O que falta para Goiânia assumir a municipalização do trânsito?

Leonardo Velasco, Diretor Assuntos Jurídicos do Sindicato dos Agentes Municipais de Trânsito de Goiânia - SINATRAN, professor de Legislação de Trânsito.

Fonte: Leonardo Velasco

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Leonardo Velasco ( * )

Matéria que gera inúmeros comentários quando abordada pelos meios de comunicação, o trânsito é um daqueles temas que carece de aprofundamento quando a discussão se emana para o campo que foge ao pragmatismo cotidiano.

Deixemos de lado a bazofia para tratarmos da municipalização do trânsito, tema este, foco central da Lei n° 9.503 de 23 de setembro de 1997, a saber o Código de Trânsito Brasileiro - CTB.

Em seu art. 24, o CTB concede ao município o direito e por via de conseqüência termina por impor-lhe a obrigação de assumir as rédeas do trânsito nos domínios de sua circunscrição. Nada mais justo e necessário.

Antes da promulgação do CTB, a competência do município em relação a gestão do trânsito local era insignificante. Por sua vez, o Estado, por meio da Policia Militar, era obrigado a manter fora da função de segurança pública ostensiva, batalhões inteiros com o fim único de fiscalizar e autuar os infratores da legislação de trânsito em todos os municípios sob sua circunscrição.

Após dez anos em estudo e tramitação no Congresso Nacional, indo e vindo de comissões, recebendo emendas e outros palpites, o legislador nacional aprovou em 1997 o tão esperado Código de Trânsito Brasileiro, consagrando nele maior competência aos municípios no que toca ao trânsito e em especial às ações que visem "planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas".(art. 24, II do CTB)

Pensava-se à época que a municipalização seria um prato cheio para prefeituras consagrarem o trânsito como matéria de primeira urgência em seus planos de governo reduzindo-se assim o número de acidentes de trânsito com vitimas (fatais ou não) que proliferava em nossas vias urbanas, bem como já se falava em preservação do meio ambiente promovendo a circulação de bicicletas como meio de transporte saudável e conseqüente redução da emissão de gases poluentes.

Ao questionamento de onde viriam os recursos para a implantação e manutenção do disposto no artigo 24 do CTB, o próprio legislador ofereceu a solução no art. 320 da mesma lei: "A receita arrecadada com a cobrança das multas de trânsito será aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito."

Ocorre que já se passaram quase dez anos da vigência do CTB e a letra da lei vai sendo esquecida e as mortes no trânsito aumentando exponencialmente.

Em Goiânia, a Superintendência Municipal de Trânsito e Transporte - SMT é o órgão responsável pelo especial cumprimento do disposto no art. 24 da Lei 9.503/97. Órgão dotado de independência administrativa e financeira, até hoje não deu pistas de cumprir o art. 24, tão pouco o art. 320 do CTB. Vale lembrar que a arrecadação de multas desde 1999 já ultrapassa a casa da centena de milhão de reais.

Outro ponto estritamente crucial à municipalização do trânsito diz respeito a fiscalização de veículos tais como: "mobiletes, bicicletas, carroças e charretes", (tratados pelo código como ciclomotores, veículos de propulsão humana e tração animal). Todos estes veículos deveriam ser registrados pelo município, fazendo-se assim o controle de suas quantidade e condições de segurança e tráfego, porém, os mesmos jamais sofreram a atenção do órgão responsável pela fiscalização local do trânsito, seja por ineficácia, seja por incompetência ou mesmo irresponsabilidade social.

Vale ainda destacar o descaso e a omissão com que age o município quando deixa de expedir a obrigatória autorização para condução de ciclomototes (aquelas mobiletes que infernizam o trânsito) e veículos de tração animal.

Outro paradigma que deve ser superado para se implantar a municipalização do trânsito é o investimento na contratação e formação profissional de Agentes Municipais de Trânsito. Com a população ultrapassando a casa dos 1.2 milhões de habitantes e uma frota de quase 700.000 veículos, Goiânia deveria contar, segundo o Denatran, com 700 agentes de trânsito, porém, apenas 180 agentes concursados estão na SMT. A saída encontrada pela SMT para não realizar concurso público foi o destacamento de 150 policiais militares para prestam serviço de agente de trânsito em horário de folga.

Para que Goiânia cumpra os imperativos do art. 24 do CTB e passe a ter estatísticas mais aplausíveis em relação ao seu trânsito, mudanças pontuais e urgentes devem ser adotadas, entre elas destacamos a que se seguem:

1 - Se a intenção do CTB é a municipalização do trânsito, a Policia Militar, que é um órgão de segurança pública ostensiva estadual, não deveria estar presente nas vias urbanas autuando os condutores nas competências municipais e sim exercendo a fiscalização de equipamentos de segurança e documentação pessoal do condutor e do veículo, além do policiamento ostensivo, cumprindo assim seu papel de oferecer maior segurança à população e resguardando a segurança do agente municipal de trânsito, é o que preconiza a legislação do trânsito. O registro de veículos de tração animal e ciclomotores, bem como a expedição de autorização para circulação de bicicletas, carroças e charretes, embora pareça à primeira leitura um preciosismo, há muito deveria estar sendo realizado pela SMT pois é imperativo legal.

2 - A falta de transparência na gestão do órgão também traz desconforto e não permite à população ser ouvida quando questiona a forma de atuação da SMT. A Superintendência Municipal de Trânsito deve abrir suas portas, arquivos, salas, olhos e ouvidos para a participação popular. O cidadão que reside em uma via local, em grande parte das vezes sabe com mais propriedade sobre o trânsito de sua região do que o próprio órgão fiscalizador. Preconceitos à parte, um pouco de humildade cairia bem aos gestores da SMT.

3 - Projetos de implantação e manutenção de sinalização viária, inclusive sinalização de ciclofaixas, ciclovias e sinalização turística; projetos pedagógicos permanentes de educação para o trânsito, com ênfase nos jovens condutores entre 18 e 25 anos de idade (causadores e maiores vitimas de acidentes de trânsito); investimentos na formação técnico-profissional dos agentes municipais de trânsito; constante adequação das vias urbanas por meio de projetos de engenharia de pequeno, médio e grande porte; implantação de infra-estrutura operacional como aquisição de equipamentos (carros, motos, guinchos) além de pátios e Postos Avançados de Atendimento ao Público em quantidade suficientes à demanda do trânsito na circunscrição de Goiânia; projeto executável de redução da emissão de gases poluentes expelidos por veículos automotores e, o mais importante, transparência e responsabilidade na aplicação dos recursos arrecadados com multas.

É hora de dar um basta no amadorismo, chega de projetos mirabolantes, chega desta demagogia secular. A população quer se ver viva e segura no trânsito. Almeja esta mesma população por uma gestão mais profissional e menos infectada pelo vírus do favorecimento politiqueiro. O povo não quer ser multado, não quer ser punido, quer ser educado e orientado, quer fazer parte da Administração. A voz do povo é a voz de Deus.


Notas:

* Leonardo Velasco, Diretor Assuntos Jurídicos do Sindicato dos Agentes Municipais de Trânsito de Goiânia - SINATRAN, professor de Legislação de Trânsito. [ Voltar ]

Palavras-chave: municipalização

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