A condução coercitiva para interrogatório e o direito de silêncio de indiciado e testemunha[1]
É sabido que o artigo 260 do CPP permite que em caso de não comparecimento injustificado o acusado poderá ser conduzido coercitivamente. E, há correntes doutrinárias que acreditam que não mais se admite a dita condução coercitiva, pois o comparecimento ao interrogatório deve ser aferido pelo indiciado, acusado e seu defensor, evitando-se a obrigatoriedade de participar de cerimônia degradante. Mas, há também outras correntes doutrinárias que afirmam que o dispositivo legal do CPP é plenamente constitucional.
1.
Introdução.
A razão pela qual
pode o Estado conduzir coercitivamente o acusado à audiência de instrução e
julgamento, quando houver a necessidade de reconhecimento de pessoa, na
produção de prova testemunhal (art. 260, segunda parte, CPP).
Evidentemente, o
dispositivo não se aplica ao interrogatório[2], visto
tratar-se de meio de defesa, a critério exclusivo da defesa.
Pacelli acredita
que também não haver qualquer mácula na exigência de submissão ao conhecido
bafômetro, na medida em que aludida providência – abstratamente – não afeta
direitos subjetivos, ao menos na intensidade que devam merecer proteção. É certo
que estamos nos referindo à medida em abstrato.
Pode ocorrer que
determinada diligência nesse sentido, concretamente, venha implicar efetiva
violação a direitos individuais, o que ocorreria, por exemplo, na exposição
indevida da imagem de alguém à curiosidade pública, durante a realização do
exame.
Essa, a exposição,
positivamente, violaria direitos; a exigência de soprar o aparelho, por si só,
não, a exposição, sim, violaria direitos; a exigência de soprar o aparelho, por
si só, não.
Como também não
violará direitos fundamentais a submissão a exame clínico para a comprovação da
embriaguez, tal como previsto no art. 277 e art. 306, § 3º, da Lei nº 9.503/1997(CTB), ainda que contra a vontade do agente. Evidentemente, dele não se poderá
exigir colaboração, no que tange aos atos que só possam ser por ele praticados.
Segundo Eugênio
Pacelli também acredita não haver qualquer mácula na exigência de submissão ao conhecido
bafômetro, na medida em que aludida providência – abstratamente – não afeta
direitos subjetivos, ao menos na intensidade que devam merecer proteção. É certo
que estamos nos referindo à medida em abstrato.
Pode ocorrer que
determinada diligência nesse sentido, concretamente, venha implicar efetiva
violação a direitos individuais, o que ocorreria, por exemplo, na exposição
indevida da imagem de alguém à curiosidade pública, durante a realização do
exame. Essa, a exposição, sim, violaria direitos; a exigência de soprar o
aparelho, por si só, não, a exposição, sim, violaria direitos; a exigência de
soprar o aparelho, por si só, não.
Como também não violará
direitos fundamentais a submissão a exame clínico para a comprovação da embriaguez,
tal como previsto no art. 277 e art. 306, § 3º, da Lei nº 9.503/1997 (CTB), ainda
que contra a vontade do agente. Evidentemente, deste não se poderá exigir colaboração,
no que tange aos atos que só possam ser por ele praticados.
O direito
brasileiro não contempla muitas hipóteses de intervenções corporais, embora
esse conjunto de alternativas tenha sido ampliado com a Lei nº 12.654/2012, que
instituiu a identificação genética (o tema foi submetido ao Plenário do Supremo
Tribunal Federal para discussão sobre a constitucionalidade
das Medidas no dia 23.5.2016, acórdão publicado em 11.10.2016), e com a Lei nº
12.760/2012, que, alterando diversos dispositivos da Lei nº 9.503/1997 (Código
de Trânsito Brasileiro), prevê também a perícia médica para comprovação de
alcoolemia, vedada, contudo, por ausência de previsão, a extração de sangue.
Destaque-se, igualmente,
a edição da Resolução nº. 9, de 13 de abril de 2018, do Comitê Gestor da Rede
Integrada de Bancos de Perfis Genéticos, que dispôs sobre a padronização de
procedimentos relativos à coleta compulsória de material biológico para fins de
inclusão, armazenamento e manutenção dos perfis genéticos nos bancos de dados
que compõem a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos.
Quanto à recusa ao
bafômetro: Ainda que não se reconheça a existência de qualquer direito
subjetivo à recusa ao bafômetro, não se pode, por outro lado, autorizar a
formação de convencimento judicial a partir unicamente da recusa.
E, não constituindo
direito subjetivo, pode-se afirmar, em princípio, a validade abstrata da norma
contida no art. 277, § 3º, Lei nº 9.503/1997, com redação dada pela Lei nº 12.760/2012,
que impõe penalidades administrativas à recusa de submissão aos testes de
alcoolemia previstos na lei (bafômetro, exames clínicos ou perícia técnica-médica).
O fato de prever o
atual art. 306 CPP, conforme a Lei nº 9.503/1997, não só a constatação de índices
técnicos de consumo de álcool (0,6 por litro de sangue ou 0,3 miligramas por litro
de ar), mas também a existência de sinais de embriaguez ou perda da capacidade psicomotora
(Lei nº 12.760/2012), não implica, por si só, a possibilidade de formação do
convencimento judicial exclusivamente pela recusa aos testes.
Naturalmente, a
alteração legislativa introduzida pela Lei nº 12.760/2012 terá consequências
imediatas na comprovação da embriaguez, na medida em que ali se permite a
aferição da perda de capacidade psicomotora por outros meios de prova que não o
bafômetro, casos específicos da prova testemunhal, da perícia médica, de gravações
de vídeos e imagens etc. (art. 306, § 2º, CTB).
Desta forma, a
recusa ao bafômetro não impedirá a submissão ao exame clínico – intervenção
passiva, pois – se a tempo e modo. Não se olvide ainda a disposição inserida no
§ 4º do art. 306, pela Lei nº 13.840/2019, dispondo que será possível empregar
“qualquer aparelho homologado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade
e Tecnologia – INMETRO – para se determinar o previsto no caput”.
Deve atentar-se,
contudo, que embora os sinais de embriaguez sejam suficientes para a
caracterização do tipo penal, será necessário que a prova colhida aponte um grau
mínimo de comprometimento da capacidade de direção ao agente, sobretudo porque
o art. 306 não afastou os níveis técnicos de consumo alcoólico que o legislador
considera necessários para a aludida perda da capacidade psicomotora (art. 306,
§ 1º, I, CTB).
Nas hipóteses de
acidente de trânsito, a prova testemunhal poderá oferecer maior força de
convencimento, sobretudo se restar induvidosa a culpa do agente. Tragicamente,
há motoristas que são flagrados ao volante sem a menor condição de sequer permanecerem
de pé, sem falar naqueles que não conseguem pronunciar qualquer frase com
sentido de articulação da fala. Em tais situações, a prova da infração será
mais facilmente obtida. Resta afirmar que a recusa, por si só, não pode
fundamentar o juízo de condenação.
O silêncio e o
convencimento judicial, nada há, portanto, que justifique qualquer convencimento
judicial baseado no silêncio do acusado. Quaisquer que sejam as razões da
escolha (quanto ao silêncio), o que importa é que o Estado não estará autorizado
a emitir juízo de convencimento sobre esta. A prova penal há de ser provada e
não pressuposta ou suposta.
[...] O parágrafo único do art. 186 do
Código de Processo Penal é claro ao afirmar que o silêncio do investigado ou do
acusado não poderá ser interpretado e, logicamente, valorado em prejuízo da defesa.
Na hipótese, porém, o silêncio do paciente na fase extrajudicial foi apenas um
dos elementos que levaram à convicção do órgão julgador, já que a sua
condenação se baseou na prisão em flagrante, nos depoimentos da vítima e dos
policiais que participaram da ocorrência. Destarte, ainda que o acórdão devesse
omitir referência ao silêncio do acusado, não houve prejuízo ao réu, pois a sua
condenação não está calcada apenas nessa circunstância, mas em fortes elementos
de prova.
Portanto, a
referida norma penal, na espécie, deve ser mitigada. De outra parte, não há se
cogitar em ofensa à regra processual da inversão do ônus da prova[3],
contida no art. 156 do Código de Processo Penal, visto que os álibis apontados
pelo paciente foram apreciados pelas instâncias ordinárias, entretanto,
revelaram-se frágeis e inverossímeis diante do harmônico contexto probatório constante
nos autos. (Habeas Corpus nº 37.522-SP, STJ, 6ª Turma, Rel. Min. Og
Fernandes, julgado em 3.3.2009, publicado no DJ em 23.3.2009).
Ressalva-se que
quanto ao silêncio parcial: Nada impede que o acusado trilhe o caminho do silêncio
apenas em relação a uma ou algumas das perguntas que lhe forem dirigidas. De
fato, a lei assegura tal possibilidade, ao contrário do que ocorre no direito
anglo-americano.
Eis que, caso o
réu se dispuser a depor, por vontade própria, será ouvido como testemunha, sob
o compromisso de dizer a verdade, podendo até vir a responder por crime de
falso testemunho.
O problema
desafiador no silêncio parcial é que a versão apresentada pelo acusado poderá perder
completamente qualquer credibilidade. Pior. Poderá se voltar contra ele, dado que
a inconsistência na narrativa, sobretudo, em relação ao tempo e lugar e demais circunstâncias
relevantes dos fatos, poderá conduzir até mesmo a uma confissão, indireta que
seja. Ou, por vias oblíquas.
O interrogatório,
como se sabe, é meio de autodefesa. Que poderá ser ativa ou passiva. No segundo
caso, o silêncio é o melhor caminho. A autodefesa ativa permite a contribuição
efetiva do réu, pessoalmente, em seu favor. Os riscos, no entanto, existem.
Confissões nem sempre são voluntárias; mas podem ser espontâneas, obtidas até
mesmo contra a vontade originária na atuação defensiva.
Vide a
jurisprudência, in litteris:
[...] O interrogatório, nos termos
da novel legislação (Lei nº 10.792/2003), continua sendo, também, um meio de
prova da defesa (arts. 185, § 2º, 186, caput e parágrafo único, do CPP),
deixando apenas de ser ato personalíssimo do juiz (art. 188, do CPP), uma vez que
oportuniza à acusação e ao advogado do interrogado a sugestão de esclarecimento
de situação fática olvidada. A sistemática moderna não transformou, de forma
alguma, o interrogado em testemunha.
Ao passo que esta
não pode se manter silente, aquele, por seu turno, não pode ser induzido a se
autoacusar (o silêncio, total ou parcial, é uma garantia do réu, ex vi art. 5º,
LXIII, da CF/1988 e art. 186, parágrafo único, do CPP). Apesar de ser meio de
prova da defesa, aquilo que é dito no interrogatório integra o material
cognitivo por força do princípio da comunhão probatória. A participação de
advogados dos corréus não tem amparo legal, visto que criaria uma forma de
constrangimento para o interrogado (Precedentes desta Corte). Writ denegado
(Habeas Corpus nº 100.792-RJ, STJ, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer,
julgado em 28.5.2008, publicado no DJ em 30.6.2008).
O não
comparecimento do acusado, depois da reforma procedimental promovida pela Lei
nº 11.719/2008, que unificou a instrução, deixando o interrogatório do acusado como
a última etapa da referida fase, provavelmente não se discutirá, ao menos na mesma
intensidade, a questão relativa ao não comparecimento dele para o ato.
Esclareça-se ainda
que, desde a Constituição Federal brasileira de 1988, não há qualquer
obrigatoriedade de comparecimento do acusado ao ato de interrogatório.
Portanto, o direito
ao silêncio significa livre escolha quanto ao exercício ou não de meio específico
de prova da defesa. Não se pode, por isso mesmo, exigir que o réu compareça em
juízo, unicamente para ali manifestar seu desejo de não participação.
Tendo sido este
devidamente citado pessoalmente, o simples não comparecimento, em princípio, implicará
desinteresse na instrução, o que, de modo algum, poderá autorizar o Estado a
adotar providências de natureza coercitivas contra ele.
Por outro viés,
comprovando-se depois que o acusado esteve impedido de participar do ato,
deverá o juiz reabrir tal oportunidade, já que o acusado tem direito a ser
ouvido pelo juiz da causa. Evidentemente, em casos que tais, deve o juiz acautelar-se
antes de sentenciar o processo, o que poderá ocorrer em razão da unidade da
instrução e previsão legal de oferecimento de alegações finais e de prolação da
sentença na própria audiência.
A consulta ao
advogado, portanto, sob a fé de seu grau, poderá evitar transtornos à atividade
jurisdicional. Sendo justificado o impedimento,
a sentença assim proferida será nula, por violação à ampla defesa.
Nada impede, porém,
que se realize a instrução, sem o interrogatório. Certamente que, em tais
situações, também poderá haver risco ao processo; contudo, nessa situação, como
não se trata de ato que somente pode ser realizado com a presença do réu, a nulidade
do processo dependerá da prova do prejuízo efetivo pela não participação na
audiência de instrução.
O direito ao
silêncio e testemunhas, frequentemente no Brasil a intimação de pessoas sejam
estas investigadas ou não para participar de investigações, sem que se atribua a
elas qualquer condição prévia e específica, tal como ocorre nas Comissões
Parlamentares de Inquérito e também em inquéritos policiais.
Sublinhe-se que
não é a qualificação técnica que se lhes dá o órgão investigante (testemunha,
declarante, informante etc.), mas a condição e a posição pessoal do depoente
diante dos fatos, sob a perspectiva de uma eventual responsabilidade penal que
se queira ou que se lhe possa atribuir, mesmo em tese.
O dever de
depoimento e, assim, de verdade, imposto a todos aqueles que devam depor na
condição de testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete (e, incluímos nós,
o assistente técnico da perícia), somente abrange as pessoas cujo conhecimento acerca
dos fatos seja exterior à responsabilidade penal deles decorrentes.
Evidentemente,
segundo Pacelli, os autores, coautores e partícipes não podem ser arrolados
como testemunhas, na medida das respectivas responsabilidades pelos crimes.
E se o forem,
poderão se calar sobre as imputações que eventualmente se lhes recaiam, devendo
a autoridade judiciária, inclusive, alertá-las sobre essa possibilidade. Não é
incomum a escolha de determinado autor ou partícipe para constar como
testemunha, com o objetivo de fortalecimento da acusação.
E, sequer estamos refere-se, às hipóteses em que legalmente cabível a delação premiada[4]. E mesmo em tais situações, da delação premiada, é bem de ver que a pessoa ouvida, ainda quando diminuída ou afastada a sua punibilidade, não atua na condição de testemunha, mas de réu.
A delação
constitui exercício de autodefesa ativa, dado que o réu não exerce ali o
direito ao silêncio; ao contrário, confessa os fatos e aponta outros culpados.
Sublinhe-se apenas
que o juiz deve estar atento ao conteúdo dos depoimentos prestados na delação,
já que essa pode ser uma alternativa utilizada unicamente para se afastar a
responsabilidade penal do delator, que, inclusive, poderá ser maior e mais
significativa que aquela dos delatados.
Por isso,
independentemente da posição em que se encontrar no processo, pode a pessoa
inquirida manifestar o seu direito ao silêncio sobre fatos que possam implicar a
sua responsabilidade penal.
Obviamente, há que
se examinar tais questões em cada caso concreto, a fim de se aferir tratar-se
de direito ao silêncio ou de silêncio proibido pelo dever de depor (art. 203,
CPP).
Um dos casos mais frequentes ocorre nas citadas CPIs no Congresso Nacional. Onde, a pessoa é intimada para depoimento, sem qualquer esclarecimento acerca da condição em que será ouvida (investigado ou testemunha). Por isso, tem sido frequente a impetração de habeas corpus preventivo[5] ou de mandado de segurança, com o objetivo de legitimar o exercício do silêncio na Comissão, acerca de fatos que podem incriminar o depoente.
A Lei nº 12.654,
de 28 de maio de 2012, com vigência prevista para 180 (cento e oitenta) dias
após sua publicação, trouxe importantíssima alteração no quadro das
intervenções corporais na legislação brasileira, com modificações também
ulteriores pela Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019.
Outrora eram
limitadas aos exames grafotécnicos, ao teste de alcoolemia (bafômetro), ao
reconhecimento de pessoa e à identificação datiloscópica e fotográfica,
introduziu-se, então, a coleta de material genético, para fins de identificação
da autoria por esse meio.
A via escolhida
foi a alteração da Lei nº 12.037/2009, que cuida da identificação criminal.
Digna de registro, também aqui, a ampliação dos testes de alcoolemia trazidos
pela Lei nº 12.760/2012, que, ao lado do bafômetro, prevê a perícia médica e
exames clínicos (art. 277, Lei nº 9.503/1997, com redação dada pela Lei nº
12.760/2012).
Referida
legislação prevê duas espécies distintas de coleta de material genético, a
saber: (a) a primeira, para fins tipicamente investigatórios, submetida ao atendimento
de importantes requisitos, conforme adiante veremos; e (b) a segunda, imposta
coercitivamente (obrigatoriamente) a todos aqueles que tiverem sido condenados
(com trânsito em julgado) por crimes praticados com violência grave. Se não
vemos maiores problemas na primeira espécie probatória, desde que atendidos os mencionados
e inafastáveis requisitos legais, já em relação à segunda modalidade, não há
como não guardarmos reservas quanto ao seu campo de validade.
Vejamos, então, o
conteúdo normativo das novas regras, iniciando com aquela do art. 3º, IV, c/c
art. 5º, parágrafo único, Lei nº 12.037/2009, com redação dada pela Lei nº
12.654/2012.
A identificação bem
como a coleta de material genético para
fins de investigação encontra seu fundamento de validade, primeiro, na
Constituição da República, art. 5º, XII, no qual se declina a extensão da
proteção de direitos individuais inclusive para fins de processo criminal, e se
encontra, claramente, uma regra de exceção, constitucionalmente adequada, é
dizer: a cláusula da reserva da jurisdição[6], para o
controle de legalidade do tangenciamento dos direitos ali consagrados
expressamente (intimidade, privacidade e imagem, sobretudo).
Nesse sentido,
pode-se concluir que o constituinte pátrio acatou a possibilidade de previsão
legal de intervenções estatais no âmbito da vida privada, se e desde que: (a) atendido
o princípio da legalidade; (b) a medida se fizesse necessária, em uma relação
de meio a fim (prova indispensável para a apuração da autoria); (c) a diligência
probatória não seja demasiado invasiva, ao menos em níveis superiores àqueles
mencionados no próprio texto constitucional (violabilidade de domicílio, de comunicações
telefônicas e de dados etc.); e (d) tudo isso a ser examinado, fundamentadamente,
por ordem judicial.
Não há, nesse caso,
qualquer violação ao tantas vezes reclamado nemo tenetur se detegere.
Desnecessário repetir o que já lançamos ao exame do aludido princípio, em abordagem
feita nesse mesmo art. 186 do CPP, aos quais remetemos o leitor. E, no particular,
a Lei nº 12.654/2012 se acomoda perfeitamente às exigências constitucionais do
controle judicial das intervenções na vida privada.
Legalmente,
segundo fundamento de validade da medida, tem-se que referida modalidade de
identificação não ultrapassa os limites do devido respeito à dignidade corporal
e ao princípio da não culpabilidade, tal como se encontra disposto na Lei nº 12.037/2009,
relativamente às já previstas e aceitas identificações datiloscópicas e fotográficas.
A coleta de saliva, por exemplo, meio muito utilizado no direito comparado, não
produz um constrangimento ou uma violação corporal superior à corriqueira
coleta de impressões digitais.
Enfim em
derradeira consideração, ocorrendo a recusa ao teste do bafômetro impede a
produção da prova, na medida em que a pessoa não poderá ser coagida ou
compelida a fazer o exame, trata-se de comportamento há de ser ativo, já na
identificação genética isso não corre.
A recusa, com
efeito, não impedirá a coleta forçada do material genético, feitas as
ponderações e observações antes mencionadas, sobretudo no que toca ao grau de invasão
corporal do meio utilizado (por isso, falamos em saliva, fio de cabelo etc.).
Do mesmo modo que
a submissão à perícia médica ou ao exame clínico dos quais não se exige
qualquer comportamento ativo do agente, nos termos do art. 277, Lei nº 9.503/1997,
com redação dada pela Lei nº 12.760/2012, nada tem de inconstitucional, abstratamente.
A segunda modalidade de identificação genética, conduzida pela inclusão do art.
9º-A, na Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/1984), é bem mais complexa e problemática.
É que ela institui
a obrigatoriedade de recolhimento compulsório de material genético de todos
aqueles que estejam em cumprimento de pena pela prática de crimes praticados
com grave violência.
A finalidade,
ainda que não expressamente declarada, seria a de facilitação da descoberta de
futuros delitos para os quais, tendo sido deixados vestígios no local do crime,
seja possível a identificação de autoria por meio da comparação de material
genético. Institui-se, para tanto e então, um Cadastro ou Banco Geral de
material genético de condenados (naqueles crimes já apontados).
Relembre-se que a
Lei nº 13.964/2019 previu que a recusa à realização dessa coleta de dados
caracteriza-se como falta grave, nos termos do § 8º do art. 9-A c/c art. 50,
VII, ambos incorporados à Lei nº 7.210/1984.
A medida, em
princípio, pode até comportar uma interpretação conforme a Constituição, para
fins de redução necessária do alcance da norma. E, a referência legislativa aos
crimes praticados mediante grave violência não parece suficiente para acautelar
os receios do legislador quanto a possíveis reiterações criminosas de idêntica
natureza.
Há, com efeito,
nos homicídios passionais, praticados com grave violência, mas que não indicam
razões suficientes para as preocupações e para a justificativa de inclusão no
citado Cadastro Geral de condenados. E, nem todos os crimes dessa natureza
costumam deixar vestígios de autoria, ou seja, nem sempre o agente deixa no
local material genético suficiente e passível de exame. Já por isso, a ampla
extensão dada pela Lei nº 12.654/2012 ao Cadastro Geral pode se revelar
desnecessária e abusiva.
É verdade que a
legislação contemporânea já autoriza a manutenção temporária do registro de
condenações, para fins de antecedentes criminais. No entanto, a diferença de fundamentação
para as duas espécies de registros (o genético e o da condenação) é rica em
consequências no que toca à legitimidade e à validade da nova regra.
Percebe-se que um
fato é a manutenção de registros para fins de controle de política criminal e, inclusive,
para justificar o agravamento de apenação em caso de futura aplicação de pena.
Outro fato, muito diferente, é a instituição de um banco genético de condenados
com o propósito indisfarçável de facilitar futuras investigações.
E, eis aqui o busilis.
A existência do Cadastro Geral pode prestar-se a uma perigosa inversão de rumos
da investigação, partindo-se das informações disponíveis para o início das investigações,
ao invés de se iniciar a busca de elementos informativos pelos meios e fontes
de prova disponíveis a cada caso concreto.
Em síntese,
corre-se o risco de se partir do autor do crime passado para a identificação do
crime presente. Assim, dificilmente se deixará de arranhar o princípio da não
culpabilidade.
Há outra questão. Informa
a vigente Constituição da República que aquele civilmente identificado não se
submeterá à identificação criminal, conforme dispuser a lei. Eis que, tem-se
aqui, à evidência, regra geral no sentido de se reservar apenas às situações especiais
outras formas de identificação daquele já civilmente identificado. Isto é, a regra
seria a suficiência da identificação civil; a criminal, ou outra, deverá ser excepcional
e constitucionalmente adequada.
E, conforme a boa
doutrina ensina, algumas infrações penais, segundo os dados disponíveis no
percurso das estatísticas de criminalidade, produzem alarmes suficientes para eventual
receio de reiteração criminosa. É o caso dos crimes contra a dignidade sexual,
por exemplo.
Via de regra,
pode-se recolher algum material genético do agente do delito, diante das
singularidades presentes em sua execução. Desta forma, o cadastro genético para
tais delitos não nos soa demasiado ou abusivo, desde que somente se tenha
acesso a ele nos casos em que o delito tenha efetivamente deixado vestígios,
para fins de comparação.
Caso a infração
não deixar vestígios, o acesso ao banco ou cadastro, sem outros elementos de
prova, incorrerá naquele mesmo risco já apontado: o de partir-se da presunção
de culpa daquele que já tenha sido condenado.
De qualquer
maneira, registre-se a preocupação inserida pela Lei nº 13.964/2019 ao § 3º do
art. 9-A da Lei nº 7.210/1984, dispondo que se deve viabilizar ao “titular de dados
genéticos o acesso aos seus dados constantes nos bancos de perfis genéticos, bem
como a todos os documentos da cadeia de custódia que gerou esse dado, de maneira
que possa ser contraditado pela defesa”.
Pacelli entende,
ainda, que o direito ao silêncio e a condução coercitiva seja impossível para
fins de interrogatório. Afinal, o dispositivo legal fora ab-rogado pela
Constituição Federal da República, desde da década de oitenta do século
passado.
Continua vigente e
válida a exigência de comparecimento do acusado para fins de produção
testemunhal ou mesmo para a inquirição do ofendido. E, em tais situações, e em
inúmeras outras oportunidades, não haverá qualquer violação a direito
fundamental do réu e muitos menos a garantia do direito ao silêncio. Cumpre
identificar a diferença entre a controle da qualidade da prova oral
(interrogatório do acusado) e a garantia de assegurada a ele a proteção de sua
consciência moral e de sua integridade física e psíquica.
O que é muito
diferente, é impedir a produção de uma prova que não causa a menor afetação aos
direitos fundamentais da pessoa, como parece ser o caso de reconhecimento de
pessoa.
O reconhecimento
de pessoa é meio de prova absolutamente inatacável. Ao mais, remetemos o Leitor
aos comentários ao art. 185 e seguintes, CPP. Como dito, ninguém é obrigado a
produzir qualquer prova especialmente em seu desfavor. A prova de eventual
prática criminosa é atribuição exclusiva da acusação.
A questão tem gerado
muitos debates, especialmente após o ajuizamento da ADPF 395 em que se postula
seja reconhecida a não recepção parcial do art. 260 do CPP, na parte em que
permite a condução coercitiva para a realização de interrogatórios, excluindo
do dispositivo a expressão “interrogatório”, de modo que o artigo fique assim
redigido em conformação constitucional: “Art. 260. Se o acusado não atender à
intimação para [...] reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não
possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença”.
Em junho de 2018,
no bojo das ADPFs 395 e 444, o Plenário do STF, por maioria, ratificando essa
nossa posição, declarou não ter havido recepção da expressão “para o
interrogatório” constante no art. 260 do CPP, bem assim a incompatibilidade com
a Constituição Federal da condução coercitiva de investigados ou de réus para
interrogatório, sob pena de responsabilidades civil, disciplinar e penal do
agente ou da autoridade que a autorizar, bem como a ilicitude das provas obtidas.
Registramos que,
no ano de 2020, o STJ entendeu que, no caso de adolescente que pratica ato
infracional, seria obrigatória sua presença na chamada audiência de apresentação
ao juízo competente, conforme preceitua o art. 187 do ECA. Nos demais casos,
não poderia haver a condução (Agravo Regimental no Recurso Especial nº
1.886.148-MG, 5ª Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJ de 21.9.2020).
O que se deve
verificar é que, no ordenamento jurídico pátrio, podem-se antever duas
“espécies” de condução coercitiva: a primeira, a condução para a prática de
algum ato processual tal como medida de coação; a segunda, como medida cautelar
inominada[7] –
voltada, assim, para neutralizar o risco para a garantia à ordem pública, à
instrução criminal ou para assegurar a aplicação penal –, como uma decorrência
do princípio da proporcionalidade que é subprincípio da necessidade, para evitar
a decretação de alguma medida cautelar mais gravosa.
Realmente, para a
primeira forma de condução coercitiva para a prática de algum ato processual –,
decorre do poder de coação assegurado ao Estado, no exercício de suas
atividades de investigação e apuração das infrações penais.
A segunda hipótese
de condução coercitiva prevista no ordenamento jurídico – que também extrai sua
cobertura legal do art. 260 do CPP, mas em aplicação conjunta com o princípio
constitucional da proporcionalidade/subprincípio da necessidade (interpretação
sistêmica[8]) – é a
que possui natureza cautelar – ou seja, com o fito de neutralizar riscos para o
processo, mais especificamente risco para a aplicação da lei penal, para a
investigação ou instrução criminal e para a ordem pública. Em geral, a condução
coercitiva é decretada para evitar que os investigados sobretudo destruam provas.
Assim, a condução coercitiva precisa ser compreendida como uma medida cautelar menos gravosa que a prisão temporária ou a prisão preventiva. Quando devidamente fundamentada e justificada diante do caso concreto (e sempre excepcionalmente, frise-se), a condução coercitiva traz em seu bojo, de forma equilibrada (sem excessos, nem deficiências), a garantia da eficácia de demais medidas cautelares[9] que estejam sendo realizadas concomitantemente sem interferir de forma injustificada (para além do tempo necessário) na restrição da liberdade daquela pessoa que for conduzida coercitivamente.
Noutras palavras,
significa que, mesmo sem previsão legal expressa, mas sempre mediante a devida
e prévia justificação da necessidade e adequação pelo juiz competente, a
condução coercitiva é um meio de garantir eficácia (não prejuízos) à produção
de provas no processo penal sem que se lance mão, para tanto, de uma restrição
de liberdade muito mais gravosa, como é o caso de prisões temporárias ou
preventivas.
Nesses termos, a
condução coercitiva precisa ser compreendida sistemicamente como uma medida
decorrente do poder geral de cautela que é conferido aos membros do Poder
Judiciário – inclusive o brasileiro – pela compreensão sistêmica dos princípios
orientadores da atuação jurisdicional, sem malferir a legalidade estrita.
Pacelli acredita
em modo diverso, ainda que parcialmente. Primeiramente, a admissibilidade de um
poder geral de cautela ao juiz criminal, para além dos limites expressos na
Lei, não nos parece boa política criminal, embora se possa admitir o seu manejo
em determinadas situações, para que, de acordo com as condições pessoais do agente
e com sua expressa concordância, seja substituída uma medida cautelar legal por
outra, menos onerosa.
Contudo, mesmo in
casu, nos casos de alternativas mais favoráveis ao réu (em comparação a uma
prisão temporária, por exemplo), ainda assim a condução coercitiva à presença
da autoridade judicial para a não interferência em diligências realizadas
concomitantemente não parece ser o melhor caminho. Primeiro porque a cautelar
não se prestaria à tomada de depoimento do conduzido, sendo outra sua justificativa.
No entanto, é exatamente o contrário que vem ocorrendo.
Em segundo lugar,
porque, se o propósito da medida for o de assegurar o sucesso de outra
providência simultânea, que poderia ser prejudicada pela presença do acusado
(destruição de provas, por exemplo), bastaria a sua retenção no local em que for
encontrado, até a ultimação das medidas em curso. E essa retenção, embora não prevista
em Lei, tanto quanto a condução coercitiva, reduziria significativamente o inevitável
constrangimento causado por esta última providência, e, de outro lado, atenderia
perfeitamente às finalidades cautelares do ato.
Conduzir
coercitivamente o investigado para não prestar declarações é mais oneroso que
mantê-lo afastado de qualquer intervenção por retenção coercitiva. De todo
modo, é inadmissível a tomada de depoimento de quem é conduzido coercitivamente
para outra finalidade que não essa, proibida constitucionalmente.
Analisando a ordem
judicial e a condução coercitiva, esta é medida de evidente que impõe
tangenciamento da liberdade individual. E, é assim para a testemunha e, também,
para qualquer pessoa que tenha que atuar no processo penal.
Por isso, somente
a autoridade judiciária pode determinar a adoção da providência, devendo
constar do mandado judicial os requisitos do art. 352, do CPP, que cuida do
mandado de citação.
E, dentre aqueles
mais importantes (requisitos do mandado), impõe-se a completa identificação do
processo e da finalidade do ato (fins específicos de reconhecimento de pessoa).
Aliás, frise-se que a finalidade de qualquer mandado judicial é inerente à
autoridade do magistrado que o mandou expedir. Daí, indispensável a descrição
dos fins a que se destina o mandado, como reprodução fiel da decisão judicial.
Ainda que muito resumidamente, é claro.
A finalidade do
ato, enfim, deve ser lida pelo executor do mandado, com o objetivo de evitar-se
a coerção ou o uso da força, conforme seja a escolha daquele que será (ou não)
conduzido.
A condução coercitiva de investigados e de
testemunhas é constitucional apesar de significar uma restrição de liberdade de
locomoção e, pode ser cumprida segundo os termos do artigo 260 do Código de
Processo Penal, mediante intimação prévia e havendo descumprimento, pode ainda
gerar a interposição de medidas tais como prisões cautelares bem como
outras.
Lembremos que a condução coercitiva é
decorrente do poder geral de cautela[10] do
julgador e, mesmo, no direito comparado nos EUA, por exemplo, onde está
positivado o direito ao silêncio garantido pela quinta emenda da constituição
norte-americana (há mais de dois séculos), vige o direito do investigado não
produzir provas contra si mesmo, porém, não abarca a possibilidade de
destruição de provas e de criar obstáculos à Justiça ou à Polícia.
Enfim, definitivamente o Estado tem o
direito fundamental de fazer valer seu sistema penal para evitar que tanto
investigados como testemunhas criem estratégias para se furtar à aplicação da
lei.
Outro fator relevante é a possibilidade
segundo o artigo 319 CPP serem adotadas medidas cautelares diversas da prisão,
tais como proibir o acesso ou frequência a certos lugares, ou mesmo, a
manutenção de contato do investigado com pessoa determinada porque tais restrições
podem evitar embaraços indevidos para a adequada investigação e para a ação
penal.
Não se pode entender que a condução
coercitiva seja forma de prisão, posto que atue apenas momentaneamente, e em
geral, se revela ineficaz, pode-se, enfim, adotar-se outras medidas tais como
prisão preventiva, temporária e, que também requerem situações concretas para
fundamentar a restrição de liberdade bem como o preenchimento de requisitos
específicos que justifiquem o ato gravoso aos direitos fundamentais.
Evidentemente, que a condução coercitiva
não se esgota em si mesma, e visa aos fins previstos na legislação e, no caso
de investigados, acusados ou testemunhas.
Tais agentes não representam apenas simples objetos de investigação ou
processo penal, são também sujeitos de direitos que podem manter o silêncio,
nem podem ser tratados como se fossem culpados e, podem se recusar participar
de procedimentos que eventualmente lhe acarretem prejuízos. Posto que não sejam obrigados a cooperar com
a apuração dos fatos criminosos.
Conclui-se, então, que a condução
coercitiva para interrogatório, exceto aquela promovida para fins de
reconhecimento ou qualificação criminal seria incompatível com a Constituição,
posto que viole o direito à não autoincriminação e, ainda, a presunção de
inocência[11].
O artigo 260 do CPP é compatível com a
vigente Constituição Federal e, se deve coibir eventuais abusos por
descumprimento da lei instrumental que devem ser resolvidos conforme a ordem
jurídica, mas não pode impedir a vigência do procedimento de condução
coercitiva.
No dia 14.06.2018 por seis votos a cinco,
o STF impediu as conduções coercitivas para interrogatório. Não obstante o
expediente tenha sido usado por 227 (duzentos e vinte e sete) vezes na Operação
Lava-Jato. A decisão confirma o entendimento individual do relator do caso, Ministro
Gilmar Mendes, que concedeu, em dezembro do ano passado, liminar para impedir
as conduções, por entender que a medida é inconstitucional. Também ficou decido
que as conduções que já foram realizadas antes do julgamento não serão
anuladas.
A Suprema Corte julgou definitivamente
duas ações protocoladas pelo PT e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A
legenda e a OAB alegaram que a condução coercitiva de investigados, prevista no
Código de Processo Penal, não é compatível com a liberdade de ir e vir
garantida pela Constituição. Com a decisão, juízes de todo o país estão
impedidos de autorizar conduções coercitivas para fins de interrogatório.
As ações foram protocoladas meses depois
de o juiz federal Sérgio Moro ter autorizado a condução do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva para prestar depoimento na Polícia Federal, durante as
investigações da Operação Lava Jato. O instrumento da condução coercitiva foi
usado 227 vezes pela força-tarefa da operação em Curitiba desde o início das
investigações.
Votaram contra as conduções os Ministros
Gilmar Mendes, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e
Celso de Mello. Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz
Fux, e a presidente, Cármen Lúcia, se manifestam a favor.
O julgamento começou na semana passada e
durou três sessões. Na sessão, Ricardo Lewandowski votou pela
inconstitucionalidade[12] das
conduções e disse que tradição garantista do STF não é novidade e sempre foi
construída a partir de casos que envolviam pessoas pobres.
O tema relacionado com o artigo 10 da Lei
de Abuso de Autoridade ressuscita o instituto da condução coercitiva, que já
fora debatido por Excelso Pretório nas ADPFs 395 e 444, nas quais se declarou
que a condução coercitiva de réu ou investigado para interrogatório, constante
no artigo 260 do CPP que não teria sido recepcionado pela Constituição
brasileira vigente[13].
Há várias ponderações a serem realizadas,
a primeira se refere ao sujeito passivo mediato do delito, a saber, o
investigado e testemunha. Afinal, a determinação do sujeito passivo destoa das
decisões entabuladas tanto pela doutrina como pela jurisprudência,
principalmente, das ADPFs já retromencionadas.
A segunda ponderação se refere diretamente
sobre a permissibilidade de realizar a condução coercitiva do suspeito que, por
consequência, pode ser investigado, indiciado, denunciado e acusado. Quando se
verticaliza-se a análise do conceito jurídico indeterminado.
A expressão "manifestamente
incabida" devido sua farta carga axiológica admite interpretação muito
ampla com base no caso concreto, bastando se demonstrar a imprescindibilidade
da medida, principalmente quando os valores constitucionais tais como a vida,
liberdade e segurança pública estejam permeando, e ipso facto,
tornando-se legal e cabida sua realização. Atente-se ainda a expressão "
sem prévia intimação de comparecimento ao juízo".
Conceitos jurídicos indeterminados:
Conferem ao operador do direito, na análise e valoração do contexto social na
resolução do caso concreto, o dever de sua concretização, dando contornos aos
conceitos indeterminados. Cristaliza a superação do formalismo jurídico em
busca da sua valoração ética. (apud COLAÇO, FIGUEIREDO, Luciano;
FIGUEIREDO, Roberto. Direito Civil: Parte Geral. 5ª Ed. ed. rev. e atual.
Salvador: JusPodivm, 2015. p.111.).
O backlash é uma reação adversa não-desejada à atuação judicial. Para ser mais preciso, é, literalmente, um contra-ataque político ao resultado de uma deliberação judicial.
Desenvolvimento
A partir de 03 de janeiro de 2020 passou estar em vigência a Lei de Abuso de Autoridade e dentre tantas previsões a referida lei há a punição de agentes públicos que decretar condução coercitiva de testemunha ou de investigado antes de intimação judicial, bem como promover escuta telefônica ou quebrar segredo de justiça sem prévia autorização judicial, e divulgar gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, e continuar interrogando suspeito que tenha decidir permanecer calado[14] ou ainda que tenha solicitado a assistência de advogado, interrogar à noite, quando não for caso de flagrante delito e, ainda procrastinar a investigação sem a devida justificativa.
A respeito da Lei 13.869/2019 cumpre
apontar que não existe crime culposo na lei; não há reclusão; todos os
preceitos secundários possuem detenção e multa; nem todos os delitos são
considerados infrações de menor potencial ofensivo; as ações são públicas
incondicionadas.
A antiga lei de abuso de autoridade (Lei
4898/1965) não previa nenhum tipo penal semelhante. Na medida em que a CRFB/88
e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos asseguram ao acusado o direito
de não produzir prova contra si mesmo, tratando o interrogatório como meio de
autodefesa, portanto, reputa-se ilegal a expedição de mandado de condução
coercitiva objetivando a consecução das seguintes finalidades:
a) prestar declarações perante CPI;
b) comparecer à audiência uma de instrução
e julgamento;
c) participar de reconstituição simulada
dos fatos;
d) fazer exame pericial de dosagem
alcoólica;
e) prestas declarações ao delegado de
polícia;
f) participar de acareação[15];
A propósito, levando-se em consideração o
princípio do nemo tenetur se detegere, o plenário do STF, por
maioria julgou procedente o pedido formulado nas ADPFs 395/DF e 444/DF para
decretar a não recepção da expressão “para o interrogatório” constante do art.
260 do CPP.
Cogita-se se seria crime a condução
coercitiva da vítima? A resposta é não, pois o preceito primário do tipo elenca
apenas testemunhas e investigado. Elemento normativo corresponde ao "manifestamente
descabida". Trata-se, novamente, de elemento extremamente aberto e
subjetivo que, infelizmente, acarreta insegurança jurídica, por depender de
juízo de valor na interpretação.
Essa questão em comento ficou bastante em
evidência após a conduta coercitiva realizada no caso do ex-Presidente da
República, Luís Inácio Lula da Silva, em 4/3/2016. Posteriormente, o Supremo
Tribunal Federal, ao julgar as ADPFs 395 e 444, decidiu que não é compatível
com a Constituição da República a condução coercitiva do investigado ou do réu
para interrogatório no âmbito da investigação ou da ação penal.
No caso específico do tipo penal do artigo
10, o crime pode ser cometido quando houver condução coercitiva de testemunha
(ou investigado) manifestamente descabida ou, quando a testemunha ou o
investigado não tenham sido previamente intimados para comparecerem
espontaneamente ao juízo.
Assim, no caso em que seja decretada
condução coercitiva de investigado para interrogatório, haveria a prática do
crime, desde que presente a finalidade específica de prejudicar outrem ou
beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação
pessoal (aplicável em todos os crimes da lei, como vimos anteriormente).
O sujeito ativo pode ser a autoridade
judicial, mas também o Delegado de Polícia ou o Membro do Ministério Público,
eis que a primeira parte prevê a decretação de condução coercitiva
manifestamente descabida, o que pode obviamente ocorrer no curso da
investigação. Esse crime também permite a suspensão condicional do processo,
uma vez que a pena mínima é de 1 (um) ano.
O texto constitucional federal vigente no
Brasil não é explícito quanto à existência ou não de um princípio da não
produção de provas contra si mesmo, posto que o artigo quinto, inciso LXIII
apenas prevê o direito de o preso permanecer calado.
No entanto, a doutrina e a jurisprudência
tendem a ampliar a interpretação desse artigo, abraçando outras manifestações
do princípio, indo além do próprio direito ao silêncio.
O Ministro Celso de Mello reprisou e
parafraseou em sete diferentes votos, a seguinte afirmação, que resumo a
posição de que o princípio e também o direito ao silêncio, seja oponível a
quaisquer agentes estatais qualquer que seja a natureza do procedimento (penal,
administrativo, legislativo e, etc.).
In litteris:
"(...) esse direito, na realidade, é plenamente oponível ao Estado,
a qualquer de seus Poderes e aos seus respectivos agentes e órgãos. Atua, nesse
sentido, como poderoso fator de limitação das próprias atividades de
investigação e de persecução desenvolvidas pelo Poder Público (Polícia Judiciária,
Ministério Público, Juízes, Tribunais e Comissões Parlamentares de Inquérito,
p. ex.)".
Em entendimento similar foi nos casos da CPI
do sistema financeiro e a CPI da ocupação de terras públicas na Amazônia.
“Se,
conforme o art. 58, §3º, da Constituição, as comissões parlamentares de
inquérito detêm o poder instrutório das autoridades judiciais - e não maior que
o dessas - a elas se poderão opor os mesmos limites formais e substanciais oponíveis
aos juízes, dentre os quais os derivados das garantias constitucionais contra a
autoincriminação, que tem sua manifestação mais eloquente no direito ao
silêncio dos acusados.” (sic.)
Conclui-se, portanto, que o entendimento
do STF, expresso em três dos acórdãos analisados, é o de que o “princípio da
não produção de provas contra si mesmo” poderia ser invocado a qualquer
momento, sem necessidade de qualquer aval do judiciário, havendo uma atenção
especial a partir do inquérito policial, desde quando o indivíduo se encontrar
sob qualquer forma de custódia.
Na Constituição Federal, estabelece-se
expressamente que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de
permanecer calado (...)”. Nasce, então, para o Estado, por meio de seus órgãos,
o dever de informar ao menos o preso sobre seu “direito ao silêncio”. Mas, o
que acontece quando o Estado não cumpre com seu dever de informar?
Observam-se duas linhas argumentativas
opostas no STF sobre esse ponto:
A) Primeira: a falta de advertência sobre
o “direito ao silêncio” ou sobre o “princípio da não produção de provas contra
si” gera nulidade apenas se houver comprovação do prejuízo para a defesa;
B) Segunda: basta a ausência de advertência
para se gerar nulidade, sem necessitar comprovar prejuízo, por fazer prova
ilícita[16].
Assinalemos as tendências jurisprudenciais
da Suprema Corte brasileira.
Primeira tendência do STF explicita
que a falta de advertência gera nulidade apenas se houver comprovação do
prejuízo para a defesa. Quanto à primeira tendência, em alguns julgados
considerou-se que, como o interrogatório é meio de autodefesa – e os réus podem
querer manifestar sua versão dos fatos, contrariando as acusações que lhes são imputadas
-, seria necessária a demonstração de prejuízo advindo da ausência de
advertência, já que por si só ela não violaria a ampla defesa e o contraditório.
Assim, pela instrumentalidade das formas,
não se poderia anular automaticamente todo o processo penal, ou o
interrogatório ou depoimento, sem a demonstração de prejuízo ou constrangimento
ilegal. Para o Min. Luiz Fux e para os demais, que votaram nos termos do
relator, no caso “Militares corruptos”, “só há nulidade quando a própria
finalidade pela qual a forma foi instituída estiver comprometida pelo vício”.
O Ministro Sepúlveda Pertence, em voto que
foi acompanhado por unanimidade pelos demais ministros, acredita que na
determinação do momento a partir do qual a informação do direito ao silêncio se
faz exigível, “não pode o aplicador da Constituição se atrelar a abstrações
procedimentais”, apenas considerando o início do interrogatório formal.
O ex-ministro usou diversas fontes de
doutrina para defender que a informação deve ocorrer desde quando o indivíduo
está sob custódia ou de alguma forma se encontre significativamente privado de
sua liberdade de locomoção, pois para que a instrução do direito ao silêncio
possa cumprir com seus objetivos é necessário que ocorra o quanto antes.
Afirmou que interrogatório não é só o ato
formal previsto nas leis processuais, mas a oitiva, formal ou informal do
acusado, ainda que fora do âmbito processual penal.
Pondera-se, então, que nem a nulidade
absoluta, mesmo de fonte constitucional, pode fugir à exigência elementar da
verificação de prejuízo.
Entretanto, há que se questionar como se
daria essa comprovação do prejuízo pela ausência de informação sobre o
“princípio da não produção de provas contra si mesmo” ou o “direito ao
silêncio”.
No limite, só se pode saber com certeza
que não há prejuízo caso, ainda que não tenha sido informado, o titular do
direito exerceu-o, por exemplo, permanecendo calado ou se recusando a
participar da reprodução simulada do fato delituoso, como no caso “Reprodução
simulada”.
Nas demais situações, acredito que o
prejuízo deva ser presumido pelo Tribunal, porque, para mim, ao contrário do
que foi defendido, afirmando-se que houve uma opção pela intervenção ativa no
interrogatório e que o paciente se defendeu, essa escolha está viciada pois se
desconhecia a segunda opção, pela não autoincriminação. Creio que a verdadeira
opção só é feita quando se conhecem as alternativas, o que não ocorre quando
falta a advertência.
Segunda tendência do STF aponta
que basta a ausência de advertência para se gerar nulidade, por fazer prova
ilícita[17].
Para essa segunda tendência (grifo nosso)
do Tribunal, foi defendido que é expresso na Constituição que o preso deve ser
informado pela autoridade policial ou judicial da faculdade de manter-se
calado, sendo, portanto, uma garantia processual penal que impõe a obrigação ao
próprio Poder Público.
Afinal, a informação oportuna a respeito
do direito assegura a escolha entre o silêncio e a intervenção ativa. A falta
de advertência sobre o direito, no momento em que o dever de informação se
impõe, então, tornaria ilícita a prova que leve à autoincriminação, ainda que
não se demonstrasse prejuízo.
No caso “Contravenção em jogo do bicho[18]”, por
exemplo, Ellen Gracie, conduzindo os demais ministros por unanimidade, afirmou
que, sem que o paciente tenha sido advertido sobre o direito ao silêncio antes
de prestar suas declarações para o Juízo, seria nula a audiência preliminar do Juizado
Especial Criminal (JECrim).
“Ementa: Não tendo sido o acusado
informado do seu direito ao silêncio pelo Juízo (art. 5º, LXIII), a audiência
realizada, que se restringiu a sua oitiva, é nula”.
É interessante notar, que, nesse caso,
mesmo tendo sido o paciente acompanhado por defensor durante seu depoimento, o
Tribunal determinou o desentranhamento das provas dos autos, por considerá-las
ilícitas sem a devida informação sobre o direito.
Verifica-se que ocorreu decisão oposta foi tomada no caso “Atentado violento ao pudor[19]”, em que o Tribunal, por unanimidade, acompanhando o voto do relator o Ministro Nelson Jobim, julgou que a falta de informação ao preso sobre seus direitos constitucionais geraria, sim, nulidade dos atos praticados.
Porém, como o paciente tinha sido
assistido no interrogatório judicial por advogado constituído, confirmando as
declarações prestadas no inquérito policial sem alegar nulidade, teria
convalidado essas declarações, sendo que “as eventuais nulidades ocorridas na
fase policial não contaminaram o processo, nem causaram prejuízo ao
recorrente”.
Em 19 (dezenove) julgados (42,2% dos
casos) afirmou-se direta ou indiretamente, por meio de exemplificações, que não
pode haver qualquer conclusão desfavorável ao indivíduo que invoque a tutela do
“princípio da não produção de provas contra si mesmo” ou exercite seu “direito
ao silêncio”. Assim, o indivíduo não pode sofrer restrições que afetem seu status
poenalis ou atinjam sua esfera jurídica.
Concretizando esse entendimento, há
diversas situações que foram expressamente afastadas por implicarem algum tipo
de conclusão desfavorável ao indivíduo. Dessa forma, a invocação da tutela do
“princípio da não produção de provas contra si” ou o exercício do “direito ao
silêncio”, a saber:
a) Não pode levar à restrição de direito;
b) Não pode justificar ameaça ou efetiva
restrição de liberdade92;
c) Não pode ser fundamento para o aumento
da pena ou para sua
fixação acima do mínimo legal;
d) Não configura crime de desobediência;
e) No caso de testemunha, negar infração
para não se autoincriminar
não constitui crime falso testemunho;
f) Não pode obrigar à assinatura do termo
de testemunha em CPI;
g) Não pode obrigar ao fornecimento de
material para exame pericial
(reconstituição; padrões gráficos ou
vocais);
h) Não pode obrigar a justificar
contradições nos depoimentos;
i) Não pode obrigar a dizer a verdade (há
direito à mentira, a negar
falsamente a prática de infração);
j) Não pode obrigar a comparecer para
prestar depoimento;
k) Não pode obrigar a cooperar com as autoridades que investigam/processam.
l) E, obviamente, não obriga sequer a
responder a qualquer pergunta.
Seguem, então, alguns trechos e
explicações que bem exemplificam e tornam mais esclarecido o entendimento do
tribunal sobre as mais recorrentes consequências que derivam do “princípio da
não produção de provas contra si mesmo”.
Reproduzindo fragmentos assemelhados em
diversos de seus votos, o Ministro Celso de Mello afirmou que devido ao
“princípio da não produção de provas contra si mesmo”, o réu não pode sofrer
restrições que afetem a seu status poenalis nem a sua esfera
jurídica.
E adverte o ministro, ainda, apropriando-se
das palavras de Rogério Lauria Tucci, que o “direito ao silêncio”[20] não
pode desfavorecer o imputado, pois seria “absurdo entender se que o exercício
de um direito, expresso na Lei das Leis como fundamental do indivíduo, possa
acarretar-lhe qualquer desvantagem.
Partilhando desse entendimento, por
exemplo, no caso “Exame de dosagem alcoólica”, a Ministra Cármen Lúcia,
relatora e condutora, afirmou que não se poderia presumir a embriaguez de quem
não se submete a exame de dosagem alcoólica, pois não se pode prejudicar o indivíduo
por sua opção de não produzir provas contra si.
Nos casos analisados nesse tópico, os
demais ministros concordaram com Celso de Mello e Cármen Lúcia, expressa ou
tacitamente. Mais uma vez, apenas no caso “Uso de falso documento de
arrecadação da Receita Federal” existiram votos vencidos, os quais, no entanto,
também não abordaram a questão de não poder haver conclusões desfavoráveis pelo
exercício do “direito ao silêncio” ou pela invocação do princípio.
Portanto, as decisões já proferidas até
agora sobre o assunto apontam para esse entendimento do Tribunal– até mesmo
porque, como se verá adiante, as demais decorrências do princípio amoldam-se a
essa regra geral de não poder haver qualquer tipo de conclusão desfavorável ao
indivíduo.
Quanto ao “princípio da não produção de provas contra si mesmo” não justificar a restrição de liberdade, o Ministro Cezar Peluso defendeu, por exemplo, que não é suficiente para justificar a prisão cautelar[21] o fato de o paciente não ter atendido ao chamamento do delegado de polícia para prestar depoimento.
Justamente por ter sido decidido com
apenas um voto, mas por unanimidade, questiono-me, então, se o “princípio da
não produção de provas contra si mesmo” abrangeria o direito de não comparecer
para prestar depoimento; acredito que sim.
Em outro caso, o Ministro Sepúlveda
Pertence, relator e condutor, por sua vez, afirmara ser impertinente a alusão -
a título de justificativa da prisão cautelar – “à falta de interesse [dos réus]
em colaborar com a Justiça", que estaria evidenciada, segundo o órgão
coator, por "haverem respondido às perguntas de seus interrogatórios de
forma desdenhosa e evasiva, mesmo sabedores que tais versões não encontram
guarida no caderno investigatório”.
Por fim, para o Ministro Celso de Mello,
seria “caracterizador do estado de injusto constrangimento a decretação da
prisão preventiva do réu que se recusa a participar daquele [reprodução
simulada] procedimento probatório”
Assim, são nove (9) os casos em que se
aborda a não aceitação de qualquer decorrência do “princípio da não produção de
provas contra si mesmo”, ou mesmo do “direito ao silêncio”, como justificativa
para a prisão/restrição de liberdade
Esse valor representa 20% dos acórdãos analisados,
decididos quase sempre por unanimidade, o que indica, então, uma posição do STF
em não aceitar a restrição de liberdade fundamentada na invocação da tutela do
referido princípio.
Observa-se, ainda, o entendimento do STF
de que do “princípio da não produção de provas contra si mesmo” ou do “direito
ao silêncio” emanaria, “até mesmo por implicitude”, a prerrogativa processual
de negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial ou judiciária, a
prática do ilícito penal. Portanto, prevê-se um “direito à mentira”, porquanto
não haja qualquer obrigação de se dizer a verdade
E ainda, o fato de o acusado negar
falsamente o crime, em virtude desse princípio, não seria circunstância
adequada para fundamentar fixação de pena acima do mínimo legal nem pode
converter-se em circunstância judicial desfavorável ao réu na fixação da
pena-base.
Também no caso de a testemunha mentir ou
calar sobre fato que a possa incriminar não pode ser considerado crime de falso
testemunho[22].
Creio poder considerar, a partir do acima
exposto, que o STF também não admite que o comportamento do réu durante o
processo, na tentativa de defender-se, venha a agravar-lhe a pena ou a
fundamentar sua condenação.
Portanto, vimos, até então, que o
“princípio da não produção de provas contra si mesmo” e “direito ao silêncio”[23] não
devem ser interpretados em prejuízo da defesa. Entretanto, a contrario sensu,
nada se disse sobre a ‘produção de provas contra si’ ou a ‘confissão’ trazerem
algum benefício à defesa.
Na legislação, a confissão espontânea é
considerada como circunstância atenuante (Código Penal - CP, art. 65, inc. III,
alínea d). E, segundo o art. 67, CP, no concurso entre agravantes e atenuantes,
“a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias
preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos
determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência”.
Assim, por exemplo, quando o indivíduo
reincidisse, ainda que confessasse, sua confissão não era considerada como uma
“circunstância preponderante” para diminuir o limite da pena, a qual era
elevada em razão da circunstância da reincidência, em conformidade com o
disposto no art. 67.
No caso “Confissão espontânea[24]”,
então, a Defensoria Pública da União postulou a “compensação da agravante da
reincidência com a atenuante da confissão”, afirmando que a confissão
espontânea era indicativa do traço da personalidade do agente, devendo ser
considerada como preponderante, conforme disposto no art. 67, CP.
O Ministro Ayres Britto afirma em seu voto
que havia na jurisprudência do STF “decisões em sentido diametralmente oposto
ao pedido defensivo”, pois ambas as Turmas julgadoras entendiam não poder se
relacionar a personalidade do agente com sua confissão, e cita precedentes.
Porém, no caso, o ministro chega a uma
nova conclusão: “tudo tem que ser personalizado na concreta aplicação do
direito constitucional-penal, ainda mais quando se fala em dosimetria da pena” (sic.).
Defende que “a assunção da responsabilidade
pelo fato-crime, por aquele que tem a seu favor o direito a não se
autoincriminar, revela a consciência do descumprimento de uma norma social (e
de suas consequências)”, o que não poderia ser dissociado da noção de personalidade.
E, no caso concreto, a confissão dos
acusados teria contribuído para afastar a tese da defesa técnica de crime
tentado, reforçando, para Britto, a necessidade de "usufruto máximo da
sanção premial da atenuante", sendo que o Estado deveria assumir uma
“postura de lealdade (art. 37, caput, CF/1988 - princípio da
moralidade)”.
Historicamente, uma série de compilações
de textos canônicos reconhece a proteção aos acusados: i) no ano de 850, uma
compilação oferecia proteção contra os abusos dos senhores feudais; ii) em
1151, uma compilação levada a cabo por Graciano, tomando por base o comentário
de São João Crisóstomo a trecho da Carta de São Paulo aos Hebreus viria a
repudiar a prática da tortura e proscrever a obrigatoriedade do juramento dos
acusados.
Entretanto, conforme ensina Paulo Mário
Canabarro Trois Neto, a proteção aos acusados em geral perde força a partir do
IV Concílio de Latrão em 1215, que dentre outros métodos inquisitórios, viria a
instituir o juramento.
[...] em 1215, no IV Concílio de Latrão, com a introdução do jus jurandum
de veritate dicenda (juramento inquisitivo), pelo qual o acusado estava
obrigado a dizer a verdade, a Igreja modifica o entendimento de que a confissão
só poderia ser voluntária.
Em 1252, Inocêncio IV autoriza o emprego
de torturas para obtenção da confissão e do arrependimento do acusado em casos
de heresia cátara. Argumentou o Papa que, se a violência contra os réus era
comumente aplicada no direito comum em relação a ladrões assassinos, seria
injustificável conceder tratamento privilegiado aos hereges, que não passariam
de “ladrões e assassinos da alma”.
O ius commune europeu lançaria as
bases para que a Igreja Católica pudesse reavivar o procedimento inquisitório
cujas bases estavam no Direito Romano. A inquisição para os romanos consistia
no procedimento mediante o qual o magistrado procedia à investigação minuciosa
dos fatos envolvidos em uma contenda judicial, fosse ela civil ou criminal. Até
o advento do Renascimento Cultural, o procedimento inquisitório ainda possuía
suas fundações no Direito Romano.
Por fim, com a chegada da Idade Moderna e o advento do Iluminismo, temos o início do reconhecimento e da construção de garantias penais e processuais penais. Há com este movimento sociocultural um combate ao uso da tortura e do juramento, tão empregados no procedimento inquisitorial medieval. Considera-se, atualmente, uma imoralidade as tentativas de compelir o acusado a pronunciar-se de modo incriminatório[25].
Diferente do procedimento inquisitório medieval
que encontrava na confissão a prova de máximo valor, no qual a linha entre
delito e pecado era bastante tênue e a autoincriminação do acusado assumia a
forma de expiação, o Iluminismo transforma a justiça penal, instituindo a separação
das funções entre acusar, defender e julgar, diminuindo a distância entre o
Estado-acusador e o acusado.
Por fim, é possível afirmar ainda que o direito
a não autoincriminação se manifestou bastante tardiamente nos Estados de Direito
codificado, apresentando-se nas legislações somente a partir do início do
século XIX.
O desenvolvimento do privilégio contra a
autoincriminação como o conhecemos se deu através do direito anglo-americano,
no qual a máxima foi expressa através do privilege against self-incrimination.
Esse se consolidou na common law
inglesa, a partir da metade do século XVII, com a abolição das cortes
eclesiásticas de High Comission e Star Chamber e do procedimento
do juramento ex officio, mas também através da busca pela defesa técnica.
O procedimento do juramento ex officio
consistia em comparecerem as partes perante estas cortes, submetendo-se a um
juramento de responder quaisquer questões que lhes fossem feitas. Comumente, as
acusações eram desconhecidas.
Assim, o privilege against selfincrimination
desenvolveu-se, inicialmente, como uma proteção às fishing expeditions,
prática por meio da qual os juízes, através do ato do interrogatório,
investigavam aspectos e procediam a questionamentos alheios ao objeto da
acusação. Os advogados à época já se insurgiam contra a prática do juramento ex
officio, por entender que ele conduzia ao perjúrio.
A irresignação dos puritanos, contra as
práticas das cortes de High Commission e Star Chamber tornaram-se
maiores com relação ao fato de que o juramento conduzia o acusado a responder
questões potencialmente incriminatórias, independentemente da existência de um acervo
probatório suficiente a comprovar as acusações formuladas.
John H. Langbein esclarece que os puritanos
estavam resistindo às tentativas dos reinados de Elizabeth I (1558- 1603) e da
Casa de Stuart (1603-1640 aproximadamente) de impor o credo anglicano. Uma vez
que os acusados submetidos à jurisdição de tais cortes eram comumente acusados
de práticas em desconformidade com o anglicanismo, havia resistência em
submeterem-se ao procedimento do juramento ex officio. Ainda assim, o
acusado que se recusasse ao juramento estaria sujeito à prisão pelo contempt
of court – desobediência aos comandos da Corte[26].
Passaram os puritanos a buscar assistência
nas cortes de common law, que se provaram dispostas a intervir,
expedindo writs de proibição contra as práticas de ambas as cortes. O habeas
corpus também se difundiu como instrumento jurídico capaz de proteger o
acusado perante a corte de High Commission. Sobre o tema, ensina Maria
Elizabeth Queijo:
“O writ de proibição e os habeas corpus eram instrumentos
jurídicos das cortes de common law para interferir nos julgamentos
eclesiásticos. Pelo writ de proibição decidia-se que o acusado não podia
ser submetido a julgamento por determinada corte”.
Já o habeas corpus era utilizado
contra o poder da Court of High Commission de decretar prisões, as
cortes de High Comission e Star Chamber foram abolidas por
um Ato do Parlamento Inglês de 1641, com o qual assentiu o Rei Carlos I. Os
tribunais eclesiásticos foram proibidos de impor juramento que viesse a
provocar a confissão ou a autoacusação.
Nas cortes de common law, durante o
século XVI, contudo, o privilege against selfincrimination perde
parte de seu significado original, consubstanciado no direito fundamental, não
de silenciar, mas de falar, que possuía o acusado. Maria Elizabeth Queijo
explica que a ausência de defesa técnica por advogado compelia o acusado a
contrapor as acusações que lhe eram feitas, sendo o seu silêncio na prática uma
autoacusação.
Deveria o acusado contestar as acusações
porque não lhe era assegurada a assistência de advogado, já que inadmissível
que terceiro se manifestasse em seu lugar. A declaração do acusado contava
então com caráter testemunhal. Havia, igualmente, restrições à convocação de
testemunhas defensivas as quais, não comparecendo, não seriam intimadas para o
ato.
Sobre o tema em lume, ensina o professor
John H. Langbein:
“O
privilege against self-incrimination encontrava limitações também no
procedimento do pretrial, disciplinado pelo Marian Committal Statute
de 1555, seguido do século XVI ao XVIII, cujo objetivo era conduzir o acusado a
autoincriminação”[27].
Um magistrado da Justiça de Paz presidia o
ato, transcrevendo tudo quanto fosse dito pelo acusado, a vítima e as testemunhas
de acusação. Se o acusado se recusasse a falar nesta fase, isso era registrado
no relatório a ser encaminhado para a corte de julgamento. No julgamento,
portanto, desejando o acusado se retratar, tal proceder seria utilizado em seu
desfavor. O pretrial, sendo assim, constituía etapa decisiva do
julgamento principal
É imperativo ressaltar que alguns dos
pilares de sustentação do processo criminal na common law não se
encontravam presentes à época. Até o século XVIII, o beyondreasonable-doubt
standard of proof – a fórmula da “dúvida razoável” da prova[28] , que
compele o julgador a sanar suas dúvidas favorecendo o acusado, não possuía
formulação adequada, sendo o acusado compelido a falar.
Miley Junior inicia seu artigo "A
reasonable doubt about reasonable doubt" questionando qual seria a
definição de razoável. Afirma que o conceito pode ser uma invenção americana,
bem como que trata do direito que cada cidadão acusado possui de ter o governo
provando seu caso contra ele além de uma dúvida razoável.
Esclarece que este direito está no núcleo
de liberdade e que seria um baluarte do sistema de justiça criminal. Conforme
tradução livre e adaptada, a culpa do réu deve ser demonstrada além da dúvida
razoável.
A prova além da dúvida razoável é algo
como uma forte convicção, uma certeza moral de que o fato realmente ocorreu,
trazendo a segurança para o julgador[29] de que
ele, de fato, existiu. Um equilíbrio entre as provas não é suficiente. O jurado
em um caso criminal não deve condenar o réu ao menos que as evidências excluam
da sua mente toda e qualquer dúvida razoável.
A máxima que imperava no momento sugeria
que, sendo o acusado inocente, deveria ter ele a capacidade de provar.
Igualmente, não lhe era permitido acesso aos termos de seu indiciamento,
desconhecendo os fatos dos quais deveria se defender, vedação essa que iniciou
seu relaxamento com a edição do Treason Act (1696).
Arremata R. H. Hemholz, por fim, que o privilege
against self-incrimination é essencialmente uma criação da defesa técnica.
A vedação da constituição de advogado foi gradualmente cedendo entre os anos de
1696 a 1837, primeiro com a admissão da defesa por advogado pelo Treason
Trials Act (1696), até o abandono do sistema inquisitório com o Prisoner’s
Counsel Act (1836), que permitiu a defesa do acusado em matéria de direito
e de fato.
No tocante ao estudo de direito comparado
realizado temos que:
i)
no direito alemão, o direito ao silêncio constitui direito
da personalidade, ainda assim, entende-se que o acusado possui função dúplice:
sujeito de direito e meio de prova;
ii)
o direito inglês entende existir a proteção do silêncio do
acusado, contudo, não há dever de advertência na esfera policial quanto a essa
possibilidade, sendo passível de valoração o seu silêncio, nos termos do
Criminal Justice and Public Order Act, o qual vem sendo duramente
questionado pela Corte Europeia de Direitos Humanos;[30]
iii) o direito norte-americano protege o silêncio do acusado desde as suas fundações, sendo bastante amplo o seu espectro, consolidado através de precedentes da Suprema Corte, em especial Griffin versus. California, Escobedo versus. Illinois[31] e o conhecido Miranda versus. Arizona[32].
O princípio ingressa em solo brasileiro
ainda no período colonial, com as Ordenações Manuelinas, que possuíam
disposição expressa a respeito do silêncio do acusado.
A Constituição Imperial de 1824[33],
inspirada pelo liberalismo inglês proscreveria a prática da tortura, mas as
Ordenações Filipinas continuariam a viger em matéria processual penal até 1832,
quando editado o Código de Processo Criminal de Primeira Instância que
caracterizou o interrogatório como meio de defesa, isentando o acusado de
responder às perguntas feitas pela autoridade e prestar juramento. Somente com
a Constituição Federal brasileira de 1988 é que o princípio receberia status
de direito fundamental, recebendo disposição expressa.
Ao se cogitar sobre a relação do direito
ao silêncio com o direito penal e o direito de processual penal situa-se a
entrar no campo das situações em que aquele direito assume alguns contornos
diferenciados quando se afasta da esfera de proteção de direitos e garantias
individuais, mas ao mesmo tempo, não as afetando.
Lembremos que o exercício da ampla defesa
permite ao imputado confessar total ou parcialmente a imputação, alegar
excludentes de ilicitude ou culpabilidade, fornece álibi, silenciar, omitir-se,
até mesmo mentir como exercício da autodefesa sem que isso lhe acarrete
qualquer consequência indesejável. Não existe, portanto, o ônus de veracidade
para o interrogado, situação que para Grinover é diametralmente oposta ao
reconhecimento do direito ao silêncio.
A mentira[34] permitida é apenas quanto aos fatos imputados como exercício pleno de autoproteção. A obrigação de responder às perguntas formuladas sobre sua pessoa ou de fornecer seus documentos, nenhum prejuízo acarreta ao interrogado, a menos que possa ser verificada a ocorrência dos crimes de uso de documento falso ou de falsa identidade. Eis, a importância de a autoridade que preside o interrogatório ter a certeza, antes de iniciar, de que se trata da pessoa que deva ser interrogada.
Conclusão
A obrigação de veracidade das respostas
sobre antecedentes está fincada em zona nebulosa uma vez que os dados sobre a
vida pregressa (do acusado ou indiciado) podem ser obtidos através de consulta
aos bancos de dados públicos. E, afora isso, os antecedentes influenciarão no quantum
da pena, o que já configuraria uma colaboração para o próprio prejuízo.
O direito de mentir[35],
portanto, não inclui a autoacusação falsa de crime inexistente ou praticado por
outrem. A mentira[36]
permitida ao acusado para defender-se quanto aos fatos imputados e não para
incriminar-se. Conforme ensina Noronha, a autoacusação falsa prejudica o
funcionamento normal de atividade da justiça, obstaculizando-a e fazendo com
que dispense persecuções infrutíferas com dispêndios desnecessários.
No Brasil, os direitos e garantias
individuais foram introduzidos desde a Constituição Imperial de 1824, cujo rol
apresenta-se no Título 8º: “Das Disposições Geraes, e Garantias dos Direitos
Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros” em seu artigo 179, sob a forma de
trinta e cinco incisos (BRASIL, 1824). Dentre eles encontramos, por exemplo, a
liberdade de locomoção, a inviolabilidade do domicílio, a possibilidade de
prisão somente em flagrante delito ou por ordem da autoridade competente, e a
igualdade perante a lei.
Ferrajoli aponta que o garantismo
processual acusatório exclui a colaboração do imputado com a acusação que seja
fruto de meios capciosos ou transações, principalmente, aqueles feitos às
escuras. Indica, como única maneira de erradicar a prática da negociação e
escambo entre a confissão e delação por redução de sanções, a vedação legal de
atribuir qualquer relevância penal ao comportamento processual do imputado e
também para a determinação da pena.
As
disposições legais vigentes que induzam direta ou indiretamente à
autoincriminação são incompatíveis com o princípio da presunção da inocência[37].
Por outro viés, Haddad considera que
existe um termo médio. A premiação à colaboração com a instrução quando não há
constrangimento ou coação não afeta os direitos consagrados aos próprios
investigados e acusados. Afinal, a presunção de inocência foi instituída em
benefício do acusado não é violada se, dada a liberdade de autodeterminação que
comanda a conduta pessoal do réu, escolhe-se uma tese defensiva entre aquelas
inseridas no conceito constitucional de ampla defesa.
Desta forma, o direito de silêncio
assegura a liberdade de consciência do indivíduo quando este, é amplamente
esclarecido sobre sua dimensão, há de se dispensar uma atenção especial ao
esclarecimento do imputado sobre as consequências da colaboração espontânea
para que não haja a mínima sensação de dever de fornecer elementos contrários a
si para obter benefícios. Trata-se, enfim, de escolher a melhor forma de
defesa.
O direito ao silêncio é vetusto e veio
evoluindo ao longo da história assim, algumas legislações o tolheram e outras o
excluíram, cujo reflexo se deu no interrogatório. E, se no século XVIII fora
conhecido como o século das luzes, em face do farto desenvolvimento
filosófico-cultural, não se poderia deixar de fomentar o retorno do instituto
como indicação da repugnância à violação daquele direito e, até mesmo de
direitos inatos. Foi o direito anglo-saxão que despontou em sua normatização e
serviu de inspiração para tantas outras legislações.
Enfim, é a dignidade humana que corresponde ao princípio cardeal e norteador das relações pessoais e as existentes entre o Estado e o cidadão, e serve de alicerce para todos os demais princípios consolidados na Constituição Cidadã. E, assim, o direito ao silêncio é previsto como garantia fundamental tendo seu epicentro na preservação da dignidade humana[38].
Anexo (Direito Comparado):
No direito comparado, por exemplo, o
acusado no direito processual penal alemão está sujeito ao interrogatório em
todas as fases procedimentais, devendo primeiramente ser cientificado do fato
que lhe é imputado, sendo, ato contínuo, interrogado acerca de sua pessoa.
O juiz deverá adverti-lo quanto ao direito
ao silêncio, bem como de sua possibilidade de consultar um advogado. Entende-se
que o acusado não possua um dever de dizer a verdade, a jurisprudência já
admitiu a agravação da pena em função da mentira – ao contrário do sustentado
pela doutrina. Igualmente, possui o acusado um dever de comparecimento ao ato
de interrogatório, sendo autorizada a sua condução coercitiva para tanto, a ser
determinada pelo juiz ou pelo representante do Ministério Público – sujeita a controle
jurisdicional na última situação.
No direito inglês, segundo o Act de
1994 que estabeleceu em sua seção n.º 35 a possibilidade de se fazerem inferências
a partir do silêncio do acusado. Outras seções também limitam o direito de silenciar:
i) a seção n.º 34 prevê a possibilidade de
interpretar em desfavor do acusado o seu silêncio em relação a fato ou
circunstância importante para sua defesa, devendo ter sido ele advertido a esse
respeito; ii) a seção n.º 36 permite a valoração negativa no tocante ao
silêncio sobre questões referentes à objetos ou substâncias que estavam em
poder do acusado, bem como a sobre sua presença no local em que foi preso; iii)
a seção n.º 37, por fim, permite seja valorado
o silêncio do acusado quando deixar de responder perguntas atinentes à sua
presença no lugar e tempo em que ocorreu o crime. Problemas surgem quando
submetidas as disposições do Act perante a Corte Europeia de Direitos
Humanos.
Com efeito, o direito ao silêncio do
acusado é entendido como garantia fundamental do fair procedure, conforme
interpretação do artigo 6º da Convenção Europeia de Direitos Humanos.
O privilege against self-incrimination
está consolidado no ordenamento jurídico dos Estados Unidos da América através
da 5.ª Emenda Constitucional, a qual preleciona que no person shall be
compelled in any criminal case to be a witness against himself. Com
efeito, trata-se de proteção extensa, abrangendo: i) acusados; ii) testemunhas;
iii) os submetidos à persecução penal; iv) os que potencialmente possam
tornar-se acusados. São registrados casos julgados pela Suprema Corte datados
de 1884, dentre os quais Hopt versus. Utah, nos quais se afastou a
confissão obtida mediante promessa de recompensa, mediante a aplicação da 5ª Emenda.
O silêncio do acusado engloba a renúncia às perguntas, bem como também o direito de não testemunhar em seu próprio julgamento, não sendo admitida a imposição de penalidades em razão do exercício deste direito – como restou decidido pela Suprema Corte em Griffin versus. California. Também possui o acusado o direito de que o julgador informe o júri de que o silêncio do acusado não deve influenciar em sua decisão sobre o caso v.g. como no caso Carter versus. Kentucky[39].
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Acesso em 18/06/2021 Tradução e
interpretação livre.
Notas:
[1] Cumpre
ressaltar, em tempo, que Paulo Rangel define testemunha como sendo o indivíduo
chamado a depor, demonstrando que sua experiência pessoal o colocou em contato
com a existência, natureza e as características de um fato, pois face em estar
em frente ao objeto (testis), guardou na mente, sua imagem.
Já para
Tourinho Filho nos ensinou que a prova testemunhal, particularmente no Processo
Penal, é de valor extraordinário, pois dificilmente, e só em excepcionais
hipóteses provam-se as infrações criminosas com outros elementos de prova e,
quanto ao valor, como qualquer outro meio de prova, a prova testemunhal é
relativa.
O artigo 202 do
CPP expõe que toda pessoa poderá ser testemunha, salvo exceções constantes no
CPP.
A palavra
acusado no mundo jurídico serve para indicar a pessoa contra a qual há um
processo. Se contra a pessoa há apenas um inquérito policial, dizemos que a
pessoa é indiciada. Na dúvida, diga apenas suspeito, que é um termo genérico.
Confundir alguém acusado com alguém indiciado é a mesma coisa de confundir
alguém pré-candidato com alguém candidato durante uma eleição: a maioria dos
pré-candidatos não vira candidato (e muito menos se elege).
Indiciado é o
termo utilizado para o indivíduo que foi objeto de investigação em um inquérito
policial e, ao final da investigação, o Delegado entende ter sido o autor do
crime apurado. Quando se fala em denunciado já se ultrapassou a fase da
investigação policial e o Ministério Público ofereceu denúncia por entender
haver prova da materialidade e indícios suficientes de autoria.
O acusado (réu)
é aquele que efetivamente responde a uma ação penal. Isso ocorre após o
recebimento da denúncia oferecida pelo Ministério Público e dura até o trânsito
em julgado da sentença penal condenatória. Após o trânsito em julgado da
sentença condenatória, a situação muda para condenado, visto não haver mais
dúvidas quanto a prática do crime e a autoria delitiva, restando apenas o
cumprimento da sanção imposta.
[2] O
interrogatório é o momento em que o acusado é ouvido pelo Juiz no decorrer do
processo. É assim e sempre o foi, porém foi valorizado e realizado de diversas
formas no decorrer de sua história, em dois sistemas, o inquisitivo e o
acusatório. No Sistema Inquisitivo, no qual havia uma concentração de todos os
atos do processo (apurar, acusar, defender e julgar) nas mãos de um único
órgão, o interrogatório era tratado como mais um meio de prova. A principal
diferença é que no sistema inquisitivo o réu não era parte, mas sim um objeto
do processo, e no sistema acusatório este passa a ser parte do processo. Vale
ressaltar, que no sistema inquisitivo o interrogatório só poderia ser encarado
como um meio de prova, pois o principal objetivo no Estado, nesta época, era
punir o acusado, ou seja, se valer de seu jus puniendi.
[3] O sistema de
direito brasileiro não autoriza a inversão de ônus da prova em prejuízo do
agente acusado no processo penal, permanecendo válida a regra basilar que
compete à acusação, pública ou privada, provar, observado o devido processo
legal, a prática do fato punível que se lhe imputa. A doutrina majoritária
entende que: "Cabe provar a quem tem interesse em afirmar. A quem
apresenta uma pretensão cumpre provar os fatos constitutivos; a quem fornece a
exceção cumpre provar os fatos extintivos ou as condições impeditivas ou
modificativas. A prova da alegação (onus probandi) incumbe a quem a
fizer (CPP, artigo 156, caput). Exemplo: caberá ao Ministério Público provar a
existência do fato criminoso, da sua realização pelo acusado e também a prova
dos elementos subjetivos do crime (dolo ou culpa); em contrapartida, cabe ao
acusado provar as causas excludentes da antijuridicidade, da culpabilidade e da
punibilidade, bem como circunstâncias atenuantes da pena ou concessão de
benefícios legais.
[4] A delação
premiada (mais precisamente a colaboração premiada, porque nem sempre envolve
delatar alguém) é um mecanismo judicial pelo qual um acusado colabora com as
investigações, revelando detalhes do crime, como os nomes de coparticipantes,
localização da vítima (se houver) ou detalhes que ajudam a recuperar os bens
que foram perdidos por conta do crime. Em troca, o acusado pode receber alguns
benefícios, como: redução de um terço a dois terços do tempo da pena; cumprimento
da pena em regime semiaberto, no lugar do regime fechado; a depender do caso,
extinção da pena; e até mesmo perdão judicial (que nunca foi concedido no
Brasil até hoje).
[5] Habeas corpus
preventivo: quando ainda existe apenas uma ameaça ao direito. Nesse caso,
qualquer pessoa física que se achar ameaçada de sofrer lesão a seu direito de
locomoção tem direito de fazer um pedido de habeas corpus. Essa pessoa é
chamada de “paciente” no processo. Tratando-se de habeas corpus preventivo, se
concedido, será expedido um salvo-conduto, assinado pela autoridade competente.
Salvo-conduto, do latim salvus (salvo) conductus (conduzido), dá
a precisa ideia de uma pessoa conduzida a salvo. Daí a expressão salvo-conduto
para exprimir o documento emitido pela autoridade que conheceu do habeas corpus
preventivo, visando a conceder livre trânsito ao seu portador, de molde a
impedir-lhe a prisão ou detenção pelo mesmo motivo que ensejou o pedido de
habeas corpus.
[6] O postulado da
reserva constitucional de jurisdição importa em submeter, à esfera única de
decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por
efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política,
somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem se
haja eventualmente atribuído o exercício de "poderes de investigação
próprios das autoridades judiciais".
A cláusula
constitucional da reserva de jurisdição - que incide sobre determinadas
matérias, como a busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), a interceptação telefônica
(CF, art. 5º, XII) e a decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a
hipótese de flagrância (CF, art. 5º, LXI) - traduz a noção de que, nesses temas
específicos, assiste ao Poder Judiciário, não apenas o direito de proferir a
última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira
palavra, excluindo-se, desse modo, por força e autoridade do que dispõe a
própria Constituição, a possibilidade do exercício de iguais atribuições, por
parte de quaisquer outros órgãos ou autoridades do Estado.
[7] Não se pode confundir recolhimento domiciliar com prisão domiciliar, aquela é somente cabível como substitutivo da prisão preventiva e sob determinadas condições e circunstâncias pessoais do agente, segundo o art. 318, CPP. Pacelli de Oliveira14 entende que por se tratar de medida limitativa de locomoção, ainda que somente em período noturno e nas folgas de trabalho, o tempo de cumprimento deve ser levado à conta da detração da pena. Antes da nova lei, uma medida cautelar inominada, que os juízes utilizavam para suspender o exercício de função pública ou de atividade de natureza econômicas e financeira com a finalidade de impedir novos delitos. Atualmente, faz parte do inciso VI do art. 319 do Código de Processo Penal. A decretação de tais medidas atípicas deve se dar em contextos excepcionais, haja vista que a restrição de direitos só deve ser admitida em casos de extrema necessidade e na medida correta, na forma do princípio da não-culpabilidade e, não se poderá conceder a título de cautelar inominada mais do que se alcançaria no processo principal. Não se pode utilizar o poder geral de cautela em relação às modalidades de prisão provisória, uma vez que o princípio da reserva legal implica a necessidade de previsão legal da prisão e para ser preso há de se apontar a existência de um crime, crime esse insculpido na lei, conforme se depreende do art. 5º, incisos XXXIX e LXI da Constituição Federal combinado com art. 283 do Código de Processo Penal e art. 1º do Código Penal.
[8] Para a
interpretação, ensina que todas as frações do sistema - cada norma isolada,
portanto - guardam conexão entre si. Assim, em suas bem escolhidas palavras,
"interpretar o Direito é, sempre e sempre, realizar a sistematização
daquilo que aparece como fragmentário". O princípio da legalidade, por
exemplo, só pode ser aplicado à luz de outros princípios também essenciais ao
sistema, como o da moralidade, da eficiência, da legitimidade. E, ainda, na
esteira das lições de Gadamer, um dos muitos nomes retomados, a interpretação
do texto jurídico deve ser condicionada pela aplicação, e de maneira que ocorra
uma "superação da vontade do legislador por aquela que se poderia denominar
vontade axiológica do sistema, reconhecida somente após a interação dialética
entre ordenamento e intérprete". Para o caminho, pois, defende que o
princípio hierárquico deve preponderar sobre o critério da especialidade,
sempre, escalonando-se princípios, regras e valores. E que todo intérprete de
norma jurídica é, sem exclusão, um intérprete da Constituição.
[9] Entre as
medidas cautelares pessoais não prisionais, os juízes criminais podem
determinar a retenção do passaporte do acusado — ou de outro documento de
viagem —, como forma de assegurar a proibição de saída do País. Tal medida,
prevista expressamente no art. 320 do CPP desde 2011, serve para restringir os
movimentos migratórios de pessoas sujeitas à jurisdição criminal brasileira,
sejam elas nacionais ou estrangeiras, quando há fundadas razões para crer em
sua fuga: Art. 320. A proibição de
ausentar-se do País será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de
fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou
acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas. A
jurisprudência dos Tribunais Superiores é pacífica no sentido de que a
imposição de condições para a concessão do benefício da liberdade provisória
ou para a revogação de prisão preventiva não ofende os princípios da presunção
de inocência e da reserva legal. Entretanto, deve existir razoabilidade nas
restrições ao direito de ir e vir do réu em processo penal, com a devida
fundamentação que justifique a necessidade da cautela, à luz do disposto no
art. 93, inciso IX, da Constituição Federal brasileira de 1988.
[10] Trata-se de uma
permissão concedida ao Estado-juiz para que possa conceder, além das medidas
cautelares típicas (tais como o arresto ou sequestro), medidas cautelares
atípicas, ou seja, medidas não descritas pela norma jurídica. O poder geral de
cautela do juiz é nada mais que a própria aplicação dos princípios
fundamentais. Nesse sentido, Câmara (2008): Admitir a existência de casos para
os quais não houvesse nenhuma medida cautelar capaz de evitar um dano
irreparável, ou de difícil reparação, para a efetividade do processo seria
admitir a existência de casos para os quais não existiria nenhum meio de
prestação da tutela jurisdicional adequada, o que contrariaria a garantia constitucional
(a qual, relembre-se, está posta entre as garantias fundamentais do nosso
sistema político e jurídico).
[11] O princípio da
Presunção de Inocência é no Brasil um dos princípios basilares do Direito,
responsável por tutelar a liberdade dos indivíduos, sendo previsto pelo art.
5º, LVII da Constituição de 1988, que enuncia: “ninguém será considerado
culpado até trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Já no século
XVIII, Cesare Beccaria postulava que a liberdade de um homem só lhe podia ser retirada
após a comprovação de violações pactuadas. Com o florescer do respeito à
liberdade, a dignidade da pessoa humana e a valorização dos direitos
individuais e sociais, a presunção de inocência passou a ser acolhida em
praticamente todo o mundo civilizado, seja nas convenções internacionais seja
nos ordenamentos dos países. Cada um ao seu modo, e na forma de seu sistema
jurídico, tem previsto que o estado natural das pessoas é o da liberdade e que
uma pena de constrição dessa liberdade somente seria imposta após observados
todos os direitos e garantias constitucionais, principalmente a observância da
presunção de inocência. O que se diferencia mundo a fora é o momento de alcance
desse princípio. Na maioria dos países, a culpabilidade é reconhecida em dois
graus de jurisdição. Porém, este não foi o entendimento adotado pelo nosso
constituinte quando da CRFB/1988. A presunção de inocência, em nosso
ordenamento, ficou atrelada a ocorrência do trânsito em julgado da ação, ou
seja, todo cidadão será presumido inocente, não cabendo a execução da pena até
que todos os recursos possíveis para a situação sejam julgados.
[12] A lógica do
razoável, mediante a ponderação de princípios e valores, como padrão não só
para aferição da constitucionalidade das leis, mas também para a aceitação da decisão
judicial, é conceito presente na atualidade do debate jurídico. Por meio da lógica
do razoável, e da argumentação, mostrando exaustivamente as virtudes da solução
adotada, busca-se a decisão mais adequada, uma decisão justificável, ainda que
não absolutamente demonstrável como a única possível. É a lógica do preferível.
Se não existem pessoas como Hércules, capazes de encontrar a única solução
correta, os aplicadores do direito devem ao menos tentar achar a melhor solução
entre as várias que se apresentam e têm a obrigação de expor, da maneira mais
completa possível, as razões que os levaram a tal preferência por uma escolha
em detrimento de outra.
[13] Sob outro
enfoque, a condução coercitiva há muito vem ganhando espaço no meio jurídico,
fora das hipóteses acima apontadas, ou seja, sem prévia intimação, como
eficiente mecanismo de persecução penal. Na verdade, trata-se de uma excelente
ferramenta para as investigações, principalmente para as mais vultosas,
referentes a associações e organizações criminosas, em relação às quais a
obtenção de provas geralmente é mais trabalhosa, devido às suas ramificações e
o modo de agir dos criminosos, os quais, invariavelmente, contam com a
colaboração de vários agentes, estrutura, organização e logística previamente
pensadas para dificultar, senão anular as chances de êxito de qualquer trabalho
investigativo. Nesse sentido, aliás, há julgados tanto do Supremo Tribunal
Federal (HC 107644/SP) quanto do TJGO (Agravo Regimental em Medida Cautelar nº
161912-29.2013.8.09.0000, Rel. Des. João Waldeck Felix de Sousa, Corte
Especial, julgado em 14/01/2015, DJ 1725 de 10/02/2015), admitindo a condução
coercitiva.
[14] Já em 1960,
Serrano Alves escrevia uma monografia com o título “O Direito de Calar” (Rio de
Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1960), cuja dedicatória era “aos que ainda
insistem na violação de uma das mais belas conquistas do homem: o direito de
não se incriminar”. Na sua introdução, o autor afirma: “Este livro é uma
calorosa mensagem de esperança dirigida aos mártires da truculência policial e
do exagerado arbítrio judicial.”
[15] A acareação é
um procedimento previsto tanto no Código de Processo Civil quanto no Código de
Processo Penal, cuja finalidade é a apuração da verdade, por meio do confronto
entre partes, testemunhas ou outros participantes de processo judicial, que
prestaram informações prévias divergentes. Um possível indicativo da
importância da acareação como meio de prova consiste na análise do direito
comparado. Com efeito, o instituto está positivado nos Códigos de Processo
Penal de Portugal (art. 146), da Itália (arts. 211 e 212), da Argentina (arts.
276 a 278), do Paraguai (arts. 95 e 233) e na Ley de Enjuiciamiento
Criminal Espanhola (arts. 451 a 455), apenas para ficar em alguns poucos
exemplos. No Brasil, o instituto vem positivado nas regras dos arts. 230 e 231,
do CPP e nos arts. 365 a 367, do CPP Militar. No âmbito da persecução penal e
da fase de realização da diligência, a regra do art. 230, do CPP, prevê a
admissibilidade da acareação tanto no curso do processo como em sede de
inquérito policial. Tem-se admitido, também, a realização de acareações em
Comissões Parlamentares de Inquérito.
[16] Provas ilícitas
são aquelas, cuja maneira de obtenção da prova infringe as normas de direito
material e constitucional, portanto elas não são aceitas no processo. Provas
das quais são obtidas violando alguns princípios constitucionais ou direitos
materiais, são essas consideradas provas ilícitas. A concepção ampla de prova
ilícita é o resultado das definições de vários autores processuais, em que, em
cada conceito, é estabelecido seu próprio parâmetro sobre o que seria ilícito.
Já a concepção restrita, limita o conceito de prova ilícita, em que é aquela
obtida com violação de normas de direitos fundamentais. Vale citar Grinover,
Fernandes e Gomes Filho (1997), os quais acrescentam que uma prova pode ser ao
mesmo tempo ilícita e ilegítima, haja vista que se a prova é ilícita esta será
também processualmente ilegítima e, por isso, não será empregada no processo.
Entretanto, o inverso não seria correto, já que para a prova ser considera
ilícita, ela tem que violar, necessariamente, uma norma de direito
constitucional, relacionada à proteção de liberdades públicas, ou uma norma
legal que implique em uma violação material.
[17] Aliás, a
doutrina dos frutos da árvore envenenada deita origem na jurisprudência da
Suprema Corte dos EUA (fruits of the poisonous tree) e deriva da imagem
metafórica de uma árvore contaminada por veneno, a primeira prova ilicitamente
obtida, quaisquer frutos colhidos de tal árvore, as provas decorrentes da primeira,
estarão igualmente contaminados e devem ser rejeitados. No Brasil, existe
muitos precedentes do STF acatando a mesma tese. Por exemplo: Habeas Corpus
n. 73.351-SP, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Ilmar Galvão, julgamento em
09.05.96, RTJ 168/543; Habeas Corpus n. 72.588-PB, Tribunal Pleno,
Relator o Ministro Maurício Corrêa, julgamento em 12.06.96, RTJ 174/491; e Habeas
Corpus n. 80.949-RJ, 1ª Turma, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence,
julgamento em 30.10.2001, RTJ 180/1001. Como afirmado na ementa do segundo dos
três acórdãos referidos, “as provas obtidas por meios ilícitos contaminam as
que são exclusivamente delas decorrentes; tornam-se inadmissíveis no processo e
não podem ensejar a investigação criminal e, com muito mais razão, a denúncia, a
instrução e o julgamento (...)”.
[18] Trata-se, na
verdade, de uma contravenção penal, prevista no art. 58 do Decreto Lei nº
3688/41 (Lei das Contravenções Penais). A razão oficial para proibir o jogo do
bicho e os jogos de azar em geral pode ser encontrada nos considerando de outro
Decreto-Lei. O de 9.215/1946, que revogou a revogação do mencionado artigo 50,
considerando, entre outras coisas, que “a repressão aos jogos de azar é um
imperativo da consciência universal” e que “a tradição moral jurídica e religiosa
do povo brasileiro e contrária à prática e à exploração e jogos de azar”. O
jogo do bicho é proibido pela lei brasileira número 3.688 e considerado
contravenção juntamente com jogos de azar, atividade de cassino e exploração
não autorizada de loteria. Desde o anúncio da proibição do bicho em 1941, os
bicheiros, controladores dos pontos de aposta, se organizaram e formaram uma
cúpula que se relaciona por meio de propina e financiamento de projetos e
campanhas com o governo, justiça e polícia. Essa relação, que cresceu e se
tornou cada vez mais comum, é o que permitiu que o jogo do bicho chegasse até
os dias de hoje em pleno funcionamento. Por conta disso, hoje o bicho é
considerado não só contravenção, mas crime de formação de quadrilha e
corrupção. Na década de 70, o jogo do bicho no Rio de Janeiro estava organizado
praticamente como uma empresa em expansão. E, tendo arrecadado grandes quantias
de dinheiro, investiram, entre outras coisas, na compra de escolas de samba e
no controle do carnaval, por meio da liga das escolas de samba. Além de um
negócio lucrativo, o carnaval é utilizado para "lavar" o dinheiro
ilegal conseguido com o jogo por meio de notas superfaturadas.
[19] O atentado
violento ao pudor foi revogado pela Lei 12.015/09, portanto, pode-se dizer que
o atentado violento ao pudor sofreu abolitio criminis. Não é correto
afirmar que houve abolição do crime, pois a referida lei reuniu no mesmo tipo
legal as descrições típicas previstas nos crimes de estupro e atentado violento
ao pudor. Doravante, a prática, sob violência ou grave ameaça, de atos
libidinosos diversos da conjunção carnal contra homem ou mulher, é considerada
estupro. No Direito Penal brasileiro, atentado violento ao pudor, conhecido
informalmente pela sigla AVP foi um tipo penal que vigorou entre 1940, data de
criação do Código Penal Brasileiro, e agosto de 2009, quando a Lei 12.015/2009
o revogou. Diferenciava-se do estupro por envolver ato sexual diverso da cópula
(também denominada conjunção carnal ou sexo vaginal) ou ainda, quando a vítima
do ato sexual forçado era do sexo masculino. Havia diversas formas de atentado
violento ao pudor, que compreendiam a prática de atos diversos da conjunção
carnal, por exemplo, tocar as partes íntimas de uma pessoa, após havê-la
subjugada de alguma forma - pelo emprego de arma ou outra violência. Neste
caso, a violência é real (mediante intimidação capaz de anular a resistência
normal da vítima); situação diferente da violência presumida - aquela em que a
vítima era menor de 14 anos, ou deficiente física ou mental - onde a violência
é presunção legal em virtude da menor ou nenhuma capacidade de se defender.
[20] Em que medida
pode-se exigir do réu que forneça um álibi, ao passo que, em princípio,
presumido inocente, tem o mais estrito direito ao silêncio?” Justamente esse
tipo de questionamento é que se pretende discutir no presente trabalho,
inclusive com os outros exemplos que serão trazidos adiante. Aury Lopes Jr.,
diga-se, de maneira pontualíssima, leciona que o "direito de silêncio é
apenas uma manifestação de uma garantia muito maior, esculpida no princípio nemo
tenetur se detegere, segundo a qual o sujeito passivo não pode sofrer
nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória
da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando interrogado".
[21] Para decretação
da prisão preventiva, necessário se faz a presença de três requisitos: fumaça
do cometimento do crime (a materialidade e indício de autoria) somado o perigo
na liberdade do agente (um dos fundamentos trazidos na parte final no artigo
312 CPP) somado o cabimento (hipóteses descritas no artigo 313). No primeiro
requisito, temos o que chamamos de pressupostos, a fumaça do cometimento do
crime, o fumus commissi delicti. Precisa ser demonstrado que o crime
ocorreu e que possui indícios que seja, o agente, o autor do crime. Quando a
decisão é decretada após o recebimento da denúncia, caso não esteja sendo
solicitado o trancamento da ação penal, será muito difícil "quebrar"
esse requisito. Em outro artigo trataremos do habeas corpus para trancar ação
penal. No que diz respeito ao segundo requisito, qual seja, a fundamentação,
deverá ser demonstrado que a liberdade do agente colocará em risco a
efetividade do processo. Há um perigo na liberdade do agente, há o periculum
libertatis. Para fundamentar, deverá o magistrado trazer elementos
concretos na fundamentação, presente nos autos, que façam demonstrar que a
liberdade do agente trará prejuízo para o tramitar processual. O terceiro e
último requisito é o previsto no artigo 313 do CPP, que são as hipóteses de
cabimento da prisão preventiva. Caso não esteja enquadrado em nenhuma das
hipóteses ali presentes, não há que se falar em prisão preventiva, mesmo que os
outros dois requisitos estejam presentes.
[22] Em seu artigo 342, o Código Penal (CP) brasileiro prevê o crime de falso testemunho ou falsa perícia, que se configura no ato de mentir ou deixar de falar a verdade nas seguintes situações: em juízo, processo administrativo, inquérito policial ou em juízo arbitral. As condutas, contra a administração da Justiça, somente podem ser cometidas por testemunha, perito, tradutor, contador ou intérprete. Atores essenciais da atividade judiciária, essas pessoas prestam informações que podem fundamentar decisões em processos. A realização de qualquer atividade prevista no artigo 342 do CP configura a consumação do crime, mesmo que o ato não produza consequências. O crime prevê pena de reclusão, de 2 a 4 anos, e multa. A punição aumenta, de um sexto a um terço, no caso de o crime ter sido praticado mediante suborno ou com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta. No caso de a pessoa se retratar ou declarar a verdade, o crime deixa de existir. A retratação, no entanto, deve ocorrer antes de a sentença ser prolatada. O Projeto de Lei 3778/20 amplia o espectro do crime de falso testemunho ou falsa perícia previsto no Código Penal. Entre outros pontos, o texto propõe que o tipo objetivo passe a prever o “não comparecimento à oitiva” ao lado das condutas de “fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade”. Fonte: Agência Câmara de Notícias
[23] A origem do
princípio nemo tenetur se detegere data do Ius Commune europeu e chega até sua
final consolidação na common law inglesa através do privilege against
self-incrimination e sua transferência para as colônias norte-americanas. O
princípio nemo tenetur se detegere refere-se ao direito possuído por
todo acusado de não cooperar com a persecução penal contra ele instaurada,
abstendo-se de fornecer meios de prova que possam contribuir para a sua
incriminação. Tal princípio é originário do Ius Commune europeu e
encontra seu equivalente no Sistema Jurídico da Common Law, através do privilege
against self-incrimination. Trata-se de uma conquista da defesa
técnica, pois restou consagrado, tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos
da América após o esforço incansável dos advogados, que repudiavam a prática
arbitrária do juramento ex officio bem como a presunção de que o
silêncio do acusado produzia prova de sua culpabilidade. Também é corolário do
abandono do sistema inquisitório e adoção do modelo acusatório. Acima de tudo,
o princípio faz parte da humanização do direito penal e do processo penal,
antes centrado no indivíduo como objeto e meio de prova, o que permitia a
prática da tortura e penas cruéis. A máxima latina nemo tenetur prodere se
ipsum, conexa à nemo tenetur se detegere, não possui suas
origens no direito romano, mas sim no Ius Commune europeu. O direito da
Europa Medieval – Ius Commune – era um direito culto, formado por dois
direitos: i) o direito civil, originário das compilações do Corpus Iuris
Civile de Justiniano; ii) o direito canônico, cujos ditames estavam nas
coleções que viriam a formar o Corpus Iuris Canonici, A princípio, o
direito canônico se destinava à administração interna da Igreja Católica
Apostólica Romana. Entretanto, gradualmente, sua jurisdição estendeu-se para
atingir: i) objetivamente, qualquer matéria concernente à fé; e ii)
subjetivamente, qualquer leigo que possuísse relação com a Igreja.3 Sobre o
ius commune, ensina Melodie H. Eichbauer.
[24] O objeto da
confissão é o fato criminoso e não sua capitulação jurídica. “A confissão recai
sobre fatos, pois apenas dos fatos o réu se defende”. Sobre o fundamento
histórico da confissão, Aury LOPES JR ensina que “No fundo, a questão
situava-se (e situa-se, ainda) no campo da culpa judaico-cristã, em que o réu
deve confessar a arrepender-se, para assim buscar a remissão de seus pecados
(inclusive com a atenuação da pena, art. 65, III, “d”, do Código Penal). Também
é a confissão, para o juiz, a possibilidade de punir sem culpa. É a
possibilidade de fazer o mal através da pena, sem culpa, pois o herege
confessou seus pecados”.
A questão mais
relevante diz respeito à confissão obtida na fase policial e, posteriormente,
retratada em juízo. Seguindo a linha de pensamento desenvolvida, somente a
confissão feita em juízo poderia ser utilizada no julgamento (junto com as
demais provas, é claro). Assim, quando houver confissão na fase pré-processual
e retratação na fase processual, não existiu confissão alguma a ser valorada na
sentença. Advertimos, contudo, que ainda predomina o entendimento na
jurisprudência que o juiz pode formar seu convencimento a partir da confissão
feita na fase policial, o que nos parece um absurdo. (...) Assim, pode-se
concluir que a confissão tem como características principais, além da
pessoalidade e da espontaneidade, a divisibilidade e a retratabilidade.
[25] O direito ao
silêncio como o conhecemos é oriundo do Ius Commune europeu, estando contido em
seu popular manual, o Speculum Iudiciale. Outros diplomas canonistas
asseguravam a proteção ao penalmente imputado, processo que sofreu verdadeiro
retrocesso com a realização do IV Concílio de Latrão pela Igreja Católica
Apostólica Romana, o qual instauraria o processo inquisitório do medievo. Somente
com o advento do Iluminismo temos o retorno do reconhecimento das garantias ao
imputado, em se tratando da Europa Continental. Entretanto, é no Direito Inglês
que o princípio, através do privilege against selfincrimination encontra sua
proteção, a qual é uma conquista da defesa técnica, fruto da irresignação com
as cortes eclesiásticas de Star Chamber e High Comission. O
direito norte-americano estenderia a proteção dada pelo privilege
disciplinando-o constitucionalmente em 1791.
[26] Para o jurista Lenio
Streck, há sim uma politização das ações do Supremo Tribunal Federal (STF). No
entanto, avalia o especialista, essa não é uma particularidade da Suprema Corte
brasileira. O problema seria a adoção em reviravoltas de medidas com
consequências para a política. “Toda Suprema Corte do mundo tem viés político.
Questão é que o órgão não pode surpreender a comunidade política nem se
sobrepor a ela. Aos olhos da população e da política, as decisões dos últimos
dias parecem um atravessamento do STF pelas consequências que a medida tem.”
[27] O delito de
infração de medida sanitária preventiva, previsto no artigo 268 do Código
Penal, adquire realce no atual contexto pandêmico causado pelo novo coronavírus
(Covid-19) porque ele é expressamente previsto por diversos atos normativos
como uma das consequências do descumprimento de deveres individuais
relacionados ao isolamento social, exames e tratamentos médicos específicos,
testes laboratoriais e, inclusive, o uso obrigatório de máscaras de proteção
facial.
[28] Como o primeiro
conceito foi trazido recentemente para o Brasil, a sua tradução se deu ao pé da
letra, resultando em "além da dúvida razoável". Quanto à palavra
"standard", que seria tradução da palavra padrão e que guarda
pouca relação com o tema a seguir abordado, esclareça-se que será utilizada a
própria palavra em inglês, ante a inexistência de tradução com significado
idôneo.
Quanto ao
significado de standard, a doutoranda e Juíza de Direito do Paraná,
Simone Trento defende que seria a intensidade de prova a ser alcançada para que
o juiz possa proferir uma decisão fundada em certo fato jurídico. Este standard
indica um ponto mínimo que deve ser alcançado para que se chegue à constatação
dos fatos objetos da prova.
Já beyond a
reasonable doubt, de acordo com os autores americanos James Q. Whitman
Milley W. Shealey Junior seria um conceito que a própria Suprema Corte
Americana falhou em definir com precisão.
Whitman inicia
seu artigo afirmando que nos Estados Unidos, pelo menos na teoria, ninguém
poderá ser condenado por um crime sem absoluta certeza sobre sua culpa. Explica
que se o réu não confessar, todos os elementos essenciais da culpa deverão ser
comprovados ao Júri e provados beyond a reasonable doubt. Quanto à
expressão, esclarece que não está expressa na Constituição, bem como que passou
a ser aplicada nos Estados Unidos a partir de 1798, tendo sido reconhecida pela
Suprema Corte americana como standard do direito constitucional somente em
1970. A partir deste momento, a Corte teria passado a insistir na fundamental
importância da aplicação deste princípio.
De acordo com
Whitman, a história da regra da dúvida razoável seria a luta entre os ingleses
e os desafios cristãos ocidentais universais. Os cristãos também eram jurados
e, portanto, se submetiam aos atos de julgamento. Durante a Idade Média
inglesa, os jurados não eram obrigados a ditar o veredicto de
"culpado" e, portanto, não colocavam as suas almas em risco, no
entanto, no período moderno, o medo da condenação surgiu e esta situação mudou.
Os jurados tinham muito receio de condenar alguém quando houvesse a mínima
possibilidade de inocência.
[29] Na obra de
Deltan Martinazzo Dallagnol, onde o referido autor abordou o standard como uma
alternativa aos conceitos inadequados de verdade e certeza, na indicação de um
nível de convicção suficiente para uma condenação criminal. No quinto capítulo,
abordou-se as diferenças e similitudes entre o princípio in dubio pro reo e o
standard beyond a reasonable doubt, inferindo-se que, diferentemente do in
dubio pro reo, o standard americano admitiria uma condenação, mesmo
quando houvesse dúvida e desde que esta dúvida fosse ínfima, imaginária, não
razoável. Por último, colacionou-se alguns julgados brasileiros, demonstrando a
aplicação do padrão americano no Brasil. Exemplificou-se a aplicação do
referido standard em diversos julgados, inclusive no "Mensalão" e na
"Lava-jato".
[30] Bottino (2009)
registrou: “No julgamento do caso Twining v. State, 211 U.S. 78 (1908),
ocorrido em 09/11/1908, a Suprema Corte dos EUA decidira que as primeiras oito
emendas à Constituição – dentre elas a que garantia o direito de não se
autoincriminar, a 5ª emenda – restringiam apenas o poder estatal da união
(governo federal) e não se aplicavam às jurisdições dos Estados. A decisão da
Suprema Corte naquele caso estabeleceu a existência de dois tipos de cidadania
diferentes nos EUA: uma nacional e outra estadual. Assim, se um determinado direito,
privilégio ou imunidade, embora fundamental, não decorre das características do
federalismo e não está especificamente previsto na Constituição como oponível
aos Estados não pode ser alegado em processos criminais desenvolvidos no âmbito
da jurisdição local. Ainda segundo a Suprema Corte, embora a 14ª emenda tenha incorporado
à jurisdição federal e à estadual a cláusula do devido processo legal – com intuito
de restringir o uso do poder estatal e evitar ações arbitrárias que pudessem
atingira liberdade e os bens dos indivíduos – não chega ao ponto de impor o
respeito, por parte da justiça dos estados, da garantia de vedação de
autoincriminação quando esse direito não tiver sido incorporado pela legislação
dos estados. O fato de a garantia de vedação de autoincriminação constituir um
direito referido em separado pela Constituição, na 5ªemenda, conduz à conclusão
de que se trata de um direito destacado do devido processo legal. Portanto, na
opinião da Suprema Corte, a garantia de vedação de autoincriminação não faz
parte da common law existente desde antes da independência das colônias dos EUA
e, por fim, não pode ser apontada como um elemento indissociável do devido
processo legal, com o significado que a 14ª emenda lhe conferiu. Com base nesses
argumentos a Suprema Corte decidiu seguir o stare decisis (o
entendimento que vinha sendo fixado desde então para situações semelhantes) e
não modificar o resultado do julgamento em que Albert C. Twining – diretor e um
banco acusado da prática do crime de exibição de documentos falsos ao fiscal do
banco central dos EUA com o intuito de prejudicar a avaliação da saúde
financeira da instituição – alegava ter tido seu direito violado em razão da
instrução dada aos jurados de que eles poderiam considerar a recusa do acusado
em testemunhar como uma evidência de que o mesmo praticara o crime que lhe era
imputado. A jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América
indica que, embora sejam produções legislativas dos séculos XVIII e XIX, a 5ªe
14ª emendas só foram transformadas em garantias efetivas na década de 60 do
século XX, no bojo da campanha pela igualdade de direitos civis nos EUA,
conhecido como civil rights movement, cujo período de maior
efervescência ocorreu entre 1955 e 1965.Há momentos marcantes desse processo de
expansão dos direitos dos cidadãos e de efetivação material das garantias
constitucionais, como a decisão da Suprema Corte no caso Brown v. Board of
Education, 347 U.S. 483 (1954); a campanha de boicote às empresas de ônibus
de Alabama nos quais os negros deveriam sentar-se separados dos brancos (1955);
a “integração” de uma escola em Little Rock, no Arkansas, com a presença do
exército (1957); dentre vários outros que culminaram, em 1963, com a presença
de duzentas mil pessoas na “Marcha sobre Washington” reunidas para ouvir o famoso
discurso “I have a dream” de Martim Luther King. Portanto, apesar
das centenárias previsões constitucionais acerca do direito de não se
autoincriminar, será somente no contexto social dos anos 60 do século XX que a
garantia revelar-se-ia deforma efetiva, como no famoso julgado da Suprema Corte
dos Estados Unidos Miranda v. Arizona, 384 U.S. 436 (1966)”.
[31] Foi um caso da
Suprema Corte dos EUA que sustentava que os suspeitos de crimes tinham direito
a um advogado durante os interrogatórios policiais sob a Sexta Emenda. O caso
foi decidido um ano depois que o tribunal decidiu em Gideon versus
Wainwright que os réus criminais indigentes têm o direito de receber um
advogado no julgamento.
[32] A Suprema Corte
Americana em um caso histórico denominado Miranda vs Arizona (384 U. S. 436),
por cinco votos a quatro decidiu que “antes de qualquer questionamento, uma
pessoa deve ser informada que ela tem o direito de permanecer calada, e que
qualquer depoimento que fizer poderá ser usado como prova contra si mesma.”
[33] No Brasil, os
direitos e garantias individuais foram introduzidos desde a Constituição
Imperial de 1824, cujo rol apresenta-se no Título 8º: “Das Disposições Geraes,
e Garantias dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros” em seu
artigo 179, sob a forma de trinta e cinco incisos (BRASIL, 1824). Dentre eles
encontramos, por exemplo, a liberdade de locomoção, a inviolabilidade do
domicílio, a possibilidade de prisão somente em flagrante delito ou por ordem
da autoridade competente, e a igualdade perante a lei.
[34] Para António
Pedro Barbas Homem, a “verdade brilha e guia a nossa liberdade e a nossa
vontade”, ao passo que a mentira, ao contrário, “conduz-nos à escuridão e ao
vazio”. De acordo com esse autor, “o problema da verdade antecede o da
justiça”, daí concluir-se que “uma decisão não pode ser justa se não for
verdadeira”. Por estas razões, esse jurista chegou à conclusão de que,
diferentemente do silêncio e de ficar calada, uma pessoa acusada de praticar um
crime, não pode, diante de um juiz, mentir, “pois tal significava aceitarmos a
mentira como critério de organização da sociedade”. Na doutrina portuguesa,
Manuel Lopes Maria Gonçalves salienta, a esse respeito, que a questão não tem
grandes repercussões práticas, na medida em que, em qualquer caso, será
inexigível do acusado o dever de verdade.
[35] Não se pode
concordar com a assertiva de que o princípio do nemo tenetur se detegere
assegure o direito à mentira. [...] A questão assemelha-se à fuga do preso.
Pelo simples fato de a fuga não ser considerada crime, daí não se pode concluir
que o preso tenha direito à fuga. Tivesse ele direito à fuga, estar-se-ia
afirmando que a fuga seria um ato lícito, o que não é correto, na medida em que
a própria Lei de Execuções Penais estabelece como falta grave a fuga do
condenado (LEP, art.50, inciso II). Na verdade, por não existir o crime de
perjúrio no ordenamento pátrio, pode-se dizer que o comportamento de dizer a
verdade não é exigível do acusado, sendo a mentira tolerada, porque dela não
pode resultar nenhum prejuízo ao acusado. Logo, como o dever de dizer a verdade
não é dotado de coercibilidade, já que não há sanção contra a mentira no
Brasil, quando o acusado inventa um álibi que não condiz com a verdade,
simplesmente para criar uma dúvida na convicção do órgão julgador, conclui-se
que essa mentira há de ser tolerada por força do nemo tenetur se detegere. Não
é unânime, para a doutrina brasileira, a possibilidade de o acusado mentir em
processo criminal. Enquanto de um lado há quem defenda a conduta como um
direito decorrente da extensão dos princípios da ampla defesa e não incriminação,
outros doutrinadores apontam para a existência apenas de uma tolerância à
mentira, posto que não há uma tipificação para a conduta, conforme esclarece
Palis (2016).
[36] Cumpre
esclarecer ainda que o entendimento de que o réu poderá mentir em juízo,
reconhecido inclusive pelo STF, diz respeito apenas aos questionamentos acerca
dos fatos a si imputados, pois sabe-se, também, que a autodefesa não é um
direito absoluto. Isto porque, por exemplo, se o réu, no interrogatório,
imputar falsamente o crime a pessoa inocente, deverá responder pelo delito de
denunciação caluniosa, tipificado no art. 399 do Código Penal.
[37] Seja como for,
o que se pretende esclarecer de maneira muito breve, é que a intenção da
redação de referida norma foi, precisamente, justa e razoável, na medida em que
pensada para impedir a prisão do indivíduo, sem a sólida certeza de sua
condenação - o que, de certa forma, poderia levar o Estado a incorrer em
tremenda injustiça, caso, após o término do processo, se concluísse pela
inocência do acusado. Decisão do Supremo Tribunal Federal acerca do tema, em
julgamento do Habeas Corpus 126.292/SP, de relatoria do Exmo. min. Teori
Zavascki. Na ocasião, por 6 votos a 5, o Plenário do STF firmou o entendimento
de que, confirmadas as condenações criminais pelas decisões de segundo grau
(isto é, aquelas proferidas pelos Tribunais, onde questões de fato e de
direito, analisadas pelo juiz de primeiro grau, já foram revistas por um
colegiado) poder-se-á, desde logo, executar a pena de prisão, não sendo necessário,
portanto, aguardar a interposição e tramitação dos recursos destinados aos
Tribunais Superiores. Encontra-se aqui, porém, um pequeno problema de
compatibilização com a norma fundamental disposta no art. 5.º, LVII da CF,
acima referida. Ora, pois, veja-se que, enquanto o constituinte estabeleceu a
impossibilidade de condenação antes do trânsito em julgado de sentença penal
condenatória (que só ocorreria após tramitação dos últimos recursos perante a
Instância Especial), o Supremo decidiu por caminho absolutamente oposto,
viabilizando, logo após as decisões de segunda instância, a prisão do acusado -
e formando, portanto, o que se poderia chamar de execução provisória de pena.
In: GENOSO, Gianfrancesco. O STF e a presunção de inocência: princípio em
extinção? Disponível em:https://www.migalhas.com.br/depeso/280768/o-stf-e-a-presuncao-de-inocencia--principio-em-extincao
Acesso em 19.6.2021.
[38] Por fim,
juntamente com os direitos fundamentais existe uma segunda dimensão,
representada pelos deveres fundamentais, isto é, o dever do homem de respeitar
determinados valores relevantes para a vida em comunidade, questão analisada
por Gregórios Robles, in litteris: “A dignidade do ser humano não
consiste em cada um exigir seus direitos e que tudo lhe pareça pouco para
afirmar a sua personalidade, mas, sobretudo, consiste em cada um assumir seus
deveres como pessoa e como cidadão e exigir de si mesmo seu cumprimento
permanente. Os direitos devem ser os canais institucionais que permitam a
realização dos deveres”.