A guerra contemporânea

A guerra de quarta geração (4GW) segundo Ruivo que defende que atualmente a guerra pode ser classificada em quatro tipos diferentes. O primeiro seria a guerra convencional ou regular, cuja principal característica é o conflito entre Estados, travada entre exércitos com clara definição entre civis e soldados. O segundo tipo é a guerra de destruição em massa, que parece ser pouco provável que acontece. A chamada guerra irregular, crescentemente, vem substituindo as guerras convencionais. E, marcou o período pós-segunda guerra mundial e, durante a Guerra Fria. E, por fim, a guerra assimétrica, marcada por ser guerra irregular em escala mundial. Eis, onde se encaixa a chamada guerra híbrida.

Fonte: Gisele Leite

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Durante toda a história, as guerras se tornaram comuns desde os primórdios das civilizações. Porém, nem todas as guerras são iguais. Cada guerra possui características peculiares, ferramentas, métodos e, mesmo. interesses diferentes. Muitas mudanças fizeram com que se produzisse as chamadas guerras híbridas[1].

Como disse o filósofo Hobbes, o estado de natureza é estado de guerra, um estado marcado por iniciativas invasivas e ofensivas de cada indivíduo contra qualquer outro. Este status, que vem a ser obrigatoriamente toda vez que o poder soberano é removido, é a pior situação coletiva possível.

Bobbio[2]descreve uma definição para indicar as mais frequentes conotações de “guerra”, a partir de três características: “a guerra é, (a) um conflito, (b) entre grupos políticos respectivamente independentes e considerados como tais, (c) cuja solução é confiada à violência organizada” (Bobbio, 1983).

Bobbio esclarece essa questão do conflito permanente e da relação da pessoa com seus direitos e proibições quando explana. Encontrando-se num mundo hostil, tanto em face da natureza quanto em relação a seus semelhantes, segundo a hipótese hobbesiana do homo homini lupus, o homem buscou reagir a essa dupla hostilidade inventando técnicas de sobrevivência com relação à primeira, e de defesa com relação à segunda.

Estas últimas são representadas pelos sistemas de regras que reduzem os impulsos agressivos mediante penas, ou estimulam os impulsos de colaboração e de solidariedade através de prêmios.

O Estado considerado que seja ente político materializado em uma pessoa jurídica de direito público, interno ou internacional representa a concentração máxima de poder e direito. O Legislativo enquanto função estatal que materializa a representação da sociedade e de sua democracia cria a legitimidade para a construção de normas e, assim, evitar ou mitigar conflitos.

Ao tratar do conflito e formulando uma teoria social crítica Axel Honneth[3], por exemplo, propõe a construção social da identidade, seja pessoal e coletiva, conforme a gramática do processo de luta, ou seja, luta pelo reconhecimento. Divergindo de Habermas, para quem a base de a interação é o conflito e, sua gramática seria a luta pelo reconhecimento.

Já caberá ao Poder Judiciário resta a tarefa de resolver as lides mediante processos judiciais, sejam consensuais ou contenciosos, mediante o julgamento por julgador togado. E, juntamente com a capacidade executiva e coercitiva se faria assim a realização da decisão judicial, extinguindo o conflito de interesses.

Assim, alcançando seu intento através do Estado-juiz seriam a paz e a pacificação social realizadas. E, a vontade popular expressa pelos demais poderes, deve se fazer valer pelo Judiciário, portanto, existem limites a serem respeitados e observados, e, assim, a sociedade ganha como um todo.

A guerra é luta armada entre nações, ou entre partidos políticos de mesma nacionalidade ou de etnias diferentes, com o fito de impor supremacia ou salvaguardar interesses materiais ou ideológicos. Assim, a guerra além de ser um fenômeno político-econômico, é, sobretudo, um fenômeno social. Em resumo, a história da humanidade e a história das guerras estão umbilicalmente relacionadas e os estudos destas são necessários.

Muitos debates a respeito da natureza da guerra fizeram surgir teorias para distinguir as guerras do passado, do presente e do futuro. E, a depender do período histórico existiam elementos comuns nas guerras vivenciadas, mas que com o tempo essas ferramentas usadas foram se tornando cada vez mais eficientes. E, os conflitos podem ser classificados em quatro períodos distintos.

A guerras de primeira geração se iniciaram com o Tratado de Westfália, acontecimento histórico que definiu que todos os Estados eram soberanos e possuíam o direito de escolher sua própria organização interna e a orientação religiosa.

Nesse cenário, as guerras representavam um monopólio do Estado-nação, isto é, só poderiam ser realizadas através da força nacional do Estado. E, os enfrentamentos entre esses Estados eram caracterizados pelos exércitos numerosos e pela rigidez de táticas e formações lineares, em terra ou no mar.

Esse tipo de conflito tem como exemplo emblemático as Guerras Napoleônicas (1803-1815). As Guerras Napoleônicas foram resultado direto das Guerras Revolucionárias Francesas (1792 a 1802), desencadeadas pelo choque entre os novos ideais revolucionários e a defesa do sistema monárquico nos países europeus, representado principalmente pelo Sacro Império Romano. Adiantando-se a prováveis intervenções externas de seus vizinhos absolutistas, a França tomou a iniciativa de conquistar territórios.

As Guerras Revolucionárias Francesas foram divididas em dois períodos: as guerras contra a Primeira e a Segunda Coalizões. A Primeira Coalizão foi composta pelo Sacro Império Romano (dinastia Habsburgo na Áustria e Prússia), pela Grã-Bretanha, Espanha, Holanda e Portugal e alguns outros reinos menores.

O início oficial das Guerras Napoleônicas foi com o rompimento do tratado por parte do Reino Unido em 1803 porque, entre outros motivos, Napoleão se recusou a permitir que os ingleses participassem de assuntos diplomáticos e comerciais com a Europa continental. O conflito começou não nos campos de batalha, mas com guerras comerciais: com a força da marinha, a Inglaterra fez um bloqueio naval à França. Em resposta, os franceses impuseram um embargo econômico em parceria com os países aliados continentais (Dinamarca-Noruega, Prússia, Suécia e Rússia, que formaram a Segunda Liga da Neutralidade Armada[4]).

Os 12 (doze) anos de Guerras Napoleônicas foram divididos de acordo com as cinco coalizões que enfrentaram o império francês, todas elas lideradas pelo Reino Unido e compostas, cada qual em seu tempo, por países como Áustria, Rússia, Prússia, Espanha, Portugal, Suécia, Império Otomano, Pérsia, Hungria, Países Baixos e reinos onde hoje estão Alemanha e Itália. A primeira grande vitória de Napoleão foi contra a Terceira Coalizão na Batalha de Austerlitz (na atual República Tcheca).

As guerras de segunda geração foram trazidas no embalo da Revolução Industrial que possibilitou marcante mudança e, ocorreu o aumento do poder de foto e do alcance e precisão das armas. Enfim, as guerras se tornaram maiores, dotadas de maior violência e maior número de países envolvidos. O primeiro conflito desta geração foi a Guerra Civil Americana (1861-1865), no entanto, o exemplo mais impactante foi a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

A terceira geração de guerra foi lastreada principalmente na noção de movimento. E, a II Guerra Mundial deixou fartas contribuições para esse marco temporal. Durante tal conflito, as guerras deixaram de ser apenas aquelas dos soldados no chão, contando com novos instrumentos que passaram a ser usados, como por exemplo, os carros de combate, submarino e a aviação militar.

Outra notável característica das guerras de terceira geração foi a blitzreig, ou guerra-relâmpago[5], uma tática militar alemã. E, se utilizava de tropas móveis e com ataques céleres e de surpresa com o fim de evitar que as forças inimigas, mesmo que dotadas de grande capacidade de fogo, pudesse organizar uma defesa e, assim, fossem facilmente derrotadas.

Essa tática foi considerada técnica inovadora já que as guerras anteriores eram muito rígidas, quase que ensaiadas.

As guerras de quarta geração ou conflitos periféricos, locais ou regionais que pode envolver inclusive atores não-estatais e se disseminaram no período da Guerra Fria e, acarretaram o desenvolvimento das guerras de quarta geração. Os ataques ao World Trade Center e ao Pentágono, em 11 de setembro de 2001, sendo um marco histórico.

De lá para cá, vivemos numa espécie de conflito de baixa intensidade permanente, havendo surtos periódicos dotados de média ou alta intensidade. Os conflitos, nesse contexto, costumam ser multidimensionais, envolvendo ações em terra, no mar e no ar e, no espaço exterior, pode incluir até o ciberespaço[6].

O inimigo pode até não ser propriamente um Estado, mas grupo terrorista, outra organização criminosa qualquer ou até mesmo civis. Do mesmo modo, o alvo também pode ser qualquer um, não importando as consequências.

É recente o conceito de guerra híbrida, mas o 11 de setembro de 2001 serviu, demasiadamente, para o desenvolvimento de estudos, e para plasmar um peculiar tipo de guerra contemporânea.

Segundo Frank Hoffman, militar e analista norte-americano em seu famoso artigo Conflit in the 21 st Century: The Rise of Hybris Wars, as guerras híbridas assumem uma gama de diferentes modos, incluindo as capacidades convencionadas, táticas e formações irregulares, atos terroristas, incluindo violência e coerção indiscriminadas e desordem criminal.

Outro estudioso é o analista político e o jornalista russo, Andrew Korybko, na sua obra intitulada "Guerra Híbrida: das revoluções coloridas aos golpes", que deduziu que as guerras híbridas são caracterizadas como:

    “conflitos identitários provocados por agentes externos, que exploram diferenças históricas, étnicas, religiosas, socioeconômicas e geográficas em países de importância geopolítica por meio da transição gradual das revoluções coloridas para a guerra não convencional, a fim de desestabilizar, controlar ou influenciar projetos de infraestrutura multipolares por meio de enfraquecimento do regime, troca do regime ou reorganização do regime”.

Em maio de 2015, em um documento do serviço europeu de Ação Externa, a União Europeia caracterizou a guerra híbrida como uso centralmente concebido e controlado de várias táticas encobertas e abertas, decretadas por meio de militares e não-militares.

É uma estratégia de guerra na qual os agressores exploram todos os modos de guerras de forma simultânea. E, tal conflito é notabilizado pela incerteza, assimetria, não-linearidade e multimodalidade.

O adjetivo “híbrido” tem sido usado para evidenciar a complexidade dessa modalidade de guerra devido aos vários atores envolvidos e a indefinição entre as categorias de conflitos existentes.

Nesse tipo de guerra, há mescla de instrumentos, tanto de armas avançadas, tecnologias agressivas, ferramentas psicológicas, manipulação de problemas identidários (diferenças históricas, étnicas, religiosas, socioeconômicas e geográficas), promoção de desinformação, lawfare[7] e outros meios. E, contudo, existem duas estratégias não-militares que são essenciais para as guerras híbridas: as guerras informacionais[8] e as guerras econômicas.

As informacionais exploram os meios de comunicação não apenas para informar, mas também para formar a opinião da sociedade. E, o avanço das TICs, tecnologias de informação e comunicação são fartamente utilizados pela mídia através de suas precípuas atividades, por exemplo, a cibernética e as operações psicológicas.

Repise-se que tais duas áreas representam atualmente uma forma de ciência do controle da comunicação e da cognição humana. E, suas análises formais são bastante complicadas pois envolvem áreas das ciências, como a engenharias e finanças.

Portanto, a informação passou ser um precioso instrumento usado nas guerras, e contribuem para que os conflitos armados sejam ou não declarados, noticiados e tornado públicos e, até mesmo, legitimados (considerados aceitáveis) por certos grupos.

Já o conceito de guerras econômicas não é recente, oriundo do século XX, sendo um dos mecanismos usados pelas grandes potências a fim de obter maiores ganhos sem o uso de conflito armado como única solução.

Nota-se que a troca comercial, investimentos, subsídios governamentais e as relações econômicas no mercado externo representam atualmente um dos principais meios de exercer influência no sistema internacional, afinal, o que está em jogo é a aquisição e não apenas de armamentos, mas, principalmente de tecnologias.

Nas guerras híbridas há objetivos como o desestabilizar de governos oponentes e suas instituições, criando o caos e o vazio de poder. Sendo instrumento muito útil, quando há a intenção de desestabilizar a ordem existente em um Estado através, particularmente, da provocação de grandes movimentos de protesto e que podem então ser direcionados por eles para atingir seus interesses políticos.

As revoluções coloridas do leste europeu, como a Revolução das Rosas na Geórgia, a Revolução Laranja na Ucrânia[9] e a Revolução das Tulipas no Quirguistão e, até mesmo, na Primavera Árabe que poderia ser qualificadas como guerras híbridas.

Ainda, em 15 de março de 2014, quando dos protestos em Moscou um dia antes do referendo da Crimeia. E, um fato que chamou atenção da política internacional, bem no início do ano de 2021 foi a invasão do Capitólio por apoiadores de Trump nos EUA e, posteriormente, a esperada tomada de posse de Joe Biden duas semanas depois, o ano de 2022, coloca em evidência a velha disputa de fronteiras na Europa: a crise entre a Ucrânia e Rússia.

Há três pontos que elencam as principais questões envolvidas nesse que é um dos primeiros focos de tensão internacional. Afinal, o legado de russos, ucranianos e, até de bielorrussos que está ligado ao mesmo povo: os Rus. Foi no ano de 862 que um príncipe viking chamado Rurik[10] que iniciou a união das tribos eslavas e finlandesas que consolidaria a Rússia Quievana, uma confederação que duraria até 1240, quando ocorreu a invasão mongol na Europa que colocou um término nessa união. Eis aí, o primeiro ponto de proximidade entre Rússia e Ucrânia.

Com a decadência e queda da Rússia Quievana, o território que compõe a Ucrânia moderna acabou sendo dividido em duas esferas, a saber: a primeira, oriental, controlada e, em seguida, anexada pela Rússia. E, a segunda, ocidental, controlada inicialmente pela República Polaca-Lituana e, a partir de 1772, pelo Império Austro-Húngaro até o fim da Primeira Guerra Mundial.

Daí surgiu um dos elementos que marcam o debate sore o desejo russo de anexar a Ucrânia (ou pelo menos uma parte desta), enquanto o lado oriental manteve próximas ligações com a cultura russa, o lado ocidental desenvolvera traços culturais próprios, que fundamentam a ideia da Ucrânia como uma nação própria e independente.

Outro fator importante, foi o fim da Primeira Guerra Mundial que fora marcado pela sucessão de eventos para os ucranianos, quando começou a conquista da independência da República da Ucrânia, através do Tratado de Brest-Litosvski em 1918, e terminou abruptamente, com a conclusão da Guerra Soviético-Ucraniana em 1921, que firmaria a república Socialista Soviética da Ucrânia como uma das repúblicas integrantes da União Soviética.

Somente em 1991, com a dissolução da USRR, que a Rússia e a Ucrânia voltaram estar em caminhos opostos e, desde então, os elos para o conflito foi se formando e, se concretizou de vez em 2022.

Lembremos que em 2014, o governo russo atual, já representado por Vladimir Putin lançou campanha militar e anexou o território da Crimeia em meio às tensões causadas pela Revolução Ucraniana e a eventual saída do então presidente ucraniano, Viktor Yanulovych, conhecido por sua proximidade com os russos e por ser crítico da consolidação de acordo de associação entre a União Europeia e a Ucrânia.

Em tempo, é sabido que a Crimeia era uma porção autônoma dentro da República Socialista Federativa Soviética da Rússia, ou seja, uma das repúblicas que compunha a URSS até 1954, quando o então líder soviético, Nikita Khruschev (1894-1971) decretou a transferência da região para a República Socialista Soviética da Ucrânia.

E, após rápida tomada militar russa, apoiada por separatistas e políticos pró- Rússia enfrentou parca oposição local, em face de que a maior parte dos soldados ucranianos da Crimeia eram veteranos das forças armadas soviéticas que eram conhecidos por serem céticos em face da independência da Ucrânia.

A comunidade internacional não tardou em reagir através da Resolução 68/262 da Assembleia Geral das Nações Unidas que requisitou o respeito à integridade territorial da Ucrânia em suas fronteiras reconhecidas internacionalmente e a invasão acelerou as relações entre a União Europeia e a Ucrânia e, por fim, os EUA que passaram a aumentar a sua ajuda militar à Ucrânia e, que deixou a Rússia a sentir ameaçada.

Com a tomada de Crimeia por Putin, os interesses russos, propiciaram os capítulos que se deram em 2021 e, com a presente invasão da Ucrânia.

São muitas as alegações do governo russo para justificar a atual invasão da Ucrânia, mas duas se destacam, a saber: Primeiro, Putin encara o crescente apoio da OTAN à Ucrânia como uma firme ameaça à própria segurança. Com a fuga do presidente pró-Rússia Viktor Yanukovych em 2014 e a formação de governos pró-União Europeia e pró-OTAN desde então, as relações e entendimentos entre a OTAN e Ucrânia se tornaram mais frequentes e mais sólidos, com uma emenda constitucional de 2019 consolidando o desejo ucraniano de fazer parte da organização.

Em segundo lugar, a Rússia teme que a Ucrânia se fortaleça significativamente com a adesão à OTAN, com o presidente Putin acusando o Ocidente de estar se preparando para um ataque ao fortalecer os ucranianos, o que pode ser tratado como um discurso de Putin em que ele busca justificar uma ação bélica preventiva como um discurso de Putin.

Estima-se que há mais de cem mil soldados posicionados nas regiões fronteiriças, a situação parece cada vez mais uma bomba relógio difícil de ser desarmada, com a esperança de uma solução diplomática se tornando mais distante ao horizonte.

Enquanto os EUA, uma das potências mundiais interessadas no conflito armado, adota um discurso ambíguo com relação à sua resposta caso a Rússia inicie algum tipo de ataque, o resto do mundo prende a respiração na espera de solução pacífica.

Entre os defensores das novas guerras prevalece o conceito de que as características fundamentais das guerras estão sujeitas às mudanças em oposição ao modelo preconizado de Clausewitz. Os argumentos apresentados referem a desatualização da conjugação do conceito de guerra absoluta, com o conceito trinitário da guerra e a sua utilização como instrumento da política.

Preconiza Martin Van Creveld[11] (1998) que no futuro a guerra não será função de exércitos, mas de grupos como terroristas, guerrilheiros e bandidos, e defende a obsolescência atual da trindade de Clausewitz.

Já Rupert Smith (2005) considera que a guerra como grande evento decisivo numa disputa internacional, já não existe e que com as novas guerras se verificou mudança de paradigma, da guerra industrial entre Estados para guerra no seio do povo, de confronto estratégico entre uma variada gama de combatentes.

Verifica-se que continuam a existir guerras onde se verificam ainda ambos os paradigmas ou uma evolução entre estes, como é o caso do conflito israelense-árabe, que incorporou a guerra industrial e a guerra entre os povos, da guerra do Iraque que evoluiu de uma guerra clássica, industrial e clausewitziana, em 2003, para um conflito complexo característico das novas guerras e do conflito entre a Rússia e Ucrânia, em 2014, caracterizada como guerra híbrida.

A evolução do fenômeno da guerra foi marcada por causas múltiplas que se relacionam e condicionam mutuamente, de forma dinâmica. E, os conflitos contemporâneos quando o forte enfrenta o fraco são mais fáceis de começar do que de terminar como se percebe das guerras do Afeganistão e no Iraque.

As ameaças passaram a ser de várias ordens, lutando por múltiplos objetivos e sobrepostos. e, tais novas guerras se desenvolvem em contextos operacionais de caráter subversivo e, apesar de manterem a natureza e, alguma continuidade, modificaram seu caráter, e se adaptaram a cada caso concreto, trazendo novos atores e evoluem mais rapidamente, de acordo com as novas formas e níveis que podem ser mais perturbadores que no passado.

Diante da anexação da Crimeia e a intervenção militar russa na Ucrânia os doutrinadores e a Aliança passaram a defender a necessidade de combater um novo fenômeno da guerra híbrida.

Em minha modesta opinião, devíamos nos preocupar em evitar um genocídio e defender a preservação da dignidade humana.

Referências

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Notas:

[1] Depois do fim da guerra fria, institui-se o debate entre os estudiosos com o fito de prever como seriam os novos conflitos. E, num período pós-conflito nuclear, alguns acreditavam que o mundo apenas enfrentaria pequenas guerras, desta vez entre atores não estatais, cujo método e estratégia seriam primitivos. O retorno de guerrilhas, sabotagens, subversão crime organizado e terrorismo junto às abordagens convencionais. Essa nova estratégia seria conhecida como guerra híbrida, termo cunhado por militares norte-americanos para descrever particularmente a atuação russa durante a anexação da Crimeia em 2014.

[2] Importante insistir no estudo da evolução da doutrina do bellum justum. A primeira distinção entre Guerra Justa e Guerra Injusta é a de Santo Agostinho, mas é com São Tomás que foram teorizadas as condições, que são: 1. a declaração de guerra deve ser formulada por autoridade legítima; deve existir uma "justa causa"; o beligerante deve possuir uma “justa intenção. E, a necessidade, isto é, da impossibilidade de fazer-se justiça com outros meios.

[3] A vertente intelectual denominada Teoria Crítica – a qual engloba um leque bastante amplo de autores, desde os integrantes da primeira geração da Escola de Frankfurt a teóricos mais recentes, como Nancy Fraser e Axel Honneth - caracteriza-se por uma determinada orientação. A busca pela emancipação, assumindo estas conotações diversas em cada modelo teórico-crítico, constitui o denominador comum deste movimento intelectual inaugurado, de acordo com Nobre, no século XIX, por Karl Marx. Em linhas gerais, a tese de Honneth é a de que os conflitos sociais se encontram no cerne da evolução moral da sociedade. Para ele, os sujeitos se engajam em movimentos sociais com o intuito de serem ressegurados do atendimento das expectativas morais que desenvolveram ao longo da vida.

[4] O objetivo da Segunda Liga era proteger os transportes marítimos dos países neutrais contra as ações da Marinha Real Britânica (Royal Navy) de fiscalização ilimitada sobre quaisquer transportes marítimos para França, numa tentativa de cortar o fornecimento de abastecimentos militares e de outros géneros para Primeira República Francesa. O governo britânico, não considerando essencial preservar a boa vontade dos Russos, considerou a formação da Liga como uma forma de aliança com a França e atacou a Dinamarca destruindo parte da sua frota na Batalha de Copenhaga a 2 de abril de 1801. esta ação forçou a Dinamarca a abandonar a Liga. Em resposta a esta ação, a Prússia invadiu Hanôver nesse mesmo mês de abril. Dado que o Eleitor (governante) de Hanôver era o Rei de Inglaterra, esta foi uma forma de atingir os interesses britânicos. A morte de Paulo I da Rússia em março de 1801 e a subida ao trono de Alexandre I conduziu a uma alteração da política do Império Russo e a Liga acabou por se dissolver. Mais tarde, a Rússia juntar-se-ia à Grã-Bretanha numa coligação contra a França Napoleónica.

[5] A blitzkrieg coordenava ataques da infantaria, aviação e blindados com grande velocidade e força, de maneira a abrir as linhas de defesa inimiga e cercar as tropas adversárias para forçar sua rendição. Na blitzkrieg, as forças alemãs utilizavam a Luftwaffe para realizar ataques atrás das linhas de defesa adversárias com o objetivo de destruir as linhas de comunicação e dificultar a transmissão de ordens. Além disso, a utilização da aviação de guerra era importante para a defesa de ataques aéreos e para promover a destruição dos campos de poucos adversários.

[6] Um ataque cibernético pode ser definido, de maneira ampla, como uma ação que explora as vulnerabilidades da esfera virtual, podendo gerar a interrupção, degradação, adulteração ou destruição de informações ou sistemas computacionais (Lobato, Kenkel, 2015; Ministério da Defesa, 2015). In: Lobato, L. C.; Kenkel, K. M. Discourses of cyberspace securitization in Brazil and in the United States. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 58, n.2, p. 23-43, 2015. 

[7] O termo se refere à junção da palavra law (lei) e o vocábulo warfare (guerra), e, em tradução literal, significa guerra jurídica. Podemos entender lawfare da seguinte maneira: uso ou manipulação das leis como um instrumento de combate a um oponente desrespeitando os procedimentos legais e os direitos do indivíduo que se pretende eliminar. Em termos ainda mais gerais pode ser entendido como o uso das leis como uma arma para alcançar uma finalidade político social, essa que normalmente não seria alcançada se não pelo uso do lawfare.

[8] Para o professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), Hélio Caetano Farias, a guerra entre Ucrânia e Rússia é informacional, algo característico dos conflitos na contemporaneidade.

“A guerra é informacional, sem dúvida. Esse é um ponto fundamental neste momento no conflito, com o andamento das batalhas”, afirmou Farias em entrevista à CNN nesta terça-feira (1º). In: CNN Brasil. Guerra entre Rússia e Ucrânia é informacional, afirma especialista. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/guerra-entre-russia-e-ucrania-e-informacional-afirma-especialista/  Acesso em 01.03.2022.

[9] Foi uma série de protestos e eventos políticos, ocorridos entre 2004 e 2005, que tomou diversos lugares de toda a Ucrânia, em resposta às alegações maciças de corrupção, intimidação por votos e fraude eleitoral direta, durante a eleição presidencial ucraniana de 2004.

Os protestos foram instigados por dados numéricos de observadores locais e estrangeiros, e de amplo conhecimento público, de que os resultados da votação de 21 de novembro de 2004 entre os principais candidatos, Viktor Yushchenko e Viktor Yanukovych, foram manipulados em favor do segundo. A eleição foi mantida pela lei ucraniana devido aos resultados oficiais da eleição presidencial ocorridas em 31 de outubro de 2004, na qual não houve candidato que obtivesse mais de 50% dos votos totais. O vencedor das eleições se tornou o terceiro presidente da Ucrânia desde sua independência, em 1991, após a queda da União Soviética.

Em grande parte devidos aos efeitos do movimento da oposição, os resultados da corrida eleitoral foram anulados e uma segunda eleição foi ordenada pela Suprema Corte da Ucrânia para 26 de dezembro de 2004. Sob uma intensa fiscalização na contagem de votos, a segunda votação foi aceita por observadores locais e internacionais como livre de problemas. Os resultados mostraram uma clara vitória de Yushchenko, que recebeu 52% dos votos, enquanto Yanukovych recebeu cerca de 44%. Yushchenko foi declarado o vencedor oficial e, com sua posse em 23 de janeiro de 2005, em Kiev, a Revolução Laranja obteve pleno êxito.

[10] Rodrigo de Ladoga, também chamado de Rurico, Rurique ou Rurik (em antigo eslavo oriental: Рюрикъ, transl. Rjurikŭ; em russo: Рюрик, transl. Riurik; em ucraniano: Рюрик, transl. Riuryk; em bielorrusso: Рурык, transl. Ruryk, em Łacinka Ruryk; em nórdico antigo: Hrærekr) (830 — 879) foi o semimítico  fundador varegue da monarquia russa, dando o nome à dinastia ruríquida, primeira dinastia imperial de czares russos. No século IX, a região próxima aos lagos Ladoga e Onega encontrava-se em disputas entre as mais de 500 cidades fundadas por diversas tribos eslavas que ali habitavam. Nesse período, segundo o registro das Crônicas Nestorianas, comerciantes suecos chamados varegues foram convidados a governarem a região, pondo fim ao caos instalado. Teria dito à população: "A nossa terra é grande e rica, mas não há ordem dentro dela. Venham, pois, governar-nos como reis." Em 862, Rodrigo, chefe dos varegues, tomou Novogárdia Magna, uma das cidades eslavas mais promissoras, localizada às margens do Rio Volcova. Rodrigo morreu em 879, deixando Olegue como seu sucessor.

[11] Solicitado a prever o futuro da guerra na Ucrânia, há uma obra intitulada Looking into the Future: A History of Prediction. Como todos sabem, a previsão é bem difícil, e muitas vezes se erra o alvo. Não raramente com consequência desastrosas, como aconteceu em 1914, quando estadistas e soldados previam uma guerra curta e fácil, mas se viram envolvidos no maior e mais mortal conflito armado da história até então.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Guerra Híbrida Guerra Irregular Guerra de Quarta Geração Estado História Lawfare

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