Violência contra a mulher: 10 anos da Lei Maria da Penha
“Existe apenas uma verdade universal, aplicável a todos os países, culturas e comunidades: a violência contra as mulheres nunca é aceitável, nunca é perdoável, nunca é tolerável”. (BAN KI-MOON - SECRETÁRIO-GERAL das Nações Unidas)
Promulgada em 7 de agosto de 2006 e em vigor desde 22 de setembro do mesmo ano, a Lei Maria da Penha (11.340/2006) completa dez anos no próximo domingo. Criada para possibilitar abordagem especializada aos casos de violência de gênero, a lei 11.340 acabou com a possibilidade de o agressor de uma mulher pagar multa, doar cestas básicas ou prestar serviços comunitários em vez de ser condenado criminalmente.
Atualmente,
a lei castiga com rigor os homens que atacam as mulheres, alterando o Código Penal. A pena contra esse crime passou de um para três anos de detenção, além
de possibilitar a prisão em flagrante, ou preventiva, dos agressores. O novo
dispositivo legal prevê, ainda, a possibilidade do juiz obrigar o suspeito a se
afastar da casa da vítima e a interromper o contato com a vítima e seus
familiares. A lei também deslocou o julgamento desses crimes dos juizados
especiais criminais (que julgam crimes de menor potencial ofensivo) para os
juizados especializados de violência doméstica e familiar contra a mulher.
De acordo
com a lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer
ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento
físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Dessa forma, não se
limita à violência física, abrangendo também outras formas de abuso, como
isolamento, insulto, calúnia e obrigação de manter relação sexual contra
vontade. Além disso, a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui
uma das formas de violação dos direitos humanos.
Existem
diversos tipos de violência contra a mulher como a agressão física, a violência
sexual, a violência moral e também a violência psicológica que é praticamente
invisível para a sociedade por não deixar marcas visíveis aos olhos. Contudo,
ela é a principal causa para os outros tipos de agressões, é através dela que
tudo começa.
Apesar de
todas as campanhas e de uma lei específica de punição, a violência contra a
mulher continua se alastrando e fazendo muitas vítimas no Brasil e no mundo. A
omissão das vítimas e o medo de denunciar seus agressores, são as principais
causas desse problema tão crítico e de grande importância para a nossa
sociedade.
O
fenômeno da violência doméstica e sexual praticado contra mulheres constitui
uma das principais formas de violação dos direitos humanos, atingindo-as em
seus direitos à vida, à saúde e à integridade física. A Constituição Federal,
em seu art. 226, parágrafo 8º assegura “a assistência à família, na pessoa de
cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência, no
âmbito de suas relações”. Dessa forma, o Estado brasileiro assume um papel no
cumprimento do enfrentamento a qualquer tipo de violência, seja ela praticada
contra homens ou mulheres, adultos ou crianças.
Homens e
mulheres, porém, são atingidos pela violência de maneira diferenciada. Enquanto
os homens tendem a ser vítimas de uma violência predominantemente praticada no
espaço público, as mulheres sofrem cotidianamente com um fenômeno que se
manifesta dentro de seus próprios lares, na grande parte das vezes praticado
por seus (ex) companheiros.
A
violência contra a mulher em todas as suas formas (psicológica, física, moral,
patrimonial, sexual, tráfico de mulheres) é um fenômeno que atinge mulheres de
diferentes classes sociais, origens, regiões, estados civis, escolaridade ou
raças. Faz-se necessário, portanto, que o Estado brasileiro adote políticas
públicas acessíveis a todas as mulheres, que englobem as diferentes modalidades
pelas quais ela se expressa. Nessa perspectiva, devem ser também consideradas
as ações de combate ao tráfico de mulheres, jovens e meninas.
De acordo
com uma pesquisa realizada pela ONU (Organização das Nações Unidas), a forma
mais comum de violência contra a mulher é provocada por um parceiro íntimo. Por
isso, o medo de ser responsabilizada e a falta de apoio da família, amigos e
serviços públicos levam a um número menor de denúncias, afetando assim a ajuda
que deveria ser dada às vítimas.
“A
violência contra as mulheres não está confinada a uma cultura, uma região ou um
país específicos, nem a grupos de mulheres em particular dentro de uma
sociedade. As raízes da violência contra as mulheres decorrem da discriminação
persistente contra as mulheres”, afirma a ONU.
Atualmente,
o problema da violência contra a mulher é tido como uma questão de saúde
pública, tendo em vista que ela não afeta apenas a vítima, mas também a
sociedade e qualquer pessoa, independente de sua classe social, nível cultural,
econômico e educacional, pois todas estão sujeitas a sofrer violência. Elas são
de todas as raças, religiões e são tão diferentes umas das outras quanto as
mulheres que não sofrem violência.
A
violência sofrida por uma mulher traz resultados devastadores e consequências
físicas, psicológicas e sociais como: depressão, ansiedade, stress
pós-traumático, abuso de álcool e drogas, suicídio, incapacidade física,
distúrbios gastrointestinais, sequelas físicas e assassinatos.
É
importante lembrar que, apesar da maior parte dos agressores serem pessoas de
relacionamento afetivo da vítima, a lei também vale para violências praticadas
contra a mulher, no âmbito doméstico, por padrasto/madrasta, sogro/sogra,
cunhado/cunhada, entre outros. Além disso, a mulher não precisa ser
financeiramente dependente do agressor para que as punições sejam aplicadas.
Outra
característica da lei é que ela também pode ser aplicada para casais de
mulheres e transexuais que se identificam como mulheres. Recentemente, o
Conselho Nacional de Procuradores-Gerais decidiu que todas as promotorias do
país podem aplicar a Lei Maria da Penha a casos de agressões a mulheres transexuais
e travestis que não fizeram cirurgia de mudança de sexo e não alteraram o nome
ou o sexo no documento civil. (Informações Folha de S.Paulo)
Quem é
Maria da Penha?
A Lei Maria da Penha recebeu esse nome em homenagem à farmacêutica e bioquímica Maria
da Penha Maia Fernandes, que foi vítima de violência doméstica durante 23 anos
de casamento e, em 1983, sofreu duas tentativas de homicídio pelo então marido,
o que acabou tornando-a paraplégica.
Maria da
Penha lutou pela condenação de seu agressor durante anos. Depois de 19 anos de
julgamento, ele ficou preso por apenas dois anos em regime fechado. Em 1994,
Maria da Penha publicou o livro “Sobrevivi... posso contar” onde relata a
violência que sofreu enquanto era casada. O livro-denúncia repercutiu
internacionalmente.
Em 2001,
a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados
Americanos (OEA) responsabilizou o Brasil por não ter formas de coibir a
violência doméstica. Cinco anos depois, foi promulgada a Lei Maria da Penha,
reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das três melhores
legislações do mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres.
Hoje, Maria da Penha contribui através do
Instituto Maria da Penha para a conscientização dos direitos das mulheres.
Números
A Lei Maria da Penha encorajou mulheres a denunciarem seus agressores, já que reduziu
a impunidade para esse tipo de crime e criou alguns mecanismos de defesa da
vítima. Apesar dos avanços, os casos de violência ainda são muito freqüentes e
muitas mulheres ainda têm medo de denunciar. Dados da ONU alertam que uma em
cada três mulheres sofre física ou sexual, a maioria praticada por parceiros.
No
Brasil, mais de 86% dos relatos registrados pelo Ligue 180 em 2015 referiam-se
a violência doméstica e familiar. Em 39,73% desses casos a violência é diária e
em 34,36% é semanal. Quase 78% das vítimas têm filhos e em 49,54% dos registros
a vítima mantém relações com o agressor há mais de cinco anos. Contrariando o
senso comum, somente 34,67% das mulheres em situação de violência dependem
financeiramente do agressor.
A
violência contra as mulheres é decorrente de múltiplos fatores socioculturais e
exige entendimento amplo da situação. Para proteger a vida das mulheres, é
necessário educar nossa sociedade para a igualdade de gênero e traçar políticas
públicas que não ignorem as especificidades desses crimes, considerando os
vínculos afetivos, emocionais e financeiros que existem entre vítima e
agressor. (Informações Folha S. Paulo)
Autora: Mariana Ribeiro - estudante de Jornalismo.