A contemporaneidade de Coriolano

A peça Coriolanus de Shakespeare traz questionamentos e reflexões muito contemporâneas. Principalmente. em razão das recentes crises que as democracias no mundo têm sofrido. E, também nos leva a ponderar sobre o papel do Direito sobre o Estado e a democracia.

Fonte: Gisele Leite

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A peça Coriolano de Shakespeare em seu título original é Coriolanus é uma tragédia escrita em 1608 que seguiu a biografia de Plutarco de Queroneia, um famoso autor de biografias de diversos gregos antigos. Caio Márcio ficou conhecido como Coriolano após vencer a batalha contra os volscos.

Caio Márcio[1] é general romano que tomou a cidade de Corióli dos volscos e, se tornou assim a figura política mais odiada de todo o povo romano. Ódio acompanhado pelo grassar da fome e que avivou o rancor entre as classes sociais.

Coriolano, por sua vez, furioso com a vergonhosa capitulação do patriciado diante da plebe, não demorou para ser banido pelos romanos e, refugiar-se nos acampamentos dos volscos, os habituais adversários de Roma desde os primeiros tempos.

Dominado por ressentimento e desejo de vingança, entrou em conluio com Aufídio, o rei inimigo, para vir pôr Roma em sítio. A cidade, ainda carregada com os desaforos da estiagem, viu-se cercada pelo caudilho e por seus inimigos. Conforme narra a lenda, foi Volúmnia, a mãe de Caio Márcio e, parece que sua mulher Vergília também, que, visitando-o nas trincheiras, convenceram-no a desistir da vingança contra sua cidade natal.

Coriolano, então, acatando o apelo das duas mulheres, entregou-se ao destino. E, retornou para a cidade volscos e, lá deixou-se matar pela turba furiosa que lhe acusou de falso e traidor.

E, por derradeiro, gritou à sua mãe, in litteris: - “Oh mãe! Salvastes a pátria, mas perdestes o filho" A referida tragédia foi inspirada pelo cruel ódio contra o povo e a democracia, e também pelo indomável espírito de revolta e de liberdade.

Coriolano é considerada por críticos como Harold Bloom como a peça de Shakespeare mais político, sendo baseada na biografia do militar Caio Márcio Coriolano que integra As vidas paralelas de nobres gregos e romanos, do historiador Plutarco[2] (século 1 d.C.), que retratou os primórdios da república[3] romana, quando o povo ganha o direito de ser representado por tribunos junto aos patrícios.

A tentativa de democratização da sociedade impacta muito e deixa tensões evidenciadas, fazendo da peça teatral em comento, uma tragédia social, que tem por eixo o conflito de classes sociais, e, onde se percebe a função da fome e do ódio no exercício da política.

Essa peça é uma das tragédias romanas de Shakespeare ao lado de Tito Andrônico, Júlio César e Antônio e Cleópatra e uma de suas grandes peças menos conhecidas. Sua baixa popularidade é atribuída ao próprio protagonista, Coriolano, que é militar truculento, bem avesso às palavras, reconhecido como herói trágico menos carismático de Shakespeare.

Faltam na peça os misericordiosos mergulhos poéticos ou existenciais que tanto apreciamos em Hamlet, Macbeth e, ainda, por seu enredo quase realista que narra a luta de classes, a política presente no alto e baixo clero, a guerra civil e imperialismo romano.

A.C. Bradley considerou o protagonista como uma criatura nobre e, mesmo amável e, Harold Bloom acredita que o bardo consiga fazer com que sua máquina mortífera, ainda suscite alguma simpatia, apesar de considerar Coriolano um personagem de consciência restrita em comparação com outras grandes figuras shakespearianas.

T.S. Eliot[4] que não admirava a obra Hamlet, afirmou que Coriolano e Antônio e Cleópatra eram o mais seguro sucesso artístico do bardo, tanto que inspirou a elaborar os inacabados Coriolan Poems.

Cumpre destacar que Bertolt Brecht[5] adaptou a referida peça teatral em 1951, mantendo o mesmo título, e redesenhando os perfis dos cidadãos e dos tribunos, a partir de uma visão mais positiva do que a Shakespeare oferece.

As quatro peças romanas do bardo possuem forte cunho político, sendo textos ambientados em cenários distantes o bastante, no tempo e no espaço numa Londres renascentista, onde o autor se permitiu discutir sobre os regimes de governo e suas crises, ainda nos primórdios da república (Coriolano), a derrocada da república no século I a.C. (Júlio César), a transição da república para o Império, também no século I a. C. (Antonio e Cleópatra) e, por fim, a decadência do Império Romano, no século IV d.C.

As biografias de Plutarco e os relatos históricos de Tito Lívio serviram de base para material puramente ficcional, onde o dramaturgo abordou assuntos interessantes aos ingleses, não apenas em razão da grande admiração que nutriam pelos romanos, mas em função de própria história política, repleta de contradições e peculiaridades, como a presença precoce de um parlamento desde 1215, depois com a ruptura da Igreja Católica, em 1533, seguida de alternância radical de religiões oficiais, a presença firme e longeva da Rainha Elizabeth I, uma mulher de corpo frágil, porém, com estômago de um rei, como ela mesma formulou certa vez, e, depois uma troca traumática de monarcas, com a ascensão do Rei Jaime I, dos Stuarts, depois da morte da Rainha Virgem.

Em discurso para seus soldados antes da batalha naval em que os ingleses derrotaram os espanhóis, em 1588, a Rainha afirmou: "I know I have the body but of a weak and feeble woman; but I have the heart and stomach of a king, and of a king of England too".

O elemento principal é a representação do conflito de classes, e a ocorrência da fome, muito similar ao que se passava na Inglaterra em 1607, onde os camponeses insurgiram-se em levantes populares contra os cercamentos de campos em Northamptonshire, Leicestershire e Warwickshire, o que ficou conhecido como Midlands Revolts, a Roma de Coriolano está coalhada de famintos e celeiros repletos.

O tema da fome traz imagens como o corpo, os alimentos, o aleitamento, a devoração, sendo um dos eixos de construção poética do texto e, insinuando a existência de relação íntima entre a fome e a política.

A forma como o bardo trabalhou essas tensões políticas e sociais é alvo de debate, tirando o máximo do proveito da educação retórica que recebeu e do culto ao debate incentivado pelo humanismo renascentista. Encena um conjunto de problemas, sem propor-lhes soluções, demonstrando o quão agudos podem ser, quando perspectivas tão diferentes se confrontam no espaço público.

A peça situa-se nos primórdios da república romana, instalada com a deposição e expulsão do último rei, Lúcio Tarquínio[6], após mais de dois séculos de monarquia romana.

Nessa república neófita, quanto o senado outorga aos cidadãos o direito de terem representantes nas altas esferas de poder, os tribunos do povo.

Tal mudança teve repercussões violentas, deixando à mostra as tensões. Às convulsões internas, acrescentam-se s constantes guerras romanas com os vizinhos volstcos, na disputa pelo controle territorial da península itálica.

Caio Márcio, posteriormente, Coriolano por ter conquista a cidade vólcia de Corióli, assim rebatizado como Coriolano. Tendo sido moldado por sua mãe, Volúmnia[7], uma das personagens femininas mais eloquentes do bardo, para ser uma máquina de guerra.

O protagonista[8] encarna todas as contradições, quase irreconciliáveis, o militarismo e a política, o belicismo e a retórica, o sentimento de superioridade das elites e a inclusividade, o orgulho de classe e a democratização do espaço público.

Enfim, a república romana é tão necessária quanto as espadas e, por vezes, até substituem-nas, numa lógica veementemente recusada por Coriolano.

A cena de abertura da peça teatral nos dirige ao cerne do conflito, onde o senado romano delibera sobre a criação do tribunato. O que se vê não é a reunião de patrícios, e, sim de cidadãos romanos amotinados, reclamando da fome e pedindo a cabeça do inimigo do povo, Caio Márcio, pois é contra o fornecimento gratuito de trigo para os comuns.

Em verdade, sublinhe-se que o estoicismo de Shakespeare o impede de ter admiração pela massa de cidadãos romanos, diferentemente do que ocorre em outras, onde ganham maior voz, um pouco mais de consciência de classe.

O senador Menênio, um típico político populista[9], para acalmar os ânimos, tenta convencer os cidadãos que são as más colheitas e, não o Estado[10], o que está causando a falta de grãos e, em seguida, ilustra sua argumentação com a história conhecida como a parábola da barriga, arrancando risadas de todos.

Enquanto Menênio segue estratégia da moderação e fanfarronice, Caio Márcio expressa-se de forma grosseira e hostil e, demonstra sua contrariedade diante da eleição de tribunos.

Para Coriolano, o povo é desprezível porque foge da guerra, e, o que é mais grave, porque muda de opinião. Mostra-se ser o único membro da elite que não adere ao discurso demagógico para interagir com plebe, oferecendo aos tribunos, Sicínio e Brutus, uma fértil plataforma de atuação.

Os dois recém-constituídos representantes do povo, tratarão de consolidar seu poder com base na fomentação do ódio ao inimigo comum.

A caracterização shakespeariana dos tribunos é muito irônica, pois os dois agem como se fossem antes conspiradores, sussurrando, pelos cantos da cena, combinando seus passos seguintes como se fosse uma trama e, não um debate ou uma legislação.

O conceito de Estado que defendem... questiona, o que é a cidade, se não o povo[11]?

Aparentemente muito democrático, mostra-se apenas uma hipocrisia, pois não se sustenta em suas ações. Trata-se de contraponto à noção formulada antes por Menênio sobre Roma: para o senador. Roma é um absoluto, uma entidade dotada de lógica própria e incontestável.

O Estado tirano vislumbrado por Menênio, é erigido contra o povo, por ser defendido sem disfarces, termina emanando ar de responsabilidade à sua imensa força. Delineia-se uma equação, de um lado o povo, e de outro lado, Coriolano, algoz evidente, representando a face não polida das elites sobre a plebe. Todos os demais predadores dissimulados, praticando as formas mais variadas de demagogia.

Se os vólcios e seu general Túlio Aufídio representam o desafio externo e, a própria razão de existir do protagonista, moldado para ser guerreiro, os tribunos serão oponentes mais perigosos, pertencendo a um mundo em que as palavras também fazem guerra, mas para cujos combates Coriolano não se vê qualificado.

Coriolano é o personagem shakespeariano que expressa com mais explicitude uma espécie de horror à linguagem, como quando diz que foge das palavras, mas não dos golpes, bem como quando se recusa a escutar o discurso honorífico em sua homenagem, feito pelo general Comínio no Senado, afirmando que não deseja ver seus "nadas agigantados", e que prefere que suas feridas novamente se abram a escutar suas histórias narradas.

O clímax da peça situa-se quando os patrícios tentam empossar Coriolano no posto de cônsul, cargo executivo e eletivo, dotado de mandato de dois anos. E, o momento é oportuno pois ocorre depois da grande conquista das cidades vólcias, quando Caio Márcio é rebatizado de Coriolano, o conquistador de Corióli, grande herói de guerra, celebrado por todos.

A ascensão ao cargo de cônsul, no entanto, depende de ritual que compreende apresentar-se no mercado de túnica branca da humildade para receber o apoio verbal, também conhecido como voto, dos comuns.

Extremamente contrariado, Coriolano cumpre o protocolo e, o povo inicialmente lhe confere os votos, avaliando que seria ingratidão de sua parte não o apoiar. Em seguida, no entanto, quando Coriolano já se acredita eleito, os cidadãos voltam atrás, a partir da persuasão dos dois tribunos, que temem, não sem razão, um homem como Coriolano no poder[12].

O militar explode em fúria, juntamente como os tribunos haviam previsto, e assim, fica longe da possibilidade de obter o cargo. Volúmnia e o Senador Menênio tenta convencê-lo a se retratar, a voltar ao mercado e a se desculpar, realizando uma performance que agrade ao ovo, com direito a sílabas frases e palavras bastardes, pois isso é tudo o que os comuns desejam.

Volúmnia trata o poder como se fosse um traje a ser vestido ou despido e, Coriolano, por um instante, vislumbra que sua existência tem algo de atuação, mas não consegue desenvolver esse pensamento, que possivelmente o teria salvado.

Logo após receber a lição da mãe como se comportar. Caio Márcio volta ao mercado, aparentemente, disposto a cumprir lealmente o script combinado. Contudo, seu sentimento é o de possuir o espírito de uma mundana, de ser falso à sua natureza e, quando novamente é provocado pelos tribunos, tem novo acesso de cólera, recebendo a pena de morte como traidor de Roma.

Do seu ponto de vista, a inversão é total, pois ele foi o salvador de Roma, acusado de traidor da pátria. Do ponto de vista dos tribunos, Caio Márcio despreza o povo, sendo, portanto, inimigo de Roma.

Assim, a pena de morte é convertida em banimento e, Coriolano será doravante um dragão solitário, certo de que há um mundo além destes muros.

E, vai à procura de Aufídio, o líder de vólcios, e oferece-se para lutar contra Roma.

E, apostando na guerra e na violência como a única linguagem, crês que seria possível juntar-se aos antigos inimigos e destruir a pátria. Mas, Aufídio, também é político, além de guerreiro e, sobretudo, possui um projeto de vingança contra Caio Márcio, que dizimou tantos de seus compatriotas.

Assim, Aufídio enxerga na situação a oportunidade de liquidar Coriolano e finge aceitar sua adesão, dando-lhe o comando da metade do exército, mas apenas como parte de sua trama vingativa. Surpreendido pela mãe e pela esposa, que vão lhe suplicar por Roma, após tentativas frustradas do General Comínio e do Senador Menênio, Caio Márcio finalmente cede aos apelos das mulheres e desiste do ataque final que liquidaria totalmente Roma, sem entender que pagaria por isso, com a própria vida, tornando-se assim, um traidor para ambos os lados.

Nem vólcio, nem romano. Homem que ficou sem mundo por recusar a política – recusa que representa a um só tempo sua ruína e sua centelha de honra – Caio Marcio termina abatido como um cão, perdendo tudo, inclusive o nome. Ironicamente, é Volúmnia quem figura como a grande heroína da pátria, saudada em triunfo nas ruas, às custas da vida do filho.

Novamente, as discussões acerca de vícios e virtudes da linguagem, era um tema da vida intelectual, e mesmo da modernidade nascente. O humanismo renascentista convertera-se num projeto pedagógico que atingia o estudo dos clássicos, sobretudo os latinos, e das artes do discurso ao centro do currículo das grammar schools (escolas de ensino fundamental para meninos de 7 a 16 anos) e universidades, engendrando uma cultura retórica.

Coriolano é um daqueles personagens shakespearianos cuja construção dialoga diretamente com a cultura retórica e seus parâmetros de sucesso, assim como coma dupla face da linguagem, em sua potência criadora e destrutiva[13]. Dois temas cruciais e interligados são trabalhados no personagem: a ideia da identidade dos sujeitos como natureza fixa ou aparência modulável; e a necessidade social e política do uso calculado da linguagem.

Coriolano falha nos dois campos: acredita-se possuidor de uma natureza e recusa o uso político da linguagem. Volúmnia, pelo contrário, percebe bem rápido que os tempos haviam mudado, exigindo novas performances no espaço público.

O modo ambíguo como Shakespeare trata esse anacronismo de Coriolano é digno de nota: ao mesmo tempo em que o guerreiro é punido por sua inadaptação, é sua não adesão à nova lógica das "palavras bastardas" o que o torna digno de alguma empatia de nossa parte.

Há algo que não se esgota na constituição do protagonista como modelo negativo da modernidade. Coriolano será a vítima sacrificial da nova ordem republicana, um deslocado, um desajustado, que também por isso ainda atrai alguma benevolência – afinal, ele não mente, e naquela Roma, não mentir ressoava como uma virtude. Porém, a história de Coriolano não corresponde à totalidade da peça, é uma das histórias, apenas, a ser contada: a mais grandiloquente, com suas cenas de batalha, procissões imponentes, dinâmicas familiares inusitadas e mortes espetaculosas.

Contudo, há resíduos deixados por outras trilhas que compõem o enredo, os quais somos forçosamente levados a enxergar uma vez que a morte de Coriolano não representa a morte de um "vilão", mas a de um bode expiatório.

O texto nos faz refletir sobre a democracia. E, no artigo intitulado Au coeur de Coriolan: la démocratie en questions, Gerald Garutti, resume na forma de questionamentos, os principais problemas apresentados em Coriolano, que considera a mais complexa peça teatral e a mais eminentemente política do bardo.

In litteris:

       “Como vivermos juntos quando somos diferentes? A democracia é o pior dos regimes, com exceção de todos os outros? Não temos escolha a não ser entre a demagogia dos tribunos e a tirania dos 'homens fortes'? É necessário preferir a segurança à liberdade, e à revolução social a ordem autoritária, se ela for apresentada como 'justa'?”

Coriolano é grande soldado, e não mais que um grande guerreiro. Na cena final, o ex-inimigo, tornado amigo e, de novo inimigo, se arrepende tanto que ordena um funeral com todas as honras. A coragem, força e abnegação de Coriolano são eclipsados pela arrogância, vaidade e teimosia. E, as decisões impulsivas do protagonista são sempre tomadas com enorme paixão e energia para um lado e para outro, a mesma disposição suicida com que avança sobre os portões de Coriólis, no primeiro ato, está presenta na cega dedicação aos volscos, no quarto ato. Eis o contraste, paradoxo ou equivalência ou será equidade?

Ao contrário do que já se sugeriu, Coriolano não é lição de respeito ao poder irresistível de Roma, sobre o indivíduo. Chama atenção para os limites do sentimento de nacionalidade, o tal pertencimento que tantos julgam inseparável de nossa condição de humanos civilizados.

Questiona-se até onde tais forças estão arraigadas em nós? Até onde estas de fato forjam o que somos, o que sentimento e, o que nos determina?

Até o início do século XIX, a tarefa assistencial era confiada às corporações de artes e ofícios. O fim das corporações foi levado avante pelas sociedades de socorro mútuo, às quais cabiam também atribuições previdenciárias. Ao fim, a previdência social se impôs como uma necessidade em face dos ricos acarreados pela Revolução Industrial, que trouxe aos trabalhadores condições de maior pobreza e os relegou em vastos aglomerados urbanos, privados dos laços de solidariedade que encontravam na comunidade rural.

A questão social surgida como efeito da Revolução Industrial representou o fim de uma concepção orgânica da sociedade e do Estado, típica da filosofia hegeliana e, não permitiu que a unidade da formação econômico-política pudesse ser assegurada pelo desenvolvimento autônomo da sociedade, com a simples garantia da intervenção política de polícia.

Impôs-se, em vez disso, a necessidade de uma tecnologia social que determinasse as causas das divisões sociais e tratasse de lhes remediar, mediante adequadas intervenções de reforma social. Se a Inglaterra, já antes de 1900, tinha posto em prática uma avançada legislação da atividade fabril, a Alemanha de Bismarck, em vez disso, levou a cabo uma articulada série de intervenções, visando pôr em ação um sistema de previdência social que viria a concretizar-se entre 1883 e 1889, com os primeiros programas de seguro obrigatório contra a doença, a velhice e a invalidez.

Assim como a legislação da atividade fabril inglesa teve também ampla aplicação no exterior, também o sistema de previdência social alemão encontrou vasta imitação. A Dinamarca aplicou as disposições pensionistas entre 1891 e 1898; a Bélgica, entre 1894 e 1903. A Suíça, com uma Emenda constitucional, permitiu, em 1890, que o Governo federal organizasse um sistema de seguro nacional.

A obra de Bismarck encontrou firme apoio na Constituição, em 1873, do Verein für Sozialpolitik, fundado por G. von Schmoller, que reunia "sob uma mesma bandeira todos aqueles que, concordes sobre a urgência de reformas sociais e prontos a trabalhar por elas, estavam decididos a meter mãos à obra, com plena convicção".

O Verein estava na origem daquela ideologia conhecida com o nome de socialismo de cátedra que, moldada num método histórico de economia, foi o primeiro esforço, mais que o marginalismo, de oposição por parte do Estado legislativo de direito à difusão do marxismo na Europa.

Foi certamente por este caminho que se começou a abrir, dificultosamente, uma alternativa ao liberalismo: nasceu, de fato, em fins do século XIX, o Estado interventivo, cada vez mais envolvido no financiamento e administração de programas de seguro social.

As primeiras formas de Welfare[14] visavam, na realidade, a contrastar o avanço do socialismo, procurando criar a dependência do trabalhador ao Estado, mas, ao mesmo tempo, deram origem a algumas formas de política econômica, destinadas a modificar irreversivelmente a face do Estado contemporâneo. A lei que instituía pensões de invalidez e velhice, aprovada na Alemanha em 1889, permitia uma contribuição de 50 (cinquenta) marcos, por conta do Tesouro imperial, para toda pessoa que recebesse uma pensão.

Depois, os seguros sociais, que se tornaram também extensivos a outras categorias de trabalhadores, e não só aos operários, constituíram uma forma de redistribuição da renda entre os núcleos familiares. Mas, para isso, foi-se impondo, de modo progressivo, cada vez mais acentuadamente, a intervenção financeira do Estado.

Logo antes e depois da Segunda Guerra Mundial Carl Jung publicou dois ensaios, intitulados “Wotan” e “Depois da Catástrofe” em que tentou explicar o nascimento e o rápido crescimento do nazismo entre os alemães. A referida abordagem psicanalítica que orienta os textos para ser uma das mais completas leituras políticas e sociológicas.

E, Jung julgou que o tipo de nacionalismo[15] despertado entre os alemães nos anos vinte teria suas origens no inconsciente coletivo e nos arquétipos e, uma avaliação história apenas seria insuficiente para explicar, o que muitos, até a presente data, consideram como inexplicável.

Assim como o amor[16] de Coriolano por Roma, as raízes do nacionalismo alemão têm muito pouco a ver com nação[17], pois brotaram em solo primitivo e floresceram no caldo inconsciente formado por mitos, tipos e imagens originárias.

Na essência, o arquétipo da divindade nórdica Wotan, também conhecida como Odin[18], o deus da tormenta e da embriaguez, transformado pelo cristianismo em demônio, parece atrair com força o espírito alemão e, até recentemente, o povo germânico estava disposto a ser novo dominado e possuído por essa entidade recém despertada depois de muitos séculos.

As particularidades do “caráter” alemão que fertilizaram o nacional-socialismo não impedem Jung de identificar, ao mesmo tempo, causas nocivas mais genéricas, como o racionalismo abraçado pela civilização ocidental a partir do século XIX.

O abandono de Deus, ou dos deuses, pelo homem moderno preparou o terreno para o renascimento de “fantasmas”: “na verdade, os demônios não desapareceram, apenas modificaram sua fisionomia.

Eles se transformaram em potências psíquicas inconscientes”. A sociedade alemã, seduzida pela “isca do poder, da posse material e do orgulho nacional”, torna-se um receptáculo fértil para forças destrutivas que a alienam e deformam, em meio a ideias delirantes de grandeza e superioridade.

A Alemanha, apesar dos inimitáveis excessos em que mergulhou, foi “expressão da problemática europeia”, do paroxismo de uma condição bem mais geral de decadência e desalento que contamina a Europa e o homem branco em geral. Jung, em suma, recomenda muita cautela com a ideia dos mitos fundadores de nações.

Pode-se resgatar aqui uma página notável de “Casa Grande e Senzala”, na qual Gilberto Freyre afirma que o ódio ao mouro e ao espanhol foi ingrediente vital na formação e conservação de Portugal como país autônomo. “Quase o mesmo ódio que se manifestou mais tarde no Brasil nas guerras aos bugres e aos hereges. Principalmente aos hereges – o inimigo contra quem se uniram energias dispersas e até antagônicas”.

Evidentemente, ninguém preza o retorno ao estado de natureza, a uma guerra santa permanente ou o recuo aos “narcisismos das pequenas diferenças”, o apelido freudiano para as rivalidades entre povos vizinhos e aparentados que não poucas vezes descambam para a selvageria aberta.

O Estado é justamente necessário como instância protetora contra a ameaça de instintos desagregadores, e é bom que continue a existir. No entanto, de novo recaímos numa situação de débil equilíbrio, porque sabemos onde os excessos do poder costumam levar – daí a antipatia dos psicanalistas pelo Estado.

O Estado pode ser definido segundo diversas acepções, como por exemplo, a filosófica, a jurídica ou sociológica. A primeira metade do século XX, Hans Kelsen, ao escrever a sua Teoria Geral do Direito e do Estado enfatizou o Estado sob a perspectiva de ordem jurídica.

O Estado é aquela ordem da conduta humana que chamamos de ordem jurídica, a ordem à qual se ajustam as ações humanas, a ideia à qual os indivíduos adaptam sua conduta. (...) Existe apenas um conceito jurídico de Estado: o Estado como ordem jurídica, centralizada. (...) O Estado é uma sociedade politicamente organizada porque é uma comunidade constituída por uma ordem coercitiva é o Direito.

Nação é entidade de direito natural e histórico. Conceitua-se como conjunto homogêneo de pessoas ligadas entre si por vínculos permanentes de sangue, idioma, religião, cultura e ideais. A Nação é anterior ao Estado.

Aliás, pode ser definida como a substância humana do Estado. Conforme lecionou Clóvis Beviláqua, o agrupamento social precedeu aos primeiros rudimentos do Estado, sendo resultante da ação combinada de certos institutos naturais. Conforme aduziu Miguel Reale apud Sahid Maluf, que a nação "é um Estado em potência".[19]

Maquiavel utilizou república como sinônimo de Estado, mas também a usou como uma forma de governo oposta à monarquia, conforme se pode ver em "O Príncipe" e também nos "Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio".  Hobbes também usou a expressão república no sentido de Estado. Jean Bodin equivaleu república à soberania em sua obra Os seis livros da República.

É igualmente habitual haver a descrição de república como um sistema semelhante ao democrático, como se democracia e república significassem a mesma coisa.

Isso é encontrado em vários autores, como Geraldo Ataliba, que escreveu sob os eflúvios da redemocratização brasileira que se iniciava em 1985, o que certamente influenciou sobremaneira sua escrita e compreensão acerca do assunto. Roque Carrazza também correlaciona república com democracia, afirmando que os detentores do poder político são representantes do povo, e o exercem em caráter eletivo.

A identificação entre democracia e república é também o sentido adotado por Carl Schmitt, para quem “democracia como forma política significa também, segundo a terminologia atual, república”.

Para demonstrar a insuficiência da democracia basta analisar a experiência democrática havida na Alemanha sob a Constituição de Weimar[20], que resultou no nazismo, uma espécie de tirania, exatamente o oposto do que fora pretendido inicialmente. O mesmo percurso foi realizado na Itália, durante o fascismo, que acabou por esmagar a democracia, através do próprio princípio democrático mal compreendido e isoladamente considerado.

Infelizmente, não basta a democracia, pois o povo pode ser enganado, ou ser levado a erro, agindo sob fortes paixões ou polarizações que degeneram a apuração da vontade.

É necessário que haja um telos, ou seja, uma finalidade a ser perseguida, que mantenha a sociedade coesa e, na busca de melhores e aperfeiçoados níveis civilizatórios em proveito de todos e, não apenas de grupo eventualmente encastelado no poder e busque neste permanecer através do uso de mios que tanto desvirtuam o ideal republicano, ainda que firmado em procedimentos democráticos.

Segundo a pesquisa Democracy Index, da revista britânica The Economist, em 2019, apenas 22 (vinte e dois) dos 167 (cento e sessenta e sete) países estudados poderiam ser considerados democracias plenas, o que representa apenas 5,7% da população mundial. Questiona-se então: estaria a democracia ameaçada?[21]

A democracia sempre representou a exceção se analisado todo contexto global, porém, nos derradeiros anos, essa forma de governo passou também ser ameaçada, mesmo em países considerados como democracias fortes. E, tais ameaças se concretizam das mais diversas formas, desde o desrespeito aos direitos humanos, formas análogas à censura, até bombardeio de fake news em redes sociais. E, também pode assumir formas sutis e menos perceptíveis.

Na América Latina, entre muitos anos de governos autoritários, a democracia enfrentou enormes desafios para se consolidar na região. E, com a emergência do cenário de pandemia de coronavírus, países já experimentaram retrocessos democráticos, perdas de direitos civis e falhas estruturais graves nas

áreas sociais e econômicas, o que fragilizou também as resistências democráticas locais.

Portanto, a Covid-19 ceifou não apenas muitas vidas, mas agravou problemas estruturais tal como a desigualdade, a pobreza, a polarização política, a corrupção, altos níveis de criminalidade e, trouxe a fragilidade do Estado.  O que facilitou os casos de abuso de poder e de repressão às liberdades civis.

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Notas:

[1] Coriolano é uma peça desprestigiada pois traz um texto agressivo, febril e direto. Sobressaí o tema das armadilhas do poder que aumenta rapidamente, mas não está ainda consolidado (como Roma de Coriolano, a Inglaterra de Elizabeth I era então um império nascente). Caio Márcio Coriolano em latim Gaius Marcius ou Caius Martius Coriolanus foi general da gente Márcia da República Romana no século V a. C.

[2] Conforme aludiu Plutarco em sua obra Vidas Paralelas, citado na tradução de Jan Kott (2003), o personagem de Coriolano opunha à virtus romana, o ideal ético grego. A moral que tirou da biografia de Coriolano, tal como a contou, era psicológica e empírica. Uma natureza forte e vigorosa, quando destituída de boa alimentação, produz muitos males e bens simultaneamente, da mesma forma que um solo fértil produz grande quantidade de ervas boas e más. Portanto, Coriolano não tinha aquela gravidade, aquela frieza e doçura temperadas pelo julgamento de boa doutrina e razão, necessárias a um dirigente político e, que a coisa que mais deve evitar um homem que quer se envolver no governo de uma coisa pública e dialogar com os homens é a teimosia.  Coriolano é tragédia contemporânea porque, afastado dos deuses, o território pavoroso para o homem é a natureza indômita, suas próprias limitações à hora de construir um mundo vivível.

[3] República é uma palavra que descreve uma forma de governo em que o Chefe de Estado é eleito pelos representantes dos cidadãos ou pelos próprios cidadãos, e exerce a sua função durante um tempo limitado. Esta palavra deriva do latim res publica, expressão que pode ser traduzida como "assunto público". A república é termo polissêmico destinado a indicar a forma de governo que se opõe à monarquia, indicando o regime representativo. O termo enfatiza o bem público e o interesse geral como princípio de atuação do Estado. A república como termo oriundo do correspondente vocábulo grego, politeia pode indicar determinada comunidade política, já o termo correspondente em latim, advém de res publica, denotando a coisa de propriedade comum do povo, isto é, a coisa comum. A noção de república se contrapõe às noções de governo centralizado em uma só pessoa, peculiar à monarquia, a um princípio de organização do poder que legitima seu exercício de modelo representativo de eleições decididas por maiorias obtidas quer seja consensualmente, quer seja por processos revolucionários. A república vem a se afirmar na medida em que manifesta sua rejeição aos sistemas autocráticos.

[4] Eliot viveu as duas guerras mundiais quando adulto, morrendo apenas em 1965. Não é surpreendente que ele tenha se sentido atraído por Coriolanus, uma peça com muito a dizer sobre liderança falha, guerra e suas consequências. Em seu poema inacabado de 1931, Coriolan Eliot segue uma lista das armadilhas glamorosas da guerra romana, as bandeiras, as trombetas, as águias, com outra lista, do hardware usado para efeito tão devastador na Primeira Guerra Mundial. A burocracia sem coração é condenada por Eliot uso da palavra repetida, “mãe”, falada por Coriolano de Shakespeare quando sua decisão de destruir Roma se quebra sob os apelos emocionais de sua própria mãe por misericórdia.

[5] Na versão de Brecht, a mudança mais óbvia é no papel dos plebeus entre os quais ele inclui um homem e uma criança. Em Brecht, os plebeus são mais racionais, mais informados e conscientes, politicamente envolvidos na luta de classes. Os tribunas que os representam são menos conspirativos e hipócritas e mais ativistas políticos, condutores de massas e agindo de acordo com essa missão. No fim da peça, quando o povo toma conhecimento que Coriolano está a marchar sobre Roma, decidem lutar, sendo os tribunos os seus líderes. Em Brecht, a revolução social desenrola-se no decurso da peça. Roma sem Coriolano transforma-se num lugar melhor para viver. A maior alteração introduzida por Brecht é que a tragédia deixa de ser individual para ser a. tragédia de uma sociedade que acredita que precisa de um líder guerreiro ditador, para sobreviver. É então através de muitos sofrimentos que decide ver-se livre dele.

[6] Lúcio Tarquínio Colatino (em latim: Lucius Tarquinius Collatinus) foi um dos quatro líderes da revolução que derrubou a monarquia romana e um dos dois primeiros cônsules de Roma, em 509 a.C, juntamente com Lúcio Júnio Bruto. Ironicamente Colatino foi obrigado a renunciar ao cargo e se exilar por causa do ódio que ele próprio ajudou a instigar entre os romanos contra a sua gente, os Tarquínios.

[7]  Curiosamente, Coriolano, como em nenhuma outra tragédia do bardo, fomos informados tanto sobre a infância do protagonista. A começar pela fina ironia criada por Plutarco, por razões desconhecidas, escolheu o nome de Volúmnia, que em Dioniso de Helicarnasso é o nome da esposa de Coriolano, e colocou-o em sua mãe. Shakespeare certamente apreciou o jogo de palavras com inglês volumosa, vultosa, hoje mais popularmente conhecida como espaçosa. Não por menos a primeira e mais importante das falas de Volúmnia sobre as expectativas com as quais criou seu filho, inicia-se por uma confusão edípica, in verbis: [...] Se meu filho fosse meu marido, eu acharia mais fácil alegrar-me com sua ausência que lhe trouxesse honra do que nos abraços de seu leito, onde mais amor ele demonstraria. Quando ele ainda tinha o corpo delicado e era o único filho do meu ventre [...] levando em consideração como a honra seria desejável [...], tive prazer em deixá-lo buscar perigo onde era provável que encontrasse fama. Mandei-o para uma guerra cruel, de onde voltou com a fronte coroada de louros. [...] não saltei mais de alegria de que tinha um filho macho do que na primeira vez que ouvi que se provara um homem. [...] tenho eu uma dúzia de filhos, e amando a todos igualmente, nenhum menos querido que o seu e o meu Márcio, queria antes que morressem onze nobremente pela pátria do que um na volúpia do conforto fugisse à ação (SHAKESPEARE, 1995, p. 73).

[8] A associação do estereótipo masculino com a guerra e violência iniciou-se desde os primórdios da cultura ocidental na Ilíada. E, outros estereótipo bem menos destrutivo viveu longa vida, cheia de aventuras amorosas. Ulisses, protagonista da Odisseia, igualmente atribuída a Homero.  Vige um jogo de significantes, em que virtude (virtus em latim) e andreias, no texto grego, que significa em realidade valor viril, fez com que virtude, significasse todas as virtudes.

[9] Recentemente, surgiu na ciência política o populismo de direito, conceito usado para definir práticas consideradas populistas utilizadas por políticos que estão à direita no espectro político ou que apresentam discursos conservadores. O crescimento do populismo de direita é um fenômeno que acontece há, aproximadamente, três décadas, e que está relacionado com crises sociais e políticas, bem como mudanças proporcionadas pela globalização. Os cientistas afirmam que, no populismo de direita, os políticos assumem práticas consolidadas do populismo, como a personificação de vontades do líder como vontade do povo, aliadas a outras práticas, como o discurso antielite e ataques contra o intelectualismo. Também é dotado de discurso anti-imigração.

[10] O conceito de Estado é ainda em evolução, desde a Antiguidade, a partir da polis grega e da civitas romana. A própria denominação de Estado, com essa significação que o direito moderno lhe atribui foi desconhecida até o limiar da Idade Média, quando se usavam as expressões como rich, imperium, land, terrae e, etc. A Inglaterra, no século XV, depois a França e a Alemanha no século XVI, usaram o termo "Estado" com referência à ordem pública constituída. Deve-se à Maquiavel, considerado o criador do direito público moderno e, o pai da Ciência Política, a introdução definitiva do termo "Estado" na literatura acadêmica-científica.

[11] O povo, em sentido amplo, equivale à população. Em sentido estrito e qualificado, condiz com o conceito de nação. E, foi com este entendimento que doutrinou Cícero na obra "De Republica": populus est non omnis hominum coetus, quoquo modo congregatus sed cuetus moltitudinis iuris consensu et utilitatis comunione sociatus. Uma das pioneiras e mais afamadas afirmações sobre o conceito de povo está relacionada ao Estado romano, até mesmo na fórmula que o define. De fato, o único modo conhecido de definição da respublica romanorum está na fórmula dominante Senatus populusque romanus que exprimia, nessa aproximação não disjuntiva, os dois componentes fundamentais e permanentes da civitas romana: o Senado, ou núcleo das famílias gentilícias originárias representadas pelos paires, e o povo, ou grupo"dêmico" progressivamente integrado e urbaniza do que passou a fazer parte do Estado com a queda da monarquia.

[12] A frieza de Coriolano. Coriolano empenha-se em ter um ar aborrecido. Em Coriolano o insulto é na maior parte das vezes a expressão da força que lhe é própria. É soberano ao insultar e adquire através do insulto a sua vivacidade especial, inclusive é o seu charme.

[13] Nas palavras de Weckwerth (1985) "tanto é falso criticar os acontecimentos em si mesmos como imorais para os homens pacíficos, como é errôneo apresentá-los como algo de pura e simplesmente normal, comum, imutável... Os gritos dos vencedores dos vencidos, dos que prejudicam e são prejudicados, podem-nos fazer ver a nossa época como algo de novo, em que a matança recíproca se toma evitável, é certo, ainda através da luta, mas de uma luta do homem contra a barbárie, contra os grandes sanguinários, contra a chantagem por meio da insubstituibilidade e pela vitória da razão".

[14] O Estado de bem-estar social, ou Estado-providência ou Estado social é um tipo de organização política, econômica e sociocultural que coloca o Estado como agente de promoção social e organizador da economia. Assim, o Estado é agente regulamentador de toda a vida e saúde social, política e econômica do país em parceria com empresas privadas e sindicatos, em níveis diferentes de acordo com o país em questão. Nasceu na década de 1880, na Alemanha, com Otto von Bismarck, como alternativa ao liberalismo econômico e ao socialismo.

[15] Nacionalismo é um conceito desenvolvido para a compreensão de um fenômeno típico do século XIX: a ascensão de um certo sentimento de pertencimento a uma cultura, a uma região, a uma língua e a um povo (ou, em alguns dos argumentos nacionalistas, a uma raça) específicos, tendo aparecido pela primeira vez na França comandada por Napoleão Bonaparte e nos Estados Unidos da América. Há também um elemento indispensável para o entendimento do nacionalismo: a formação do exército nacional por cidadãos comuns, e não por aristocratas e mercenários, como ocorria nos Estados absolutistas. O exército napoleônico foi o primeiro grande exército nacional composto por pessoas que lutavam pela “nação francesa” e identificavam-se como membros de um só “corpo nacional”, de uma só pátria. Sendo assim, o nacionalismo, desenvolvido no século XIX, compreendeu um conjunto de sentimentos, ideias e atitudes políticas que resultaram na formação dos Estados-nações contemporâneos.

[16] A tragédia do general romano que não consegue se dobrar as regras do jogo político para conquistar o poder. Apesar de imbatível em batalha e incorruptível. O protagonista é o exército de um homem só. O bardo apresenta a tensão existente na formação da república romana, a aristocracia formada pelos patrícios e os generais tal como Coriolano e, ainda, a democracia pelos tribunos que manipulam a plebe a fim de garantir seu quinhão precioso de poder. Os homens de ambos os lados são apaixonadamente sinceros, no entanto, são guiados por um extremismo míope. E as vozes moderadas de Menênio e Volúmnia soam até ridículas diante dos dois extremos, o populismo e o militarismo que enxerga no governo aristocrático como a única forma de manter a paz e a ordem.

[17] A Nação é um dos elementos formadores do Estado, mais precisamente, como escreveu Carré de Malberg apud Maluf, é a substância humana do Estado. São três os elementos constitutivos do Estado: população, território e governo. E o elemento população envolve o requisito de homogeneidade, isto é, deve corresponder ao conceito de nação.

[18] Na mitologia nórdica, Odin significa deus ou chefe. É o chefe supremo do reino de Asgard, onde que habitam os deuses nórdicos. Odin é considerado o deus da sabedoria, da magia, da poesia e da guerra. É protetor dos mortos em batalha e dos magos. Odin conhece os mistérios das runas e de outras magias. O nome Odin na língua nórdica antiga tem o significado de "furioso", "louco" e "violento", mas, por outro lado, possui a conotação positiva de "sabedoria", "sensibilidade" e "alma". Por isso, as atribuições ambíguas do seu papel de deus da guerra e deus da poesia.

[19] TEORIA JURÍDICA DO ESTADO, quando estuda a estrutura, a personificação e o ordenamento legal do Estado. Uma análise brilhante e objetiva desse tríplice aspecto é apresentada pelo Prof. Miguel Reale, acentuando que a Teoria Geral do Estado pressupõe a Filosofia do Direito e do Estado, mas não se confunde com ela. Focaliza amplamente o Estado nos seus três aspectos — material, formal e teológico — ao mesmo tempo em que analisa o fenômeno do poder como realidade social, política e jurídica.

[20] Foi elaborada por uma Assembleia Constituinte que se reuniu na cidade de Weimar, sendo aprovada em 31 de julho de 1919 e assinada em 11 de agosto de 1919. Elaborada após a derrota do Império Alemão na Primeira Guerra Mundial, a Constituição de Weimar declarou a Alemanha como uma república democrática parlamentar. Promulgada em 11 de agosto de 1919, a Constituição de Weimar foi uma das primeiras do mundo a prever direitos sociais, que incluíam normas de proteção ao trabalhador e o direito à educação. Além disso, a Carta também possuía um extenso rol de direitos fundamentais, que asseguravam a igualdade, a liberdade de expressão e religião e a proteção de minorias. A existência da República de Weimar pode ser dividida em três fases: uma fase de instabilidade política e econômica, entre 1919 e 1923; uma fase de recuperação e estabilização, entre 1923 e 1929; e uma nova fase de crise, decorrente da quebra da Bolsa de Nova Iorque e com a ascensão do nazismo, entre 1929 e 1933.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Estado República Democracia Crise Direito Estado De Direito Contemporaneidade Coriolano

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