A Volkswagen e a Ditadura no Brasil

A coluna dessa semana trará um tema caótico, mas, infelizmente, bem conhecido dos brasileiros. A ditadura militar. Portanto já faço um aviso, se continuar no texto é por sua conta e risco, pois há grandes chances de se terminar o texto com lágrimas nos olhos.

Fonte: Paulo Schwartzman

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A coluna dessa semana trará um tema caótico, mas, infelizmente, bem conhecido dos brasileiros. A ditadura militar. Portanto já faço um aviso, se continuar no texto é por sua conta e risco, pois há grandes chances de se terminar o texto com lágrimas nos olhos.

Que o Brasil passou por uma mudança política radical na década de 60 é indiscutível, a questão posta é a de que o governo que se instalou precisou fazer uso da força tanto para tomar o poder, quanto para mantê-lo. Nesse sentido, em tendo que se utilizar da força para a manutenção do poder político, inúmeras violações aos Direitos Humanos aconteceram na época.

Algumas dessas violações possivelmente ocorreram dentro das fábricas da “Volks” (apelido carinhoso que nós brasileiros concedemos à empresa), como podemos ver do excelente documentário produzido pela DW (Deustsche Welle – uma rede pública de informações alemã) intitulado “Cúmplices? - A Volkswagen e a Ditadura Militar no Brasil” (ou no original em alemão “Komplizen? VW und die brasilianische Militärdiktadur”), que pode ser visto aqui.[1] Segundo o documentário, que vale a pena ser visto na íntegra, os próprios seguranças da Volks atuavam como uma espécie de extensão da polícia política do regime militar, entregando e detendo funcionários da VW para que após estes fossem sujeitos às consequências que o regime militar queria a eles impor.

Do que se vê, a relação entre Volkswagen e Ditadura era íntima, uma vez que a Volks teria permitido a entrada de membros da polícia política em suas instalações sem mandado judicial, bem como que os próprios funcionários de segurança da Volks atuavam como verdadeiros detetives à serviço do regime ditatorial. Com efeito, existem evidências coletadas pelo documentário que expõem claramente a atuação de funcionários específicos ligados ao “RH” da Volks, mais precipuamente um departamento de segurança interna, que fotografavam funcionários fora do período de trabalho, até mesmo em suas residências, com o fito de entregar provas para o regime militar.

Ora, era uma espécie de auto espionagem o que a VW do Brasil fazia com seus funcionários, inclusive fora do horário de trabalho, o que ressalta que não era apenas uma “colaboração incidental” com o regime. Nota-se que, além de noticiar os fatos que ocorriam no horário de trabalho, a Volks tomava mesmo uma conduta proativa, realmente prospectiva, no sentido de fazer às vezes da polícia militar. Vale ressaltar que esse departamento de segurança interna era mesmo comandado por um ex-general, o que demonstra a relação promíscua de intimidade entre esse órgão interno e o órgão institucional da Ditadura.

Certo, mas e os dirigentes? Aparentemente, do que se pode ver do documentário, estes não se importavam com a questão. Pelo menos é o tom das entrevistas, tanto do presidente da VW da época, quanto do chefe do departamento jurídico da VW do Brasil. O grande ponto para tais executivos, ou deveria chamar executores, era que a VW estava indo de vento em popa no Brasil, com números de crescimento alarmantes e um sucesso de vendas estrondoso por longos anos.

Enfim, a mamata, pelo menos essa, parece estar próxima de acabar, uma vez que há  investigação em curso no Ministério Público Federal (MPF) sobre o tema. No entanto as vítimas não têm mais como ter sua dignidade devolvida.

É o caso de Lúcio Antônio Bellentani, peça central do documentário. Lúcio foi uma das pessoas que foi entregue ao regime militar pela própria VW, tendo, inclusive, sua prisão se dado no interior da Volks.

O operário da Volks sofreu diversas torturas, sendo uma das narradas o pau-de-arara com adição de choques elétricos. Lúcio chega mesmo a dizer que perdeu sua dignidade quando foi preso e levado ao DOPS, sendo que nunca mais foi o mesmo após a ocasião.

Lúcio mostrava, no documentário, não um rancor (o que é surpreendente), mas sim um desejo de ver pelo menos a verdade à tona, a de que a VW foi partícipe na sua prisão política. Lúcio seguiu até seus últimos dias na luta para ver isso reconhecido, mas a VW venceu-o com o aliado mais poderoso de todos, a finitude da vida humana, sendo que Lúcio faleceu em 19/06/2019.[2]

E enquanto a Volks segue com seus carros emplacados dentre os top 10 do mercado brasileiro[3], nós esperamos que a Justiça seja feita para todos os Lúcios que ainda estão vivos. A todos, jamais esqueceremos.

Notas:

[1] Conteúdo disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1iWmAmvNMNg>. Acessado em: 30/05/2022.

[2] Conteúdo disponível em: <https://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2019/06/morre-metalurgico-que-mostrou-colaboracao-das-empresas-com-o-regime-durante-a-ditadura/>. Acessado em: 30/05/2022.

[3] Conteúdo disponível em: <https://canaltech.com.br/carros/carros-mais-vendidos-brasil-abril-2022-215456/#:~:text=O%20Hyundai%20HB20%20manteve%20o,da%20Distribuição%20de%20Veículos%20Automotores>. Acessado em: 30/05/2022.


Paulo Schwartzman

Paulo Schwartzman

Paulo Schwartzman é “Mestrando em Estudos Brasileiros no IEB/USP. Revisor na Revista Brasileira de Meio Ambiente (ISSN 2595-4431). Já trabalhou em diversas instituições públicas e privadas do sistema de Justiça, como em escritórios de advocacia e Defensoria Pública. Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo com a tese de láurea - Do tempo e da confiança na Justiça: Um mecanismo que permite a execução das multas fixadas em decisão judicial não final, bem como soluciona o problema de seu destinatário em caso de não procedência da ação - (2015). Pós-graduado em Direito Civil pela LFG (Anhanguera/UNIDERP) (2017) com o artigo científico - Negócio jurídico processual: Uma análise sob a perspectiva dos planos da existência, validade e eficácia; possui também pós-graduação em Direito Constitucional com ênfase em Direitos Fundamentais (Faculdade CERS) (2021) e pós-graduação em Direitos Humanos pela mesma instituição (Faculdade CERS) (2021). Pós-graduado em Direito, Tecnologia e Inovação com ênfase em direito processual, negociação e arbitragem pelo Instituto New Law (Grupo Uniftec) (2021). Assistente Judiciário no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, com lotação no gabinete da magistrada Edna Kyoko Kano desde 2016. Previamente, laborou como Escrevente Técnico Judiciário no mesmo Tribunal. Avaliador e mediador de diversos trabalhos de pré-iniciação científica no Programa Cientista Aprendiz - Colégio Dante Alighieri (2016, 2018, 2019. 2020 e 2021). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Civil, Direito Processual Civil e Direito e Tecnologia, atuando principalmente nos seguintes temas: celeridade, direito e tecnologia, negócio jurídico processual, planos dos negócios jurídicos (escada ponteana), astreintes. Adepto da interdisciplinaridade, possui como cerne de sua pesquisa uma abordagem holística de temas atuais envolvendo o Brasil, o sistema jurídico e o ensino.” Link: http://lattes.cnpq.br/6042804449064566


Palavras-chave: Volkswagen Ditadura Brasil Colunista

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