiça.

Apesar de ter nascido com a delicadeza política ausente em Ricardo II. Assim, Bolingbroke não reflete, sobre as consequências sobre seus próprios atos. E, como um homem de ação vive apenas no presente.

Já Ricardo II, pelo contrário, como estranhos poderes contemplativos e imaginação poética não ousa sequer lidar com o prática. Inveja e despreza a facilidade de Bolingbroke com os comuns.

O Rei estima a monarquia por sua majestade e prerrogativa que esta confere, não pelo mero poder de governar sabiamente. Assim o é que, apesar de prever o que se seguirá, Ricardo II, habitualmente cede aos seus piores instintos, comprando momento de frívolo prazer às custas de desastre próximo.

Concedida a incompetência de Ricardo II como um governante, é justificável a rebelião armada de Bolingbroke contra ele? De acordo com o tio de Bolingbroke, o Duque de York (que depois, de fato, altera sua lealdade) e o Bispo de Carlisle, Bolingbroke não tem justificativas para a rebelião.

A atitude desses homens pode ser resumida pela frase “obediência passiva.” E, apesar do próprio pai de Bolingbroke, John de Gaunt, morrer antes de seu filho retornar à Inglaterra e tomar o poder, Gaunt, também, estaria em oposição a tais resistências humanas perante a sagrada instituição da monarquia. “De Deus é o conflito,” ele insiste.

Porque Ricardo II é o representante ungido por Deus na terra, como Gaunt vê a questão, somente Deus pode punir os delitos do Rei. Gaunt pode não questionar à culpa de Ricardo, mas ele também não questiona a habilidade de Deus em vingar-se. Gaunt vê a intervenção humana nos negócios de Deus como blasfêmia: “pois eu nunca levantaria / Um braço furioso contra Seu ministro”. De fato, Gaunt reconhece o dever solene de oferecer conselhos francos para os

extremistas de ambos os lados, e ele o faz generosamente. Ele consente no banimento de seu filho, e ele repreende Ricardo em seu leito de morte.

A doutrina da obediência passiva era familiar aos Elisabetanos, pois eles ouviam-na na igreja periodicamente, em homilias oficiais contra a rebelião. Foi a resposta do Estado Tudor[8] àqueles que afirmavam o direito de derrubar reis geralmente considerados ruins. O argumento era logicamente ingênuo.

Por que governantes ruins tinham a permissão de governar de tempos em tempos? Presumivelmente, porque Deus deseja testar um povo ou puni-lo por insubordinação. Qualquer rei representando tal reprimenda é um flagelo divino.

Consequentemente, a pior coisa que um povo pode fazer é rebelar-se contra o flagelo de Deus, assim manifestando mais insubordinação. Em vez disso, eles devem tentar remediar à insolência em seus corações, aconselhar o Rei a consertar seus métodos, e pacientemente esperar pelo perdão de Deus. Se assim fizerem, eles não serão desapontados por muito tempo. A doutrina é, essencialmente, conservadora, defendendo o status quo.

Ela é reforçada, nessa peça, pela profecia do Bispo de Carlisle, que Deus irá vingar-se através da guerra civil a deposição de seu ungido; uma plateia Elisabetana apreciaria à ironia da profecia ter-se realizado e ter sido o tema da primeira tetralogia histórica de Shakespeare.

Ademais, em Ricardo II, a doutrina da obediência passiva é uma posição moderada entre os extremos de tirania e rebelião, e é expressa por personagens sérios e altruístas. Podemos ser tentados a rotulá-lo com a visão de Shakespeare, se nós não percebermos que a doutrina é continuamente colocada em conflito irônico com duras realidades políticas. O personagem que mais reflete às ironias e mesmo às ridículas incongruências da posição é o Duque de York.

York é, até um certo ponto, um personagem córico, isto é, alguém que ajuda a direcionar nosso ponto de vista, aquele que faz coro, porque sua transferência de lealdade de Ricardo II para Bolingbroke estruturalmente delineia o declínio da sorte de Ricardo e ocorre o coincidente aumento da de Bolingbroke.

No início, York compartilha a relutância de seu irmão Gaunt em agir, apesar da consternação deles perante a desobediência de Ricardo II.  No momento em que Ricardo confisca o ducado de Lancaster, York não pode mais segurar sua língua. Sua condenação é tão amarga como a de Gaunt, insinuando até a perda de aliança.

Ainda, ele aceita a responsabilidade, concedida de forma tão cavalheiresca por Ricardo, de governar à Inglaterra na ausência do Rei. Ele reúne todas as forças que pode para opor o avanço de Bolingbroke e discursa contra essa rebelião com a mesma veemência que ele usou contra o despotismo de Ricardo.

Ademais, quando encara a esmagadora superioridade militar de Bolingbroke, ele cede, em vez de lutar em nome de uma causa perdida. Não importando o quanto isso possa lembrar covardice ou mera conveniência, ela também mostra uma lógica pragmática.

Uma vez que Bolingbroke torna-se um rei de fato, na visão de York, ele deve ser reconhecido e obedecido. Por um tipo de analogia com a doutrina da obediência passiva (que teóricos mais rigorosos nunca permitiriam), York aceita o status quo como inevitável.

Ele está vigorosamente pronto para defender o novo regime, assim como anteriormente defendeu o governo de jure de Ricardo. A lealdade inconsistente de York ajuda a definir a estrutura da peça.

Quando, entretanto, essa conclusão leva York ao ponto de virar-se contra seu próprio filho, Aumerle, como traidor e discutir com sua esposa se o filho deles deve viver, a absurda ironia é aparente. Bolingbroke, agora Rei Henrique, está encantado, em um dos raros momentos felizes da peça.

Simultaneamente, a comédia lida com questões sérias, especialmente o conflito entre a responsabilidade pública encorajada por sua Duquesa, um conflito visto antes, por exemplo, no debate entre Gaunt e sua meia-irmã, a viúva Duquesa de Gloucester. Quando uma família e um reinado estão divididos um contra o outro, pode não haver, realmente, nenhuma resolução satisfatória.

Todas as teorias velhas e medievais em torno da monarquia, do direito divino, obediência passiva dos súditos e nobres, e o julgamento por combate e, assim por diante, explicam ou remediam inteiramente a complexa situação política que atinge a Inglaterra. O único homem capaz de decisiva ação, realmente, é quem nunca teoriza.

Bolingbroke e, seu motivo ao opor-se a Mowbray, resumido em mera indignação patriótica é dito com tamanha sinceridade que chegamos a duvidar de Bolingbroke realmente examinou suas ambições políticas, ou se são visíveis para Ricardo II e os demais membros da corte.

Outra discrepância surge entre o raso e o profundo e, aplica-se aos motivos de Bolingbroke retornar à Inglaterra, quando começa tramar a conspiração anunciada por Northumberland e, logo depois, da violação[9] dos direitos da hereditariedade de Bolingbroke pelo Rei, e, já em avançados termos, a impressão de conspiração em andamento apesar que um pouco dessa impressão é devido pela compressão do tempo histórico algo característico na obra de Shakespeare.

Quando Bolingbroke chega finalmente a Inglaterra, de qualquer forma, seguidores de Ricardo II sem autoridade legal e, por outro lado, estabelecendo sua própria reivindicação ao poder.

Por que insulta Ricardo II com calúnias homofóbicas, insinuando que os favoritos e protegidos do Rei. “Quebraram a propriedade de uma cama real, quando, até onde podemos ver da devoção que o Rei mostra a sua rainha, as acusações são inventadas e inverídicas?”

Bolingbroke, seriamente, pensa que ele pode reclamar seu ducado pela força e então ceder a Ricardo II sem mantê-lo como um rei marionete ou colocar a si mesmo em um intolerável risco?

E, pode ele supor que seus aliados, Northumberland e o restante, que agora abertamente desafiaram o Rei, iriam consentir no retorno ao poder de alguém que nunca confiaria neles novamente? É nesse contexto que York protesta, “Bem, bem, eu vejo o resultado dessas armas”.

A deposição de Ricardo II e, então, a sua morte são conclusões inevitáveis, uma vez que Bolingbroke foi bem-sucedido em uma rebelião armada. Não é possível voltar atrás. Entretanto, Bolingbroke simplesmente não pensará nesses termos.

Ele permite que Northumberland proceda com uma dureza quase sádica na prisão e impeachment de Ricardo e então adverte Northumberland em público por agir tão duramente; o trabalho sujo segue, com Northumberland assumindo a culpa, enquanto Bolingbroke assume uma pose de estadista.

Quando o novo Rei Henrique descobre, para sua surpresa, evidentemente que a vida de Ricardo é agora um peso ao estado, ele pondera em voz alta, “Eu não tenho amigos que irão livrar-me desse medo vivo?” e então repreende Exton por proceder como sinalizado.

O espírito pragmático de Bolingbroke e o novo modo de governo são a encarnação de um governo de fato. Por fim, a justificação por sua autoridade é o próprio fato de sua existência, seu funcionamento. Bolingbroke é o homem da hora.

Para aplicar o surpreendente contraste de William Butler Yeats, os usurpadores Lancastrianos, Bolingbroke e seu filho, são vasilhames de argila, enquanto Ricardo é um vasilhame de porcelana. Um é durável e utilitário, ainda que sem atrativos; o outro é esquisito, frágil e não prático.

A comparação não nos força a preferir um ao outro, mesmo que Yeats ele próprio apoie à beleza contra a política. Em vez disso, Shakespeare nos dá a escolha, permitindo-nos ver em nós mesmos uma inclinação no sentido da estabilidade política e social ou no sentido do temperamento artístico[10].

O paradoxo pode sugerir que as qualidades de um bom administrador não são as de um homem sensível e profundo. Apesar de irremediável como um rei, Ricardo permanece diante de nós, crescentemente, como uma pessoa introspectiva e fascinante.

As contradições de seu personagem são habilmente focadas na cena da quebra do espelho, durante sua deposição: é, ao mesmo tempo, simbólica de um narcisista, uma superficial preocupação pelas aparências e uma busca por uma verdade mais profunda, interior, assim, o despedaçamento do espelho é um ato de autodestruição e de autodescoberta.

Quando o poder de Ricardo desmorona, seu espírito aumenta, como se uma perda de poder e de identidade real fossem necessárias para a descoberta dos valores verdadeiros.

Nisso há uma tímida antecipação do autoaprendizado de Lear, temeroso e preciosamente adquirido. O traço é apenas refinado, ora presente, porque em boa parte Ricardo II é uma peça de história política, em vez de uma tragédia e, ainda, porque a autorrealização de Ricardo II é imperfeita.

Entretanto, quando Ricardo encara a deposição e a separação de sua rainha, e, especialmente quando ele está sozinho na prisão esperando a morte, ele esforça-se para entender sua vida e, através dela, a condição geral da humanidade. Ele ganha nossa simpatia no maravilhoso intercâmbio entre esse rei deposto e o pobre noivo de seu estábulo, que uma vez cuidou do cavalo de Ricardo II, ruão[11] bárbaro, agora posse do novo monarca.

Ricardo II percebe uma contradição nas garantias dos céus em relação à salvação: Cristo promete receber todas as crianças de Deus, e Ele também adverte que é tão difícil para um homem rico entrar no céu quanto um camelo passar através de um buraco de agulha.

O paradoxo ecoa as Beatitudes: o último deve ser o primeiro, o submisso deve herdar a terra. Ricardo II, agora um dos rebaixados, busca às cegas por um entendimento de vaidades das realizações humanas por meio das quais ele pode aspirar à vitória prometida por Cristo. No momento de sua morte, tal vitória parece garantida: sua alma se sentará em seu assento nas alturas “Embora minha grosseira carne afunde para baixo, morrendo aqui”.

A vitória do espírito sobre o corpo, o longo movimento para baixo da fortuna mundana de Ricardo II é crucialmente revertido. Assim, o sucesso mundano de Bolingbroke é mostrado como não sendo mais que isso: sucesso mundano. O seu arquétipo é Caim[12], o assassino primordial de um irmão (Abel). Até o ponto em que a peça é uma história, o sucesso real de Bolingbroke é uma questão de relevância política.

Em performance, a peça pertence a Ricardo. Não importando se ele termina como o perdedor, seu papel proclama um tipo de carisma real que Bolingbroke nunca alcança.

A peça também se tornou um veículo para o espetáculo e de admiráveis efeitos visuais enfatizando as simetrias da atenção do texto ao simbolismo poético e ao ritual social; a brilhante ostentação e o esplendor decadente competem pelo nosso interesse e nossas lealdades. mas, no movimento tardio no sentido da pessoal tragédia de Ricardo II, nós experimentamos um contramovimento, que em sentido catártico de redenção e reconforto. Não importando, o que Ricardo II possa ter perdido, seu ganho é, igualmente, imenso e grandioso.

O eixo de simetria é anormalmente importante em Ricardo II e, a peça começa e termina com as refinadas reverências rituais ao conceito de ordem social e monárquica, e ainda, em ambos os casos, uma nota de desordem pessoal que se recusa a ser subjugada num cerimonial público.

Shakespeare mantém nossa resposta a Ricardo II e Bolingbroke ambivalente em suas respectivas responsabilidades deles nos assassinatos.

Assim como o papel de Ricardo II na morte de Gloucester permanece confuso, assim o papel de Bolingbroke no assassinato de Ricardo permanece igualmente indistinto. Mowbray e Exton, como bodes expiatórios, são paralelos em alguns aspectos. Por causa que Ricardo e Bolingbroke estão ambos implicados nas mortes de parentes próximos, ambos são associados com o assassinato de Abel por Caim.

Conforme Bolingbroke ascende à fortuna mundana, Ricardo decai; conforme Ricardo encontra discernimento e libertação através do sofrimento, Bolingbroke encontra a culpa e o remorso através da desagradável necessidade política. Verbal e estruturalmente, a peça explora a figura retórica do quiasma, ou o emparelhamento dos opostos em um padrão diagonal e invertido pelo qual um declina e o outro ascende e vice-versa.

Repetidamente, os efeitos rituais da encenação e do estilo chamam nossa atenção para os conflitos equilibrados entre os dois homens e dentro de Ricardo II[13]. A simetria ajuda a enfocar nesses conflitos de forma visual e auditiva. Em particular, a cena da deposição, com seu espetáculo de coroação invertido, traz os lados sacramentais e humanos da figura central para um comovente relacionamento dramático.

A teoria dos dois corpos do Rei, que se constitui em uma ramificação do pensamento teológico cristão e, consequentemente, um marco da teologia política cristã. Segundo Kantorowicz (1998), o rei é nascido gêmeo, não apenas com grandeza, mas também com a natureza humana, e, portanto, sujeito ao sopro dos estultos.

Nessa teoria, o Rei possui um corpo natural, tal qual qualquer homem e, além disso, um corpo místico, invisível e imortal, incapaz de qualquer imperfeição. Esse último, é o corpo da Nação, que nunca morre. O outro é o corpo do homem, sujeito às imperfeições, imbecilidades e enfermidades naturais.

O corpo político ou da nação sugere obediência cega e reta ao soberano. A ideia de que o governante não pode ser julgado por ninguém, a não ser por Deus.

É a ideia do sistema cosmológico que amálgama ao cristianismo medieval sob as especulações neoplatônicas e redescobertas pelos humanistas. A unidade do plano divino é assegurada por jogo de correspondência entre os diversos níveis de conhecimentos, universo espiritual, macrocosmo do mundo físico, corpo político e social e microcosmo do ser humano.

Trata-se de análise lúcida sobre as ferramentas de legitimação do poder do rei, na obra de Shakespeare, promovendo uma releitura histórica sobre dois monarcas, Ricardo II e Ricardo III, onde expõe os conflitos existentes entre o poder moral e poder real do rei e dos senhores de terra. Na peça Ricardo II, vige embate simbólico[14]. Pois reflete o medievo em seu aspecto substancial, quando nos faz questionar sobre quem realmente governa?

E, mostra a relevância da aparência de autoridade de um rei para então se manter no poder. Precisa manter a aparência de controle e autoridade, mostrar ser rígido e superior aos seus súditos. No exato momento em que essa autoridade é afetada, seja por injustiça cometida pelo monarca, seja por falta de aparato de poder, seu poder é posto em xeque.

E, nesta peça teatral, o monarca legítimo, o ungido por Deus cometeu duas faltas monárquicas. Pois ele não se importa em representar a monarquia como entidade militarmente poderosa e, tenta usar da autoridade através de formalidades, que só demonstram fissuras em sua própria autoridade, aparentando indecisão, leviandade e maus julgamentos.

Na audiência entre Mowbray e Bolingbroke, há duelo legítimo, e o Rei interrompe afetando o direito de dois vassalos em duelar e, então, bane os dois. Após, Bolingbroke sair do Reino inglês, Ricardo II se apropria e confisca injustamente de suas terras, afetando diretamente a sua imagem como rei e como mediador da justiça dos homens e de Deus.

Deste modo, Bolingbroke reforça a premência de derrubar o injusto e instável rei Ricardo II. E, tenta representar o justo oposto do rei, sendo uma figura severa, de autoridade, aparentemente sensata e equilibrada. Tudo para justificar sua usurpação do trono[15]. E, um embate direto entre a figura da autoridade divina do rei contra o poder real de um súdito, capaz de tomar o trono para si. Podemos identificar uma legitimidade[16] injusta e uma justiça ilegítima[17], simultaneamente.

Referências

ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. São Paulo: Difusão Europeia, 1959.

BARKER, Juliet. Agincourt. Tradução de Mauro Pinheiro. Rio de Janeiro: Record, 2009.

BODIN, Jean. Em soberania: quatro capítulos de Os Seis Livros da Commonwealth. Traduzindo por J.H. Franklin. Cambridge: Cambridge University Press, 1992.

CELLA, José Renato Gaziero. Weber, Kelsen, Habermas e o Problema da Legitimidade. Disponível em: https://www.academia.edu/559775/WEBER_KELSEN_HABERMAS_EO_PROBLEMA_DA_LEGITIMIDADE Acesso em 4.1.2022.

CHEVALLIER, J. História do pensamento político: da cidade-Estado ao apogeu do Estado-Nação monárquico. Rio de Janeiro: Guanabara, 1982.

CHURCHILL, W. História dos povos de língua inglesa: o novo mundo. Tradução de Enéas Camargo. São Paulo: IBRASA, 1960.

DA SILVEIRA, José Renato Ferraz. William Shakespeare e a teoria dos Dois Corpos do Rei: a tragédia de Ricardo II. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/4140/1/Jose%20Renato%20Ferraz%20da%20Silveira.pdf Acesso em 04.1.2022.

DEFOE, Daniel. Um Diário do Ano da Peste. Tradução e Organização Eduardo San Martin. São Paulo: Editora Artes e Ofício, 2002.

GARIN, E. Idade Média e Renascimento. Tradução de IT Santos e HS Shooja. Lisboa: Editorial Estampa, 1994.

HELIODORA, B. A expressão dramática do homem político em Shakespeare. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

KANTOROWICZ, E.H. Os dois corpos do rei: um estudo sobre teologia política medieval. Tradução de Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

KIERNAN, V. Shakespeare: poeta e cidadão. Tradução de Álvaro Hattnher. São Paulo: Unesp, 1999.

KNIGHTON, Henry. Knighton's Chronicle 1337–1396, ed. GH Martin. Oxford: Clarendon Press, 1995.

LE GOFF, J. (Org.). Os Homens Medievais. Traduzido por M.J.V de Figueiredo. Lisboa: Editorial Presença, 1989.

LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o governo civil. Tradução de Marsely de Marco Dantas e Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2014.

MAITLAND, William. The History of London, from Its Foundation by the romans, to the present time ... in Nine Books. Londres: Gale Ecco, Print Editions, 2010.

MALUF, S. Teoria Geral do Estado. Atualizada pelo Prof. Miguel Alfredo Maluf Neto. São Paulo: Saraiva, 2003.

MAUROIS, A. História da Inglaterra. 4.ed. Tradução de Carlos Domingues. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti Editores, 1965.

MARTINS, Roberto de Andrade; MARTINS, Lilian Al-Chueyr Pereira; FERREIRA, Renata Rivera; TOLEDO, Maria Cristina Ferraz de. Contágio: história da prevenção das doenças transmissíveis. São Paulo: Moderna, 1997.

MORINEAU, M. O século XVI: 1482-1610. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1980.

NEVES, José Roberto de Castro. Medida por Medida. O Direito em Shakespeare. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2013.

SAULO, N. Os Três Richards: Richard I, Richard II e Richard III. Nova York: Hambledon Continuum, 2008.

SAMPAIO, Evaldo. O argumento do criador do conhecimento em Nietzsche. Disponível em: https://www.scielo.br/j/kr/a/Rk6yBpHLB8YptSxwDnYhSqs/?lang=pt Acesso em 05.1.2022.

SENKO, Elaine Cristina. Um Olhar Histórico Sobre a Idade Média Em Ricardo II de William Shakespeare (1564-1616). Disponível em:  https://periodicos.ufrn.br/aletheia/article/download/6199/4909. Acesso em 04.01.2021.

SHAKESPEARE, W. Ricardo II. Obra Completa. Versão anotada de MEDEIROS. Fernando de Almeida Cunha; MENDES, Oscar. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1960.

Shakespeare Brasileiro. Introdução À Tragédia do Rei Ricardo Segundo. Disponível em: https://shakespearebrasileiro.org/introducao-a-tragedia-do-rei-ricardo-segundo/ Acesso em 05.01.2022.

STEEL, Anthony. Richard II. Cambridge: Cambridge University Press, 1941.

TUCK, Anthony Crown and Nobility 1272–1461: Political Conflict in Late Medieval England. Londres: Fontana, 1985.

_______________ (2004). "Ricardo II (1367–1400)". Dicionário Oxford de Biografia Nacional. Oxford: Oxford University Press, 2004.

USZACKI, Wladimir D'ÁVILA. Legitimidade Monárquica: O Conflito entre Poder, Bens e Moral em Ricardo II e Ricardo III. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/LeC/article/download/39084/pdf+&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br Acesso em 04.1.2022.

WALSINGHAM, Thomas (1862–64). História Anglicana 2 vols., ed. Henry Thomas Riley. Londres: Longman, Roberts e Green.

Notas:


[1] Ricardo II (1367-1400) também conhecido como Ricardo de Bordeaux, foi o Rei da Inglaterra de 1377 até ser deposto em 133399. Era filho de Eduardo, o Príncipe Negro e Joana de Kent, nasceu durante o reinado de seu avô Eduardo III. Ricardo passaria a ser o herdeiro aparente do trono inglês quando o seu pai morreu em 1376. Como Eduardo III morreu no ano seguinte, Ricardo ascendeu ao trono com apenas dez anos de idade. Seu governo ficou nas mãos de uma série de conselhos durante os primeiros anos de reinado. A comunidade política preferia esse modelo ao invés de uma regência liderada por seu tio João de Gante, que mesmo assim permaneceu influente. O primeiro grande desafio do reinado foi a Revolta Camponesa de 1381.

[2] A Revolta Camponesa foi provocada pelo imposto individual de 1381 o que asseverou os conflitos entre camponeses e os donos de terras, precitada as consequências econômicas da Peste Negra e subsequentes surtos da peste. A rebelião começo ao final de maio em Kent e Essex, com grupos de camponeses reunidos em Blackheath, perto de Londres, no dia 12 de junho, liderados por Wat Tyler, John Ball e Jack Straw.  O Palácio de Savoy de João Gante foi queimado. E, os rebeldes mataram Simão Sudbury, o Arcebispo da Cantuária e Lorde Chanceler, e, também Robert Hales, o Lorde Alto Tesoureiro, exigindo a plena abolição da servidão. Protegido na Torre de Londres com seus conselheiros, Ricardo concordou que a coroa não possuía as forças para dispersar os rebeldes e que a única opção era negociar. Não resta evidente o quanto Ricardo, que tinha somente catorze anos, esteve realmente envolvido em tais deliberações, apesar de os historiadores sugerirem que estava entre os proponentes de negociações.

[3] A chegada da peste negra na Europa está inserida na chamada crise do século XIV. Essa crise tinha três eixos principais: fome, guerra e a própria peste. Entre 1317 e 1385, o continente Europeu sofreu alterações climáticas que destruíram plantações e, assim, diminuiu a quantidade de alimentos disponíveis, gerando a fome. Além disso, entre 1337 e 1453 ocorreu a Guerra dos Cem Anos, entre a Inglaterra e a França, que deixou fortes impactos econômicos e sociais nesses países. Além disso, apesar desse período estar inserido já na Baixa Idade Média, o pensamento religioso católico ainda estava muito arraigado na sociedade. Esse fato, associado às restrições tecnológicas e científicas da época, contribuíram para a crença de que a peste negra era uma punição divina. Desta forma, até mesmo pela falta de conhecimento, muito pouco foi feito, na prática, para evitar a disseminação da doença. Além disso, a peste, ao atingir indistintamente nobres, padres e plebeus, enfraqueceu no povo comum a crença, ou temor, de infalibilidade dos sacerdotes, ou de que eles e os nobres estivessem sob proteção divina. A Revolta dos Camponeses na Inglaterra, em 1381, pelo que teve de furor e caráter massivo, exemplifica como se processavam as insurreições daquele período. Rebelados contra um novo imposto opressivo, e exigindo o fim do instituto jurídico de servidão à terra, 10.000 camponeses armados de foices, machados e espadas, marcharam até os muros de Londres. Levavam à frente, como espantalhos macabros, estacas onde haviam espetado algumas cabeças decepadas de proprietários odiados por sua opressão. Terminaram violentamente reprimidos. Mas essa sequência de convulsões iniciadas na segunda metade do século XIV, renovada periodicamente em consequência de guerras intermináveis entre as cabeças coroadas da Europa, que desgraçavam a vida da classe camponesa, e ondas de fome que tornavam manifesta e intolerável a situação de privilégios da nobreza e do alto clero, abriu a época dos grandes abalos sociais que, ao longo dos próximos quatrocentos anos, terminariam por deitar por terra o edifício do feudalismo europeu. A sociedade europeia não conseguia ser mais a mesma de antes, os reis, nobres e padres não conseguiam mais dominar como antes. Entenda-se bem: a grande Peste Negra, é claro, não determinou o declínio do feudalismo, sequer o iniciou. Mas suas drásticas consequências demográficas imediatas acabaram, surpreendentemente, propiciando condições sociais que favoreceram o recrudescimento das lutas dos servos contra os senhores feudais — estas sim, a longo prazo, decisivas.

[4] A Grande Peste de Londres foi a última epidemia de peste bubônica na Inglaterra, durando 1665 a 1666. Acontecendo no contexto da segunda epidemia de peste, a Grande Peste vitimou entre 75 000 a 100 000 pessoas, ou seja, praticamente um quinto da população de Londres na época, em dezoito meses. A doença era causada pela bactéria Yersinia pestis, geralmente transmitida via um rato (chamado de vetor). A epidemia de 1665-1666 foi em menor escala do que a anterior de peste Negra que atingiu a Europa entre 1347 e 1353, mas é chamada como a "grande peste" porque foi uma das últimas a se espalhar pela Europa. O primeiro caso documentado na Inglaterra foi de um marinheiro que chegou à cidade de Weymouth, Dorset, em junho de 1348. No outono, a praga atingiu Londres e, no verão de 1349, espalhou-se por todo o país antes de se erradicar, em dezembro do mesmo ano. As baixas estimativas de mortalidade no início do século XX aumentou devido ao reexame de dados e novas informações, aceito um número de 40 a 60% da população. A consequência mais imediata foi a suspensão das campanhas da Guerra dos Cem Anos. A longo prazo, a diminuição da população causou escassez de mão de obra, acarretando no aumento dos salários — resistido pelos proprietários de terras, o que causou profundo indignação entre as classes mais baixas. A Revolta dos Camponeses foi em grande parte, resultado desse fator e, embora a rebelião tenha sido reprimida, ao longo do tempo a servidão foi abolida na Inglaterra. A Peste Negra também afetou os esforços artísticos e culturais, podendo ter ajudado o avanço do uso do vernáculo.

[5] No livro “History of London”, que foi lançado em 1739 pelo historiador William Maitland, ele relatou sobre um bispo londrino que comprou um terreno apenas para transformá-lo em uma vala comum, e quando este ficou sem espaço, um proprietário de terras da região contribuiu comprando uma área adicional de mais 13 acres.

[6] Por meio de vitórias militares iniciadas por Joana D'Arc, os franceses conseguiram vencer a Guerra dos Cem anos.  no ano de 1429, o papel desempenhado por uma obstinada francesa chamada Joana D’Arc deu outros destinos para esse conflito.  Liderando um pequeno exército organizado pelo monarca Carlos VII, essa lendária guerreira conseguiu reconquistar a região de Orleans do domínio inglês.  Logo em seguida, a euforia causada com essa conquista também possibilitou a retomada de Reims. Imediatamente, os ingleses ficaram alarmados com os feitos daquela desconhecida camponesa.

[7] Juízo final é o momento, de acordo com algumas doutrinas religiosas, do último e derradeiro julgamento de Deus sobre todos os seres da Terra. O Dia do Juízo, como também é conhecido, costuma ser comparado ao Apocalipse, principalmente entre os cristãos.  Juízo Final, Julgamento Final, o Dia do Juízo Final, ou Dia do Senhor na Bíblia, é o julgamento final e eterno feito por Deus sobre todas as nações. Este momento terá lugar depois da ressurreição dos mortos e da Segunda vinda de Cristo ou Parúsia (Apocalipse 20:12-15).  Esta crença inspirou numerosas representações artísticas.

[8] Para entender a dinastia Tudor é preciso retornar aos anos de 1337 e 1453 quando a Inglaterra e a França se enfrentaram em diversas batalhas, numa guerra dos cem anos, que em verdade durou cento e dezesseis anos. Os ingleses dominavam partes do território da França, conhecidos como feudos, mas isso começou a mudar nos séculos XII e XIII, com a crescente recuperação do domínios franceses controlados pelos ingleses. Por conta dos casamentos ocorridos entre membros das duas monarquias, houve grandes disputas pela sucessão do trono francês. A Inglaterra tentava dominar a França e interferir na sucessão do trono do país vizinho. Em 1453, os franceses reconquistaram Bordeaux, na Batalha de Castillon, e isso marcou o final da Guerra dos 100 anos. Foi na Guerra das Rosas que nasceu da Dinastia Tudor A Guerra das Rosas, de certa forma, é consequência da Guerra dos 100 Anos. Ela aconteceu entre duas famílias, os York e Lancaster (ou Lencastre). Ambas eram originárias da Dinastia Plantageneta, descendentes de Edward III, e lutaram pelo trono da Inglaterra durante 3 décadas. A origem do nome é uma referência aos emblemas das duas famílias: Rosa Vermelha, dos Lancaster; Rosa Branca, dos York. Depois de muitas idas e vindas, os Lancaster se impuseram. Com a intenção de criar as condições para reinar, o primeiro rei da Casa de Lancaster, Henrique VII, criou um novo símbolo: uma rosa que unia as duas cores. Começava o reinado da Dinastia Tudor. Henrique VII chegou ao poder por vias um tanto quanto tortuosas, já que não era considerado um herdeiro natural. Ele era filho de Edmundo Tudor e Margarida Beaufort. Para justificar o direito de ser rei, ele usava o argumento de que era tataraneto de Edward III. Acontece que o parentesco era pelo lado materno, o que tornava as suas pretensões ilegítimas. Como precisava de um argumento mais convincente, ele casou-se com Elizabeth of York, filha do penúltimo membro dos York a ocupar o trono da Inglaterra, Edward IV.

[9] Assim, Ricardo II e Ricardo III são dados como “tiranos” exatamente por quebrarem esses juramentos sagrados, afetando negativamente seus reinados. A legitimidade e legalidade estão intimamente relacionadas nas peças, pois dependem de como personagens representam seus motivos e elaboram seus argumentos. Em Ricardo II, o léxico da obra Emarcado por termos jurídicos, em especial nas cenas de acusação e no duelo (Ato I, cena 2), onde usar os termos legais exprime a autoridade real de monarca. Ao mesmo tempo, como ações de Ricardo II e as preferenciais e pretensões de Bolingbroke vão contra as leis de sucessão, contra a legalidade do Estado.

[10] No plano político, dois grandes legados da Dinastia Tudor tiveram consequências permanentes na história da Inglaterra e do Reino Unido:  a expansão do poderio e influência do Império Britânico e a definitiva incorporação do Reino da Escócia, que, até o período elisabetano, era um constante aliado da França. Os Tudor criaram um estilo arquitetônico que pode ser apreciado até hoje. O principal responsável pela arquitetura Tudor foi Henrique VIII, o monarca que mais construiu e adquiriu casas, palácios e castelos na história do país. O Palácio de Hampton Court e as casas típicas de Stratford-upon-Avon, a cidade onde William Shakespeare nasceu, são grandes exemplos do estilo Tudor na arquitetura. Na religião talvez esteja o mais importante dos legados da Dinastia Tudor: o surgimento da Igreja Anglicana. É um acontecimento que gerou intrigas, disputas, guerras civis e mudou definitivamente a face da Inglaterra.

[11] Ou Rouen (ou em normando: Rouen) é cidade localizada na histórica região da Normandia, situada no noroeste da França. Foi uma das mais próspera cidades do norte europeu na Idade Média. É hoje a capital da região francesa da Normandia e do departamento do Sena Marítimo. Foi fundada no século I, na época do imperador Augusto, como Rotômago (em latim: Rotomagus). Nos séculos posteriores se desenvolveu, assim como sofreu mudanças com a chegada dos povos bávaros e do cristianismo. Mais tarde, no século IX, foi invadida pelos vikings de Rollo, e a região de Ruão passou a se chamar Normandia a partir de 911, com o Tratado de Saint-Clair-sur-Epte.  Posteriormente, como capital da Normandia, foi anexada ao reino da França e tornou-se uma cidade importante na Guerra dos Cem Anos contra a Inglaterra. Durante o período renascentista floresceu e prosperou economicamente e artisticamente; sua arquitetura foi influenciada pelo gótico. O gentílico é rouennais.

[12] Caim é personagem do Antigo Testamento da Bíblia e quem matou seu irmão Abel, filhos de Adão e Eva. Possuído por inveja, Caim armou emboscada para seu irmão. E, matou seu irmão, é considerado o primeiro homicídio da humanidade. Caim foi questionado por Deus sobre o paradeiro de seu irmão, que respondeu que não era seu cuidador e não sabe onde estava. Naquele momento, tudo foi descoberto e amaldiçoado foi, e deveria ser lembrado por sua maldade e inveja.

[13]  Ricardo II pode ter sofrido de um transtorno de personalidade por volta do final de seu reinado. Um guerreiro menos habilidoso que seu pai e avô, tentou encerrar a Guerra dos Cem Anos iniciada por Eduardo III. Acreditava firmemente na prerrogativa real, algo que o fez restringir o poder de sua nobreza, e dependia de um séquito particular para sua proteção. Ricardo também cultivava uma atmosfera polida que o colocava como uma figura elevada, com as artes e a cultura no centro, ao invés da corte fraternal e marcial de Eduardo III. Sua reputação posterior foi muito moldada por William Shakespeare, cuja peça Ricardo II mostra a sua má administração e deposição como responsáveis pela Guerra das Rosas.

[14] O historiador Anthony Steel (1941), que escreveu uma biografia em grande escala do rei em 1941, fez uma abordagem psiquiátrica ao assunto e concluiu que Richard tinha esquizofrenia.  Isso foi contestado por V.H. Galbraith, que argumentou que não havia base histórica para tal diagnóstico, uma linha que também foi seguida por historiadores posteriores do período, como Anthony Goodman e Anthony Tuck. Nigel Saul, que escreveu a biografia acadêmica mais recente sobre Ricardo II, admite que - embora não haja base para assumir que o rei tinha uma doença mental - ele mostrou sinais claros de uma personalidade narcisista, e no final de sua reinado "O domínio de Richard sobre a realidade estava se tornando mais fraco".

[15]Uma das principais questões historiográficas que cercam Richard II diz respeito à sua agenda política e às razões de seu fracasso. Acreditava-se que sua realeza contivesse elementos da monarquia absoluta moderna do início, exemplificada pela dinastia Tudor. Mais recentemente, o conceito de realeza de Ricardo foi visto por alguns como não tão diferente daquele de seus antecedentes, e foi exatamente por permanecer dentro da estrutura da monarquia tradicional que ele foi capaz de realizar tanto quanto fez. No entanto, suas ações foram muito extremas e muito abruptas. Por um lado, a ausência de guerra tinha como objetivo reduzir a carga tributária e, assim, ajudar a popularidade de Richard com os Commons no parlamento. No entanto, essa promessa nunca foi cumprida, pois o custo da comitiva real, a opulência da corte e o generoso patrocínio de Ricardo a seus favoritos provou ser tão caros quanto a guerra, sem oferecer benefícios proporcionais. Quanto à sua política de retenção militar, isso foi mais tarde emulado por Eduardo IV e Henrique VII, mas a dependência exclusiva de Ricardo II do condado de Cheshire prejudicou seu apoio do resto do país.  Como Simon Walker conclui: "O que ele buscou não era, em termos contemporâneos, nem injustificado nem inatingível; foi a maneira de sua busca que o traiu."

[16] Legitimidade é um termo utilizado em Teoria Geral do Direito, em Ciência Política e em Filosofia Política que define a qualidade de uma norma (em Teoria Geral do Direito) ou de um governo (Teoria Geral do Estado) ser conforme a um mandato legal, à Justiça, à Razão ou a qualquer outro mandato ético-legal.  Em outras palavras, a legitimidade é o critério utilizado para se verificar se determinada norma se adequa ao sistema jurídico ao qual se alega que esta faz parte. Em Ciência Política é o conceito com o qual se julga a capacidade de um determinado poder para conseguir obediência sem necessidade de recorrer à coerção, que supõe a ameaça da força, de tal forma que um Estado é legítimo se existe um consenso entre os membros da comunidade política para aceitar a autoridade vigente. Em Teoria do Direito, especialmente em sua linguagem, existe certa confusão entre os termos legitimidade e legalidade. Ambos são utilizados para determinar a conformidade de determinadas atividades com normas vigentes do ordenamento jurídico. Não obstante, pode-se diferenciá-los na medida em que o primeiro se relaciona com o critério que permite ao executor da atividade afirmar que está conforme a lei, e, portanto, poder criar aquela obrigação aos outros. Neste sentido, a legalidade torna-se pressuposto da legitimidade uma vez que é necessário que o ator esteja executando uma atividade conforme a lei para que se possa verificar a existência da legitimidade.

[17]  Habermas apud Cella busca outro fundamento para tal legitimidade e afirma que este fundamento seria a existência de uma moral convencional que, por determinar normas prévias, gerais e vinculantes para todos, possibilitam o surgimento de um poder político que possa justificar a sua autoridade coercitiva. Assim, a fundamentação da autoridade do direito se daria devido a este entrelaçamento entre direito e moral. Nas palavras do filósofo “... aquele momento de incondicionalidade que inclusive no Direito moderno constitui um contrapeso à instrumentalização política do meio que é o Direito, deve-se ao entrelaçamento da política e do Direito com a moral”.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Direito História Legitimidade Natureza Humana Filosofia Política

Deixe o seu comentário. Participe!

colunas/gisele-leite/a-tragedia-de-ricardo-ii-legitimidade-injusta-de-ricardo-ii

0 Comentários

Conheça os produtos da Jurid