Um paralelo entre o Patriotismo Constitucional de Habermas e o Nacionalismo Político de Trump: Retrocesso Norte-Americano?

”Termos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”.

Fonte: Leonardo Sarmento

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Foi o historiador Dolf Sternberger, que no final da década de 70, por ocasião da comemoração dos trinta anos da Carta Constitucional da Alemanha de 1949 (Lei Fundamental de Bonn) utilizou-se do termo “patriotismo constitucional” (Verfassungspatriotismus) em verdadeira insurgência ao tradicional de nacionalismo, com o precípuo fito de aproximar a Alemanha dos princípios constitucionais.


Inobstante, foi com Jürgen Habermas, em meados dos anos 80, que o patriotismo constitucional ganhou repercussão geral na ambiência jurídico-acadêmica, entre os sociólogos e nas mais atualizadas fileiras da política.


O patriotismo constitucional intenta a promoção de uma identidade política coletiva conciliada com uma perspectiva universalista, transnacional, comprometida com os princípios do Estado Democrático de Direito. O patriotismo constitucional evolui num contexto de profunda complexidade e diferenciação, onde a identidade política dos cidadãos (enquanto comunidade transnacional) deverá tender para um processo de identificação com valores universalistas. O patriotismo constitucional foi apresentado como forma de conformação de uma identidade coletiva baseada em compromissos com princípios ético-constitucionais e democráticos capazes de garantir a integração e assegurar a respeitabilidade entre os povos. Seu objetivo é promover a solidariedade, a cumplicidade e o respeito às diferenças características de cada cultura.


O cosmopolitismo surge neste contexto como modo fundamental de produção de globalização, no sentido em que se caracteriza por iniciativas diversas que partilham uma “solidariedade transnacional” entre grupos explorados, oprimidos ou excluídos pela globalização hegemônica do localismo globalizado ou do globalismo localizado (por exemplo, redes transnacionais de luta ecológica e defesa de direitos). Assim, para poderem operar de uma forma benéfica (como forma de cosmopolitismo) - ou como globalização contra-hegemónica, os direitos humanos têm de ser considerados igualmente na sua diversidade, numa conversão de localismo globalizado para política cosmopolita que permita uma inteligibilidade e tradução de diferentes linguagens de emancipação pessoal e social, num projeto que concebe uma multiculturalidade dos direitos humanos como base do patriotismo constitucional.


Assim, a Constituição e a sociedade passam a ostentar uma cumplicidade, o cidadão a respeitar pois dela se sente participante direto de sua principiologia essencial que se pauta no Estado Democrático de Direito.


O conceito de cidadania transmuda-se de sua versão mais autoritária do nacionalismo para um contexto pós-nacionalista; não se refere mais a titularidade da Nação, mas sim a titularidade de direitos fundamentais de participação política, garantindo uma autonomia jurídica pública. Agora se impõe a democracia, limitações do governo, Estado de Direito e a mais balizada interpretação dos direitos fundamentais.


A Constituição como cerne do Direito representa um guia normativo envolto por princípios como a liberdade, a igualdade e baliza o sistema político que passa a respeitar a legitimidade discursiva e a democracia participativa inclusiva, que respeita os diversos projetos de vida boa.


As ideias xenofóbicas, discriminatório-excludentes de nacionalismo são retiradas de pauta para a passagem de uma modelo de cidadania participativa permanentemente aberto e sem ligação com a figura do nacional. É um modelo de patriotismo constitucional que demonstra que o consenso pode ser alcançado sem que se necessite abrir mão da herança cultural de cada identidade, ao contrário, possibilitando a implementação de uma cultura política pluralista.


Como muito bem se refere o excelente Álvaro Ricardo de Souza Cruz: “nós não somos escravos dos valores sob o qual nascemos e fomos educados, nos possibilitando, inclusive, superar preconceitos velados por essas tradições”.


Abandona-se, pois, a ideia de nacionalismo, que tradicionalmente esteve vinculado a questões étnicas e culturais, para se adotar um patriotismo constitucional, que se reveste de um intento inclusivo, cujo conceito propugna uma união entre os cidadãos baseado no respeito às diferenças étnico-culturais por meio do respeito aos valores plurais do Estado Democrático de Direito. Promove-se a aceitabilidade das sociedades plurais em contraposição aos fundamentos da homogeneidade cultural, promovendo a ideia de multiculturalismo encetado em um Estado Democrático de Direito Plural.


O Patriotismo Constitucional promove a consciência de um escambo, de uma inteiração multicultural a fim de conciliar a riqueza do convívio entre as diversidades em um papel fundamental inclusivo de sociedades com menos fronteiras ou barreiras culturais e um maior sentido discursivo-democrático ao alcance de todos.


Trump chega ao maior Estado do mundo – 20% da economia mundial pertencem aos Estados Unidos – prometendo barreiras protecionistas incompatíveis com o ideário de um “livre mercado”, antecipa a intenção pelo rompimento com os compromissos assumidos pelos seus antecessores que de alguma forma “onerem” os EUA, ainda que pactuados pelas extremas necessidades de um mundo globalizado, intercambiado. Uma América murada para os estrangeiros, a par de um nacionalismo-populista egocentrista que se pretende implantar, quando o que não contiver a marca “América” está quase que automaticamente excluído.


Pautas das minorias restam excluídas da “ideologia Trump”. Assim, negros, mulheres, “desviados sexuais”, latinos parecem não encontrar guarida, tutela na “Era Trump”, que anuncia por suas palavras, entrelinhas, a partir do seu nacionalismo-populista, reinventar para a América o conceito de “raça ariana”. No país que sempre se auto-intitulou paradigma de democracia fala-se por mensagens subliminares em “limpeza étnica” na América!


Trump esquece que para um processo sustentável de construção do “nos” fundamental se opera a tutela dos “outros”.


O nacionalismo por Trump procura camuflar-se autodenominando-se “patriotismo”, como que possível fosse praticar o primeiro e denominá-lo pela sonoridade politicamente mais correta à revelia das nossas inteligências. Resta saber como a arrogância de Trump disposto a enfrentar um reativo processo de isolacionismo - para Trump a America se basta - irá negociar com a já arraigada globalização que parecia pouco provável encarar um processo involutivo.



Autor: Leonardo Sarmento é Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Processual Civil, Empresarial e com MBA em Direito e Processo do Trabalho pela FGV. Autor de 3 obras jurídicas e algumas centenas de artigos publicados. Nossa última obra (2015) de mais de 1000 páginas intitulada "Controle de Constitucionalidades e Temáticas Afins", Lumen Juris.



Lembramos que apenas até o último dia de janeiro irá perdurar a disponibilidade da nossa obra "Controle de Constitucionalidade e Temáticas Afins", 2ª edição, por investimento promocional em comemoração ao mês do nosso aniversário, enquanto durar nosso estoque pessoal. Felizes estamos com a repercussão do nosso intento de democratização da obra. São 1048 páginas, em 71 capítulos intensos e aprofundados que propomos uma abordagem respeitante da sua intelectualidade. Nossa intenção é retirar-lhes da posição de meros leitores e dar-lhes a condição de intérpretes de um Direito cada vez mais complexo. Contato para maiores detalhes (valor e forma de pagamento) apenas por: lbsarmento@gmail.com. Pelo seu valor comercial normal nas melhores livrarias especializadas.

Palavras-chave: Patriotismo Constitucional Habernas Nacionalismo Político Donald Trump

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