Procurador Rodrigo Janot diz que proposta do Senado contra abuso de autoridade é 'ruim'

PGR avaliou projeto que prevê prisão para casos de abuso de autoridade. Para ele, debate lembra o que abafou a Operação Mãos Limpas na Itália.

Fonte: G1

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O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou nesta sexta-feira (11) que considera “muito ruim” a proposta de lei em discussão no Congresso Nacional que prevê prisão para casos enquadrados como abuso de autoridade. A proposta, de autoria do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), está sob análise de uma comissão da Casa.


Em um café da manhã com jornalistas na manhã desta sexta, o chefe do Ministério Público disse que o texto proposto por Renan abre a possibilidade de punir juízes por causa de sua interpretação na aplicação da lei.


“A proposta que tramita no Senado contém alguns avanços, mas é muito ruim. Uma proposta não pode deixar de forma aberta tipos de abuso. Não pode criminalizar o que chamamos de crime de hermenêutica. Um juiz não pode ser criminalizado pelo fato de ter dado uma interpretação jurídica”, disse Janot durante o encontro.


Janot chamou a atenção para o fato de a proposta, não punir, por exemplo, a chamada “carteirada” – quando uma pessoa se identifica como autoridade para obter privilégios ou se livrar de uma autuação policial, por exemplo.


O procurador disse ser favorável a uma lei contra o abuso de autoridade, lembrando que a atual foi feita na época da ditadura militar, em 1965. “Mas a velocidade é essa? Aprovar de um dia para o outro? Todos estamos abertos à discussão sobre isso. Não há ninguém que seja contra uma lei moderna contra o abuso de autoridade”, afirmou.


Na entrevista, Janot também disse ver em discussão no Brasil medidas semelhantes a algumas que foram aprovadas na Itália como reação à Operação Mãos Limpas, que descobriu, nos anos 90, um esquema de corrupção no governo semelhante ao descoberto pela Operação Lava Jato.


“Óbvio que numa investigação desse tipo, que toca poderes político e econômico, a autopreservação impõe reação desses centros de poder”, disse o procurador-geral.


Janot enumerou uma série de medidas tomadas na Itália para se contrapor à Mãos Limpas. A primeira delas, destacou, foi a “despenalização do financiamento ilícito de campanha”.


Atualmente, no Brasil, o Congresso discute uma anistia para o caixa 2 – doação não declarada de campanha –, já considerado hoje um crime eleitoral.


Questionado sobre o assunto, Janot disse ver prejuízo para as investigações da Lava Jato caso se aprove uma anistia para outros crimes relacionados, como a lavagem de dinheiro e a corrupção. Segundo as investigações do caso têm apontado, dinheiro de propina tem sido doado, de forma declarada ou não, para campanhas como forma de dissimular a origem ilícita.


“Se houver essa anistia, é uma forma de prejudicar a investigação. Uma investigação dessa não é barata, custa caro para o contribuinte”, completou o procurador-geral.


Reação


Questionado várias vezes sobre a reação dos políticos à Lava Jato, Janot disse que tradicionalmente, diante de uma investigação, uma pessoa suspeita tem duas opções: ou se submete e confia na Justiça, se defendendo das acusações, ou foge do país.


“Aprendi algo que não nos ensinam na escola. Existe uma terceira via: você vai ao Parlamento, entra como membro do Parlamento e legisla em causa própria para se furtar à atuação da Justiça”, afirmou o procurador-geral.


Depois, usou uma metáfora para ilustrar a experiência da Lava Jato. Comparou a operação ao ato de vergar uma vara. O movimento, explicou, é uma tentativa de “quebrar” a “corrupção endêmica” que se estabeleceu no país, pela qual o pagamento de propina se torna a regra do jogo nas relações entre governos e empresas.


“Nós chegamos a esse ponto da investigação. Nós envergamos uma vara, se ela volta, volta chicoteando todo mundo. Se essa vara não for quebrada, volta dando chicotada em todo mundo”, disse, numa referência a eventuais retaliações caso a operação não chegue ao fim, punindo os culpados.


Indagado sobre seu relação com o Congresso, especialmente o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) – também alvo da Lava Jato –, Janot disse que até o momento o relacionamento tem sido profissional. “No nível que estamos hoje, até o presente momento temos conseguido seperar a discussão institucional da questão pessoal. Temos mostrado que as instituições tem funcionado”, disse.


Na entrevista, o chefe do MP também negou que a Lava Jato tenha viés político ou busque criminalizar a atividade política.


“Tenho ouvido desde o início que essa investigação tinha interesse certo. Tinha viés político. Os números não revelam isso, que estejamos privilegiando algum grupo político. Todos os que se envolveram são igualmente investigados, de A a Z. A gente não está investigando um modo de fazer política, estamos investigando um modo de agir criminalmente. Não vejo como criminalização da política”, disse.


Foro privilegiado


Janot também disse ser favorável a mudanças nas regras sobre o chamado “foro privilegiado”, direito que autoridades têm de serem julgadas em tribunais superiores, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF).


“Tem que haver redução”, afirmou, destacando que atualmente cerca de 22 mil autoridades possuem a prerrogativa de foro, mas com a ressalva de que é contra o fim do instituto.


O procurador não defendeu uma fórmula para restringir o benefício, mas lembrou de uma sugestão do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, de criar uma vara federal específica para investigar parlamentares e ministros, por exemplo. “A questão não é fácil, é complexa. A solução tem que existir. O melhor lugar para discutir isso é o Parlamento”, finalizou.


Próximo PGR


A menos de um ano de terminar seu segundo mandato no comando do Ministério Público, Janot disse achar “difícil” uma possível interferência política na escolha de seu sucessor -- a ser feita pelo presidente Michel Temer e confirmada pelo Senado -- , com objetivo de interferir na Lava Jato.


Explicou que um filtro muito importante é o fato de que a indicação dos nomes, tradicionalmente, é feitas pelos próprios membros do MP, que enviam ao presidente uma lista com três nomes mais votados dentro da própria categoria.


“Para que você possa ter uma manipulação política da pessoa que senta nessa cadeira já é muito difícil. Outra coisa: a pessoa que senta nessa cadeira não trabalha sozinha. Ela vai precisar de colegas, vai trabalhar junto com a polícia, com outros órgão que tenham expertise técnica nesse assunto. Não passa na cabeça de ninguém que essa pessoa possa entender que controla todos esses órgãos. Não há uma conspiração generalizada a esse ponto”, explicou.


Apesar de estar no segundo mandato, que dura dois anos, nada impede que Janot seja reconduzido ao cargo por mais dois anos em 2017.

Palavras-chave: Operação Lava Jato Lavagem de Dinheiro Corrupção Abuso de Autoridade

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2 Comentários

carlos autonomo12/11/2016 10:48 Responder

Claro que é ruim senhor Janot! A Lei pode te tocar não é mesmo? aliás, a muitos outros também. Essa onda de superpoderosos tem que acabar, criam-se o ambiente ideal para justificar esta sede insaciável. Abuso de Poder. Congresso Nacional, urgência nessa Lei!

José Augusto Araújo Pereira advogado15/11/2016 21:26 Responder

Discordo, diametralmente, da opinião do ilustre PGR, que discursa em nome daqueles que sabem que cometem, sem intervalos, bárbaros crimes de abuso de poder, não há melhor momento para se fazer uma lei moderna de abuso de poder, mesmo porque, é sabido que depois haverá a ADI, visando decotar os excessos, mas antes a lei conter excessos a carência de proteção dos administrados. Bendita a hora que os políticos foram alvos da operação lava jato, pois agora no afã de proteger a classe política, protegerá a todos os cidadãos. Um juiz ou um promotor não pode ser alvo de um processo, sob o pretexto de cometer crime de hermenêutica, mas um advogado pode ser criminalizado pelo fato de dar um parecer ou uma opinião legal? Está mais do que na hora dessa lei vingar e que eles (juizes e promotores) passem a responder, severamente, pelos seus atos.

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