Paola Carosella, o Direito Societário e a dita “estratégia”

Por Paulo Schwartzman.

Fonte: Paulo Schwartzman

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Olá, prezados, tudo bem? Na coluna dessa semana vamos falar um pouco sobre a questão envolvendo a cozinheira/empresária Paola Carosella e o trecho da entrevista que viralizou essa semana na internet. Afora os questionamentos acerca do porquê de esta entrevista antiga ter se levantado na internet nessa semana, o que, sinceramente, não convém a esta coluna, vamos analisar juridicamente se houve algum tipo de possibilidade de ato ilícito cometido na “estratégia” da cozinheira.


Primeiramente, bom começarmos com o trecho em si. Basta clicar aqui[1] e vocês poderão se inteirar do assunto. Depois de visualizado, voltem e continuem a leitura, garanto que será mais proveitosa se vocês souberem acerca do que estamos falando.


Um mini resumo do acontecido, no entanto, para aqueles que não assistiram o vídeo: Paola comenta sobre como se deu o início de suas operações em seu restaurante, bem como que a escolha societária foi de ela entrar com o trabalho e os outros sete investidores entrarem com o capital. Após um tempo com a sociedade dando certo, mas com Paola descontente, essa deixou o negócio “abandonado”, para derrubar o faturamento e como forma estratégica de “baixar” o valor da participação de seus sócios, se oferecendo, posteriormente, para comprá-las por um preço menor dois ou três meses depois do “golpe”.


Aposto que a reação de muitos foi como a de Ana Paula Padrão no vídeo. Cito aqui a apresentadora:


“Úia”


Certo, mas você leitor deve estar se perguntando “e pode isso Arnaldo?”. Calma, vem comigo que eu tento explicar um pouco o que podemos extrair de jurídico desse vídeo.


Primeiramente, como Paola se apresenta no vídeo como tendo entrado com apenas seus dotes culinários, entendemos que esta deva ser o que a doutrina chama de “sócia de serviço”. O sócio de serviço, diferente da figura societária usual, o “sócio de capital”, contribui com a sociedade apenas com seu labor, sem, no entanto, contribuir financeiramente para o negócio. O sócio de capital, como o próprio nome ajuda a inferir, contribui com a atividade por meio de seu aporte de dinheiro ou demais bens.


Só com essa informação, e supondo que esta informação seja correta, já sabemos que a sociedade da qual Paola fazia parte não deveria ser uma sociedade limitada, isso porque, para esse tipo societário é vedada a existência de sócios de serviço, conforme art. 1.055, §2º, do Código Civil. No mais, não temos muito como saber mais acerca da participação de Paola em termos societários.


No que se refere à conduta de baixar o faturamento em si, entendemos que, se de fato isso ocorreu, é sem sombra de dúvidas uma conduta que ultrapassa as barreiras da moralidade e da convivência grupal. Mas a pergunta que fica é: isso infringe algum direito?


Bom, passemos a analisar o ato em si. Dolosamente utilizar-se de um artifício para sabotar o próprio negócio pode ser configura como conduta contrária ao art. 1.013, §2º, do Código Civil. Vejamos, in verbis:


Art. 1.013. omissis


§1º omissis


§2º Responde por perdas e danos perante a sociedade o administrador que realizar operações, sabendo ou devendo saber que estava agindo em desacordo com a maioria.


Ora, do quanto acima disposto, fica clara a responsabilidade por deliberadamente afundar o próprio negócio, na medida em que gerou um dano (nesse caso a diminuição do valor das quotas) e certamente foi em desacordo com a intenção da maioria, que é, pasme, ver o seu negócio prosperar e não falir.


No mais, ainda que não fosse assim, mesmo que não houvesse disposição na área societária de nosso Código Civil (Código que razoavelmente unificou o Direito Privado – Civil + Empresarial), seria aplicável a responsabilização extracontratual genérica. Com efeito, tanto a conduta (pressuposto de responsabilidade), quanto o nexo de causalidade (relação de atribuição entre conduta e dano), o dano em si (diminuição no valor de venda das quotas + demais prejuízos de faturamento) e a culpa (nesse caso o dolo) estão presentes, o que atrai a incidência de responsabilidade pelo ressarcimento dos danos causados aos “colegas cozinheiros e restauranteurs” de Paola.


Enfim, independentemente do quanto dito nesse artigo, que, aliás, é mera análise do quanto dito num trecho de uma entrevista, o interessante no caso é ver como, em um programa que vai ao grande público, as pessoas têm interesse em contar vantagem de suas duvidosas “estratégias empresariais”. É nesse tom que eu gostaria de terminar o texto com uma reflexão: vale de tudo nos negócios e, se a resposta for sim, a que custo? Como construiremos uma sociedade melhor se há orgulho até em atos moralmente suspeitos?


Nota:


[1] Conteúdo disponível em https://www.youtube.com/watch?v=0jQd5eqA0qg. Acesso realizado em 25/05/2022.


Paulo Schwartzman

Paulo Schwartzman

Paulo Schwartzman é “Mestrando em Estudos Brasileiros no IEB/USP. Revisor na Revista Brasileira de Meio Ambiente (ISSN 2595-4431). Já trabalhou em diversas instituições públicas e privadas do sistema de Justiça, como em escritórios de advocacia e Defensoria Pública. Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo com a tese de láurea - Do tempo e da confiança na Justiça: Um mecanismo que permite a execução das multas fixadas em decisão judicial não final, bem como soluciona o problema de seu destinatário em caso de não procedência da ação - (2015). Pós-graduado em Direito Civil pela LFG (Anhanguera/UNIDERP) (2017) com o artigo científico - Negócio jurídico processual: Uma análise sob a perspectiva dos planos da existência, validade e eficácia; possui também pós-graduação em Direito Constitucional com ênfase em Direitos Fundamentais (Faculdade CERS) (2021) e pós-graduação em Direitos Humanos pela mesma instituição (Faculdade CERS) (2021). Pós-graduado em Direito, Tecnologia e Inovação com ênfase em direito processual, negociação e arbitragem pelo Instituto New Law (Grupo Uniftec) (2021). Assistente Judiciário no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, com lotação no gabinete da magistrada Edna Kyoko Kano desde 2016. Previamente, laborou como Escrevente Técnico Judiciário no mesmo Tribunal. Avaliador e mediador de diversos trabalhos de pré-iniciação científica no Programa Cientista Aprendiz - Colégio Dante Alighieri (2016, 2018, 2019. 2020 e 2021). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Civil, Direito Processual Civil e Direito e Tecnologia, atuando principalmente nos seguintes temas: celeridade, direito e tecnologia, negócio jurídico processual, planos dos negócios jurídicos (escada ponteana), astreintes. Adepto da interdisciplinaridade, possui como cerne de sua pesquisa uma abordagem holística de temas atuais envolvendo o Brasil, o sistema jurídico e o ensino.” Link: http://lattes.cnpq.br/6042804449064566


Palavras-chave: Paola Carosella Direito Societário Dita “Estratégia” CC

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