Uma lenda da escola: Pelos ou penas? Vassoura ou espanador?

Elizabeth Bittencourt Martins é professora da rede municipal de ensino da Prefeitura do Município de São Paulo. A referência das "novas metáforas" é extraída do livro Metáforas novas para reencantar a educação, de Hugo Assmann, Editora UNIMEP, 1998.

Fonte: Elizabeth Christina Rodrigues Bittencourt Martins

Comentários: (0)




Elizabeth Bittencourt Martins ( * )

Uma turma indisciplinada, que deixa de respeitar os limites da limpeza e da ordem na sala de aula tem de ser alertada sobre o que estas atitudes representam em seus planos de vida a longo prazo. Nem sempre a linguagem direta atinge as consciências juvenis, e novas metáforas têm de ser utilizadas para garantir um perfeito entendimento da situação. Outro dia... uma turma chegou na classe e tardava a sentar em seus lugares, discutindo em pé algum assunto de seu interesse. Comecei a desenhar no centro da lousa uma vassoura. Como eles tardavam a retornar a seus lugares, desenhei ao lado duas vassouras, com uma falha no desenho no meio do cabo, representando uma quebra. Uma delas tinha os pelos para cima e a outra, os pelos para baixo. Os minutos corriam, e desenhei duas cadeiras, e coloquei cada uma delas "sentada" em uma das cadeiras, uma com os pelos para cima, no lugar da cabeça de uma pessoa, e na outra, os pelos ficaram à altura dos joelhos. A partir deste momento alguns alunos começaram a perguntar o sentido dos desenhos, e eu disse que eles pareciam vassouras, que não se sentavam em carteiras para estudar. Disse também que as vassouras eram bastante úteis, pois não conversavam e ainda varriam a classe. Externei a eles minha frustração, porque não podia pegá-los pelo "cabo" e quebrar ao meio, colocando ao menos as minhas "vassouras", ou melhor, meus alunos, sentados em suas carteiras. Eles reagiram, indignados, não aceitando o papel de "vassouras" na escola. A estas alturas da aula, já estavam todos sentados e perguntei a eles onde estava o valor da vassoura: no cabo ou nos pelos? Afirmaram que estava nos pelos, porque o cabo não varria. Ofereci a eles duas opções: seriam as vassouras sentadas com os pelos no lugar da cabeça ou no lugar dos pés? Questionei se eles vinham à escola para usar os pés ou as cabeças. A partir deste momento eles começaram a se manifestar, a favor do papel da escola e do seu interesse em estudar, mas eu contra-argumentava que a vassoura quebrada tinha perdido o valor, que o melhor destino para ela seria trocar os pelos por penas, transformando-a em um espanador. Apresentei a eles novamente outro desafio: era melhor ser vassoura e varrer, ou ser espanador e tirar o pó dos móveis, um serviço mais leve? Eles entenderam a correlação e foram emudecendo, e neste momento pedi que registrassem suas impressões em uma redação com no mínimo quinze linhas. As cinco primeiras teriam condições de serem "penas" - receberem uma avaliação "plenamente satisfatória", enquanto que os demais seriam "pelos", recebendo a menção "satisfatória". Depois de alguns minutos começaram a chegar as minhas "penas" - alunos com maior empenho e objetivos para o futuro. A sexta redação mostrava ainda o empenho, mas a falta de objetividade e organização do texto deixou a desejar em qualidade. Boa parte dos alunos não entregou, infelizmente - o que será deles? Nem pelos, nem penas - nem vassouras e tampouco espanadores?


Notas:

* Elizabeth Bittencourt Martins é professora da rede municipal de ensino da Prefeitura do Município de São Paulo. A referência das "novas metáforas" é extraída do livro Metáforas novas para reencantar a educação, de Hugo Assmann, Editora UNIMEP, 1998. [ Voltar ]

Palavras-chave:

Deixe o seu comentário. Participe!

noticias/uma-lenda-da-escola-pelos-ou-penas-vassoura-ou-espanador

0 Comentários

Conheça os produtos da Jurid