A Volkswagen e a Ditadura no Brasil
A coluna dessa semana trará um tema caótico, mas, infelizmente, bem conhecido dos brasileiros. A ditadura militar. Portanto já faço um aviso, se continuar no texto é por sua conta e risco, pois há grandes chances de se terminar o texto com lágrimas nos olhos.
A coluna dessa semana trará um
tema caótico, mas, infelizmente, bem conhecido dos brasileiros. A ditadura
militar. Portanto já faço um aviso, se continuar no texto é por sua conta e
risco, pois há grandes chances de se terminar o texto com lágrimas nos olhos.
Que o Brasil passou por uma
mudança política radical na década de 60 é indiscutível, a questão posta é a de
que o governo que se instalou precisou fazer uso da força tanto para tomar o
poder, quanto para mantê-lo. Nesse sentido, em tendo que se utilizar da força
para a manutenção do poder político, inúmeras violações aos Direitos Humanos
aconteceram na época.
Algumas dessas violações
possivelmente ocorreram dentro das fábricas da “Volks” (apelido carinhoso que
nós brasileiros concedemos à empresa), como podemos ver do excelente
documentário produzido pela DW (Deustsche Welle – uma rede pública de
informações alemã) intitulado “Cúmplices? - A Volkswagen e a Ditadura Militar
no Brasil” (ou no original em alemão “Komplizen? VW und die brasilianische
Militärdiktadur”), que pode ser visto aqui.[1] Segundo o documentário,
que vale a pena ser visto na íntegra, os próprios seguranças da Volks atuavam
como uma espécie de extensão da polícia política do regime militar, entregando
e detendo funcionários da VW para que após estes fossem sujeitos às consequências
que o regime militar queria a eles impor.
Do que se vê, a relação entre
Volkswagen e Ditadura era íntima, uma vez que a Volks teria permitido a entrada
de membros da polícia política em suas instalações sem mandado judicial, bem
como que os próprios funcionários de segurança da Volks atuavam como
verdadeiros detetives à serviço do regime ditatorial. Com efeito, existem
evidências coletadas pelo documentário que expõem claramente a atuação de
funcionários específicos ligados ao “RH” da Volks, mais precipuamente um
departamento de segurança interna, que fotografavam funcionários fora do
período de trabalho, até mesmo em suas residências, com o fito de entregar
provas para o regime militar.
Ora, era uma espécie de auto
espionagem o que a VW do Brasil fazia com seus funcionários, inclusive fora do
horário de trabalho, o que ressalta que não era apenas uma “colaboração
incidental” com o regime. Nota-se que, além de noticiar os fatos que ocorriam
no horário de trabalho, a Volks tomava mesmo uma conduta proativa, realmente
prospectiva, no sentido de fazer às vezes da polícia militar. Vale ressaltar
que esse departamento de segurança interna era mesmo comandado por um
ex-general, o que demonstra a relação promíscua de intimidade entre esse órgão
interno e o órgão institucional da Ditadura.
Certo, mas e os dirigentes?
Aparentemente, do que se pode ver do documentário, estes não se importavam com
a questão. Pelo menos é o tom das entrevistas, tanto do presidente da VW da
época, quanto do chefe do departamento jurídico da VW do Brasil. O grande ponto
para tais executivos, ou deveria chamar executores, era que a VW estava indo de
vento em popa no Brasil, com números de crescimento alarmantes e um sucesso de
vendas estrondoso por longos anos.
Enfim, a mamata, pelo menos
essa, parece estar próxima de acabar, uma vez que há investigação em curso no Ministério Público
Federal (MPF) sobre o tema. No entanto as vítimas não têm mais como ter sua
dignidade devolvida.
É o caso de Lúcio Antônio
Bellentani, peça central do documentário. Lúcio foi uma das pessoas que foi
entregue ao regime militar pela própria VW, tendo, inclusive, sua prisão se
dado no interior da Volks.
O operário da Volks sofreu
diversas torturas, sendo uma das narradas o pau-de-arara com adição de choques
elétricos. Lúcio chega mesmo a dizer que perdeu sua dignidade quando foi preso
e levado ao DOPS, sendo que nunca mais foi o mesmo após a ocasião.
Lúcio mostrava, no
documentário, não um rancor (o que é surpreendente), mas sim um desejo de ver
pelo menos a verdade à tona, a de que a VW foi partícipe na sua prisão
política. Lúcio seguiu até seus últimos dias na luta para ver isso reconhecido,
mas a VW venceu-o com o aliado mais poderoso de todos, a finitude da vida
humana, sendo que Lúcio faleceu em 19/06/2019.[2]
E enquanto a Volks segue com seus carros emplacados dentre os top 10 do mercado brasileiro[3], nós esperamos que a Justiça seja feita para todos os Lúcios que ainda estão vivos. A todos, jamais esqueceremos.
Notas:
[1]
Conteúdo disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1iWmAmvNMNg>.
Acessado em: 30/05/2022.
[2]
Conteúdo disponível em: <https://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2019/06/morre-metalurgico-que-mostrou-colaboracao-das-empresas-com-o-regime-durante-a-ditadura/>.
Acessado em: 30/05/2022.
[3]
Conteúdo disponível em: <https://canaltech.com.br/carros/carros-mais-vendidos-brasil-abril-2022-215456/#:~:text=O%20Hyundai%20HB20%20manteve%20o,da%20Distribuição%20de%20Veículos%20Automotores>.
Acessado em: 30/05/2022.