A contribuição de Thomas Kuhn para a filosofia da ciência

Parecer da colunista Gisele Leite.

Fonte: Gisele Leite

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Analisar o pensamento de Kuhn[1] significa perceber como sua obra desencadeou uma rediscussão sobre as relações entre a ciência e sociedade.


Sua obra intitulada “Estrutura das relações científicas” publicada em 1962 foi impactante e gerou pelo menos dois efeitos colaterais poderosos, a saber: o surgimento da possível concretização de tendência de se ter questões extremamente técnicas e, de certa forma, estéreis e, ainda, acirrou o debate sobre a querela sobre o lugar que a ciência ocupa, ou pelo menos, deveria ocupar na sociedade.


Assim tendo propiciado a liberação involuntária, recolocando o debate em torno da interface existente entre a ciência e a sociedade, apesar de sua revelia.  Sendo imperiosa uma reavaliação sobre as teses principais para se compreender a questão sobre a interação entre os fatores racionais e os valores sociais.


Kuhn corresponde a mais influente figura na filosofia da ciência de origem inglesa da segunda metade do século XX. E sua atividade é atestada pelos inúmeros trabalhos acadêmicos que o enfoca, e sua obra mesmo depois de mais de meio século ainda é consagrado como o maior best-seller da história da epistemologia[2], tendo marcado seu valor nos debates sobre as questões filosóficas referentes à ciência.


Kuhn é apresentado como doutrinador envolvido com Stephen Toulmin[3], Irene Pacatos e Paul Feyerabend[4], entre outros, na formulação da uma nova concepção de ciência contraposta àquela defendida pelo positivismo lógico, sendo responsável pela mudança de paradigma na epistemologia inglesa.


Kuhn atribuiu papel epistemológico importante à história e, não meramente ilustrativo, na construção da racionalidade científica. A lógica da ciência não seria indutivista e o método científico não seria um critério de demarcação suficiente e nem seria a metafísica necessariamente nociva à ciência.


Assim, produziu-se uma nova imagem da ciência. A chamada nova filosofia da ciência ou filosofia histórica da ciência é apenas uma das faces da mesma moeda, sendo outra tradição positivista, pois Kuhn ainda concebe a ciência de forma unificada, contendo a mera inversão da ênfase da observação e do experimento para a teoria.


A reconstrução da ciência por Kuhn, a forma como o pensador articulou o distanciamento apesar de dar margem a uma reaproximação entre os domínios do social e do científico; analisando o paradigma[5] da ciência normal[6] e a revolução científica.


Ademais, o papel da história da ciência para Kuhn com o fito de decifrar a verdade sobre o lugar ocupado pela ciência perante a sociedade. E, a relação de rejeição com os defensores do mencionado inicialmente, de forma clara, os desdobramentos de suas teses originárias.


O desenvolvimento científico se dá na tensão essencial entre o normal e o revolucionário. Mas o intento de Kuhn era defender a autonomia e a independência da ciência, e a evolução estratégica do que chamou ciência normal.


A ciência normal é formada pelo binômio indissociável com o paradigma. A ciência entra numa fase normal, quando guiada por um paradigma. A ciência normal, segundo Kuhn, significa a pesquisa fomentada e baseada em uma ou mais realizações científicas do passado.


As realizações científicas desempenham o papel de um exemplar que o primitivo sentido do paradigma.


Duras críticas são dirigidas e à polissemia que envolve o conceito de paradigma elaborado por Kuhn, vindo até substituir o termo por “matriz disciplinar” que é composta por quatro elementos principais: exemplares, generalizações, simbólicas, modelos e valores. E, em seus últimos trabalhos também se encontra o termo “léxico”.


Os paradigmas[7] possibilitam o advento do consenso o que é visível nas revistas especializadas bem como nos manuais acadêmicos sobre os fundamentos da prática científica.·.

De posse dos paradigmas cessam os debates de ordem metodológica e que apontam os meios aptos a investigação de ordem epistemológica (que apontam a natureza das entidades investigadas).


A dita ciência normal visa o aperfeiçoamento de questões relacionadas com os três domínios. Além disso, a referida modalidade de ciência ocupa-se das operações de limpeza que se refere à depuração das inconsistências dos paradigmas.


A maioria dos cientistas se ocupa dessas operações de limpeza durante toda a sua carreira. Traduz-na pura ciência, o que parece ser a tentativa de encaixar a natureza dentro dos limites prefixados e relativamente inflexíveis fornecidos pelos paradigmas. É tarefa formidável e emoldurante.


Visam os cientistas se aprofundar no conhecimento de fatos pré-selecionados pelo paradigma, buscando otimizar a correlação desses fatos com o paradigma.


Conclui-se que de certo modo, tudo já foi previsto pelo paradigma, qualquer novidade, seja a inovação de uma teoria, seja a descoberta de um fato, deve ser ignorada de modo a garantir a subsistência da ciência normal.


A normalidade científica ocorre quando a pesquisa é conduzida sob a forma de resolução de quebra-cabeças. Kuhn veio a descontentar alguns pensadores e até cientistas ao afirmar que a motivação é a busca da verdade, mas sim, solucionar os quebra-cabeças, ou seja, promovendo a habilidade para tornar o aparentemente anômalo (o que pode corresponder a um contraexemplo do paradigma) resultando em um problema solúvel através do paradigma[8] vigente.


Assim o paradigma exerce para ciência, uma função semelhante ao dogma para religião (aliás, há um trabalho de Kuhn sob o título de “A função do dogma na investigação científica”).


A ciência normal qualificada, por Kuhn corresponde à pesquisa especializada. Pois o pensador acreditava que a especialização é a condição para o progresso científico. Mas com o passar do tempo, reduziu Kuhn a relevância dada à especialização na obtenção do progresso científico e tal imbricação já é notada na obra “A estrutura das revoluções científicas”.


O pressuposto principal da especialização segundo Kuhn é o de haver o consenso que, por sua vez, remonta ao conceito de paradigma. Pois o paradigma instaura a concordância em torno das questões fundamentais, de forma que se torna necessário discutir quais feitos devem ser investigados, quais métodos devem ser empregados, nem quais soluções devem ser encontradas.


O referido consenso é o grande responsável pelo avanço na solução dos problemas. O desiderato do conhecimento científico é mesmo o progresso, concluiu Kuhn. Apesar de não ser necessariamente cumulativo, pois é uma diferença específica da ciência em face das outras formas de conhecimento.


Todas as suas reconstruções tendem a ratificar o progresso da ciência, seja no sentido normal ou no sentido revolucionário ou de ruptura.


O que já não mina a autoridade cultural exercida pela ciência. Afinal o consenso justamente assegura a possibilidade de crescimento de conhecimento científico. O progresso científico é decorrência do consenso engendrado pelo paradigma.  Na ciência normal, o progresso é linear e cumulativo. O que não ocorre quando se tem a concepção descontinuísta de progresso concernente às revoluções científicas.


O progresso queniano ocorre por duas formas diferentes, a saber: (mas são complementares) o progresso contínuo que ocorre na ciência normal e o progresso não cumulativo (que eclode nas revoluções científicas).


A noção de ciência normal foi criticada por Popper[9] que via grande perigo nisso, na suposta atitude dogmática e possibilidade de ter que se tornar normal com o aumento da especialização (o que é o perigo para a nossa civilização).


A crítica também foi acompanhada por Watkins e Feyerabend que possuía estilo incisivo quando disse: “Pois tudo indica que o crime organizado é a solução de enigmas por excellence”.


Todo enunciado feito por Kuhn sobre a ciência normal permanece verdadeiro. Já indicara em sua obra que os níveis descritíveis e prescritíveis são praticamente inextricáveis. Logo, a reconstrução implica como deve acontecer na ciência, e nas coisas.


Assim, a ciência perde uma atitude crítica que é numa característica salutar do conhecimento científico (ou seja, a não aceitação passiva da transmissão do conhecimento e de valores).


Mas não é preciso que os cientistas pensem da mesma forma, apesar do consenso sobre os fundamentos, pois existem pontos passíveis de aperfeiçoamento.


O acordo sobre os fundamentos é o que distingue a ciência como uma forma bem-sucedida de conhecimento das demais formas. Com o paradigma, a ciência não perde tempo em discussões e poderia lograr o progresso.


Há uma recomendação indesejável ao cientista, no sentido de ser acrítico e deixar de pensar filosoficamente. Enfim, há de se enfrentar o falso dilema de escolher entre o aprofundamento do conhecimento e o debate reflexivo, uma vez que ambos podem e devem andar juntos.


Kuhn com razão equiparou o debate crítico e reflexivo à filosofia e que só se deve recorrer quando não mais vige o consenso.


Assim, a filosofia funcionaria como remédio para anormalidade. A separação entre a ciência e a filosofia fora constatada com o advento da modernidade[10].


A revolução científica


Para Kuhn as revoluções científicas eram episódios de desenvolvimento não-cumulativo, nos quais um paradigma velho é total ou parcialmente substituído por um novo paradigma incompatível com o anterior.


Ao enfraquecer, aparentemente, o papel dos argumentos na decisão entre paradigmas rivais[11] a maioria dos interesses, julgou Kuhn, estaria defendendo que a irracionalidade impera na ciência.


Se não há espaço para a força do argumento, abre-se o flanco para o predomínio do “argumento da força”, costuma-se pensar.


As controvérsias entre paradigmas oponentes[12] não poderiam ser decididas de maneira normal, por isso, Kuhn, comparou a revolução científica às experiências da psicologia gestalt[13], à revolução política, à conversão religiosa, para mencionar as mais extremadas.


Tais analogias provocaram a ira dos defensores da prática científica entendida como o paradigma da racionalidade. Afinal, como os filósofos analíticos[14] da ciência poderiam admitir que o seu objeto de estudo fosse igualado à política, religião (esferas tidas como da decisão e da crença) e não, da evidência e/ou demonstração que são peculiaridades do conhecimento científico.


Dentre as recepções favoráveis, destaca-se a de Rorty[15] que qualificou entusiasticamente Kuhn como sendo um grande filósofo.


Penso que filósofo é a descrição mais apropriada para alguém que remapeia a cultura, que sugere um novo e promissor modo para pensarmos a respeito das relações entre as várias grandes áreas de atividade humana.


Para Rorty, Kuhn contribuiu para atenuar a fronteira de demarcação entre o cientifico e os demais domínios. Estendendo o conceito de ciência normal ao restante da cultura como um todo.


Rorty advoga a tese que termos como racionalidade e objetividade são menos uma questão de correspondência com a realidade dos fatos do que a concordância entre os sujeitos cognoscente.


O discurso normal não seria privilégio da ciência, mas encontrável em toda cultura onde impede o consenso. É possível haver uma literatura e política racionais e objetivas. Assim como a física newtoniana é objetiva e racional. De maneira que Rorty saudou a obra de Kuhn, pois ajudou a minar a autoridade e superioridade epistêmicas da ciência.


Kuhn analisou apenas a esfera científica sem a pretensão de que a descrição extrapolasse as demais esferas.  A obra “A estrutura (...)” propiciou o acalorado debate que veio a determinar a agenda da filosofia e da ciência na segunda metade do século XX.


A tese da incomensurabilidade é uma das controvérsias suscitadas por Kuhn. A incomensurabilidade deve combinar com o progresso científico. Apesar disto, a tese foi vista como uma grave ameaça à racionalidade científica[16].


Na escolha de paradigma, como nas revoluções políticas, não existe o critério superior, ao consentimento de comunidade relevante. Para avaliar as revoluções científicas são produzidas, devemos examinar, não apenas o impacto da natureza e da lógica, mas igualmente, às técnicas de argumentação persuasiva que são eficazes no interior de grupos muito especiais que constituem a comunidade dos cientistas.


O desfecho das revoluções científicas não é determinado por critérios estritamente lógico-empíricos em seu sentido clássico. Em outras palavras, não se pode recorrer à correspondência com os fatos nem à coerência interna da teoria, de modo a decidir sobre o conflito entre paradigmas.


Isso porque um paradigma é incomensurável com outro. Abre-se espaço para as evidências. E mais, uma vez que os argumentos, seja de ordem lógica, sejam de ordem empírica não possuem força superior e suficiente para decidir a controvérsia científica, parece surgir a força para o Estado, para a política e os grupos sociais, onde predomine.


Kuhn não se pronuncia a esse respeito, mas admite que esferas externas à ciência podem atuar diretamente sobre a ciência e sobre as revoluções científicas, sem aprofundar a questão.


Admite-se também Kuhn que os fatores não-científicos podem atuar, quando a ciência pode deixar de ser um assunto somente de cientistas nas oportunidades em que ela deixa de funcionar normalmente.


Os fatos não podem ser o tribunal de disputas científicas por serem moldados pelos paradigmas, a rigor, não existe fato puro, uma vez que toda observação está carregada de teoria.


Kuhn não aceitou bem como outros filósofos, a distinção entre os termos observacionais e termos teóricos. Por isso, se afirma que aa filosofia da ciência seria dominada pela teoria. Mas o conceito de paradigma[17] não é sinônimo de teoria.


A questão do conceito de paradigma tem sua carga inicial semântica e parece ser mais rica. Ademais, a racionalidade testabilista tão comum aos positivistas lógicos e a Popper foi posta em xeque por Kuhn e pelos demais representais da nova filosofia da ciência.


As chamadas experiências cruciais não passariam de idealizações de genuína atividade científica. Para fugir do rótulo de relativista/irracionalista sem o recurso de algoritmos neutros, Kuhn ressaltou a atuação de critérios epistêmicos na escolha entre as teorias.


Tais critérios seriam resultados da própria filosofia da ciência tradicional e sendo os mais importantes para formulação de boas teorias científicas. São estes a exatidão, consistência, alcance, simplicidade e fecundidade.


Mas, não funcionam como regras matemáticas[18], mas como valores, ou seja, apesar de garantirem a objetividade da ciência, estes são aplicados de forma subjetiva.


Por vezes os cientistas concordam sobre essas matérias, mas defiram quanto aos pesos relativos a ser acordados a estes ou a outros critérios quando forem vários os critérios se desenvolvem em conjunto.


Não apenas a aplicação individual dos valores varia de importância atribuída a eles, os que se modificam com o tempo e/ou de uma área para outra.


O discurso sobre a atuação de valores da ciência Lacey[19] desenvolve o argumento central segundo o qual deveríamos traçar distinção entre valores sociais e valores epistêmicos pelo menos a ciência contemporânea (vide o caso de transgênicos) não desfrutando mais autonomia (em função de interesses comerciais do mercado) e nem da neutralidade, que costuma ser imparcial.


Lacey defende ainda a ideia de recuperar o ideal da ciência moderna, com seus respectivos valores além da manutenção da imparcialidade resgatando a genuína neutralidade e a autonomia de linhas de pesquisa sem perder de vista a função social da ciência.


Durante uma revolução científica o mundo muda e às vezes de Kuhn destacou três aspectos que acompanharam inevitavelmente as mudanças científicas.


O primeiro aspecto se refere ao holismo teórico: os termos e/ou sentenças ganham seu significado dentro da teoria.


O segundo aspecto se refere à linguagem e mundo em sua concepção de uma revolução de um todo, com concepção idealista (alhures do pragmatismo[20]).


As mudanças científicas alteraram os próprios objetos e situações dos quais são aplicados os termos. Nas mudanças científicas destacou Kuhn que as metáforas[21] e as analogias são descartadas, ou melhor, substituídas.


O tema da incomensurabilidade é indissociável ao tópico da revolução científica, não sendo aceito o relativismo feito pelos filósofos analíticos em geral bem como o irracionalismo ou subjetivismo.


A interpretação mais corrente da incomensurabilidade é a de que esta implicaria na quebra de comunicação entre os cientistas. Davidson procurou refutar tese referida, argumentando que seria tributária de uma ideia equivocada, a saber, a de esquema conceitual.


Não existiria o mundo lá fora e, separadamente, as teorias que o descrevem. Putnam[22], por sua vez, tentou mostrar as contradições subjacentes à incomensurabilidade, alegando que seus defensores afirmam a incompatibilidade entre teorias distintas, mas logo em seguida passam a descrever minuciosamente os dois lados em querela, como se estivessem em um ponto arquimediano[23], incorrendo, portanto, em argumentos contraperformativos.


Respondeu Kuhn que a incomensurabilidade não é sinônima de ausência de comunicação. Ainda alegou que tomou emprestado da matemática, na qual significa composições que não possuem uma medida comum.


Não significando que nas mudanças científicas, as teorias conflitantes não possam ser equiparadas. Mais tarde, Kuhn passou a defender o chamou de incomensurabilidade local, ou seja, as revoluções científicas e alguns termos antigos possuem alguma correspondência direta com os novos termos embora outros, não.


Tal formulação parece conflitar diretamente com sua tese do holismo teórico que representa apenas uma das estratégias utilizadas por Kuhn com o fito de dar cabo das acusações do relativismo e o irracionalismo dirigidos a ele, principalmente a questão a ser tratada exclusivamente em termo linguístico.


Kuhn passou a usar o texto e o “léxico” [24] em lugar de paradigma ou de exemplar, ou mesmo de matriz disciplinar, o que representa o maior indício de que o pensador passou a abordar a ciência, no geral, e não apenas a incomensurabilidade na perspectiva tão-somente linguística.


Esse aspecto linguístico foi homenageado pelo filósofo Quine, e veio a defender o bilinguismo científico quando se trata da comunicação entre portadores de léxicos distintos. O que acena o fracasso de Kuhn de superar as implicações relativistas da tese[25].


Para Mario Biagioli, a incomensurabilidade de ser pensada em ampla perspectiva, envolvendo aspectos políticos, sociais e antropológicos. A incomensurabilidade passa a ocorre como estratégias de consolidação de novos grupos científicos.


Biagioli[26] não aborda a ciência em sua relação com a sociedade, entendida em sentido mais amplo. Já Kuhn entende melhor a questão da relação entre a ciência e a sociedade, reavaliando as relações a história da ciência e a filosofia da ciência que são disciplinas autônomas e, ao mesmo tempo, complementares.


É relevante ressalvar que o tipo da história da ciência à qual Kuhn se refere é aquela denominada internalista apesar de reconhecer os fatores externos (interesses sociais) sobre a atividade científica. Quando Kuhn sustenta a tese de que a ciência madura (ciência normal) é relativamente indene.


Stephen Brush aponta que Kuhn é praticamente ignorado nos trabalhos mais recentes da história da ciência, o que seria um mau sinal; pois a nova historiografia interpretou inadequadamente a máxima de Kuhn, segundo a qual o historiador deveria por de lado a ciência que ele mostraria de poder discutir com especialistas da área.


Brush retratou Kuhn como um historiador preocupado com conteúdo cognitivo da ciência. Apesar de reconhecer o valor das abordagens sociológicas, ele apresentou Kuhn como um historiador bem distante dos estudos sociais e das ciências mais radicais.


O pressuposto principal da historiografia desenvolvida por Kuhn consistiu na recomendação compreender teorias ultrapassadas em seus próprios termos.


Ou seja, as teorias atuais não deveriam ser vistas como o aprimoramento de erros das teorias obsoletas. A chamada historiografia whig cometeria um grave equívoco metodológico na media em que procura explicar o desenvolvimento da ciência em termos de processo cumulativo.


Verifica-se a filosofia da ciência deixou de desfrutar o privilégio de ser única disciplina capaz de fornecer uma imagem acerca de atividade científica[27], uma vez que à história da ciência for atribuído um status epistemológico social.


De acordo com Fuller, Kuhn compartilhava do fenômeno elitista que, remontando Platão perpassa a história do pensamento ocidental como um todo, da dupla verdade. Não se trata da crença de que a verdade não seja uma e una, mas sim, de que esta deve ou pude ser conhecida por alguns, o que implica na existência de uma aristocracia espiritual.


A doutrina de Kuhn se caracterizou por tensão e ambiguidade postura jamais explicitamente endossada.


Kuhn defendeu dois tipos de histórias, frontalmente conflitantes; uma narrada pelos próprios cientistas ou divulgadores da ciência e, a história contada pelos historiadores que parece ser mais fidedignas às práticas científicas.


O desvio de Kuhn dessa doutrina (dupla verdade) é que a plebe passa a ser comunidade científica e muitos dos seus simpatizantes. E, a elite e os historiadores.


Antes de Kuhn, os defensores das verdades esotéricas escondiam-se da visão pública por meio de perseguição. Depois de Kuhn, eles fazem piadas entre si diante de demonstração pública da autoridade pública.


A crítica feita por Fuller dirige também aos estudos mais recentes sobre a ciência. Kuhn identifica os historiadores como membros de uma elite intelectual da qual fazia parte.


Fuller adota a atitude de desmascaradamento podendo enxergar as razões contingentes e autobiográficas e, ainda, tratar questões filosóficas.


Os adeptos do programa forte saudaram-no como um dos inspiradores da nossa sociologia, dando primazia do caráter comunitário da ciência. Enfim, pode-se dizer que Kuhn[28] desejou se aproximar de seus seguidores e, por outro, afastar-se de outros seguidores.


Torna-se urgente uma reavaliação de seu pensamento no interior da zona de fronteira entre a filosofia da ciência e os novos estudos empíricos da ciência, avançando no debate atinente à interface ciência/sociedade.


A ciência resgata a tradição moderna que leva em consideração, primordialmente, seu compromisso epistemológico e ontológico com a verdade.


Ressalte-se que o mais irônico é que, embora dirigido às ciências naturais, basicamente à física, o relato de Kuhn obteve uma recepção mais favorável justamente nas humanidades, especialmente nas ciências sociais. Quando os cientistas sociais ficaram encorajados a procurar paradigmas em seus respectivos campos de saber.


Sumariza a doutrina de Kuhn: “Talvez a característica mais impressionante dos problemas normais da pesquisa que acabamos de examinar seja seu reduzido interesse em produzir grandes novidades, seja no domínio dos conceitos, seja no dos fenômenos”.


Referências


MENDONÇA, André Luís de Oliveira. O legado de Thomas Kuhn após cinquenta anos. Disponível em: http:// www.scielo.br/scielophp? Script=sci_artlextEpid=S3166201200300006 Acesso em 29.11.2016.


BRUSH, S. Thomas Kuhn as a historian of science. Science & Education, 9 p.39-58, 2000.


DEUS, J.D. (org.) A crítica da ciência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1979.


LACEY, H. Valores e atividade científica. 2.ed. São Paulo Associação Filosófica Scientiae Studia/Editora. 34, 2010.


MENDONÇA, A. O progresso científico segundo Thomas Kuhn: especialização e incomensurabilidade. Rio de Janeiro: 2003, Dissertação de Mestrado em Filosofia, da UERJ.


PUTNAM, H. Razão, verdade e história. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992.


POPPER, K. Conjecturas e refutações. Brasília: UnB, 1972.


MORGAN, Gareth. Paradigmas, Metáforas e Resolução de Quebra-cabeças na Teoria das Organizações. Disponível em:http://rae.fgv.br/rae/vol45-num1-2005/paradigmas-metaforas-resolucao-quebra-cabecas-na-teoria-organizacoes Acesso em 02.11.2016.


Notas


[1] Thomas Samuel Kuhn (1922=1996) foi um físico e filósofo norte-americano. Seu trabalho incidiu sobre a história da ciência e a filosofia da ciência, tornando-se uma referência no estudo do processo que acarreta o desenvolvimento científico. Graduou-se em física em 1943 pela Universidade de Harvard e recebeu dessas mesmas instituições a titulação de mestre em 1946 e o grau de Doutor em 1949 na área de Física. Em 1956 foi lecionar história da ciência na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Passando a ser professor efetivo e 1961.


Seu primeiro livro foi A Revolução Copernicana publicada em 1957. Mas foi em 1962 com a publicação do livro Estrutura das Revoluções Científicas que Kuhn se tornou conhecido não mais como um físico, mas como um intelectual voltado para a história e filosofia da ciência.


A polêmica sobre a obra de Thomas Kuhn gira em torno da noção de paradigma científico e da "incomensurabilidade" entre os paradigmas. Ken Wilber defende (em seu livro A União da Alma e dos Sentidos) que a ideia de paradigmas proposta por Kuhn tem sido apropriada e abusada por grupos e indivíduos que tentam fazê-la parecer uma declaração de que a ciência é arbitrária. Entretanto, a obra de Kuhn abriu espaço para toda uma nova abordagem de estudos chamados Social Studies of Science (estudos sociais da ciência) que desembocou no Programa Forte da Sociologia.


Especula-se que Kuhn tenha se apropriado de muitas das ideias de Ludwick Fleck (como paradigma, revolução paradigmática, ciência normal, anomalias, etc), médico polonês que pouco escreveu sobre história da ciência e que permaneceu e permanece desconhecido de muitos.


[2] Epistemologia tenta responder a questão de como o conhecimento humano se dá e como se valida; Mas, sendo mais específica que a Teoria do Conhecimento, a epistemologia faz uma reflexão sobe o conhecimento científico; perguntando sobre sua origem, seu valor social e sua relação com as novas tecnologias.  À epistemologia cabe se perguntar (metodologicamente) sobre a validade e verificação das ciências (formais, como a Matemática e a Lógica; naturais, como Física e Biologia; e humanas como a Sociologia e a Filosofia). A epistemologia não deve construir um sistema dogmático e sim, ser uma ferramenta para a sociedade validar seus conhecimentos.


A Filosofia é crítica e reflexiva e não tem a pretensão de obter uma verdade total ou fundamentar as ciências, já que, está em construção permanente, deve ser uma articuladora dos saberes, com revisões e críticas; A Filosofia tem um papel importante na construção de hipóteses para conceituar a ciência (Filosofia da Ciência), analisar fatos e situá-los; Assim cabe ao filósofo uma reflexão sobre a ciência, permitindo que a epistemologia seja uma ferramenta intelectual e prática; nunca uma verdade final.


[3] Stephen Edelston Toulmin 1922- 2009 foi um filósofo britânico, sendo autor e educador que fora influenciado por Ludwig Wittgenstein. Dedicou seus trabalhos a análise do raciocínio moral. E, procurou desenvolver argumentos práticos que podem ser usados eficazmente para avaliar a ética existente atrás de questões morais. Suas obras foram posteriormente consideradas úteis no campo da retórica e para análise de argumentos retóricos. O modelo Toulmin da argumentação corresponde a um diagrama contendo seis componentes interrelacionados usados para analisar argumentos. Foi considerada a obra mais influente, particularmente na retórica e comunicação e na ciência da computação.


No modelo de Toulmin argumentou que o absolutismo não tem valor prático e teve como fim desenvolver tipo diferente de argumento, chamados de argumentos práticos, ou substanciais. Em contraste com os argumentos teóricos. Os argumentos práticos fazem inferências com um conjunto de princípios para chegar a uma reivindicação de interesse e, em seguida, apresentar uma justificação para isso. Toulmin acreditava que, para um bom argumento ter sucesso é preciso fornecer uma boa reclamação.


[4] Paul Karl Feyerabend (1924-1994) foi um filósofo da ciência, austríaco, mas viveu em diversos países como Reino Unido, EUA, Nova Zelândia, Itália e Suíça. Seus maiores trabalhos são Against Method, publicado em 1975, Science in Free Society (publicado em 1978) e Farewell to Reason (uma coleção de artigos publicados em 1987). Tornou-se famoso pela sua visão anarquista da ciência e por sua suposta rejeição da existência de regras metodológicas universais. É uma figura influente na filosofia da ciência e, também na sociologia do conhecimento científico.


[5] O paradigma do termo denota os aspectos relevantes de uma situação que pode ser tomado como um exemplo, até mesmo a etimologia da palavra nos diz que isso pode ser um sinônimo, por exemplo, no entanto, o paradigma é usado em outros contextos não é tão simples como os usados no exemplo de palavra.


O curioso sobre este termo é a sua origem, porque lá é que leva a idéia de que um paradigma é nada mais do que um conjunto de ações que seguem ou executar para concluir com uma força boa ou social comum.


Derivada da filosofia grega foi Platão, que deu a forma do "Modelo" e não como simples exemplo é acreditado para usá-lo em um contexto sem qualquer aspiração. Isso nos dá a entender que o paradigma da palavra é utilizado para designar aqueles atos que são a melhor referência para um caminho a seguir, uma boa educação com verdadeira e digna de aceitação de valores morais de professores, não é mais do que um paradigma social para a integração de alguém notável.


Conformidade com os paradigmas impostos por uma sociedade geralmente indica a superação das expectativas do grupo, como consequência vem a promoções ou cadeias de descida. Lucro ativo de organizações como uma empresa, usar exemplos paradigmáticos para que seus empregados reforçar o valor da empresa e, assim, qualificar-se para um local de mais posto e prestígio na ordem colocada.


[6] A ciência normal não visa à inovação. Mas a inovação pode emergir da confirmação de teorias já sustentadas. De fato, espera-se que quando as devidas condições para trazer à tona a partícula forem finalmente estabelecidas, uma geração inteiramente nova de Física de Alta Energia começará.


[7] Para explicar como o léxico se torna a base de reestruturação de sua teoria Kuhn examina parte do léxico da mecânica newtoniana, especialmente os termos interrelacionados “força”, “massa” e “peso” como o objetivo de entender em primeiro lugar o que um cientista precisa e o que não precisa saber para ser membro da comunidade da física newtoniana e, em segundo lugar, de que maneira o uso desse conhecimento pode limitar o acesso dos membro dessa comunidade a outros mundos que não aquele do seu léxico.


[8] Thomas Kuhn deu ao paradigma seu significado contemporâneo quando ele adotou para se referir ao conjunto de práticas que definem uma disciplina científica durante um determinado período de tempo. O mesmo Kuhn preferia os termos exemplares ou ciência normal, o que tem significado filosófico mais exato.  Definiu o autor um paradigma da seguinte maneira:


• O que deve ser observado e examinado;


• o tipo de perguntas que deveriam para ser de formulação para encontrar respostas em relação ao objetivo;


• como estas perguntas devem ser estruturadas e


• como os resultados da investigação científica devem ser interpretados.


"Eu acho que para os paradigmas como realizações científicas universalmente reconhecidas que fornecem modelos de problemas e soluções para uma comunidade científica por algum tempo," Thomas Kuhn.


Modelos paradigmáticos são modelos metafísicos e epistemológicos, fornecendo "contexto" em que diferentes modelos teóricos e teorias de nível inferior, formam-se por apresentar as orientações gerais de agrupamento das diferentes teorias.


Como deve conduzir um experimento e que o equipamento está disponível para fazê-lo.


[9] Karl Raimund Popper austríaco de nascimento, fugiu do nazismo quando contava com seus trinta anos. A filosofia de Popper é o racionalismo crítico e ocupa-se de questões relativas à teoria do conhecimento, isto é, epistemologia. Por sua filosofia temos a noção da sua teoria de três mundos, do seu modelo quádruplo, do pensamento indutivo e do conhecimento objetivo;


Em relação à teoria dos “mundos”, temos o mundo; de objetos físicos ou de estados materiais; o segundo mundo, de estados de consciência ou de estados mentais, de disposições comportamentais para agir (senso comum), e o mundo três, que é o mundo de conteúdos objetivos, de pensamentos críticos. O terceiro mundo assemelha-se com a teoria das ideias de Platão, mas sabemos que o mundo das ideias de Platão é imutável e verdadeiro.


E o do filósofo Karl Popper é feito pelo homem e é mutável, contendo teorias verdadeiras e falsas, e com isso, ele está aberto às críticas e a conjecturas e refutações. Lembrando que segundo Popper o mundo três é autônomo. Porque é objetivo e é a partir dele que a ciência progride.


Por que ele é autônomo? Pelo fato que: encontramos no mundo três teorias que são científicas, conhecimentos objetivos. E quando “colocamos” essas teorias em um livro, (mundo um) e se alguém vir a ler o mesmo poderá encontrar novos problemas ou teorias inesperadas, e mesmo se esses livros fossem destruídos temos o conhecimento em nossa mente, o qual não será destruído com os mesmos.


Vale ressaltar que a filosofia tradicional tem estudado o conhecimento no sentido subjetivo; com expressões “eu sei”, “estou pensando”, Popper refuta tal pensamento dizendo: “o que vale para o progresso do conhecimento científico é o pensamento objetivo”. Encontramos o pensamento da filosofia tradicional, o senso comum, a indução no mundo dois. O que é relevante para a epistemologia é o estudo de problemas científicos e situações de problemas, de argumentos críticos, ou seja, o mundo objetivo, o três.


Resumindo: o terceiro mundo é um produto natural do homem. O mundo três é autônomo, pelo fato de ser produto nosso e de ter um forte efeito de retrocarga sobre nós. “Há muitas teorias em si mesmas, e argumentos em si mesmos, e situações de problemas em si mesmas que nunca foram produzidos ou entendidos e podem nunca ser produzidos ou entendidos pelos homens”.


Popper em 1919 fica desapontado com as teorias marxistas da história, da psicanálise e a psicologia individual de Freud. Indagava perguntando o que tem de errado com elas! Ele sentia que as três teorias embora mesmo se apresentando como ramo da ciência, tinham de fato mais em comum com os mitos primitivos do que com a própria ciência, onde se aproximava mais da astrologia do que da astronomia Essas teorias pareciam poder explicar praticamente tudo em seus respectivos ramos. O estudo de qualquer uma delas parecia ter o efeito de uma conversão ou revelação intelectual, abrindo os olhos para uma nova verdade, escondida dos ainda não iniciados. Uma vez aberto os olhos, podiam-se ver exemplos confirmadores em toda parte: o mundo estava repleto de verificações da teoria.


A solução através do método de acordo com Popper, é:” a ciência se caracterizava pela observação e pelo método indutivo, enquanto a pseudociência e a meta física se caracterizavam pelo método especulativo” as teorias científicas eram obtidas a partir de fatos e por eles eram verificadas. Os positivistas (o positivismo é uma epistemologia empiricista, indutivista), eram antimetafisicos.


[10] A modernidade corresponde ao período de tempo que se caracteriza pela realidade social, cultural e econômica vigente no mundo. Quando cogitamos da era moderna, pré-moderna ou ainda a pós-moderna, fazendo referência à ordem política, à organização de nações, à forma econômica que essas adotaram e inúmeras outras características.


Entretanto, nessa trajetória o que importa é o pensamento humano e o seu processo de construção. A partir das reflexões de Zygmunt Bauman e de Max Weber é possível traçar um roteiro que nos guia pelas mudanças do pensamento humano e sua respectiva conexão com a realidade histórica.


A modernidade se construiu em meio de conflitos ideológicos da razão objetiva instrumental, usada como ferramenta de abordagem de questões filosóficas e de sua realidade. Superado o pensamento tradicional que era ligado ao pensamento teológico e religioso, foi progressivamente abandonado. E, tal fenômeno fora denominado por Weber como processo de desencantamento do mundo, no qual o sujeito moderno passou a se despir de costumes e crenças, baseadas em tradições aprendidas que se apoiavam nos pilares fixos das religiões.


A desordem inicial em que o mundo moderno se encontrou, com o abandono dos princípios religiosos que sustentavam os costumes e organizações sociais fora a força motriz para que Bauman defendeu ser uma das principais características da modernidade, que é a busca pela ordem. E, de pois do estabelecimento da ordem seguiu-se a busca pelo progresso, outra característica marcante da era moderna. (In: BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Trad. Marcus Penchel, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999).


[11] O que caracteriza a crise de paradigmas no campo das ciências sociais em particular na disciplina histórica é a discussão acerca do conceito de civilização e cultura. Para explanar a afirmação estabelece considerações entre duas vertentes que analisam esta questão: á francesa e a alemã.


Na vertente francesa o conceito de civilização é visto em uma perspectiva evolucionista e otimista “as civilizações seriam altas culturas”, ou seja, a civilização estaria no topo do desenvolvimento social (selvageria – barbárie – civilização) e, essa culminação de etapas era considerada positiva.


A vertente alemã valoriza a cultura em detrimento da civilização. Postula que a cultura designa os costumes específicos de sociedades, principalmente de grupos pequenos de transformação mais lenta que a “civilização” urbana.


Não se pode negligenciar essa oposição de perspectiva entre as posições francesa e alemã quando se pretende entender a crise paradigmática e a Escola de Frankfurt, é fundamental para Ciro F. Cardoso essa discussão à medida que é justamente desse embate que se configura o esboço de um novo paradigma que, relutante convencionou chamá-lo de paradigma pós-moderno. Ainda nesse viés define o deslocamento de paradigma na área das humanidades e das ciências sociais como sendo uma vitória da visão alemã.


[12] No texto “História e Paradigmas Rivais” de Ciro Flamarion Cardoso que introduz a presente obra, a ênfase do autor incide no confronto entre os paradigmas “iluminista” e “pós-moderno”, como sugere nitidamente o próprio título do ensaio.  É verdade que a preferência do referido autor recai sobre o paradigma que chama de iluminista, e nisto não faz mais do que manter-se coerente com sua trajetória de historiador e epistemólogo fartamente demonstrada em trabalhos anteriores. Entre eles, o polêmico ensaio “Uma Nova História?”, incluído nos “Ensaios racionalistas”, publicado em 1988.


[13] A gestalt do alemão forma também conhecida como gestaltismo, a teoria da forma, psicologia da gestalt, psicologia da boa forma e as leis da gestalt, é uma doutrina que defende que, para compreender as partes, é necessário, antes, compreender o todo.


Refere-se a um processo de dar forma, de configurar, o que é colocado diante dos olhos, exposto ao olhar. A palavra gestalt tem o significado de uma entidade concreta, individual e característica, que existe como algo destacado e que tem uma forma ou configuração como um dos seus atributos.


Surgiu no início do século XX e, diferente da gestalt-terapia, criada por Fritz Perls trabalho com dois conceitos: superssoma e transponibilidade. De acordo com a teoria gestáltica, não se pode ter conhecimento do "todo" por meio de suas partes, pois o todo é outro, que não a soma de suas partes: "(...) 'A+B' não é simplesmente '(A+B)', mas sim, um terceiro elemento 'C', que possui características próprias". Segundo o critério da transponibilidade, independentemente dos elementos que compõem determinado objeto, a forma é que sobressai: as letras r, o, s, a não constituem apenas uma palavra em nossas mentes: "(...) evocam a imagem da flor, seu cheiro e simbolismo - propriedades não exatamente relacionadas às letras,” tais critérios pela primeira vez em 1890, na Universidade de Graz.


[14] A Filosofia analítica é vertente do pensamento contemporâneo cujo ponto comum é a noção de que a filosofia é análise e, mais particularmente, a análise do significado dos enunciados, e se reduz a uma pesquisa sobre a linguagem.


Inicialmente, a filosofia analítica assumiu a hipótese de que a lógica criada por Gottlob Frege, Bertrand Russel e outros, entre o final do século XIX e o início do século CC, poderia ter consequências filosóficas gerais e ajudar na análise de conceitos e no esclarecimento de ideias. No Reino Unido, com Bertrand Russel e Moore opuseram0se às escolas anteriores ao idealismo alemão, principalmente ao hegelianismo, representado sobretudo por McTaggart e Bradley.


Existem várias correntes dentro da filosofia analítica, dentre estas, o positivismo lógico que se distingue pela rejeição de toda e qualquer metafísica. E, neste contexto, cumpre destacar o Círculo de Viena, de corte neopositivista, fundado por Mortuz Schlixk e constituído por filósofos e lógicos austríacos e alemães.  Até o início da década de 1950, o positivismo lógico era o principal movimento dentro da filosofia analítica. No entanto, o movimento sofreu um golpe mortal em 1951, quando Quine publicou "Dois Dogmas do Empirismo". Foi o fim do positivismo lógico. Depois disso a filosofia analítica desenvolveu-se em diversas direções. A ciência cognitiva e a filosofia da mente tomaram o lugar da lógica e da filosofia da linguagem. Há uma metafísica e mesmo uma teologia analítica. Há uma filosofia política (John Rawls) e diversos estudos sobre ética.


[15] Richard Rorty (1931-2007) Foi filósofo pragmatista dos EUA). Sua principal obra foi "Filosofia e o Espelho da Natureza". Sempre foi um filósofo combativo durante toda a vida. Defendia-se contra a pretensão de absoluto do pensamento analítico e renunciou durante décadas, as correntes tradicionais.


Nos últimos anos, o 'anti-epistemólogo', que não defendia o fim da filosofia, mas sim da filosofia epistemologicamente centrada, surpreendeu os críticos quando começou a intervir cada vez mais em política. Assim, em 1997 apelou às universidades, num ensaio, a regressar a uma política esquerdista "que no essencial se ocupa de impedir que os ricos desvalorizem o resto da população." Foi  galadoardo com o Prêmio Meister Eckhart no ano de 2001, em cerimônia na qual Jürgen Habermas o nomeou como "um dos mais significativos filósofos da atualidade".


[16] A tese da incomensurabilidade de paradigmas científicos foi reformulada por Thomas Kuhn ao longo de todo seu percurso filosófico. As primeiras modificações se deram no final dos anos de 1960 e 1970, mantêm-se muito próximas à apresentação original, procurando dar maior consistência à tese da inexistência de uma linguagem neutra que servisse de mediadora para a comparação de paradigmas rivais.  A partir dos anos 1980, esta tese da incomensurabilidade que vinha sendo defendida por Kuhn, é instada a responder as fortes críticas provenientes de vários filósofos de peso, entre estes, Hilary Putnam e Donald Davidson, além da necessidade de responder à nova semântica referencialista proposta por Saul Kripke e a várias posições de Quine.


Consequentemente, Kuhn é obrigado a apresentar uma versão mais aprofundada e consistente da tese da incomensurabilidade do que aquela que fora anteriormente apresentada na Estrutura e ligeiramente reformulada na década seguinte. Nesse período, a abordagem de Kuhn migra, em grande medida, da filosofia da ciência para a filosofia da linguagem. Pretendemos mostrar como a reformulação da tese da incomensurabilidade apresentada a partir da década de 1980 surge do confronto com as ideias de outros filósofos, entre eles, Putnam, Quine, Kripke e Kitcher. Procuraremos entender que filosofia da linguagem é proposta por Kuhn; qual é essa teoria do significado que parece se distanciar tanto daquela sugerida na Estrutura, como de uma teoria referencialista então em voga; e como a concepção de incomensurabilidade é, a partir de 1980, apresentada em termos de taxonomias lexicais. Procuraremos entender, igualmente, a ligação que esses temas possuem com as críticas que Kuhn faz à noção de "tradução", como proposta por Quine, tendo em vista uma distinção entre "tradução" e "interpretação".


[17] Entender a ciência, é enfim, entender sua prática, ou seja, seu funcionamento e mecanismos. Também inclui compreender o comportamento do cientista, suas atitudes e decisões. Foi a partir da compreensão da prática científica que Kuhn desvelou os mecanismos internos das ciências. E, para ele, as ciências evoluem através de paradigmas. Paradigmas são modelos, representações e interpretações de mundo universalmente reconhecidas que fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade científica. É por meio de paradigmas que os cientistas buscam as respostas para os problemas colocados pelas ciências.


São, portanto, os pressupostos da ciência. A física de Aristóteles é um bom exemplo de paradigma, sua teoria fora aceita por mais de mil anos. A astronomia de Copérnico, a dinâmica de Newton, a química de Boyle, a teoria da relatividade de Einstein também significam paradigmas.


O motor da ciência é a intensa luta entre os modelos explicativos, entre teorias e concepções de mundo, e o desenvolvimento da maioria das ciências tem-se caracterizada pela contínua competição entre as diversas concepções de natureza distintas. E a revolução é o padrão usual de desenvolvimento da ciência amadurecida. Kuhn ainda afirmou que o paradigma se constituiu como uma rede de compromissos ou adesões, conceituais, teóricas, metodológicas e instrumentais compartilhados. Importante característica do paradigma é o fato de não depender de regras externas.


[18] Na verdade, a existência de um paradigma nem mesmo precisa implicar a existência de qualquer conjunto completo de regras.  Isso significa que a ciência normal não é um empreendimento unificado e monolítico. As várias ciências e seus vários ramos são bastante instáveis, muitos delas não têm coerência entre suas partes. Há grandes revoluções como pequenas revoluções, algumas apenas afetam apenas uma parte de um campo de estudos, outras afetam grupos bastante amplos. Devido a esta estrutura instável das ciências é impossível uma total padronização dos paradigmas.


[19] Hugh Lacey é filósofo da ciência e professor no Swarthmore College, na Pensilvânia, EUA. Suas linhas de pensamento criticam o modo como a ciência e a tecnologia são praticadas no atual estágio do capitalismo, e propõem concepções alternativas, no desenvolvimento das quais os movimentos populares têm um papel fundamental. Lacey dedica-se especialmente às questões da agricultura, questionando coisas como biotecnologia e alimentos transgênicos, e defendendo os métodos da agroecologia.


[20] Corrente de ideias que defende que a validade de uma doutrina é determinada pelo seu bom êxito prático. É também aplicado ao movimento filosófico norte-americano baseado nas ideias de Charles Sanders Peirce e William James. O pragmatismo constitui uma escola de filosofia estabelecida no final do século XIX com origem no Metaphysical Club, um grupo de especulação filosófica liderado pelo lógico Charles Sanders Peirce, pelo psicólogo William James e pelo jurista Oliver Wendell Holmes Jr., congregando em seguida acadêmicos importantes dos EUA. Segundo essa doutrina metafísica, o sentido de uma ideia corresponde ao conjunto dos seus desdobramentos práticos. O primeiro registro do termo "pragmatismo" ocorreu em 1898 tendo sido usado por William James. Este creditou a autoria do termo a Peirce, que o teria criado em 1870.


[21] A metáfora também mostra possuir um importante papel no uso da linguagem, no desenvolvimento cognitivo e na maneira geral como os seres humanos formam concepções sobre suas realidades (Burke, 1945, 1954; Jakobson e Halle, 1956; Ortony, 1979). Uma considerável atenção tem se dado ao papel da metáfora no desenvolvimento da ciência e do pensamento social (Berggren, 1962, 1963; Black, 1962; Schön, 1963; Hesse, 1966), e Brown (1977) fornece uma análise da influência da metáfora sobre a sociologia.


[22] Hilary Whiteball Putnam (1926-2016) foi filósofo dos EUA e uma das centrais figuras da filosofia ocidental desde a década de 1960 e, especialmente em filosofia da menta, da linguagem e da ciência. É conhecido pela sua prontidão em aplicar igual grua de investigação tanto às próprias posições filosóficas quanto também as posições de outros filósofos, submetendo cada posição a uma análise rigorosa e expondo seus defeitos. Como resultado, Putnam adquiriu a reputação de filósofo que muda frequentemente de posição. No experimento mental sobre a formiga que desenha Churchill, Putnam nos conta o cenário de uma formiga que está caminhando em um trecho de areia. Conforme ela caminha, ela traça uma linha na areia. Por acaso a linha que ela traça deixa um rastro de curvas e recortes que acaba parecendo uma caricatura da efígie Winston Churchill. Putnam questiona retoricamente se a formiga realmente traçou na areia uma foto do rosto de Winston Churchill. Podemos afirmar veridicamente que a formiga criou uma imagem que retrata Churchill? Embora nós possamos reconhecer à figura do estadista britânico, segundo Putnam, a maioria das pessoas, com uma pequena reflexão, diriam que não podemos afirmar que a formiga procurava representar tal personalidade. A formiga criou uma imagem que retrata Churchill? A formiga, afinal, nunca viu Churchill, ou nem mesmo viu uma imagem de Churchill, e podemos acrescentar a isto que ela não tinha a intenção de retratar Churchill. Ela simplesmente traçou uma linha que podemos "ver como" uma imagem de Churchill. Embora os rastros deixados pelo inseto assemelham-se a ele, não podemos afirmar que a formiga procurava representar tal personalidade.


[23] Estamos situados no realismo. O que acontece é que Kant verificou que, para passar para sua tese, ele observou o realismo e o empirismo. Ele vê os pontos fortes e fracos de cada um. Quais são os pontos fortes do realismo? O centro dele é estabelecer critérios racionais, parâmetros.  Exemplo: podemos denominar esses critérios de pontos arquimedianos.


Quando ele cria a teoria da alavanca, ele disse: “dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e moverei o mundo!” Isso é chamado de ponto arquimediano.


É um ponto teórico que seria um critério tão forte, que determinaria a condição de qualquer realidade. Inclusive a esfera moral e política.


Neste caso, Kant entende que o ponto forte do realismo é ter os pontos arquimedianos. Ou seja, eles têm um critério logicamente transcendental, que significa que é válido para o sistema, mas não depende dele.


A vantagem é que eles dão condições para nós decidirmos. São critérios de decidibilidade. Como é um critério autônomo ao sistema, no final das contas, ele é a base para decidirmos.


Por isso é critério de decidibilidade. Ou seja, podemos decidir o que é realidade, saber se ela existe ou não, se ela é autônoma ou não, e se ela tem essa configuração ou não (que são exatamente as três perguntas que se deve fazer preliminarmente sobre a realidade). Dado que admita que tenho um ponto de apoio para dizer que algo pelo menos existe, tenho como saber se meu conhecimento é válido ou não. Mas mais que isso.  Também tenho condições de saber se as condutas morais, políticas e jurídicas são validas ou não.


[24] A diversidade lexical e o limite que, obrigatoriamente, ela impõe à comunicação podem ser o mecanismo isolador necessário para o desenvolvimento do conhecimento.


O problema da incomensurabilidade fica mais evidenciado quando Kuhn utiliza o recurso da tradução. Pois, se pode haver comunicação entre dois paradigmas quando se utiliza da tradução, então não é possível cogitar em incomensurabilidade.


E, em 1982, durante o encontro da Philosophy of Science Association, Kuhn apresentou um artigo que discutia como este conceito era amplamente questionado por seus pares. Putnam, por exemplo, publicara um ano anterior, um livro que descartava veemente a sua validade.


Para Kuhn, no entanto, a maioria das discussões sobre a incomensurabilidade deve-se ao entendimento equivocado sobre este conceito. E, que parte do princípio de que duas teorias são incomensuráveis então suas linguagens são mutuamente intraduzíveis.. Daí, a impossibilidade de qualquer comparação entre estas.


Para apresentar sua proposta inicial, Kuhn parte do seguinte pressuposto: (...) para compreender algum corpo de crenças científicas passadas, o historiador precisa adquirir um léxico que, aqui e ali, difere sistematicamente daquele corrente em sua própria época. Apenas usando esse léxico mais antigo pode ele traduzir acuradamente determinados enunciados que são básicos para a ciência sob investigação. Esses enunciados não são acessíveis por meio de uma tradução que use o léxico corrente, nem mesmo se o rol de palavras nele contidas for ampliado pelo acréscimo de termos selecionados, retirados de seu predecessor.


[25] Possuir um léxico, um vocabulário estruturado, é ter acesso ao conjunto variado de mundos que esse léxico pode ser usado para descrever. Léxicos diferentes – os de diferentes culturas ou de diferentes períodos históricos, por exemplo – dão acesso a diferentes conjuntos de mundos possíveis, superpondo-se em grande parte, mas jamais por completo.


[26] Mario Biagioli é professor de Estudos de Ciência e Tecnologia, Direito e História e Diretor do novo Centro de estudos de ciência e Inovação. Antes de ingressar na UC Davis, foi professor de História da Ciência em Harvard, especializado em propriedade intelectual na ciência. Já lecionou na UCLA, em Stanford, e na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris).


[27] Conhecimento e a compreensão do mundo não são dados aos seres humanos por eventos externos; os seres humanos tentam tornar o mundo objetivo por meio de processos essencialmente subjetivos. Como enfatizou Cassirer, todos os modos de compreensão simbólica possuem essa qualidade.


Palavras, nomes, conceitos, ideias, fatos e observações não denotam tanto “coisas” externas quanto concepções de coisas ativadas na mente por meio de uma forma seletiva e significativa de perceber o mundo, que pode ser compartilhada com os outros. Não devem ser vistos como representações da realidade que “está lá fora”, mas como ferramentas para captar e lidar com o que se percebe “estar lá fora”. O cientista dessa categoria, como outros na vida cotidiana, se baseia em construtos simbólicos para fazer relacionamentos concretos entre o mundo subjetivo e o objetivo em um processo que capta somente uma pálida e breve visão de ambos.


A ciência, como outros modos de atividade simbólica, é construída com ferramentas epistemológicas imperfeitas, abrigando o que Cassirer descreveu como “a maldição da mediação” e fornecendo o que Whitehead descreveu como “funções úteis” para lidar com o mundo.



Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Contribuição Thomas Kuhn Filosofia da Ciência Revolução Científica

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