Propriedade, proprietário e função social do Direito

Raul Moura Tavares, Acadêmico de Direito das Faculdades Dom Bosco, em Curitiba/PR, membro do Instituto de Hermenêutica Jurídica, de Porto Alegre/RS e monitor nas Disciplinas de Direito Penal - Parte Geral e de Direito Civil - Contratos.

Fonte: Raul Moura Tavares

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Raul Moura Tavares ( * )

O que foi, é ou será absoluto no Direito ao longo de sua trajetória positiva e concretude social?

Esta primeira indagação nos leva a entender o Direito como algo dinâmico e mutável ao longo do tempo, na proporção em que se dinamiza e muda a experiência social, ainda exclusividade humana nos moldes como a concebemos. Dentre os inúmeros pontos de vista possíveis, filiamo-nos ao que entende sistemicamente a existência social e, dentro deste macrosistema chamado sociedade, entendemos o Direito como um subsistema híbrido, cheio de interações, harmônicas umas, agressivas outras, inexoráveis ambas para que se sustente este Direito, existindo e buscando uma finalidade eficaz para a coletividade que o legitima, em meio aos outros subsistemas sociais, mais ágeis, "fortes" e interpenetrantes que são. Temos que compreender algumas variáveis históricas e nacionais recentes, inseridas numa história mais longa do Direito, como inerente à natureza humana. O direito surgiu pelo poder e a serviço dos fortes, no explícito domínio dos fracos. Durante séculos, incorporou-se ideologicamente a todo o reproducionismo cultural e pedagógico-fabril, de modo a parecer-se aos olhos dos oprimidos seu protetor, mais do que seu algoz. A história evolui em tentativas de melhorar a vida humana em grupo, exigindo de todos os seus institutos adaptação e mudança, favorecendo, porém alguns subsistemas específicos, com melhores e maiores possibilidades fáticas. A sociedade industrial, inicialmente, e nossas últimas décadas, já não industrialmente, forçaram este "cavalo manco" (o Direito) a coxear mais rápido do que de costume, no sentido de tutelar necessidades sociais fáticas, individuais e coletivas o que, no caso brasileiro, culminou com o advento de nossa Carta Maior de 1988 e todos os seus conseqüentes reflexos infraconstitucionais, quer legislativos, quer hermenêutico-jurisdicionais, quer jurisprudenciais.

Como a política e sua prima irmã, a economia, "legislam" o mundo fático, e estas não são nem mancas nem coxas, a sociedade jurídica atual, na sua parcela ideal e nobre, extraiu hermeneuticamente a tutela que a norma escrita, em exegese simples, ainda não manifestava no caso concreto. Esta hermenêutica jurisprudencial e jurisdicional, cada vez mais presente nas esferas superiores da jurisdição, faz com que a atualidade experimente um início de execução prática dos mandamentos constitucionais, nas obrigações de fazer impostas ao Estado/Governo, como no caso do legislativo e do CDC (Lei 8.078/90) que, cumprindo ordem constitucional (CF/88 Art. 5º, XXXII) de tutelar o consumidor, positivou e procedimentou esta tutela como algo prático e compreensível em todos os níveis do direito como sistema e como fato/conseqüência social.

Dependente que é o Direito da Política e vice-versa, a própria complexidade crescente da organização social impôs um "diálogo" cada vez mais estreito e rápido entre estes dois sistemas. Neste escopo, dois institutos se prestam como vínculo intersistêmico pelo alta importância político-econômica que apresentam, com simultânea e elevada tutela do sistema jurídico: a propriedade, por ser da natureza humana moderna e pós-moderna "possuir", e o contrato, instrumento por excelência de geração e movimentação de riquezas. Conforme aprendemos com Luhman (1983 p 25 - LUHMAN, Nicklas. Sociologia do Direito I. (Trad. Gustavo Bayer). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983 p 25.), a complexidade em todos os subsistemas sociais atingiu tal nível, que os códigos binários, da teoria clássica dos sistemas, vinculam-se hoje a interações a apropriações extra-sistêmicas de códigos alheios para produção própria, pontos de vista externos, para a autoreferenciação. Nesta ótica, já não seria possível, pelo menos em nossa conjuntura nacional, pensar no direito como sistema autopoiético, capaz de, se autoreferenciando, se autoproduzir.

A função social submetendo o direito da propriedade, paradoxalmente, é uma impossibilidade ideal, uma utopia: o próprio Luhman (LUHMAN, Op. Cit. 1983, p 20) já a considerava possível tão somente numa sociedade funcional, em que as comunicações seriam os elementos do sistema, privado este de pessoas. Daí o sentido utópico de absolutizar tanto do direito de propriedade, quanto da função social do instituto. Ainda sob os efeitos do normativismo recente, que monopolizou o metabolismo social do direito, nos últimos séculos, a chamada "segurança jurídica" aparece politicamente, propalada que é, num verdadeiro marketing nos foros formadores de opinião jurídica, esta função social da propriedade. Tranqüilizam-se os agentes sociais, minimizam-se expectativas normativas práticas, consideradas já as expectativas sociais quanto ao direito e seu papel de regulador social, a tal função de pacificação.

Hoje, se divulga o direito pedagógica e politicamente, com essência visivelmente dogmática, mormente em seu seio gerador epistemológico (academia), cabendo à jurisdição o hercúleo trabalho de dar eficácia e aplicabilidade aos preceitos constitucionais que tutelam a propriedade, face aos momentos infraconstitucionais em que absolutos se façam presentes, quer em prejuízo ao direito de propriedade, quer em prejuízo da responsabilidade social com que se deve desfrutar deste direito, sendo ambos os aspectos tutelados expressamente pela Constituição Federal. Quanto ao consumidor, instituto que acima aparentávamos à propriedade, gozou de mais sorte fática, com o advento oportuno do Código de Defesa do Consumidor. Mais uma vez se presta o direito ao papel de legitimador do arranhar político e econômico sobre os demais sistemas sociais, silenciando-os até, porém de maneira, hoje, constantemente heteropoiética ( Sobre o assunto, interessante estudar Willis Santiago Guerra Filho, Autopoiese do Direito na Sociedade Pós-Moderna. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.)

Seria possível se isentar a jurisdição e, mais especificamente o magistrado, de utilizar-se dos princípios políticos e econômicos, inclusive da vigente ética de mercado que inunda o universo jurídico, no exercício da resolução das lides e da declaração de direitos? Acreditamos que não. Talvez careça a pós-modernidade do "Estatuto da Propriedade", mas não nos cabe agora discutir o que nos seria bom, legislativamente, mas sim o que podemos e devemos fazer de bom, com o que temos de "ferramentas e modos de uso".

Um obstáculo quase epistemológico da atualidade, é o fato de vivermos, assim, uma simbiose entre o Direito e a Política: um se legitima na "trilha" do outro, e ambos influenciados permanentemente pelos princípios econômicos, visto que a economia, e nisto cabe pouca discussão contrária, também é sistema social que enriquece a sociedade, fornecendo teoricamente meios práticos do exercício da dignidade humana, tutela maior do Direito. Movido então economicamente o mundo social, rápida que é a Política em acomodar e distribuir interesses econômicos sob suas conveniências internas obstam estes dois subsistemas a que o sistema jurídico siga o curso da história com igual eficiência e celeridade, daí originando-se sua peculiar característica de "cavalo manco que corre atrás da história" já citada acima. Estados que se estruturam politicamente ao redor de uma ética de mercado, economicamente dirigida, findam por legislar a escassez dos recursos em face da infininitude das necessidades humanas, o que seria afinal tarefa e postura da economia. Por quê? Ora, porque as necessidades, no âmbito do direito, são a tutela da vida individual, feliz, viabilizada em sociedade, fundada em expectativas e normas gerais de comportamento social condizentes, tão infinitas estas quanto às necessidades econômicas; porém, diferentemente, os recursos do sistema jurídico, em sua essência, são ilimitados: não há falta de liberdade e de respeito à dignidade da pessoa humana, social ou individual; o que há, no máximo, é má distribuição desta riqueza jurídica.

O direito conter em si toda a complexidade de uma sociedade dinâmica que lhe é mais rápida em suas mutações complexas, é tarefa utópica; mormente neste pós-modernismo em que o ato em si, praticado pelo indivíduo que consome a vida, é por si só findo pela ansiedade pelo próximo ato. Daí a necessidade de uma norma fundamental (Kelsen), que encerre, ainda que não escritos, os valores que fundamentaram seus princípios (mandados de otimização), cuja eficácia plena possa ser hermeneuticamente percebida e jurisdicionalmente aplicada: a Constituição Federal. Age-se pelo agir-se, ignoram-se muitas vezes efeitos e conseqüências destes "agires". Como se vê, ou o Direito se "explode" em uma tentativa insana e virtual de "ser" a sociedade através da lei, ou ele definitivamente "implode" ao tentar a reprodução coerente de fatos sociais amparados em cláusulas gerais de conduta (Constitucionais, por óbvio), como a da função social da propriedade.

Por isso, não resta outra alternativa ao Direito e à Política senão fecharem-se em uma base auto-referencial como forma de controle das interferências recíprocas entre eles. Esse meio de controle recíproco é o que se denomina Constituição Federal. Este ápice normativo de expectativas de condutas sociais é que norteará o Direito numa rota anticolapso, na medida em que se veja obrigado o sistema jurídico a carregar o peso político-econômico da sociedade e lhe dar conformidade e harmonia social. A CF é o auto-referencial do Direito que lhe possibilita, já não autopieticamente, interagir com os demais subsistemas sociais com eficiência, sem implodir num processo entrópico e socialmente inútil, nem explodir numa tentativa inviável de adaptação plena à ética pós-moderna.

A partir daí, cabe-nos um entendimento constitucional, principiológico e valorativo dos direitos reais e, conseqüentemente, da propriedade, para então nela podermos compreender um valor social, uma função socialmente útil e necessária. Na visão neocosntitucionalista que nos orienta, não nos cabe mais entender o Direito Real como relação sujeito e coisa, já que o entendemos hoje, muito mais, como a possibilidade de interação social desta relação sujeito-coisa com o sistema social maior. Direito à propriedade é direito fundamental extra ou meta jurídico, coisa sobre o que não cabe aos Estados legislar, mas tão somente reconhecer e petrificar em norma máxima. Segundo Rocha, isto seria uma necessidade mais do que uma opção: "a propriedade não pode atender tão-só ao interesse do indivíduo, egoisticamente considerado, mas também ao interesse comum, da coletividade da qual o titular do domínio faz parte integrante" (ROCHA, 1992 p 71 ROCHA, Olavo Acyr de Lima. A desapropriação no direito agrário. São Paulo: Atlas, 1992).

Desaparecem, portanto, no ápice hierárquico das normas jurídicas, os absolutos sobre o direito fundamental à propriedade, surgindo inexorável a importância da responsabilidade social com que se materialize este direito. A possibilidade erga omnes de oposição do Direito Real será então proporcional à oposição social a este direito, limitando-o no quanto esta relação seja benéfica à coletividade, juridicamente organizada. Isto é princípio constitucional normativo. Cabe lembrar que um princípio constitucional assim reconhecido, não carece de regulamentação específica e expressa na forma de lei menor, posto que transpassa e compõe intrinsecamente toda a interpretação infraconstitucional da norma. Um princípio é um norte sistematizado para o sistema jurídico como um todo e, mesmo onde não aparece prima facie, está presente. Quando a norma constitucional se faz realidade material ou processual, a direção de sua sistematização é principiológica, assim como a hermenêutica com que se utilize o direito, da norma, para se fazer existir. Como diz Eros Roberto Grau, o que se interpreta é a constituição toda e uma e não suas normas individualmente, bem como o que se aplica na sociedade, não é uma norma, mas o Direito (GRAU, 1990 p 181 - GRAU, Eros Roberto. Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica). São Paulo: RT, 1990).

A propriedade, objeto de nossa reflexão hodierna, é direito cujos mandamentos constitucionais garantem e limitam, como aliás todos os fundamentos, valores e princípios constitucionais, posto que garantem direitos fundamentais do ser humano, em respeito à sua dignidade, mas ao mesmo tempo os limitam aos interesses sociais tutelados pelo direito, à dignidade da pessoa humana social. Espera-se do direito que, ao tutelar, garantir e limitar direitos fundados em valores e princípios, imponha à experiência social qualidade e felicidade ao ser humano, que sem ele seriam mais difíceis de serem atingidas. Esta propriedade, como fenômeno jurídico-social, já em tempos mais antigos era explicada por Clóvis Beviláqua, como advinda de um desejo quase pulsão do ser humano, em conflito com um desejo racional de que o instituto ocorresse de maneira socialmente boa (BEVILAQUA, 1941 p 114 - BEVILAQUA, Clóvis. Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Forense, 1941). Fica talvez mais didática a compreensão do binômio paradoxal garantia X limitação constitucional da propriedade, se entendermos quem garante e quem limita, para quem se garante e para quem se limita, ou seja, no âmbito íntimo do direito público, e não mais do direito privado que regulou durante décadas este instituto fundamental da vida em coletividade civilizada e organizada politicamente.

Apenas como comprovação histórica, destacamos algumas ocorrências "legislativas" sobre a propriedade em códigos da antiguidade:

A) Código de Manu (antigo código Hindu, supostamente criado em 1.500 AC):

Art. 30º Um bem qualquer, cujo dono não é conhecido, deve ser proclamado ao som do tambor, depois conservado em depósito pelo rei durante três anos; antes da expiração dos três anos, o proprietário pode retomá-lo; depois desse termo, o rei pode adjudicá-lo a si.

Art. 31º O homem que vem dizer: "Isto é meu", deve ser interrogado com cuidado; somente depois que ele tenha declarado a forma, o número, e os outros sinais, é que ao proprietário deve ser restituída a posse do objeto em questão.

Art. 145º Exceto nos casos precedentemente enunciados, quando um proprietário vê, sem fazer nenhuma reclamação, outras pessoas gozarem, à sua vida, durante dez anos, de um bem qualquer de seu domínio, não deve recobrar-lhe a posse.

Art. 195º Aquele que vende o bem alheio, sem assentimento do que é dele proprietário, não deve ser admitido pelo juiz a dar testemunho, como um ladrão se imagina não ter roubado.

Art. 199º Aquele que em pleno mercado, diante de um grande número de pessoas, compra um bem qualquer, adquire por justo título a propriedade dele, pagando-lhe o preço, ainda que o vendedor não seja o proprietário.

Art. 261º Aquele que se apodera de uma casa, de uma lagoa, de um jardim ou de um campo, ameaçando o proprietário, teve ser condenado a quinhentos panas, se o fez por erro.

Art. 469º A menos que, relativamente ao produto, o proprietário do campo tenha feito alguma convenção com o da semente, o produto pertence ao dono do campo; a terra é mais importante que a semente.

Art. 470º Mas, quando, por um pacto especial, se dá um campo para o semeador, o produto é, neste mundo, declarado propriedade comum do proprietário da semente e do dono do campo.

B) Código de Hamurabi (Código elaborado na Mesopotâmia, supostamente em 1.700 AC):

9. Se alguém perder algo e encontrar este objeto na posse de outro, se a pessoa em cuja posse estiver o objeto disser "um mercador vendeu isto para mim, eu paguei por este objeto na frente de testemunhas" e se o proprietário disser "eu trarei testemunhas que conhecem minha propriedade", então o comprador deverá trazer o mercador de quem comprou o objeto e as testemunhas que o viram fazer isto, e o proprietário deverá trazer testemunhas que possam identificar sua propriedade. O juiz deve examinar os testemunhos dos dois lados, inclusive o das testemunhas. Se o mercador for considerado pelas provas ser um ladrão, ele deverá ser condenado à morte. O dono do artigo perdido recebe então sua propriedade e aquele que a comprou recebe o dinheiro pago por ela das posses do mercador.

30. Se um comandante ou homem comum deixar sua casa, jardim e campos, e alugar tal propriedade, e outrem tomar posse dos mesmos e usá-los por três anos, e se o primeiro proprietário retornar à sua casa, jardim ou campo, este não deve retornar ao seu primeiro dono, mas ficar com que tomou posse e fez uso destes bens.

167. Se um homem casar com uma mulher e ela der-lhe filhos, e se sua mulher morrer e ele tomar outra esposa que também lhe dê filhos, quando esse homem morrer, os filhos devem repartir a propriedade igualmente entre todos eles.

C) XII Tábuas (Código da origem do direito Romano, compilado talvez em 450 AC).

Tábua V (De haereditatibus et tutelis - Da tutela hereditária)

III - Aquilo que o pai de família houver testado relativamente aos seus bens, ou à tutela, terá força de lei.

Tábua VI (De dominio et possessione - Da propriedade e da posse)

III-Adquiri-se a propriedade do solo pela posse de dois anos e das outras coisas, pela de um ano.

X - A propriedade de uma coisa vendida entregue, não é adquirida por aquele que a comprou enquanto o adquirente não pague o preço.

Tábua VII (De jure aedium et agrorum - Do direito relativo aos edifícios e às terras)

I - Entre os edifícios vizinhos deve existir um espaço de dois pés e meio, destinado à circulação.

XVII - É proibido o usucapião sobre as coisas roubadas, não valendo, no caso, o uso ou a posse do detentor.

D) Alcorão (Livro Sagrado do Islão, compilado aproximadamente em 620 DC).

188 Não consumais as vossas propriedades em vaidades, nem as useis para subornar os juizes, a fim de vos apropriardes ilegalmente, com conhecimento, de algo dos bens alheios.

548. (...) Assim se passa com as propriedades e as posses; elas concorrem para a dignidade, para o poderio e para a influência do homem. Contudo, tanto as posses como uma enorme família constituem uma tentação e uma prova. Talvez elas se constituam numa fonte de queda espiritual, caso sejam mal administradas, ou se o amor a elas fizer com que se exclua o amor a Deus.

E) Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (França, 1.793).

II - Estes direitos são a igualdade, a liberdade, a segurança e a propriedade.

VIII - A segurança consiste na proteção concedida pela sociedade a cada um dos seus membros para a conservação da sua pessoa, de seus direitos e de suas propriedades.

XVI - O direito de propriedade é aquele que pertence a todo cidadão de gozar e dispor à vontade de seus bens, rendas, fruto de seu trabalho e de sua indústria.

XIX - Ninguém pode ser privado de uma parte de sua propriedade sem sua licença, a não ser quando a necessidade pública legalmente constatada o exige e com a condição de uma justa e anterior indenização.

F) Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1.948).

Artigo XVII

1. Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.

2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

G) Constituição Imperial (Brasil) 1824:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

XXII. É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indemnisado do valor della. A Lei marcará os casos, em que terá logar esta unica excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação.

XXVI. Os inventores terão a propriedade das suas descobertas, ou das suas producções. A Lei lhes assegurará um privilegio exclusivo temporario, ou lhes remunerará em resarcimento da perda, que hajam de soffrer pela vulgarisação.

G) Constituição Republicana (Brasil) 1.891:

Art. 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 17 - O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia.

§ 27 - A lei assegurará também a propriedade das marcas de fábrica.

H) Constituição Federal (Brasil) 1.988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

I) Código Civil (Brasil) 2.003:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

§ 2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.

§ 4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

Observamos claramente que, ao longo do tempo, e a própria evolução legislativa doméstica comprova isto, a propriedade teve enfoque inicial de direito estatal/imperial/real, passando pela fase de direito "absoluto" individual, culminando com o enfoque atual de direito individual, socialmente responsável, ou seja, como já nos referimos antes, direito constitucionalmente garantido e limitado, tão constitucionalmente garantido, quanto limitado! Hoje, a propriedade individual oponível erga omnes, convive com a propriedade social, coletiva ou ambiental, oponível a qualquer dos homens. Vige no Direito Brasileiro, hoje, o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), que regulamenta os artigos 182 e 182 de nossa Constituição Federal, que já em seus dois primeiros artigos determina:

Art. 1º Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.

Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

Doutrina Vinculada

Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

I - garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;

No estatuto, o poder público obriga-se a executar política pública conforme o ordenamento constitucional, expressa o caráter de interesse social desta atuação, submete o direito coletivo a cidades sustentáveis, decompondo-o, porém, numa série de direitos individuais também ali expressamente tutelados, por exemplo, o direito à terra urbana e à moradia.

Neste diapasão, fica agora fácil entender o Direito dito Real, como inter-relação entre a sujeição da coisa ao indivíduo e sujeição desta relação à ordem pública e interesse social, não apenas em nossa legislação pátria, mas de acordo com a principiologia de uma ordem social reguladora da vida comum, que hoje transcende fronteiras geopolíticas, partidárias e de soberania estatal legislativa. Os Direitos Reais, assim exercidos, com plena responsabilidade social, tornam-se aqueles direitos que alguns autores chamam de Supra-estatais, no rol dos direitos fundamentais do ser humano, logo, valor social interplanetário, e não local. Há, portanto, um mínimo "minimorum" de dignidade humana materialmente necessária, de bens e serviços práticos e mensuráveis, como a educação e a moradia, ma há um máximo "maximorum" até onde pode ir este direito individual: até onde prejudique o acesso de outros indivíduos a esta condição mínima de dignidade.

A legitimidade jurídica com que se sustenta a propriedade, está em não "escapar" do exercício simultâneo e pleno de sua função social extra-subjetiva; é quase um dever social, atribuído ao indivíduo que tem a propriedade de fato e de direito.

Encarando principiológica e axiologicamente a propriedade privada e sua inerente função social, a colisão de princípios que esta igualdade de importância atribui a forças opostas, extrapola em muito a mera limitação fático-jurídica do exercício do direito de propriedade, impondo-se à solução desta "colisão" foco pleno nesta responsabilidade social que, neste momento, deixa de ser atributo jurídico inerente à propriedade, tornando-se um dever de conduta permanente, uma quase obrigação de fazer com relação à forma com que será exercido. Já em 1995 apontava França a importância da correta administração jurídica desta tensão, quanto dizia que o princípio da propriedade individual socialmente limitada era, mais do que "sacrifício", garantia de sua manutenção.(FRANÇA, 1995 p 13).

"Nós defendemos a existência da propriedade privada pois acreditamos na livre iniciativa. Mas o direito de propriedade não pode servir como um instrumento de marginalização da esmagadora maioria da povo brasileiro. A atual sistemática da propriedade, embora a função social esteja prevista expressamente na Carta Magna como elemento fundamental da propriedade e da ordem econômica, induz necessariamente a instabilidade institucional e social brasileira, ameaçando não só a subsistência dos trabalhadores excluídos da sociedade, mas também, da própria propriedade privada. Não é preciso suprimi-la, pois ainda constitui o melhor instrumento para a produção de riqueza: faz-se indispensável à sociedade brasileira reconhecer a função social da propriedade como um princípio essencial à própria existência da propriedade, bem como da Ordem Econômica, em outras palavras, concretizar o bem-estar social exigido pela Constituição Federal para preservar sua própria estabilidade. A função social da propriedade não constitui sacrifício à propriedade privada, mas sim a garantia mais sólida de sua manutenção pacífica". (FRANÇA, Vladimir da Rocha. Função Social da Propriedade na Constituição Federal. In: Revista Jurídica In Verbis - 1/1, Natal, UFRN/CCSA/Curso de Direito, maio/junho de 1995. pp 7/13).

A propriedade privada permanece plena, exclusiva e perpétua; vige o direito ao gozo, fruição e disposição do que se possui legitimamente, deste que excedida de maneira não só responsável e limitada, mas socialmente útil. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 7 ed. rev. amp. São Paulo: RT, 1991 p 294.

"(...) a função social da propriedade se modifica com as mudanças na relação de produção. E toda vez que isso ocorrera, houvera transformação na estrutura interna do conceito de propriedade, surgindo nova concepção sobre ela, de tal sorte que, ao estabelecer expressamente que a propriedade atenderá a sua função, mas especialmente quando o reputou princípio da ordem econômica, ou seja: como um princípio informador da constituição econômica brasileira com o fim de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170, II e III), a Constituição não estava simplesmente preordenando fundamentos às limitações, obrigações e ônus relativamente à propriedade privada, princípio também da ordem econômica, e, portanto, sujeita, só por si, ao cumprimento daquele fim. Pois, limitações, obrigações e ônus são externos ao direito de propriedade, vinculando simplesmente a atividade do proprietário, interferindo tão-só com o exercício do direito, os quais se explicam pela simples atuação do poder de polícia" (SILVA, 1991 p 294 - SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 7 ed. rev. amp. São Paulo: RT, 1991).

A norma maior, de imediata e perene aplicabilidade como toda norma constitucional, fundamenta uma relação de direito público e privado (simultaneamente), deixa de ser "vitrine" positiva de legislação e passa a ter vida hermenêutica concreta, na medida em que a jurisdição efetiva a chamada interpretação conforme a Constituição, no dia-a-dia concreto com que soluciona as lides humanas. A ordenação positiva infraconstitucional, portanto, serve tão somente para materializar e concretizar, na forma de manual de uso, a vinculação efetiva dos homens e das instituições, nos usos práticos que se faça da lei e do direito. Assim como nossa realidade atual impõe ao proprietário responsabilidade social, impõe ao magistrado preencher constitucionalmente todas as lacunas e conflitos que encontre em sua atividade diária, inerentes à propriedade e aos direitos ditos reais. A jurisdição assume o papel de "memória social" ante todos os momentos fáticos em que os valores da civilização, que geraram os princípios norteadores dos deveres constitucionais de conduta humana, sejam esquecidos pelo homem como indivíduo singular.

Estamos falando, portanto que, se uma ordem normativa constitucional impõe deveres claros de conduta ao proprietário e à jurisdição, não se pode excluir desta submissão à Lei, todos os indivíduos sociais, neles incluídos, prioritariamente, os assim chamados operadores do Direito: acadêmicos e doutrinadores, patrocinadores de causas, Ministério Público, membros do Executivo ao compor e executar políticas públicas com implicações jurídicas, entre outros.

Já REZEK reconhecia, um ano após o advento de nossa Constituição vigente, a necessidade de tutela infraconstitucional legislativa a questões dos direitos de titularidade coletiva, notadamente o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que se sobreporia a direitos individuais de propriedade que colocassem em risco este direito geral e social (REZEK, 1989 p 223-224 - REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1989 p 223-224.).

Dez anos depois, Araújo Sá discutia a importância de que "a disciplina constitucional" orientasse "a compreensão das normas de direito privado (...) e não o contrário, como costuma ocorrer na prática jurídica nacional" (ARAÚJO SÁ, 1.999a p 11 a 17):

A função social, portanto, na concepção dos estudiosos mais acatados, incide no conteúdo do direito de propriedade, impondo-lhe novo conceito. A constituição posiciona a propriedade privada como princípio da ordem econômica, submetendo-a aos ditames da justiça social. É dizer que se legitima a propriedade enquanto cumpre sua função social. É importante destacar que a disciplina constitucional deve orientar a compreensão das normas de direito privado sobre o direito de propriedade, e não o contrário, como costuma ocorrer na prática jurídica nacional. (ARAÚJO SÁ, Adonis Callou de. Função social da propriedade e preservação ambiental. Boletim dos Procuradores da República, n. 19, p. 11-17, nov. 1999).

Percebe-se, pela preocupação da doutrina ao longo do tempo pós-constitucional brasileiro, um luta pela superação dos velhos dogmas absolutistas e neoliberais que impregnaram a também dogmática do direito. Em outra obra, o mesmo ARAÚJO SÁ nos diz, sobre a propriedade rural:

"A propriedade rural, mais que a urbana, deve cumprir a sua função social para que, explorada eficientemente, possa contribuir para o bem-estar não apenas de seu titular, mas, por meio de níveis satisfatórios de produtividade e, sobretudo justas relações de trabalho, assegurar a justiça social a toda a comunidade rural" (ARAÚJO SÁ, 1999b p 161 - ARAÚJO, Telga de. A propriedade e sua função social. p 161. In: Direito agrário brasileiro / Raymundo Laranjeira - coordenador. - São Paulo: LTR, 1999. Vários autores.).

Dois anos depois, em 2001, Rafael Silva vinculava o direito de propriedade ao dever de função social, de cunho econômico, bem como ao dever de preservação ambiental, rural ou urbana, colocando um dilema interessante no debate: produção e emprego sem preservação ambiental descumpre a função social e, de igual maneira, preservação ambiental improdutiva, pode também descumprir este mandamento constitucional. O cerne estaria no equilíbrio com que se adaptaria o indivíduo ao social, politicamente definido, e o limite que imporia ao social, a preservação do ambiente, colocando ineditamente as questões de sobrevivência planetária subjugando as sociais "nacionais" e as individuais de direito (RAFAEL SILVA, 2.001 p 255-265 - SILVA, Rafael Egídio Leal e. Função social da propriedade rural: aspectos constitucionais e sociológicos. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, v. 37, ano 9, out. /dez. 2001).

Izabel Vaz, tratando de aspectos do Direito Econômico da Propriedade, realça esta garantia-limite que discutimos sob o escopo da propriedade empresarial:

"O direito subjetivo do proprietário dos bens de produção, da propriedade dinâmica não pode ser considerado abolido simplesmente porque a empresa privada tem uma função social a cumprir. Esta função impõe compromissos e deveres ao acionista controlador, conforme o artigo 170, caput, e inciso III da Carta vigente e ainda nos termos do parágrafo único do artigo 116 da Lei 6.404/76, mas não lhe retira a qualidade de titular de direitos subjetivos sobre os lucros ou os dividendos resultantes da atividade empresarial. Caso contrário, não se justificariam a inserção da 'livre iniciativa' no caput do citado artigo 170 nem do princípio da 'propriedade privada' no inciso II do mesmo dispositivo" (VAZ, 1.993 p 154 - VAZ, Isabel. Direito Econômico da Propriedade. 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1993.).

Estamos, portanto, em todos os subsistemas sociais, vivendo um processo histórico de ampla complexidade, no qual a evolução não homogênea, de cada um deles, requer rápida adaptação de seus pares, pelo bem do equilíbrio, sustentação e sobrevivência do sistema maior. Como já dissemos no início deste trabalho, o direito ainda é o "cavalo manco" que corre atrás dos fatos da história, como bem retrata Rogério Donnini quando afirma:

"Na realidade, num mundo em que cada vez mais nos deparamos com a rapidez com que os fatos surgem e reclamam uma solução também célere do direito, o que se vê é um sistema legislativo incapaz de regular essa vasta gama de fatos que devem ser normatizados" (DONNINI, 2.004 p 113 - DONNINI, Rogério Ferraz. Responsabilidade pós-contratual no novo código civil e no código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004).

Sobre os efeitos específicos sobre o instituto da propriedade dessa complexidade social, Vladimir Freitas tem raro discernimento didático quando ensina que a cada época da história humana, valores diversos dão diversos contornos à propriedade, complexa que se encontra, porque complexa a sociedade como um todo:

"O processo histórico de apropriação do homem sobre a terra se desenvolveu de modo artificial, e em cada época a propriedade constitui-se de contornos diversos, conforme as relações sociais e econômicas de cada momento. O grau de complexidade hoje alcançado pelo instituto da propriedade deriva indisfarçadamente do grau de complexidade das relações sociais" (FREITAS, 2.002 p 130 - FREITAS, Vladimir Passos. A Constituição Federal e a Efetividade das Normas Ambientais 2a Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.).

Conclusão

Pensar o Direito como fato social, como causa e conseqüência de fenômenos sociais, nos faz percebê-lo como uma daquelas coisas que a sociedade cria para sobreviver, aceita esta como um sistema maior que se autoperpetua e se autoproduz incessantemente, sob o risco de perecer se não o fizer.

Supô-lo, e de nossa parte o supomos sempre, que em sua interação com os demais subsistemas sociais, sofre o Direito, pela sua característica utilitária até, de limitações de velocidade de atualização e eficiência, é supô-lo sempre em necessária alteração estrutural e de repertório, na medida em que dele se exige atuação concreta na regulação da conduta humana.

Diante disto, os inúmeros institutos que o compõe sofrem, também heterogeneamente, mudanças e evoluções, conforme uns mais que outros interajam prévia ou tardiamente com as necessidades que a sociedade tenha deles. Assim evolui hora o casamento e seus princípios agasalhando a união estável, hora a dogmática dos contratos incorporando o princípio da boa-fé, hora o instituto da propriedade, buscando sua função social. Pois bem, buscar uma função social, nada mais nos parece do que adequar uma necessária ferramenta, à uma maior eficácia social, na tutela do valor que se pretende preservar ou priorizar.

O que se tutela quando se busca a boa-fé nas contratações, uma verdadeira cruzada contra uma ética de mercado pós-moderna em que os fins se justificam em si mesmos, politicamente, desfazendo dos meios quaisquer componentes valorativos?

O que se busca ao se legitimar a entidade familiar, constitucionalmente, a todas as formas atuais de convívio nuclear, não só ao modelo limitado de outrora do casal e filhos? O que se quer ao se impor ao direito privado e absoluto da propriedade, uma limitação delineada pela sua função social?

Num ponto em comum, encontramos uma tutela comum máxima, que nos indica a verdadeira função social do direito e, conseqüentemente, de todos os seus institutos: a tutela da dignidade da pessoa humana!

Se um benefício se pode extrair da hipercomplexidade vigente na sociedade pós-moderna, seria lúcido buscá-lo numa necessidade quase impessoal de se tutelar o indivíduo como único elemento viabilizador da coletividade, e inseri-lo autônomo, feliz, e digno, como parte de um processo maior.

A vontade política, deste subsistema político que, aliado ao poder econômico consegue ainda dicotomizar a sociedade conforme a apropriação de riquezas e conhecimento, tem que ter um mecanismo limitador que impeça a cisão social em duas realidades completamente distintas em realidade material e plenitude de realização humana: os detentores da riqueza e os escravos destes.

Priorizando que, ainda que a dicotomia exista, a dignidade individual seja preservada e tutelada, o direito torna-se ferramenta-mor da concretude desta dignidade: não vivemos num modelo de espontânea distribuição eqüitativa da riqueza, mas exigimos um mundo onde a dignidade não dependa dela!

Permite então o Direito que a propriedade (aquele direito pessoal e privado) exista, que seja reflexo denso e concreto da riqueza acumulada, mas impede-se, pelo Direito, que em sua proporção se defina um quantum qualquer de dignidade, posto que imensurável esta grandeza humana.

A função social da propriedade, portanto, é o mnemônico permanente, dos juristas de toda espécie, de que não se está aqui, no meio do sistema-direito, "a passeio" ou por diversão, mas sim pelo exercício da tutela maior, absolutamente alheio e independente de todas as vontades e desejos individuais, que a ela possam se contrapor.

Referências:

ARAÚJO SÁ, Adonis Callou de. Função social da propriedade e preservação ambiental. Boletim dos Procuradores da República, n. 19, p. 11-17, nov. 1999, Brasília: Fundação Procurador Pedro Jorge de Melo e Silva, 1999.

ARAÚJO, Telga de. A propriedade e sua função social. In: Direito agrário brasileiro / Raymundo Laranjeira - coordenador. - São Paulo: LTR, 1999. Vários autores.

BEVILAQUA, Clóvis. Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Forense, 1941.

DONNINI, Rogério Ferraz. Responsabilidade pós-contratual no novo código civil e no código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004.

FRANÇA, Vladimir da Rocha. Função Social da Propriedade na Constituição Federal. In: Revista Jurídica In Verbis - 1/1, Natal: UFRN/CCSA/Curso de Direito, maio/junho de 1995. pp. 7/13.

FREITAS, Vladimir Passos. A Constituição Federal e a Efetividade das Normas Ambientais 2a Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

GRAU, Eros Roberto. Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica). São Paulo: RT, 1990.

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Autopoiese do Direito na Sociedade Pós-Moderna. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.

LUHMAN, Niklas. Sociologia do Direito I. (Trad. Gustavo Bayer). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.

REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1989.

ROCHA, Olavo Acyr de Lima. A desapropriação no direito agrário. São Paulo: Atlas, 1992.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 7 ed. rev. amp. São Paulo: RT, 1991 p 294.

SILVA, Rafael Egídio Leal e. Função social da propriedade rural: aspectos constitucionais e sociológicos. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, v. 37, ano 9, out. /dez. 2001.

VAZ, Isabel. Direito Econômico da Propriedade. 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1993.



Notas:

* Raul Moura Tavares, Acadêmico de Direito das Faculdades Dom Bosco, em Curitiba/PR, membro do Instituto de Hermenêutica Jurídica, de Porto Alegre/RS e monitor nas Disciplinas de Direito Penal - Parte Geral e de Direito Civil - Contratos. [ Voltar ]

Palavras-chave: propriedade

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