A cultura é a resposta do homem ao desafio da existência

A cultura é a resposta do homem ao desafio da existência

Fonte: Diego Córdoba e Gisele Leite

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A palavra cultura é usada com diferentes significados, é o que chamamos de polissemia. No primeiro e mais antigo sentido, significa a formação do homem, sua melhora e refinamento. No segundo significado indica-se o produto dessa formação, o conjunto de modos de vezes e de pensar cultivados, polidos e que também costumam ser indicados pelo nome de civilização.


A passagem ou evolução do primeiro significado para o segundo significado ocorreu no século XVIII por meio de Kant em especial in litteris:


“Num ser racional, cultura é a capacidade de escolher seus fins em geral e, portanto, de ser livre. Por isso, só a cultura pode ser o fim último que a natureza tem condições de apresentar ao gênero humano.” (Crítica do Juízo, 83)[1].


Em idêntico sentido Hegel informou: “Um povo faz progressos, tem seu desenvolvimento e tem seu crepúsculo” Evidencia-se que a cultura é produto ou fonte de reunião humana.


Sendo referente à formação da pessoa humana individual essa palavra corresponde ainda hoje ao que os gregos denominavam de paideia[2] e o que os latinos, na época de Cícero indicavam como sendo humanitas, significando parte da educação do homem e que o distingue de todos os outros animais.


A chamada “boas artes” eram a poesia, a eloquência, a filosofia e etc... às quais se atribuía valor essencial para aquilo que o homem é e deve ser portanto, formar o homem de modo genuíno e verdadeiro (perfeito).


Para os gregos, a cultura nesse sentido foi à busca e a realização humana. E tem duas características constitutivas a primeira com íntima ligação com a filosofia, na qual se incluíam todas as formas de investigação; a segunda característica muito relacionada om a vida social.


Para os gregos, o homem só podia realizar-se como tal, através do conhecimento de si mesmo e de seu mundo, portanto, mediante a busca da verdade em todos os domínios que lhe dissessem respeito.


Em segundo lugar, o homem só podia realizar-se como tal na vida em comunidade na polis; a República de Platão é a expressão máxima da íntima relação com que os gregos estabeleciam entre a formação dos indivíduos e a vida da comunidade.


Assim a afirmação de Aristóteles[3] de que o homem é por natureza um animal político tem o mesmo significado.  A cultura é uma forma superior, é uma ideia no sentido platônico, um ideal que os homens devem procurar realizar e encarnar em si mesmos.


O conceito clássico da cultura como processo de formação especificamente humana, excluía qualquer atividade infra ou ultra-humana. Restam excluídas as atividades utilitárias tais como artes, ofícios e, em geral trabalho manual que se indicava depreciativamente pelo termo banausia (que cobra ao escravo) que não passava de um “instrumento animado” porque não distinguia o homem de um animal, que também age no sentido de conseguir alimento e satisfazer as outras necessidades.


Excluía igualmente qualquer atividade ultrahumana que não tivesse voltada para realização do homem no mundo, mas para um destino ultraterreno.


O ideal clássico de cultura foi, a priori, aristocrático pelo segundo, foi naturalista, sendo contemplativa e investindo na vida teórica inteiramente dedicada à busca da sabedoria superior, que seria o fim da cultura.


Na Idade Média tal conceito foi apenas parcialmente conservado e modificado apesar de ter mantido o caráter aristocrático e contemplativo, alterou-se principalmente o viés naturalista.


As artes do Trivium[4] eram compostas de gramática, retórica e dialéticas e do quadrivium (aritmética, geometria, astronomia, música) que eram chamadas de liberais por serem as únicas dignas de homens livres e que constituíram a base e o preâmbulo da cultura medieval, cujo objetivo foi à preparação do homem para os deveres religiosos e para a vida ultraterrena ou espiritual.


O instrumento principal dessa preparação foi a filosofia, à qual se atribui a função especifica de tornar acessíveis ao homem as verdades reveladas pela religião, de fazê-lo compreender as verdades na proporção na capacidade intelectual de fornece-lhe armas para sua defesa dessas verdades contra as tentações da heresia e da descrença.


Desta forma, a filosofia exerceu função proeminente na cultura medieval, porém bem diferente daquela função exercida no mundo grego, deixou de ser um complexo de investigações autônomas pelas quais o homem organiza os instrumentos naturais que dispõe tais como sentidos e inteligência, além de propiciar a compreensão, a defesa e sempre que possível a demonstração da verdade religiosa.


Somente após o século XII, se começou a reivindicar bem ao lado da função instrumental, um campo peculiar e específico de investigação, se bem que, era também submetido à fé.


Permaneceram na cultura medieval[5] o aspecto aristocrático e contemplativo que se aperfeiçoou e se estendeu como prenúncio da contemplação beatificada da alma que se lançou em direção da pátria celeste.


O Renascimento significou a tentativa de redescoberta do genuíno significado clássico da cultura, pretendeu estabelecer o seu caráter naturalista, concebendo a cultura como formação que permite o homem viver de forma melhor e mais perfeita, no mundo que é seu.


A religião sob esse prisma atuou como elemento integrante da cultura, não porque prepare para outra vida, mas porque ensina viver bem nesta. O Renascimento modificou o caráter contemplativo di ideal clássico, insistindo no caráter ativo da sabedoria humana.


Mirandola e Charles de Bouvelles propagaram que é através da sabedoria que homem atinge a realização completa e set torna um microcosmo no qual o próprio macrocosmo encontra a perfeição.


Diz também Bovello, o sapiente conquista-se, toma posse e continua na posse de si mesmo, ao passo que o insipiente permanece devedor da natureza oprimida pelo homem substancial (isto é, pelo homem que é coisa ou natureza) e jamais pertence a si mesmo.


Assim a vida ativa já não é estranha ao ideal de cultura assim também o trabalho passa fazer parte desse ideal, sendo registrado de seu caráter utilitário e servil.


De qualquer forma, a sapiência é reservada para poucos e, o sapiente se destaca do restante da humanidade, tem seu próprio status metafísico e moral, diferente dos outros homens.


A primeira tentativa séria no sentido de suprimir ou superar o caráter aristocrático da cultura coube ao Iluminismo. Pois procurou estender a crítica racional a todos os objetos possíveis de investigação e considerou, portanto, como erro ou preconceito tudo que não passasse pelo crivo da crítica.


Também o Iluminismo acarretou a máxima difusão da cultura que deixou de ser considerada o patrimônio dos doutos para ser um instrumento de renovação da vida social e individual.


Destaca-se a Enciclopédia Francesa[6] como a maior expressão dessa fase, mas foi somente um dos meios de difusão da cultura entre todos os homens, acelerando a ambição de torná-la universal.


Esse ideal de universalidade da cultura permaneceu, como um aspecto essencial, não obstante, a poderosa influência do romanismo. E, este, por seu caráter secundário e antiliberal, procurou de várias formas, retomar ao conceito aristocrático da cultura.


No entanto, o domínio da cultura alargou-se, pois as novas disciplinas, científicas que se formavam e adquiriram autonomia, trazendo ipso facto novos elementos constitutivos do ideal de cultura.


Ser culto é ter uma vida humana equilibrada e rica. E “ser culto” não significa apenas dominar somente as artes liberais de tradição clássica, mas conhecer em certa medida, a matemática, física e ciências naturais além, das disciplinas históricas e filosofias que haviam formado.


Então o conceito de cultura começou a significar enciclopedismo, ou seja, conhecimento geral e sumário de todos os domínios do saber.


Mas a partir do século XX percebeu-se a insuficiência desse ideal enciclopedista que, no entanto, era fruto da multiplicação e da especificação dos campos de pesquisa e de suas respectivas disciplinas.


Lamentava-se que o homem possui tantos conhecimentos, mas que ficam limitados a um pequeno círculo de fatos, ou pior, fica perdido em meio aos fatos dos mais variados tipos e, resta o homem privado de diretriz, ou conforme se diz, privado de fé.


Croce[7], porém, achava mal, mas não era devido à especificação das disciplinas e, sim, devido ao predomínio do positivismo, que privilegiava a cultura naturalista e matemática. E, então, propunha como solução uma cultura que fosse harmoniosa cooperação entre filosofia e história, entendidas no seu significado mais amplo e verdadeiro.


Mas tal solução era sugerida pelo polêmico espírito antipositivista e pela orientação típica da filosofia crociana na qual a cultura científica e o próprio espírito científico não encontravam lugar. No fundo, o problema da cultura agravou-se ainda mais nos anos cinquenta após o diagnóstico de Croce.


Não só o processo de multiplicação e especificação das correntes de pesquisa e, portanto, das disciplinas (naturalistas e não-naturalistas) ampliou-se até assumir proporções gigantescas, como também a crescente industrialização do mundo contemporâneo.


E que torna indispensável à formação de competências específicas, possíveis apenas por meio de treinamento especializado, que confina o indivíduo num campo bem restrito de atividade e estudo. Surge a era das especificações e dos especialistas.


O que a sociedade exige de cada um de seus membros é o desempenho na tarefa que lhe foi confiada, e o desenvolvimento não depende de uma cultura geral desinteressada e, sim, refere-se aos conhecimentos específicos e aprofundados em algum ramo muito especial de certa disciplina.


Afinal, essa determinada primavera, certa condição histórico-social cuja mudança e cujo  objetivo não é possível prever, não pode ser ignorada ou minimizada por aqueles que se ocupam do estudo da cultura.


É inútil insurgir-se contra a cultura, impondo um ideal clássico de cultura ou cingindo em sua pureza e perfeição, como formação desinteressada do homem aristocrático voltado para a vida contemplativa.


Inútil ignorar o equívoco de uma cultura reduzida a ser o “puro tratamento técnico” em determinado campo e restrita ao uso profissional de conhecimentos utilitários. Pois a cultura designa a formação humana completa e ampla e, ainda visa a realização do homem em sua forma autêntica ou em sua natureza humana.


Evidentemente que competências específicas, habilidades peculiares, destreza e precisão são materiais ou conceituais sendo úteis e indispensáveis à vida do homem em sociedade e à sociedade, mas não podem substituir a cultura como formação equilibrada e harmônica do homem.


O problema da cultura contemporânea é o de conciliar as exigências da especialização (inseparáveis do desenvolvimento maduro de atividades culturais) com a exigência da formação humana que é total, ou pelo menos, suficiente e equilibrada.


E, para solucionar esse impasse que se discute a noção de cultura geral que deve acompanhar todos os graus e formas de educação[8], até mesmo a mais especializada. Mas resta evidentemente que a solução do busilis é apenas aparente enquanto não se tiver uma noção objetiva do que seja cultura em geral.


Não se trata, obviamente, de se impor a certo grupo de disciplinas a outro e, de impor, por exemplo, as disciplinas históricas ou humanísticas como cultura geral em oposição as chamadas disciplinas naturais. O que seria impróprio principalmente porque as disciplinas humanistas escapam à premência da especialização e exigem treinamento especializado para serem entendidas e proficuamente cultivadas.


Também é óbvio que a cultura geral pode ser constituída por noções vazias e superficiais que não suscitaram interesse e, não contribuiria para esquecer a personalidade do indivíduo e sua capacidade de comunicarem-se como os outros.


Contudo, é possível indicar de maneira aproximada as principais características de uma cultura geral que, como a clássica Paideia[9], esteja preocupada com a formação total e autêntica do homem em âmbito, ou seja, não fecha o homem em âmbito estreito e circunscrito de ideias e crenças.


O homem culto é um homem aberto e de espírito livre e, sabe entender as ideias e crenças alheias ainda que não possa aceitá-las ou, mesmo reconhecer sua validade.


Em segundo lugar por consequência de uma cultura viva e formativa, deve estar aberta para o futuro, mas ancorada no passado.


O homem culto não se desarvora diante do novo e, nem foge dele, mas sabe considerá-lo como justo valor, vinculando-o ao passado e elucidando suas semelhanças e disparidades.


Em terceiro lugar, a cultura se funda na possibilidade de abstrações operacionais, ou seja, na capacidade de efetuar escolhas ou abstrações que lhe permitam confrontos, avaliações globais e, portanto, orientações de natureza relativamente estável.


Concluímos que não há cultura sem o que chamamos de “ideias gerais”, mas estas não devem nem podem ser impostas ou aceitas, arbitrária ou passivamente, pelo homem cultuo na forma de ideologias institucionalizadas, devem poder formar-se de modo autônomo sendo continuamente comensuradamente com as estações reais.


É evidente que para a formação de uma cultura com essas características formais são igualmente necessários o enfoque histórico-humanístico do passado e o espírito crítico e experimental de pesquisa científica.


Bem como é necessário o uso disciplinado e rigoroso das abstrações próprias da filosofia, além da capacidade de formar projetos de vida a longo prazo, que também é fruto do espírito filosófico.


Cultura possui atual significado, especialmente usado por sociólogos e antropólogos para indicar o conjunto de modos de vida criados adquiridos e transmitido de uma geração para a outra, entre os membros de determinada sociedade.


E, nessa acepção, a cultura não é a formação do indivíduo em sua humanidade, nem sua maturidade espiritual, mas é a formação coletiva e anônima do grupo social nas instituições que o definem.


A cultura seguindo Spengler[10] é consciência pessoal de uma nação inteira, tal consciência que é entendida como organismo vivo (portanto, nasce, cresce e morre).


Cada cultura, cada processo e cada declínio trazem seus graus e seus períodos internos que são necessários, possui duração determinada e o uso de forma recorrente símbolos.


Do conceito cultura, assim entendida, Spengler distinguia o conceito de civilização, que é aperfeiçoamento e o fim de uma cultura, realização e, portanto, o esgotamento de suas possibilidades constitutivas. Afinal, a civilização, afirma Spengler, é o destino inevitável da cultura.


Na civilização se atinge o ápice a partir do qual podem ser resolvidos os problemas últimos e mais difíceis da morfologia histórica.


As civilizações são os estados extremos e mais refinados aos quais pode chegar espécie humana. Capaz de crescente humanização e compreensão do multiverso[11] que nos cerca.


O caráter global, mas nem por isso sistemático de uma cultura, que corresponde às necessidades fundamentais do grupo humano, a diversidade dos modos com as várias culturas correspondem a essas necessidades e o caráter do aprendizado ou transmissão da cultura, são traços característicos expressos por essas definições, traços que se repetem em quase todas as definições que atualmente são consideradas válidas.


O culturalismo é toda doutrina antropológica, filosófica, psicológica e que atribui o papel primordial à cultura e aos fatos socioculturais em geral.


O presente texto de forma didática e simples pretende demonstrar a crucial importância da cultura para um povo, uma nação e, enfim, para a humanidade, e protestar veementemente com o tratamento indigno que o Governo do Estado do Rio de Janeiro promana a diversos órgãos ligados a cultura, como por exemplo, o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde seus servidores estão à míngua sem receber salários e, sem sequer, obter perspectivas futuras de pagamento.


Cultura não é perfumaria e nem supérflua, é a única resposta possível da humanidade diante do desafio da existência. (grifo nosso)


Referências:


ABBAGNANO, Nicola.  Dicionário de Filosofia. Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Boss; revisão da tradução e tradução dos novos textos Ivone Castilho Benedetti. 5ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2007.


KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. KRITIK DER URTEILSKRAFT UND SCHRIFT EN (título original) 3ª edição. Tradução de Antonio Marques e Valerio Rohden. São Paulo: Forense Universitária, 2012.


DINIZ, Daise. Reflexões sobre o ato de educar: educação e humanização. Disponível em: http://educacaopublica.cederj.edu.br/revista/artigos/reflexoes-sobre-o-ato-de-educar-educacao-e-humanizacao  Acesso em 02.08.2017.


GLEISER, Marcelo - Coluna publicada no Jornal Folha de S.Paulo em 16/09/2012 Disponível em cópia digital em: http://folha.com/no1154011  Acesso em 07.08.2017.


Notas


[1] A Crítica do Julgamento ou Crítica do Juízo é obra escrita pelo filósofo Immanuel Kant, em 1790. É a terceira das críticas publicadas onde se discute o conceito de juízo estético. O título da obra que tem melhor tradução do alemão por Crítica da Faculdade do Juízo,  é a terceira e última crítica elaborada pelo filósofo alemão Immanuel Kant. A primeira, Crítica da Razão Pura, examina os limites da razão quanto as possibilidade a priori do conhecimento. A segunda, Crítica da Razão Prática, discorre sobre os limites dos princípios morais já fundamentados a priori na razão. Nesta terceira obra, Kant busca além da razão, ele investiga os limites daquilo que podemos conhecer pela nossa faculdade de julgar, que leva em consideração não apenas a razão, mas também a memória e os sentimentos. Em sua primeira parte – Crítica da Faculdade de Juízo Estético – Kant realiza a analítica do belo através das categorias (qualidade, quantidade, finalismo e modo), do sublime e introduz a noção de gênio. Apesar de Kant discorrer sobre o sublime, ao gênio e consequentemente às Belas Artes não se pode dizer que formulou uma teoria estética já que o juízo estético é reflexionante, portanto subjetivo. Kant não chega numa teoria estética, mas funda as bases da teoria de Hegel, poucos anos depois.


[2] Paideia é a denominação do sistema de educação e formação ética da Grécia Antiga, que incluía temas como Ginástica, Gramática, Retórica, Música, Matemática, Geografia, História Natural e Filosofia,  objetivando a formação de um cidadão perfeito e completo, capaz de liderar e ser liderado e desempenhar um papel positivo na sociedade. O conceito surgiu nos tempos homéricos e permaneceu em sua essência inalterada ao longo dos séculos, embora variando suas formas de aplicação e as disciplinas envolvidas, e continua a interessar muitos educadores e pensadores contemporâneos.


[3] Aristóteles (384 a.C.–322 a.C.) foi um importante filósofo grego. Um dos pensadores com maior influência na cultura ocidental. Foi discípulo do filósofo Platão.  Elaborou um sistema filosófico no qual abordou e pensou sobre praticamente todos os assuntos existentes, como a geometria, física, metafísica, botânica, zoologia, astronomia, medicina, psicologia, ética, drama, poesia, retórica, matemática e principalmente lógica.


Aristóteles nasceu na antiga cidade de Estágira, na Macedônia, Grécia, no ano de 384 a.C. Filho de Nicômaco, médico do rei Amintas III, recebeu sólida formação em Ciências Naturais.  Com 17 anos partiu para Atenas, foi estudar na "Academia de Platão". Aristóteles estudou e questionou violentamente com seu professor. Eram constantes as brigas entre mestre e discípulo,  mas se adoravam mutuamente. Aristóteles se tornou o discípulo predileto do mestre. "Minha Academia se compõe de duas partes: o corpo dos alunos e o cérebro de Aristóteles", afirmava Platão.


[4] São compostas do Trivium (lógica, gramática e retórica) e do Quadrivium (aritmética, música, geometria e astronomia). Tal conceito fora colocado em oposição às chamadas Artes Mechanicae (artes mecânicas) consideradas próprias aos servos ou escravos. O quadrivium é etimologicamente o cruzamento de quatro ramos ou caminhos. E, está voltado para o estudo da matéria, por meio do domínio das seguintes disciplinas: aritmética (a teoria dos números), em música (a aplicação da teoria do número), em geometria (a teoria do espaço) e, em astronomia (a aplicação da teoria do espaço). A matéria teria como primaz característica o número e a extensão, temas analisados particularmente pela aritmética e pela música bem como pela geometria e astronomia. Ainda no âmbito do quadrivium a música é entendida como o estudo dos princípios musicais (educação musical) tais como a harmonia, não podendo ser confundida com a música instrumental aplicada (que é uma das sete belas-artes). Tais artes ditas como "da quantidade" visa prover meios e métodos para o estudo da matéria, sujeitos a aprimoramento no âmbito das disciplinas chamadas de superiores.


[5] De acordo com os postulados da educação clássica e medieval, assim como a linguagem é normalizada pelas artes da linguagem, o intelecto é aperfeiçoado pelas então chamadas cinco virtudes intelectuais, sendo duas práticas e três teóricas, a saber: compreensão, ciência, sabedoria, prudência e arte. A compreensão é o captar intuitivo dos princípios primordiais (pensamento lógico e investigação lógica), a ciência é o conhecimento das causas mais prováveis; a sabedoria é a compreensão das causas ditas fundamentais; a prudência é o pensamento coerente concernente às ações e, por fim, a arte é o pensamento aplicado à produção e à capacidade de produzir. Tradicionalmente, as sete artes liberais englobam, desde a Idade Média, dois grupos de disciplinas: de um lado, o trivium e do outro, o quadrivium.  O trivium concentra o estudo do texto literário por meio de três ferramentas de linguagem pertinentes à mente. O quadrivium engloba o ensino por meio de quatro ferramentas relacionadas à matéria e à quantidade.


[6] Encyclopédie, ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers foi uma das primeiras enciclopédias que alguma vez existiram, tendo sido publicada na França no século XVIII.  Os últimos volumes foram publicados em 1772. Esta grande obra, compreendendo 35 volumes, 71 818 artigos, e 2 885 ilustrações, foi editada por Jean le Rond d'Alembert e Denis Diderot. D'Alembert deixou o projeto antes do seu término, sendo os últimos volumes obra de Diderot. Muitas das mais notáveis figuras do iluminismo francês contribuíram para a obra, incluindo Voltaire, Rousseau, e Montesquieu. De acordo com Denis Diderot no artigo "Enciclopédie", o objetivo da obra era "mudar a maneira como as pessoas pensam". Ele e os outros contribuintes defendiam a secularização da aprendizagem, à distância dos jesuítas. Diderot queria incorporar todo o conhecimento do mundo para a obra, e esperava que o texto poderia disseminar todas as informações para as gerações públicas e futuras. Coordenada por D'Alembert e Diderot, "Encyclopédie" foi elaborada entre 1751 e 1780. Com base nos ideais iluministas, filósofos pretendiam, através do saber, criar o "cidadão esclarecido". Nº 12 da série "Os Europeus". No decorrer dos séculos 17 e 18, os cientistas haviam acumulado conhecimentos que suplantavam tudo o que até então era considerado saber válido. Descobriram-se as relações do sistema planetário e o emprego da força hidráulica, novos continentes foram explorados, e ficara provado que a Terra não era plana. Cada vez mais se impunha o princípio de que o saber, e não a fé,  deveria nortear a busca de respostas às questões da vida. Isso, contudo, também invalidava em grande parte o modelo explicativo da Igreja Católica. Pois sua definição da vida repousava, basicamente, numa existência no temor de Deus,  com perspectivas a abundante recompensa no Além. Durante séculos, as Sagradas Escrituras e a interpretação apostólica forneceram às pessoas um sentido sobrenatural para a vida.  Isso facilitava, para uns, suportar as injustiças terrenas e, para outros, justificá-las.


[7] Benedetto Croce (1866-1952) foi um historiador, escritor, filósofo e político italiano. Os seus escritos giram em torno de um largo espectro temático, sobretudo estético e teoria/filosofia da história.  É considerada uma das personalidades mais importantes da Itália no século XX, tendo uma forte correspondência com o esotérico fascista Julius Evola. “Como filósofo e crítico, não receio nenhum pensamento, por radical e destrutivo que pareça; e, como homem, aceito as mais duras provas. E, no entanto, quando me surpreendo a sonhar, sabeis qual aspiração encontro no fundo de minha alma? Um convento setecentesco napolitano, com suas celas brancas e seu claustro, que tem no meio um pátio de laranjeiras e limoeiros, e, fora, o tumulto da vida faustosa e soberba  que em vão vem bater nas suas muralhas."


[8] O conceito grego de Paideia ainda tem grande apelo para os historiadores, filósofos e educadores contemporâneos, foi o tema do XX Congresso Mundial de Filosofia organizado pela International Federation of Philosophical Societies  em Boston em 1998, e muitos o têm proposto como uma fórmula válida para a sociedade de hoje, considerando que ela tem se caracterizado pela fragmentação e superficialidade da educação e pela perda de referenciais morais sólidos. Como observou Daise Diniz, "A educação, para nossos antigos filósofos, foi acima de tudo um exercício para o bem viver em comunidade, uma convivência calcada, sobretudo, na responsabilidade para com os outros e no respeito mútuo,  que instaura a harmonia e preserva a dignidade entre os seres. A razão humana, no que tinha de mais sublime, era enfocada no ato de educar. [...] A questão que fica para nós é como estamos lidando com essa herança grega,  num mundo em que se convencionou dissociar o sucesso do desenvolvimento do caráter”. [...]


O ato de educar foi barbarizado, barbarizado pela apatia, pelo politicamente correto e pelas falácias produzidas pela mídia.  Nesse sentido é que o ato de educar torna-se um tema vivo, por necessitar de constante reflexão. A reflexão sobre que seres e que sociedade desejamos para nossa geração e para as gerações futuras.  Essa era a questão da Paideia grega, uma vez que, na Grécia Antiga, educava-se para a vida em comunidade, em todas as suas nuanças. É preciso indagar se nossas práticas educativas têm ajudado para nos tornarmos seres melhores, posto que o ato de educar pode ser o motor da construção de sujeitos éticos dotados de responsabilidade,  solidariedade e de caráter para dar novos rumos à história humana".


[9] Platão pensava que "a essência de toda a verdadeira educação ou paideia é a que dá ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer,  tendo a justiça como fundamento". Aristófanes disse mais ou menos o mesmo, declarando em As Nuvens que o objetivo da educação não era simplesmente adquirir o domínio sobre as matérias ministradas,  mas produzir igualmente a excelência moral, enlaçando as potencialidades mentais e físicas em um caráter bem formado, de tal maneira que o homem pudesse ser um melhor cidadão.


Como interpretou modernamente Werner Jaeger, um dos principais estudiosos do tema, os gregos deram o nome de Paideia a "todas as formas e criações espirituais e ao tesouro completo da sua tradição, tal como nós o designamos por Bildung ou pela palavra latina, cultura".  Daí que, para traduzir o termo Paideia "não se possa evitar o emprego de expressões modernas como civilização, tradição, literatura, ou educação; nenhuma delas coincidindo, porém, com o que os gregos  entendiam por paideia. Cada um daqueles termos se limita a exprimir um aspecto daquele conceito global.  Para abranger o campo total do conceito grego, teríamos de empregá-los todos de uma só vez". Segundo Marrou, na sua abrangência, o conceito de Paideia não designa unicamente a técnica própria para, desde cedo, preparar a criança para a vida adulta. A ampliação do conceito fez com que ele passasse também a designar o resultado do processo educativo que se prolonga por toda vida, muito para além  dos anos escolares. A paideia, vem por isso a significar "cultura entendida no sentido perfectivo que a palavra tem hoje entre nós: o estado de um espírito plenamente desenvolvido, tendo desabrochado  todas as suas virtualidades, o homem tornado verdadeiramente homem".


[10] Oswald Arnold Gottfried Spengler (1880-1936) foi um historiador e filósofo alemão, cuja obra intitulada "O Declínio do Ocidente” (1918) representou um marco para os debates historiográficos, filosóficos e políticos neoconservadores da intelectualidade europeia durante do século XIX. Seu livro foi um sucesso entre os intelectuais em todo o mundo, uma vez que previu a desintegração da civilização europeia e norte-americana depois de uma “idade de cesarismo” violento, argumentando por analogias detalhadas com outras civilizações.


Ele aprofundou o pessimismo Pós-Primeira Guerra Mundial na Europa. O filósofo alemão Kant Ernst Cassirer explicou que, no final dessa época, muitos títulos de Spengler foram o suficiente para inflamar a imaginação: "Neste momento muitos, se não a maioria de nós, se deu conta de que havia algo de podre no estado de nossa civilização ocidental altamente valorizada”. O livro de Spengler expressa de uma forma nítida e incisiva esta inquietação geral.


Northrop Frye argumenta que, embora todos os elementos da tese de Spengler tenham sido refutados uma dúzia de vezes, é "um dos grandes poemas românticos do mundo" e que suas ideias principais são "tão parte de nossa perspectiva mental hoje como o elétron ou o dinossauro, e nesse sentido somos todos Spenglerianos". As previsões pessimistas de Spengler sobre o inevitável declínio do Ocidente inspirou intelectuais do Terceiro Mundo, desde a China, Coréia até o Chile, ansiosos para identificarem a queda do imperialismo ocidental. Na Grã-Bretanha e Estados Unidos, no entanto, o pessimismo de Spengler foi posteriormente anulada pelo otimismo de Arnold J. Toynbee, em Londres, que escreveu a história do mundo na década de 1940, com uma maior ênfase na religião.


[11] Multiverso é um termo usado para descrever um hipotético grupo de todos os universos possíveis.


É geralmente usado na ficção científica, embora também como possível extrapolação de algumas teorias científicas, para descrever um grupo de universos que estão relacionados, os denominados universos paralelos. O conceito de Multiverso tem suas raízes em extrapolações até o momento não científico da moderna Cosmologia e na Teoria Quântica, e engloba também várias ideias oriundas da Teoria da Relatividade de modo a configurar um cenário em que pode ser possível a existência de inúmeros Universos onde, em escala global, todas as probabilidades e combinações dessas ocorram em algum dos universos.


Simplesmente há espaço suficiente para acoplar outros universos numa estrutura dimensional maior: o chamado Multiverso. Os Universos seriam, em uma analogia, semelhantes a bolhas de sabão flutuando num espaço maior capaz de abrigá-las. Alguns seriam até mesmo interconectados entre si por buracos negros ou de buracos de minhoca. Em termos de interpretações da Mecânica Quântica, que, ao contrário da Mecânica Quântica em si, não são cientificamente estabelecidas, a Interpretação de Vários Mundos fornece uma visão que implica um multiverso.  Nessa visão, toda vez que uma decisão quântica tem de ser tomada - em termos técnicos, toda vez que há uma redução da função de onde de um estado emaranhado - dois ou mais universos independentes e isolados surgem, um para cada opção quântica possível. Vivemos no universo no qual as decisões quânticas adequadas levam à nossa existência.


Autores: Gisele Leite e Diego Córdoba

Palavras-chave: Cultura Resposta Homem Desafio Existência Polissemia

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