OAB: vigiar e-mails de advogados pode prejudicar caso Dantas

"A interceptação dos advogados é claramente ilegal, é absurda no sistema democrático (...) É como se no jogo da democracia, uma das partes já comece ganhando a partidas por dez a zero".

Fonte: Conselho Federal da OAB

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O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, critica a interceptação, por parte da Polícia Federal, de e-mails trocados entre advogados: "A interceptação dos advogados é claramente ilegal, é absurda no sistema democrático (...) É como se no jogo da democracia, uma das partes já comece ganhando a partidas por dez a zero".

Nesta quinta-feira, 17, reportagem do jornal Folha de S. Paulo divulgou trechos de e-mails trocados entre Luis Lopes Madeira, ex-ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), e Henrique Neves, advogados de defesa do banqueiro Daniel Dantas. Na conversa, eles acertam uma forma de fazer o pedido de habeas corpus de Dantas ser apreciado pelo presidente do STF (Superior Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes.

Cezar Britto esclarece que advogados não podem escolher qual juiz vai decidir o caso, mas ressalva que não há conduta ilegal em ter preferência por determinado magistrado, trata-se de "saber o que vai acontecer por força do que estabelece a legislação brasileira".

O presidente nacional da OAB, na verdade, destaca um outro ponto, que pode ser crucial para a continuidade do inquérito que avança sobre Daniel Dantas e seus parceiros: "É exatamente porque se comete irregularidades durante as investigações policiais que depois se consegue anular os processos", salienta.

Em entrevista ao jornalista Daniel Milazzo, do Terra Magazine, Britto afirma que uma espetacularização da Operação Satiagraha atrapalha o próprio objetivo da operação. Além disso, ele valoriza as decisões tomadas por Gilmar Mendes, na condição de "orientadoras para futuras operações". Por fim, frisa a necessidade da instalação da CPI do Colarinho Branco, a fim de combater os crimes de corrupção no País.

Confira a seguir a entrevista concedida pelo presidente nacional da OAB:

P - Reportagem do jornal Folha de S. Paulo desta quinta-feira, 17, revela através de e-mails trocados entre os advogados de defesa de Daniel Dantas que estes preferiam que o pedido de habeas corpus de seu cliente fosse apreciado pelo presidente do STF Gilmar Mendes. É comum a busca por esse tipo de "privilégio"?

R - Primeiro, a interceptação dos advogados é claramente ilegal, é absurda no sistema democrático, pois implica reconhecer que a acusação tem conhecimento prévio da estratégia da defesa. É como se no jogo da democracia, uma das partes já comece ganhando a partidas por dez a zero. Interceptar as conversas de advogados é o mesmo que dizer que o Estado policial que tudo vigia e tudo vê está em vigor no Brasil.

P - Mas, como o sr. enxerga esta prática de escolher o juiz que vai apreciar o pedido?

R - O advogado não pode escolher o juiz que vai decidir. Mas sabe ele que durante o recesso o presidente do tribunal é o responsável por decisões judiciais. Não é escolha dolosa neste caso, mas o cumprimento é o saber do que vai acontecer por força do que estabelece a legislação brasileira. O erro não está na conversa, está na ilícita interceptação da estratégia das defesa.

P - Mesmo que a Justiça tenha autorizado essa interceptação?

R - O Poder Judiciário não pode ferir a Constituição. É exatamente porque se comete irregularidades durante as investigações policiais que depois se consegue anular os processos. O resultado pretendido pela ação, que é a condenação real, se torna nula pela precipitação de algumas autoridades, que se pretendem alguns minutos de fama imediata. O correto é perseguir o crime, principalmente, no Brasil, os crimes de corrupção, dentro da regra democrática, para que a condenação efetivamente aconteça e não fiquemos apenas em condenações midiáticas. A interceptação da conversa dos advogados pode gerar a anulação do processo.

P - Inclusive neste caso, sobre Daniel Dantas?

R - Também neste caso. E a sociedade não quer que os processos contra as pessoas abonadas que cometam crime morra na praia.

P - Como o sr. avalia a postura de Gilmar Mendes no bojo da Operação Satiagraha?

R - O presidente Gilmar Mendes tomou uma decisão judicial, como outra qualquer. Ainda passiva de recurso ao próprio Supremo Tribunal Federal. O que é complicado neste caso é o conflito interno entre as decisões.tanto a de primeira instância como a do próprio ministro Gilmar, causou ao Judiciário. Ao invés do poder Judiciário, estabilizando e lutando para que a questão principal ocorra sem nenhum problema, que é a acusação do crime, a forma como se processa e a possível condenação, estaque nessa fase relevando o secundário e esquecendo o principal. É hora do Judiciário se unir e não se dividir. A divisão favorece o criminoso.

P - O presidente do Supremo atropelou outras instâncias? As ações de Mendes deslegitimaram as decisões do juiz Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Criminal Federal?

R - A Constituição brasileira admite recursos. Se há falha no sistema recursal, cabe ao Legislativo sua correção e seu aperfeiçoamento. O mérito e as falhas possível nas decisões judiciais, tanto de primeira instância como de última instância, são e devem ser corrigidas dentro do processo e não através de discussões públicas. A crise entre órgãos do Judiciário enfraquece o próprio poder Judiciário e não é boa para a república.

P - Como fica a imagem do poder Judiciário perante a opinião pública?

R - Eu não tenho dúvida de que esses conflitos prejudicam (a imagem do Judiciário). O maior instrumento de respeito ao Judiciário é a sua credibilidade. Quando ela fica abalada, abala-se a própria confiança na Justiça. E se esse abalo é causado por debates internos e públicos do próprio poder Judiciário, o prejuízo é maior. Se estiver correto, no caso, o ministro Gilmar Mendes, a conclusão lógica é que as outras instâncias erraram. E vice-versa. A idéia de que alguém errou, politicamente, dentro do Judiciário, não é boa para a imagem da instituição. Por isso a OAB, em sua manifestação, propor que se resolva essas disputas internas para que possamos juntar forças no combate à corrupção. A divisão não interessa ao Brasil, com ela somente lucra o crime.

P - Procuradores da República chegaram a pedir o impeachment do presidente do STF. O que o sr. achou do pedido?

R - O pedido de impeachment é um erro grave, porque acirra uma crise que não devia existir, e segundo, porque é em si uma contradição. Entende-se que a decisão do presidente Gilmar seria a liberdade do juiz de primeira instância, e com esse fundamento não reconhece a própria independência que um presidente do Supremo Tribunal tem de decidir. É uma contradição grande.

P - As farpas trocadas pelo ministro da Justiça Tarso Genro e Gilmar Mendes provocaram, por alguns dias, uma espécie de conflito entre os poderes Judiciário e Executivo. Quais suas considerações sobre este atrito?

R - Elas fazem parte do sistema democrático. O debate é que constrói a democracia. A divergência entre o ministro da Justiça e o presidente do Supremo Tribunal Federal são divergências comuns nos países democráticos. O que não pode é essas divergências atrapalharem o combate ao crime. Principalmente ao grave crime da corrupção. A OAB propõe a criação da CPI do Colarinho Branco, aproveitaríamos o fato concreto dessa investigação envolvendo o Daniel Dantas e também o caso do (Salvattore) Cacciola (acusado de peculato e gestão fradulenta), pois são duas questões que se inter-relacionam e que poderiam ser aprofundadas e investigadas e evitar que no Brasil se faça do erário um patrimônio privado.

P - No decorrer desta Operação Satiagraha foram surgindo nomes de alguns políticos. Inclusive, num determinado momento, Dantas disse que iria revelar tudo, todos os envolvidos nos esquemas de corrupção, dando indícios de que muita lama se espalharia pelo Congresso. Assim, na sua opinião, quais as chances de êxito desta CPI do Colarinho Branco?

R - A CPI tem um êxito grande porque é difícil controlá-la, a política e a opinião pública acompanham mais, ela é mais transparente. A dificuldade da CPI está no seu começo, não no seu trabalho. Com a repercussão desse caso concreto, a CPI é mais do que necessária. Espero que o Congresso, que quer retomar a sua credibilidade e quer demonstrar apóie e aprove essa CPI do Colarinho Branco.

P - Por enquanto, há uma resistência no Congresso referente à instalação da Comissão?

R - Eu sou um otimista. Nós estamos nos reunindo com várias entidades da sociedade civil, vamos conversar com os parlamentares. Estamos com a dificuldade do recesso, mas tenho certeza de que podemos fazer um Brasil melhor depois dessa CPI.

P - As decisões do presidente do Supremo prejudicaram a operação da Polícia Federal?

R - Ao contrário, as decisões do Supremo dão uma orientação para as futuras operações. O combate à corrupção é fundamental, mas não pode ser feita de forma espetaculosa em que se vive tão somente a condenação moral e por erros infantis se anule o processo no futuro. É preciso combater a corrupção dentro do sistema democrático e não através de uma lógica policialesca. A própria ação policial fica prejudicada porque o secundário, que é na execução, esconde a parte boa, que a investigação. A espetacularização atrapalha o próprio objetivo.

P - O uso de grampos telefônicos em investigações policiais é uma boa estratégia?

R - Há um exagero de grampos no Brasil. O Brasil está vivendo um estado de bisbilhotice. Não se pode manter essa lógica de mais de 440 grampos autorizados judicialmente. É preciso regulamentar os grampos telefônicos, impedir que essa prática seja cada vez maior. Se grampeia autoridade da república e depois isso mesmo pode ser objeto de chantagem política. Ninguém sabe o que está nas mãos dos policiais, do Ministério Público. É preciso dar um basta nesse grampo. Isso é mais uma lógica policial do que uma lógica do estado democrático de direito.

Palavras-chave: Dantas

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