Princípio da dignidade humana

Viviane Patrícia Scucuglia Litholdo, Professora de direito do trabalho, Advogada trabalhista, Pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho

Fonte: Viviane Patrícia Scucuglia Litholdo

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Viviane Patrícia Scucuglia Litholdo ( * )

A dignidade é um dos direitos fundamentais à existência do ser humano, sendo garantia constitucional (CF/1988) insculpida no inciso III, do seu artigo 1º, Título I, que dispões sobre os Princípios Fundamentais.

Denomina-se como dignidade o direito à tutela do trabalho e proteção ao trabalhador, com definição na Constituição Federal da República (1988) em seus artigos 6º a 11º o que já vinha sendo reconhecido nas mais importantes declarações de direitos humanos: Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU-1948)(1), Convenção Européia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (subscrita em Roma-1950), Pacto Internacional de Direitos Civil e Políticos (Assembléia Geral das Nações Unidas-1966)(2) e Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica -1969)(3).

A Declaração Universal de Direitos Humanos(4) tem como objetivo precípuo a internacionalização e garantia dos direitos humanos. É o reconhecimento em âmbito universal dos direitos fundamentais do homem.

A Declaração Universal de Direitos Humanos tratou de exigências elementares de proteção às classes ou grupos sociais mais fracos ou necessitados, atentando-se ao princípio da solidariedade, que está na base dos direitos econômicos e sociais, afirmados em seus artigos XXII a XXVI (COMPARATO, 2003 p. 24).

Considerando esse contexto, a Organização Internacional do Trabalho(5) tem desenvolvido e confirmado, por meio de várias convenções, e da declaração dos direitos do trabalhador, informando universalmente que a paz dos povos só pode ter como embasamento a justiça social, com melhores condições de trabalho no mundo. Por isso reconheceu e proclamou em âmbito internacional os direitos fundamentais do Trabalho, ou seja, deu garantia ao trabalho com dignidade e decência e proclamou 08 (oito) princípios que são imperiosos no âmbito das relações de trabalho, através da Declaração de Princípios Fundamentais e Direitos no Trabalho.

Com efeito, de acordo com essa Declaração, todos os estados-membros da OIT, incluindo o Brasil, têm a responsabilidade de respeitar, promover e dar efetividade aos princípios denominados fundamentais, expressos nas Convenções:

· n.º 29 (eliminação do trabalho forçado);

· n.º 87 (liberdade sindical e direito à sindicalização);

· n.º 98 (6) (direito de sindicalização e de negociação coletiva);

· n.º 100 (igualdade de remuneração entre homens e mulheres);

· n.º 105 (proibição de trabalho como meio de coerção ou educação política);

· n.º 111 (proibição de qualquer tipo de discriminação);

· n.º 138 (abolição do trabalho infantil);

· n.º 182 (que defende adoção de medidas imediatas e eficazes para eliminação das piores formas de trabalho infantil).

A Dignidade da pessoa humana possui ligação inquestionável com o Direito do Trabalho, vez que, desde os primórdios de sua formação, em sua longa caminhada de conquistas, o Direito do Trabalho tutela a relação de emprego, tipificada no artigo 3º da CLT.(7)

Os requisitos do contrato de trabalho são: continuidade, subordinação, onerosidade, pessoalidade e alteridade. Uma das principais características que diferencia o contrato de trabalho dos demais contratos, como já dito, é a subordinação, consubstanciada no estado de dependência que se sujeita o empregado, exercendo o empregador o seu poder de direção (8).Aludido poder é compreendido em disciplinar, fiscalizar, organizar e dirigir a prestação de serviços, de acordo com suas regras, comandos e disposições. Trata-se de um contrato em que o indivíduo é integrado na sociedade e que tem, com o trabalho, garantidas a essência de sua dignidade e a plenitude de sua valoração humana.

Consigna-se que o poder de direção do empregador deve ser exercido com respeito e urbanidade, mormente porque o rigor e controle excessivos somados à supressão de direitos, ofendem a dignidade do empregado.

A preservação da dignidade do empregado é obrigação relevante do empregador. Tem ele a precisa responsabilidade de garantir a personalidade, a dignidade e os valores sociais do trabalho a favor do empregado, sob pena da caracterização de ofensa ao princípio do não-retrocesso social. Contra si tem o empregado a necessidade de sua subsistência e de sua família, o que por algumas vezes o leva a abrir mão de sua dignidade(9) em prol de condições desumanas de trabalho. Tudo isso acarreta a perda, não somente de sua saúde, mas de sua integridade moral, por muitas vezes, irrecuperável. É um retrocesso social.

A dignidade deve nortear o contrato de trabalho em sua plenitude, em todas as suas fases, a saber:

· na fase pré-contratual em que, embora o vínculo não esteja constituído, há um potencial empregador, não podendo ocorrer discriminação (lei n. 9.029/95);

· na fase contratual, contra abuso de direito, descumprimento das obrigações, revistas com ofensa à intimidade do empregado, rebaixamento de função, assédio moral e sexual e acidente do trabalho ou doença ocupacional (lei 8.213/91) ocasionados pela ausência de cuidados necessários do empregador;

· na despedida do empregado contra caráter discriminatório, anotação do motivo da despedida na CTPS e em alguns casos de despedida por justa causa;

· na fase pós-contratual se ocorrerem recomendações desabonadoras prestadas pelo empregador e a difusão das chamadas listas negras.

A proteção à pessoa humana deve ser integral e não é plausível que durante as fases do contrato de trabalho o empregado sofra ofensa em seu projeto de vida.

O dano ao projeto de vida é um dano radical e profundo, que compromete diretamente, o ser mesmo do homem. Trata-se de dano que afeta a liberdade da pessoa e que por fim, frustra o seu projeto de vida que, livremente, cada pessoa tem o direito de formular e realizar. É dano que trunca esse projeto, que impede que a pessoa desenvolva livremente sua personalidade. O dano, físico ou moral, afeta a liberdade e a saúde do empregado, impedindo-o de cumprir o seu projeto vital. Compromete o direito inato de ser "uno mismo" e não "outro" transtornando a existência da pessoa, afastando "el sentido de sus vidas". (SESSAREGO apud CAHALI, 2005, p. 246)

Embora seja o poder econômico e, registre-se, que no mundo capitalista tem posição de destaque nas relações humanas, é o poder que define relações hierarquizadas refletindo diretamente nas relações sociais. Há quem exerça o poder e quem tem interesse em obedecer.

[...] que há escravos e homens livres pela própria obra da natureza; que essa distinção subsiste em alguns seres, sempre que igualmente pareça útil e justo para alguém ser escravo, para outrem mandar; pois é preciso que aquele obedeça e este ordene, segundo o seu direito natural, isto é, com uma autoridade absoluta. (ARISTÓTELES apud GODINHO, 1996, p. 30).

Todavia, há de se reconhecer os limites do poder, in casu, do poder empregatício, que deve ser pautado pelo princípio da dignidade. Os valores morais e a dignidade estão em plano superior ao valor das coisas. A pessoa, no contrato de trabalho, é lesada pelo que ela é, como ser humano em sua essência. Não se pode recusar o direito à honra e o reconhecimento da dignidade ao trabalhador.

Nesse sentido, observe-se a lição de Konder Comparato (2005, p. 22):

[...] a dignidade da pessoa não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente das coisas, um ser considerado e tratado, em si mesmo, como um fim em si e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta também do fato de que, pela sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita.

Daí decorre, como assinalou o filósofo10, que todo homem tem dignidade e não um preço, como as coisas. A humanidade como espécie, e cada ser humano em sua individualidade, é propriamente insubstituível: não tem equivalente, não pode ser trocado por coisa alguma.

O empregador tem obrigação de, no contrato de trabalho, garantir a dignidade do empregado em sua plenitude, isto é, no aspecto moral, intelectual e físico. O interesse do empregador em defender e aumentar o seu patrimônio encontra limite na dignidade, honra e moral do seu empregado. Para Clayton Reis (1998, p. 76) os referidos valores, adquiridos através do trabalho e da convivência social, compõem o invólucro, constituído de bens imateriais da pessoa, sujeitos à proteção do ordenamento jurídico.

Há um escalonamento de valores, sendo que a dignidade é o bem mais precioso que pode possuir um homem, vez que é ela que lhe traz esperança, felicidade, auto-estima e demais valores substanciais para sua vida. Um homem sem dignidade é um homem sem vida!

Ressalte-se, que o princípio da dignidade humana é fundante do Direito do Trabalho, surgiu da luta, do desemprego, da exploração e demais fatores econômicos e sociais somadas às conquistas, que hoje enfrentam a flexibilização (ou supressão) de direitos. O princípio da dignidade afasta de forma absoluta qualquer pretensão de injustiça, seja ela social, econômica ou moral.

A respeito da dignidade ensina Sotelo Felippe (1996, p. 67):

A noção de dignidade humana é um universal (sic). Inseri-la em um texto constitucional significa representá-la empiricamente, agregando-se, nas normas infraconstitucionais e nas próprias normas constitucionais, dados da experiência social - daí a disponibilidade de conteúdos. Dignidade é um ente da razão, que basta-se a si mesma. É primeiro motor, é causada nela mesma, é incausada exatamente por ser razão. Por isso, quando a Constituição diz dignidade está positivando (como que tornando empírico o universal) uma idéia da razão que não pode ter outro fundamento que não ela mesma, a razão.

Destarte, todas as características mencionadas a cada princípio tratam, de forma inquestionável, da preservação e confirmação da aplicação do princípio da dignidade do empregado nas relações de emprego. É a dignidade a razão de todos os outros princípios.


Notas:

* Viviane Patrícia Scucuglia Litholdo, Professora de direito do trabalho, Advogada trabalhista, Pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho.[ Voltar ]

1 - Adotada e proclamada pela Resolução 217-A da Assembléia das Nações Unidas em 10.12.1948Voltar

2 - Ratificado pelo Brasil em 24.01.1992Voltar

3 - Adotada pela Assembléia Geral da Organização os Estados Americanos e ratificada pelo Brasil em 25.09.1992.Voltar

4 - 1ª etapa concluída em 1948. 2ª etapa em 1966Voltar

5 - Fundada em 1919 com o objetivo de promover a justiça social, tem estrutura tripartite, sendo que os representantes dos empregadores e trabalhadores têm os mesmos direitos que os do governo. No Brasil tem representação desde 1950.Voltar

6 - Foi aprovada pelo Brasil no Decreto Legislativo n.º 49, de 27 de agosto de 1952, sendo promulgada pelo decreto n.º 33.196, de 29 de Junho de 1953. Voltar

7 - Art. 3.º da CLT - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Parágrafo único. Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.Voltar

8 - Art. 2.º da CLT- Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.Voltar

9 - Hoje se começa a falar numa terceira geração dos direitos do homem. Seriam direitos de solidariedade: direito à paz, ao desenvolvimento, ao respeito ao patrimônio comum da humanidade, ao meio ambiente [...] A nova Constituição brasileira deu guarida a essa tendência, dispondo, por exemplo, sobre o direito ao meio ambiente (art. 225) (FERREIRA FILHO, 2005, p. 292).Voltar

Palavras-chave: dignidade humana

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