A discutida liberdade de expressão
Engana-se quem acredita que liberdade de expressão não tenha limites e nem tenha que respeitar o outro. Por isso, o Twitter bloqueou indefinidamente Trump por suas mensagens insidiosas contra a democracia norte-americana.
Com
a invasão de manifestantes que ocorreu em Washington (DC) no Capitólio (EUA), o
mundo estarrecido assistira à depredação do Congresso norte-americano e a
democracia, logrando êxito em interromper a sessão que somente posteriormente
veio validar os votos do colégio eleitoral que consagrou a eleição para
Presidente da República de Joe Biden. No episódio, o saldo final foi de quatro
óbitos e tantas outras pessoas feridas e, mais os presos.
Enquanto
isto, Trump instigava os invasores[1] por meio do seu Twitter.
Então, imediatamente o Twitter suspendeu a conta por doze horas e, fora
acompanhada por Facebook e Instagram. A princípio era uma
suspensão provisória que depois se efetivou definitivamente.
Com
a medida, as opiniões polemizaram a respeito da questão da liberdade de
expressão. A premissa é que a natureza
jurídica[2] das redes socias define-se
como sendo serviço de mercado, de consumo e de que os termos de uso e políticas
de conteúdo que estão a rigor atreladas às cláusulas contratuais às quais, o
usuário leu, compreendeu e concordou mediante mero clique. É claro que é uma
presunção.
Os
que se opuseram à suspensão do Twitter argumentam que segundo o artigo19 do Marco Civil da Internet[3],
cuja constitucionalidade é ainda questionada, somente será responsabilizado uma
vez notificado judicialmente de que o conteúdo seria ilícito[4] e que a opção legal se
estabeleceu justamente para proteger a liberdade de expressão. Assim, a conduta
do provedor de retirar unilateralmente os conteúdos, poderia até ser
considerada como abuso de direito (artigo 187 CC)[5], propiciando inclusive
responsabilidade civil.
Por
outro viés, aos que apoiaram a decisão das redes sociais salientam que tanto no
Brasil como nos EUA onde vige suposta cultura de liberdade de expressão mais
permissiva do que a existente em países europeus, a regra de responsabilidade
civil na internet (regida pela Seção 230 do US Code[6])
adota o princípio do notice and takedown[7],
o que desobriga a vítima de procurar a Justiça, bastando a prova da comunicação
extrajudicial ao provedor para que retire o referido conteúdo impróprio e
ilícito em tempo hábil[8].
Os
críticos argumentam que a lei brasileira in casu seria inconstitucional,
pois considera como lícitos presumivelmente todos os conteúdos, mesmo os que
contenha ilegalidade flagrante, que violam não apenas os termos do uso do
sítio, mas são criminosos, ou ao menos trazem um conteúdo tóxico que demandaria
um outro tratamento legal mais adequado.
É
o caso dos perfis falsos, casos em que as vítimas vivenciam um autêntico
calvário, a ponto de ter que ajuizar várias demandas contra os provedores,
indicando os links específicos para a retirada dos conteúdos e, para
eventualmente tentar conseguir alguma indenização, com a requisição judicial de
fornecimento de dados do criador e o IP[9] de quem postou, sendo
obrigados posteriormente ajuizar outra série de demandas contra os provedores
de conexão para assim por ventura obterem dados pessoais ligados a esses IPs,
identificando o verdadeiro causador do dano.
Quando
então os IPs não são disfarçados por softwares[10]
facilmente encontrados na internet, ou ainda, esbarra na falta de
capacidade financeira do autor do dano e, o ilícito resta não ressarcido a
vítima. Enquanto isto, gera cliques, likes, e dados para o provedor que
lucra bastante com isso.
Outro
caso que esbarra na liberdade de expressão[11] é sobre o discurso de
ódio[12], como aqueles de conteúdo
racista, sexista, homofóbico[13] e, tantos outros
preconceitos indecentes. Apesar de se reconhecer o busilis de se fixar
limites prévios sobre o que seja lícito ou não em discursos considerados
preconceituosos.
Assim,
a doutrina mais balizada entende que o rigor da lei deve ficar reservado para o
discurso de ódio extremo, que é aquele que tem o propósito de lesar direitos
dos integrantes do grupo discriminado ou busque incitar à violência ou à lesão
desses direitos[14].
(In: ANDRADE, André Gustavo Côrrea de. Liberdade de expressão em tempos de
cólera. Rio de Janeiro: GZ, 2020).
Lembremos
que o artigo 21 do Marco Civil da Internet[15]
que disciplina sobre a pornografia de vingança de forma diversa, adotando a
sistemática da responsabilidade civil do provedor pela notificação
extrajudicial, levanta-se a possibilidade de se usar a sistemática da exceção
aos perfis falsos e ao discurso de ódio extremo como meio de se interpretar o
artigo 19 do mesmo diploma legal à luz da Constituição Federal vigente, e,
desta forma, evitar-se uma declaração de inconstitucionalidade[16], optando-se por um
interpretação conforme a Constituição.
Conclui-se,
portanto, que o provedor poderá retirar o conteúdo e bloquear posts e
usuários com postagens dessa natureza, com o fito não apenas de resguardar a
própria responsabilidade[17] como também mitigar os
danos que atingem não apenas uma ou outra pessoa vitimada, mas, enfim, toda a
sociedade.
De
qualquer forma, poderão existir abusos, de sorte que as redes sociais deverão
sempre moderar o conteúdo de acordo com o que interpretam como escorreito,
exercendo igualmente o poder de polícia derivado das cláusulas contratuais
existentes.
O
Marco Civil da Internet garante a privacidade e proteção de dados
pessoais, mas garante a disponibilização de dados mediante ordem judicial. A
Lei 12.965, de 23/4/2014, conhecida como “Marco Civil da Internet”,
estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet
no Brasil.
A
Lei 12.965, de 23 de junho de 2014 que estabeleceu diretrizes para o uso da
internet no Brasil. O Marco Civil da Internet foi projetado a partir de
três fundamentos essenciais os quais norteiam a relação das empresas
prestadoras de serviços de internet com os seus clientes. São estes: a
neutralidade da rede, a privacidade e a fiscalização.
Os
provedores de aplicação de internet são as empresas que fornecem um
conjunto de funcionalidades que são acessadas por meio de um terminal conectado
à internet que são os famosos serviços online.
Pelo
princípio da neutralidade da rede tem a função de coibir ações abusivas
praticadas pelas empresas na prestação do serviço de internet e
telefonia, por exemplo, limitando que os seus clientes acessassem alguns sites
ou serviços. Um dos objetivos foi proporcionar um tratamento igualitário entre
os consumidores, gerando conformidade com suas expectativas de volume e
velocidade de dados.
Apesar
de não ter sido recebida a lei com entusiasmo por uma parcela de empresas,
sobretudo, as dominantes do mercado, a neutralidade da rede também teve
consequências positivas para estimular a competitividade, pois a regulamentação
assegura condições similares na oferta dos seus produtos.
De
acordo com a legislação, as empresas podem desconsiderar a neutralidade para:
manutenção da estabilidade, funcionalidade das redes, priorização de tráfego
aos serviços de emergência, gerenciamento de redes, desde que comunicado ao
usuário, segurança, integridade e priorização de tráfego em situações de risco.
O
princípio da privacidade é mais que a garantia de inviolabilidade das
comunicações dos usuários. Nesse sentido, a Lei atribuiu o dever de sigilo de
suas informações ao provedor do recurso de internet.
A
quebra de tal garantia somente pode ocorrer através de ordem judicial, quando
forem imprescindíveis para investigação de ações ilícitas, bem como na
tentativa de identificação de seus respectivos responsáveis.
Além
disso, cumpre sublinhar que as empresas estrangeiras deverão adaptar as suas
diretrizes do ordenamento jurídico brasileiro, o qual envolve não somente o
Marco Civil da Internet, mas também todas as legislações que cuidam
desses direitos.
O
princípio da fiscalização dos acessos que impôs a regulamentação do processo de
armazenamento de registro de dados de conexão. É uma responsabilidade da
empresa provedora do serviço cujo prazo mínimo da obrigação é de um ano. E, se
necessário, as autoridades poderão exigir de um provedor dados cadastrais que
qualifiquem seus usuários, tal como o nome completo, estado civil, profissão,
filiação e endereço.
A
referida lei igualmente realiza a distinção entre os conceitos de dados
pessoais que são informações para identificação de pessoa física, tais como CPF
e RG, dados de sua localização e identificações eletrônicas e, quais as formas
que eles serão tratados, tais como a coleta, classificação, a produção e a
utilização. E, a determinação de quais órgão são os responsáveis por fiscalizar
o cumprimento do Marco Civil.
São
estes, a saber: Anatel: órgão encarregado pela regulação, fiscalização e
apuração das infrações relacionadas à infraestrutura dos serviços de
telecomunicações, ou seja, encarrega-se de acompanhar a atuação das prestadoras
de serviço; Secretaria Nacional do Consumidor: como o próprio nome já sugere,
esse órgão se incumbe de fiscalizar os atos praticados pelas empresas para
verificar eventuais violações aos direitos de seus consumidores; Sistema
Brasileiro de Defesa da Concorrência: cuida da apuração de infrações à ordem
econômica, como tentativas de restringir a concorrência no mercado.
As
regras do Marco Civil da Internet disciplinam especificamente a relação
de consumo na internet, os princípios e disposições elencados no Código
de Defesa do Consumidor continuam válidos e eficazes e, devem ser regiamente
respeitados. Algumas de suas providências para disciplinar as relações de
consumo continuam com a mesma relevância, como a possibilidade punições
atribuídas às empresas infratoras, tais como, a saber: aplicação de advertência
e indicação de prazo para medidas corretivas; aplicação de multas; suspensão
temporária das atividades.
Evidentemente,
a liberdade de expressão na web fora tema contemplado na lei.
Principalmente porque o ambiente virtual tem se tornado ativo, e nem sempre é
utilizado de forma positiva e lícita.
O
direito dos usuários de se expressarem livremente continua garantido. Mas,
cumpre esclarecer que não se trata de um direito absoluto. Porém, assim como
ocorre no mundo real e físico, as pessoas permanecem responsabilizadas por suas
ações nas redes sociais. A internet
não é uma terra sem lei e sem limites.
A
Lei Geral de Proteção de Dados, já alcunhada de LGPD[18], também estabeleceu um
conjunto de diretrizes para disciplinar a administração desses dados, isto é, a
forma como estes são coletados, utilizados, repassados e, inclusive,
comercializados.
A
propósito, as novas regras da política de privacidade do WhatsApp
desrespeitam a Lei Geral de Proteção de Dados, a Lei 13.709/2018, pois não
oferecem aos seus usuários o direito de discordar destas e seguir utilizando o
aplicativo, essa é opinião de advogados ouvidos pela ConJur. A nova regra
também abrange informações como número de telefone do usuário, marca e modelo
do aparelho celular e foto de perfil. Segundo o WhatsApp, o objetivo da
medida é "fornecer, melhorar, entender, personalizar, oferecer suporte e
anunciar nossos serviços". Vide in: RODAS, Sérgio. Nova Regra do WhatsApp
sobre dados pessoais contraria LGPD, dizem advogados. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jan-11/regra-whatsapp-compartilhamento-dados-desrespeita-lgpd
Acesso em 14.1.2021.
Por
isso, aguarda-se uma adequação no que tange à política de privacidade. Nesse
documento, a empresa tem obrigação de comunicar, de forma objetiva quais os
tipos de dados que são colhidos e de qual forma serão utilizados.
O
sigilo de informações privadas deve ser privilegiado para as empresas atuantes
no ambiente virtual, pois é a base para transmitir credibilidade e respeito ao
seu público, além de evitar nefastas consequências jurídicas negativas, tais como
sanções por parte de autoridades administrativas e até obrigações de indenizar
os prejudicados.
Por
isso a criptografia foi empregada em vários serviços como no caso de WhatsApp,
Instagram e Telegram. A legislação determina a obrigatoriedade de
expresso consentimento dos usuários para a coleta de dados, existe um grupo de
informações técnicas que independem do preenchimento dos clientes para que as
empresas tenham acesso, entre estas: o endereço do IP, browser[19]
e páginas acessadas e respectivo tempo de visita.
Sem dúvida, a gestão dos dados financeiros tais como conta bancária, cartão de crédito entre outro, é uma das maiores preocupações dos clientes e também deve ser das empresas. No sistema de pagamento[20] adotado pela empresa é essencial que haja garantias robustas e rigorosas, para que não exista acesso por terceiros.
O
projeto de lei das Fake News[21],
o PL 2630/2020 contém mecanismos que defendem visão mais permissiva até mesmo
aos discursos mais ortodoxos, e, em teoria, à liberdade de expressão como a
necessidade de guarda de metadados em caso de comunicação de massa e a criação
de conselho ligado ao Congresso Nacional para que possa dirigir a conduta de
usuários privados com tamanho poder informacional no objetivo de diminuir os
danos causados pelas fake news.
Além
dos contornos conceituais de desinformação, não é tênue a linha divisória sobre
o lícito e ilícito, certo é que a responsabilidade civil das redes sociais
precisa passar por uma regulação uniforme para enfim se obter uma dimensão
coletiva e mais justa, pois os métodos tradicionais têm se mostrado
insuficientes no combate à desinformação digital.
Aplicando
uma interpretação conforme a Constituição[22] ao artigo 19 do Marco
Civil da Internet deveria pelo menos posicionar-se sobre a pertinência
de se considerar qualquer conteúdo como legítimo exercício da liberdade de
expressão e, deve manter a notificação judicial como regra para combater as fakes
news e os discursos de ódio. Mas, ainda, por enquanto, nosso país posiciona
desinformação no lugar comum da notificação judicial.
É
possível afirmar, realmente, que o artigo 19 do Marco Civil estabelece uma
responsabilidade subjetiva por omissão do provedor quando este não retira o
conteúdo ofensivo, após notificação judicial específica. Cabe ao Judiciário a
definição de eventual ilicitude do conteúdo questionado e a construção de
limites para a livre expressão na rede, o que, inegavelmente, traz maior
segurança para os negócios desenvolvidos na internet.
Lembremos que nazistas e fascistas e, mais recentemente, os neonazistas marcharam em Charlottesville[23], o fizeram justamente em nome da liberdade de expressão.
Em
resumo, são as três seguintes conclusões, a saber: 1) o provedor de aplicação
não pode ser responsabilizado pela publicação do conteúdo propriamente dito,
pois não pode haver censura prévia; 2) salvo a hipótese prevista no artigo 21
no Marco Civil da Internet, o provedor de aplicação não pode ser
responsabilizado pela permanência do conteúdo enquanto não houver ordem
judicial determinando sua remoção; e 3) o provedor de aplicação será
responsabilizado por omissão, nos casos em que não atender à ordem judicial de
retirada de conteúdo, de forma imediata.
Há alguma esperança que o Ministério Público no Brasil diante da violação cometida pelo WhatsApp à LGPD promova a ação competente para que o aplicativo venha respeitar a legislação brasileira.
Referências:
ANDRADE,
André Gustavo Côrrea de. Liberdade de expressão em tempos de cólera. Rio
de Janeiro: GZ, 2020).
Conheça
os grupos de extrema-direita que marcharam em Charlottesville (EUA) CONIB - Confederação Israelita do
Brasil. Disponível em https://www.conib.org.br/conheca-os-grupos-de-extrema-direita-que-marcharam-em-charlottesville-eua/
Acesso em 14.1.2021.
MAIA,
Lorena Duarte Lopes. Colisão de direitos fundamentais: visão do Supremo
Tribunal Federal. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/colisao-de-direitos-fundamentais-visao-do-supremo-tribunal-federal/#:~:text=Uma%20das%20principais%20caracter%C3%ADsticas%20dos,um%20sobre%20o%20outro%20para
Acesso em 14.1.2021.
MARTINS,
Guilherme Magalhães; LONGHI, João Victor Rozatti. Liberdade de expressão e
redes sociais: a que ponto chegaremos? Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jan-13/martins-longhi-liberdade-expressao-redes-sociais
Acesso em 14.1.2021.
MORAES,
Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2009.
NORTHFLEET,
Ellen Gracie. O Marco Civil da Internet sob o prisma da
constitucionalidade parte I. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-fev-19/ellen-gracie-constitucionalidade-marco-civil-internet
Acesso em 14.1.2021.
RODAS,
Sérgio. Nova Regra do WhatsApp sobre dados pessoais contraria LGPD, dizem
advogados. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jan-11/regra-whatsapp-compartilhamento-dados-desrespeita-lgpd
Acesso em 14.1.2021.
SCHMIDLIN FILHO, Carlos. Redes Sociais e
o Tratamento Jurídico Brasileiro. Disponível em: http://betoschimidlin.jusbrasil.com.br/atigos/180346661/redes-sociais-e-o-tratament-juridico-brasileiro Acesso em 14.1.2021.
SOARES,
Kely Francelino; GÊNOVA, Leonardo de. Redes Sociais: Aspectos Jurídicos.
Disponível em: https://cepein.femanet.com.br/BDigital/arqPics/1311401298P647.pdf
Acesso
em 14.1.2021.
Notas:
[1] Dentre os principais invasores estavam militantes da supremacia branca. Um dos invasores que mais chamou a atenção foi o membro do QAnon, Jake Angeli (autodenominado QAnon Shaman e cujo nome real é Jacob Anthony Chansley), que invadiu o Capitólio com o rosto pintado, uma bandeira dos Estados Unidos e chapéu de pele com chifres. Os Proud Boys, grupo masculino de extrema-direita, também figurou entre os assaltantes e um deles, Nick Ochs, tirou fotos e postou vídeo dentro do Capitólio. Também influenciadores digitais da extrema-direita, como Tim Gionet (que se autodenomina "Baked Alaska") fez transmissão da invasão.
[2]
No Brasil, instâncias superiores já se manifestaram equiparando as redes
sociais a “provedores de conteúdos”, sendo perfeitamente aplicável a legislação
consumerista no relacionamento entre rede social e usuário. In: SCHMIDLIN
FILHO, Carlos. Redes Sociais e o Tratamento Jurídico Brasileiro. Disponível em:
http://betoschimidlin.jusbrasil.com.br/atigos/180346661/redes-sociais-e-o-tratament-juridico-brasileiro Acesso em 14.1.2021.
[3]
O recurso discute a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet
(Lei 12.965/2014), que exige prévia e específica ordem judicial de exclusão de
conteúdo para a responsabilização civil de provedor de internet, websites
e gestores de aplicativos de redes sociais por danos decorrentes de atos
ilícitos. São três os pilares sobre os quais se fundamenta a Lei do Marco Civil
da Internet, a saber: 1) a neutralidade da rede; 2) a liberdade de expressão; e
3) a privacidade dos usuários. Tal opção legislativa encontra-se em consonância
com o que preconizado pela doutrina especializada. Ao dispor sobre a
responsabilidade dos provedores de conexão e de aplicação de internet
por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, os artigos 18 e 19 do
Marco Civil da Internet assim estabeleceram.
[4]
Algumas leis que visam impor limites e garantir direitos aos usuários da
Internet, como por exemplo a Lei 12.737/12, conhecida como Lei Carolina
Dieckmann, que dispõe sobre tipificação criminal para delitos informáticos.
[5]
O legislador brasileiro, inspirou-se no artigo 334 do Código Civil de Portugal,
qual assevera que: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular
exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou
pelo fim social ou econômico desse direito”. Registra-se que na I Jornada de
Direito Civil da Justiça Federal foi formulado o Enunciado 37 acerca do art.
187 do Código Civil, nos seguintes termos: “a responsabilidade civil decorrente
do abuso do direito independe de culpa, e fundamenta-se somente no critério
objetivo-finalístico”. Portanto, percebe-se que a jurisprudência segue a linha
objetivista.
[6]
A seção 230 é uma parte da legislação da Internet nos Estados Unidos,
aprovada como parte da Communications Decency Act (CDA) de 1996 (um nome
comum para o Título V da Lei de Telecomunicações de 1996), formalmente
codificada como Seção 230 da Communications Act de 1934 em 47 USC §
230. A seção 230 geralmente fornece
imunidade para editores de sites de conteúdo de terceiros. Em seu núcleo, a
Seção 230 (c) (1) fornece imunidade de responsabilidade para fornecedores e
usuários de um "serviço de computador interativo" que publicam
informações fornecidas por terceiros: Nenhum provedor ou usuário de um serviço
de computador interativo deve ser tratado como editor ou locutor de qualquer
informação fornecida por outro provedor de conteúdo de informação.
[7]
"Notice and takedown" significa que o provedor de serviços não
será responsabilizado pela publicação do conteúdo protegido pelos direitos
autorais se, uma vez notificado pelo legítimo autor, removê-lo imediatamente.
A responsabilidade civil
dos provedores de serviços de internet por conteúdo gerado por terceiros é
matéria contenciosa que, apesar de ter sido abordada em lei no Brasil a partir
do Marco Civil da Internet, Lei n. 12.965/14, ainda é alvo de intensos
debates doutrinários. Isso se dá devido à profunda alteração que ele veio a
causar no que se percebia como a tradicional trajetória da responsabilidade
civil e em especial da responsabilidade pelos fatos dos serviços, conforme a
proteção do diploma consumerista por causa da adoção do desrespeito à
notificação judicial acerca do conteúdo ilícito como condição para que se
promova a responsabilização dos provedores de aplicações. As críticas, ademais,
se estendem ainda ao momento anterior à criação do Marco Civil, quando o
Superior Tribunal de Justiça, ao tratar da matéria, importou ao Brasil o
mecanismo de notice and takedown (ou de notificação extrajudicial),
oriundo dos Estados Unidos da América e da União Europeia, como uma barreira
inicial à responsabilização.
[8]
O modelo do judicial notice and take down, estabelecido no Marco Civil
da Internet, para além de ser um instrumento eficaz na concretização da
garantia constitucional da liberdade de expressão, de modo algum fere as
garantias constitucionais de intimidade, vida privada, honra e imagem (artigo
5º, X, da Constituição) nem a garantia constitucional de proteção ao consumidor
(artigo 5º, XXXII, da Constituição brasileira vigente).
[9]
O termo IP (Internet Protocol) é um número identificador dado ao seu
computador, ou roteador, ao conectar-se à rede. É através desse número que seu
computador pode enviar e receber dados na internet. O IP é definido pelo seu
provedor de Internet.
[10]
O usuário que prefere navegar de forma “anônima” na internet pode usar um
software para esconder seu IP (Internet Protocol) – identificação do seu
computador na rede. Como esconder seu IP; Mask My IP; IP Privacy; Real Hide IP;
Tor Browser e Super Hide IP.
[11]
O direito de liberdade de expressão é um direito fundamental, que se mostra
como corolário da dignidade da pessoa humana, representando, de outra parte,
fundamento necessário à sobrevivência do Estado.
[12]
Discurso de ódio (tradução do inglês: hate speech) ou incitamento ao
ódio é, de forma genérica, qualquer ato de comunicação que inferiorize ou
incite ódio contra uma pessoa ou grupo, tendo por base características como
raça, gênero, etnia, nacionalidade, religião, orientação sexual ou outro
aspecto passível de discriminação. No direito, discurso de ódio é qualquer
discurso, gesto ou conduta, escrita ou representada que seja proibida porque pode
incitar violência ou ação discriminatória contra um grupo de pessoas ou porque
ela ofende ou intimida um grupo de cidadãos. A lei pode tipificar as
características que são passíveis de levar a discriminação, como raça, gênero,
origem, nacionalidade, orientação sexual ou outra característica. Há consenso
internacional acerca do fato de que discursos de ódio devem ser proibidos pela
lei, e que essas proibições não ferem o princípio de liberdade de expressão.
[13]
O STF aprovou a equiparação de homofobia ao crime de racismo. O caso é
discutido na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 e no
Mandado de Injunção 4.733, ações protocoladas pelo PPS e pela Associação
Brasileiras de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) e das quais são relatores
os ministros Celso de Mello e Edson Fachin. O julgamento começou em fevereiro
de 2019, quando os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto
Barroso, além do relator, o Min. Celso de Mello votou para igualar os crimes de
homofobia ao de racismo. E, o assuntou voltou ao plenário em 23.5.2019, quando
Rosa Weber e Luiz Fux igualmente votaram favoravelmente à medida.
[14]
Segundo doutrina tradicional, o conceito de ato ilícito utilizado pelo Código
Civil brasileiro, como fundamento da responsabilidade contratual e
extracontratual, corresponde à debatida faute do artigo 1.382 do Código
Civil francês, devendo ser compreendida essa expressão em sua acepção de erro,
ou, em uma tradução literal, de “falta”, e não no sentido de culpa, que é o estado
moral de quem pratica o ato ilícito.
[15]
Verifica-se que o Marco Civil da Internet
previu que os provedores de conexão são inteiramente isentos de
responsabilidade no que tange ao conteúdo gerado por terceiros (artigo 18). Já
os provedores de aplicações de internet só poderão ser responsabilizados
civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros nos casos em
que, após ordem judicial específica, não tomarem as providências para tornar
indisponível o conteúdo apontado como infringente (artigo 19). A única exceção
a esta regra está posta no artigo 21.
[16]
Atualmente está em discussão a constitucionalidade do art. 19 da lei 12.965/14
(Marco Civil da Internet), que trata da responsabilidade do provedor de
aplicações por danos causados por terceiros.
[17]
A responsabilidade civil dos provedores de aplicação de internet, pelo conteúdo
gerado e compartilhado por seus usuários é objeto de dois temas reconhecidos
como de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal. O primeiro é o Tema
533, que tratou da responsabilidade, antes da entrada em vigor do Marco Civil
da Internet, em 2014. Veja-se: “Tema 533 - Dever de empresa hospedeira
de sítio na internet fiscalizar o conteúdo publicado e de retirá-lo do ar
quando considerado ofensivo, sem intervenção do Judiciário (relator ministro
Luiz Fux, RE 1.057.258)". O segundo caso é o Tema 987, citado acima, que
ainda está pendente de decisão. Veja-se: “Tema 987 - Discussão sobre a
constitucionalidade do artigo 19 da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet)
que determina a necessidade de prévia e específica ordem judicial de exclusão
de conteúdo para a responsabilização civil de provedor de internet, websites e
gestores de aplicativos de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos
praticados por terceiros (relator ministro Dias Toffoli, RE 1.037.396).
[18]
A Comissão Europeia anunciou que pediu aos seus membros para migrar do WhatsApp
para o aplicativo de troca de mensagens Signal com o objetivo de aumentar a
segurança das suas comunicações.
[19]
Browser ou Navegador é um programa criado para permitir a navegação pela
internet. É o que torna possível o acesso a sites, como um caminho que leva até
o que você procura na rede. Ele pode processar diversas linguagens, como HTML,
ASP, PHP. Essas linguagens, hospedadas nos servidores de internet, ficam
disponíveis para serem acessadas e transformadas em linguagem comum e imagens.
Por exemplo, quando você digita o endereço de um site ou acessa um link,
o navegador faz uma requisição daquela página. Este pedido é enviado para o
servidor onde o site está hospedado e cabe a este responder com os arquivos que
compõe a página.
[20]
A Lei brasileira também equipara ao documento particular, no caso de
falsificação ou alteração, o cartão de crédito ou débito, conforme o disposto
no parágrafo único do artigo 298 do Código Penal.
[21]
Muitos especialistas e juristas afirmam que a Lei das Fake News é
fundamental para o país. A liberdade de expressão não constitui um valor
absoluto já que não deve ser usado para justificar práticas criminosas
cometidas online. Na Alemanha, existe lei em vigor que tem se mostrado
muito eficiente por vários motivos, entre estes, as pesadas multas aplicadas às
plataformas de redes sociais em caso de descumprimento das normas de
transparência. E, as multas podem chegar a um milhão de euros.
[22]
A interpretação conforme a Constituição é um método hermenêutico e de controle
de constitucionalidade, que tem como fim garantir a compatibilidade da norma ao
ordenamento constitucional, devendo ser utilizada, sempre para dar a lei o
sentido adequado da Constituição Federal. A interpretação conforme a
Constituição é aquela em que o intérprete adota a interpretação mais favorável
à Constituição Federal, considerando-se seus princípios e jurisprudência, sem,
contudo, se afastar da finalidade da lei.