O STF e a necessidade de apresentação de resposta preliminar nos crimes funcionais afiançáveis

Saulo Fanaia Castrillon. Advogado em Cáceres - MT, Graduado pela Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT). Pós graduando em Processo Civil pela Universide do Sul de Santa Catarina - UNISUL.

Fonte: Saulo Fanaia Castrillon

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Saulo Fanaia Castrillon ( * )

Reza o artigo 514 do Código de Processo Penal que nos crimes cometidos por funcionários públicos no exercício da função, antes do recebimento ou da denúncia ou da queixa, o juiz ordenará a notificação do acusado para, no prazo de 15 dias, responder por escrito à acusação.

Ocorre que havia forte entendimento jurisprudencial no sentido de que, estando a inicial acusatória embasada em elementos colhidos em inquérito policial, tornar-se-ia dispensável a apresentação de resposta preliminar. Aliás, corroborando essa interpretação, o STJ chegou a editar a Súmula 330, que preconiza que "é desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 514, do Código de Processo Penal, na ação penal instruída por inquérito policial".

Na mesma vereda, o STF vinha decidindo que a regra inserta no artigo 514 do CPP somente era exigível quando a denúncia não estivesse precedida de inquérito; além de que, para essa Corte, a inobservância da regra gerava nulidade relativa, dependendo, pois, ser suscitada em momento processual oportuno e de comprovação de prejuízo ao réu, sob pena de preclusão, como se infere dos seguintes excertos jurisprudenciais:

"Habeas corpus". - Esta Corte (assim, no RE 71.161) se tem orientado no sentido de que a não-observância do disposto no artigo 514 do Código de Processo Penal só gera nulidade relativa, devendo, portanto, ser argüida no tempo oportuno. (...)". "Habeas corpus" indeferido. (HC 73017/MT, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Julgamento: 19/03/1996, Órgão Julgador: Primeira Turma, DJ 22-11-1996);

(...) DENUNCIA - CRIME DE RESPONSABILIDADE DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO - NOTIFICAÇÃO DO ACUSADO - INEXISTÊNCIA - NULIDADE - ESPÉCIE. A teor do disposto nos artigos 563, 566, 575, inciso II, e 572 do Código de Processo Penal, a inobservancia da formalidade prevista no artigo 514 deste diploma legal acarreta nulidade relativa. Ocorre a preclusão quando não arguida no prazo assinado para as alegações - artigo 500 da referida legislação instrumental (...) DENUNCIA - CRIME DE RESPONSABILIDADE DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO - NOTIFICAÇÃO DO ACUSADO - EXIGIBILIDADE. A notificação do acusado prevista no artigo 514 do Código de Processo Penal apenas e exigivel quando a denuncia deixa de ser precedida do inquerito - inteligencia dos artigos 513 e 514 do Código de Processo Penal. Precedentes: recurso em habeas-corpus n. 50.664/PR, Relator Ministro Antonio Neder, Revista Trimestral de Jurisprudência n. 66/365; habeas-corpus n. 60.826, Relator Ministro Néri da Silveira, Revista Trimestral de Jurisprudência n. 110/601 e Diario de 3 de dezembro de 1993.
(HC 71237/RS, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Julgamento: 17/05/1994, Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA, DJ 01-07-1994).

Não obstante, setor da doutrina, a exemplo, Luiz Flávio Gomes, vinha sustentando que o descumprimento do art. 514 do CPP, e, por corolário, o conteúdo da Súmula 330 do STF, contraria a Constituição Federal, por ferir uma das facetas do princípio constitucional do devido processo legal, qual seja, a garantia procedimental "que consiste no prévio conhecimento das regras procedimentais que regulam o justo processo, obrigando, assim, o Estado-Administração da Justiça (a Justiça) a respeitá-la"(1), além de malferir, também, os cânones fundamentais da ampla defesa e do contraditório, na medida em que impede o réu de contraditar - em termos amplos, como lhe é assegurado constitucionalmente - a acusação e de demonstrar, antes de essa ser recebida, a sua inviabilidade.

Com efeito, como obtempera Antonio Scarance Fernandes(2), o devido processo legal constitucional, além de assegurar ao réu o procedimento tipificado, que inadmite a inversão da ordem processual ou a adoção de um procedimento pelo outro, lhe assegura a garantia ao procedimento integral, o qual não permite ao órgão jurisdicional suprimir qualquer ato ou fase do procedimento penal.

Nesse passo, sendo o processo composto pela relação jurídica processual e pelo procedimento, é evidente que a ausência de oportunidade do réu em apresentar resposta preliminar nos crimes funcionais afiançáveis agride a garantia fundamental a um processo penal prévia (procedural due processo of Law) e devidamente regulamento, uma vez que tolhe o direito daquele de ser processado conforme as normas do Código de Processo Penal.

Ademais, a falta de resposta preliminar atenta contra o inciso LV do art. 5º da CF, uma vez que cerceia ao acusado o acesso a uma defesa ampla, com todos os meios que lhe garante a legislação processual. de acordo e com a amplitude da lei, não podendo o julgador impedi-lo de exercer todos os atos de defesa previstos no

Assim, por ferir de morte princípios constitucionais, o descumprimento do artigo 514 do CPP gera nulidade absoluta, portanto, com presunção absoluta de prejuízo à parte, além de ser passível de ser declarada de ofício e de ser reconhecida a qualquer momento do curso do processo.

Atento a esses argumentos, por maioria dos Ministros, o STF, que até então aplicava vinha aplicando a Súmula 330 do STJ, a partir do HC 85779/RJ, reconheceu a necessidade de se revisar a jurisprudência da Suprema Corte, declarando, embora em obter dictum, ser indispensável o oferecimento de resposta preliminar em crimes funcionais afiançáveis; entendimento esse que foi reforçado, posteriormente, no HC 89.686/SP, relatado pelo ex Ministro Sepúlveda Pertence.

Mais recentemente, a Segunda Turma do Pretório Excelso, no HC 96058/SP, rel. Min. Eros Grau, reiterou a necessidade de ser observado o preceito do artigo 514 do CPP, como se depreende do Informativo 539 - STF, in litteris:

A circunstância de a denúncia estar embasada em elementos de informação colhidos em inquérito policial não dispensa a obrigatoriedade, nos crimes afiançáveis, da defesa preliminar de que trata o art. 514 do CPP ("Nos crimes afiançáveis, estando a denúncia ou queixa em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do acusado, para responder por escrito, dentro do prazo de quinze dias."). A Turma, com base nesse entendimento, deferiu habeas corpus para anular, desde o início, ação penal instaurada para apurar suposta prática dos delitos de peculato e extorsão em concurso de agentes (CP, artigos 312 e 158, caput e § 1º, c/c os artigos 69 e 29) em desfavor de servidor público que não fora intimado a oferecer a referida defesa preliminar. Precedentes citados: HC 85779/RJ (DJU de 29.6.2007) e HC 89686/SP (DJU de 17.8.2007).

De todo o exposto, após anos de equívoca aplicação da Súmula 330 do STJ, à luz dos novos precedentes do STF, dessume-se que é imperativa a aplicação do art. 514 do CPP - apresentação de resposta preliminar nos crimes funcionais inafiançáveis -, mesmo estando a denúncia amparada por inquérito policial, sob pena de haver ofensa aos princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.



Notas:

* Saulo Fanaia Castrillon. Advogado em Cáceres - MT, Graduado pela Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT). Pós graduando em Processo Civil pela Universide do Sul de Santa Catarina - UNISUL. [ Voltar ]

1 - Súmula 330 do STJ: violação dos princípios do devido processo criminal, do contraditório e da ampla defesa, disponível em http://www.lfg.com.br/; Voltar

2 - Processo penal constitucional, 5 ed., ver., atual. e ampl, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, PP. 123/124. Voltar

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