O princípio constitucional da proporcionalidade por proibição de proteção deficiente e a (in)constitucionalidade do art. 2º da Lei 10.259/01: Limitação da discricionariedade legislativa para adjetivar delitos como de menor potencial ofensivo.

Thiago Oliveira Moreira, Bel. em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Advogado Militante. Pós-Graduando em Criminologia, Direito e Processo Penal pela UnP. Ex-Professor da UERN. Professor da UFRN/CERES/Caicó. Professor de Cursos Preparatórios para Concursos (Poly Cursos e Premium). Pesquisador. Autor de artigos científicos. Sócio do IBCCRIM. Texto elaborado em agosto de 2007.

Fonte: Thiago Oliveira Moreira

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Thiago Oliveira Moreira ( * )

Resumo: O presente artigo científico busca abordar basicamente o controle constitucional de proporcionalidade, no viés da proibição de proteção deficiente dos bens jurídicos previstos constitucionalmente. Analisando aspectos teóricos e legais acerca do tema, visa-se investigar acerca da inconstitucionalidade parcial do art. 2º da Lei 10259/01 e da limitação do livre arbítrio legislativo ao classificar delitos de menor potencial ofensivo.

Palavras-Chave:
Constituição - Princípio da Proporcionalidade - Vedação de Proteção Deficiente - Direito Penal - Crimes de Menor Potencial Ofensivo.

Abstract: The present article scientific search to approach the constitutional control of proportionality basically, in the inclination of the prohibition of deficient protection of the juridical goods foreseen constitutionally. Analyzing theoretical aspects and you delegate concerning the theme, it i sought to investigate concerning the partial unconstitutional of the art. 2 of the Law 10.259/01 and of the limitation of the legislative liberates will to the to classify crimes of offensive potential minor.

Keywords: Constitution - The Principle of Proportionality - Prohibition of Deficient Protection - Penal Right - Crimes of Offensive Potential Minor.

Muito se discute se há constitucionalidade na fixação de quantidade abstrata de pena para definir os crimes de menor potencial ofensivo. Seria este o critério adequado? Ou será que a análise valorativa do bem jurídico não seria um critério mais eficiente para se estabelecer os crimes de menor potencial ofensivo e por conseqüência, a aplicação da jurisdição dos Juizados Especiais Criminais? Verifica-se pelo critério hodiernamente utilizado que o legislador infraconstitucional utilizou seu poder discricionário para fixar na Lei 10.259/01, com base na pena abstrata, o que seria crime de menor potencial ofensivo:

Art. 2º Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo.

Parágrafo único. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa.

É inaceitável e inválido que a fixação de uma pena abstrata possa adjetivar como crime de menor potencial ofensivo bens jurídicos culturalmente diversos uns dos outros. Tal fato gera enorme descrédito da população no sistema penal e no Poder Público, vez que não acarreta em grande parte da sociedade um sentimento de proteção eficiente, pois se aplicam as regras dos Juizados Especiais Criminais a delitos cujos bens jurídicos são altamente relevantes para a população, violando o sentimento da maioria, enquanto que não se aplicam as citadas regras a crimes onde o bem jurídico tutelado é considerado secundário. WELZEL apud PRADO (1996, pg. 36) considera bem jurídico como "bem vital da comunidade ou do indivíduo, que por sua significação social é protegido juridicamente". Vê-se claramente que o legislador afasta-se do tradicional conceito de bem jurídico, desprezando-o para fins classificação do delito como de maior ou menor potencial ofensivo.

Afirmar que todos os delitos cuja pena máxima não seja superior a 02 (dois) anos são de menor potencial ofensivo é dar um tratamento isonômico a diferentes bem jurídicos. O que perece ser extremamente inadequado, na medida que não é uma ficção legal em relação ao preceito secundário da norma penal que vai alterar a valoração dos fatos e a conseqüente alteração e/ou equiparação de bens jurídicos protegidos constitucionalmente.

A fase em que nosso constitucionalismo se encontra gera a obrigação de interpretarmos o Direito Penal a luz do Estado Social e Democrático de Direito. BOBBIO (1994, pg. 17) leciona que:

...enquanto o Estado de Direito se contrapõe ao Estado absoluto entendido como legibus solutus, o Estado mínimo se contrapõe ao Estado máximo: deve-se, então, dizer que o Estado liberal se afirma na luta contra o Estado e contra o Estado máximo em defesa do Estado mínimo, ainda que nem sempre os dois movimentos de emancipação coincidam histórica e praticamente. Por Estado de direito entende-se geralmente um Estado em que os poderes públicos são regulados por normas gerais (as leis fundamentais ou constitucionais) e devem ser exercidos no âmbito das leis que os regulam, salvo o direito do cidadão recorrer a um juiz independente para fazer como que seja reconhecido ou refutado o abuso ou excesso de poder.

Não se deve pensar somente do Direito Penal como forma de limitação do Poder Punitivo Estatal, mas também como forma de cumprir os mandamentos constitucionais, sobretudo na proteção dos direitos e garantias fundamentais, na medida que muitos deles devem ser protegidos pela via do Direito Penal, afastando-se a idéia anteriormente defendida do Direito Penal como ultima ratio.

Importante destacar a lição de PRADO (1996, pg.51), onde o autor afirma que "Em um Estado de Direito democrático e social a tutela penal não pode vir dissociada do pressuposto do bem jurídico, sendo considerada legítima, sob a ótica constitucional, quando socialmente necessária".

Na contemporaneidade não mais há que se falar no Direito Penal apenas protetor dos direitos individuais, uma concepção puramente iluminista, fruto do Estado Liberal de Direito, mas sim da utilização do Direito Penal como forma de proteção dos direitos e garantias previstos constitucionalmente, a luz do necessário Estado Social e Democrático de Direito.

Claramente observa-se a necessidade de tutelar novos bens jurídicos face ao advento no segundo Estado de Direito. Muitos não de caráter individual, mas sim de caráter coletivo. Salutar a lição de LUISI (2003, pg. 12) que corrobora com o citado entendimento.

Nas Constituições que são expressão do Rechtsstaats as normas concernentes ao direito penal se traduzem em postulados que em defesa das garantias individuais, condicionam restritivamente a intervenção penal do Estado. Nas Constituições de nossos dias estas instâncias de resguardo dos direitos individuais em matéria penal persistem vigorosas, mas nelas se encontram uma série de preceitos que implicam no alargamento da atuação do direito penal de moldes a ampliar a área de bens objeto de sua proteção. Ou seja: de um lado nas Constituições contemporâneas se fixam os limites do poder punitivo do Estado, resguardando as prerrogativas individuais; e de outro se inserem normas propulsoras do direito penal para novas matérias, de modo a faze-lo um instrumento de tutela de bens cujo resguardo se faz indispensável para a consecução dos fins sociais do Estado.

A respeitável força do Direito Penal deve ser direcionada para a defesa dos direitos individuais frente ao Estado, para a proteção da sociedade face aos que a compõem e para a tutela dos bens jurídicos transindividuais. A clara distinção entre bens jurídicos individuais e bens coletivos, torna imperiosa a adequação do Direito Penal a esta realidade. Mister se faz uma mudança de foco do Direito Penal do Estado Liberal de Direito para o do Estado Social de Democrático de Direito.

A Lei 10.259/01 não atendeu as novas diretrizes do Direito Penal Contemporâneo, pois, conforme já fora salientado, utilizou critério inadequado para classificar os crimes de menor potencial ofensivo, vez que não levou em consideração o bem jurídico tutelado, mas sim a pena abstratamente cominada, o que gera uma proteção deficiente e desproporcional de muitos bens, inclusive vários previstos constitucionalmente. Acerca do tema exposto e corroborando com o presente entendimento, é mister trazer a lume a lição de STRECK (2003, pg. 20):

...o legislador ordinário, ao estabelecer que qualquer infração cuja pena máxima não ultrapasse 02 (dois) anos é uma infração de menor potencial ofensivo, sem exigir qualquer outro requisito de ordem objetiva ou subjetiva, violou, frontal e escandalosamente, preceitos fundamentais e a principiologia do Estado Democrático de Direito previsto na Constituição, Mais do que isto, violou o princípio da proporcionalidade, ao proteger de forma deficiente, bens jurídicos relevantes.

Exemplos de proteção deficiente, dada à adjetivação como de menor potencial ofensivo, são os crimes de abuso de autoridade, de desacato, desobediência, crimes contra crianças e adolescentes, crimes contra ordem tributária, crimes nas licitações, crimes ambientais, fraude processual, alguns crimes praticados contra crianças e adolescentes, etc. Todos são classificados como de menor potencial ofensivo.

Face aos argumentos expostos, vê-se a provável inconstitucionalidade parcial do anteriormente citado art. 2º da Lei 10.259/01. Devendo-se afastar sua aplicação nos casos de delitos que pela significativa valoração do bem jurídico-penal tutelado não possam ser adjetivados como de menor potencial ofensivo. Os bens jurídicos presentes na constituição, pelos fundamentos trazidos, não podem deixar de ser protegidos de forma eficaz. Se tal fato ocorrer, como no caso do critério utilizado pelo legislador, haverá grave violação ao princípio da proporcionalidade por proteção deficiente do bem jurídico através do direito penal.

O princípio constitucional da proporcionalidade, inerente a toda ciência jurídica, é de construção jurisprudencial germânica, apesar de sua primitiva noção já ser encontrada desde os idos da Idade Antiga, entre gregos e romanos.

Várias concepções e teorias se formaram ao longo dos tempos acerca desse fundamental princípio, alargando até sua margem de incidência, como corrobora CANOTILHO (2003, pg. 266):

O princípio da proporcionalidade dizia primitivamente respeito ao problema da limitação do poder executivo, sendo considerado como medida para as restrições administrativas da liberdade individual. É com este sentido que a teoria do estado o considera, já no séc. XVIII, como máxima suprapositiva, e que ele foi introduzido, no séc. XIX, no direito administrativo como princípio geral do direito de polícia. Posteriormente, o princípio da proporcionalidade em sentido amplo, também conhecido por princípio da proibição de excesso (Ubermassverbot), foi erigido à dignidade de princípio constitucional.

Fulcrado na doutrina alemã, estruturalmente, pode-se constatar que o princípio da proporcionalidade apresenta três derivações principiológicas, ou seja, subprincípios, elementos ou conteúdos parciais que formam a proporcionalidade em sentido lato. Veja-se a lição de BARROS (2003, pg. 77) no sentido de que:

...o princípio da proporcionalidade (Verhaltnismassigkeitsprinzip) é formado por três elementos ou subprincípios, quais sejam: a adequação (Geeignetheit), a necessidade (Enforderlichkeit) e a proporcionalidade em sentido estrito (Verhaltnismassigkeit), os quais, em conjunto, dão-lhe a densidade indispensável para alcançar a funcionalidade pretendida pelos operadores do direito.

Quando da análise da observância do princípio da proporcionalidade, mister se faz observar, inicialmente, se a medida adotada é adequada para alcançar o fim almejado. Para tanto, busca-se investigar se o meio elencado é capaz de contribuir para consecução do fim pretendido. Nesse momento não importa se o meio é o mais eficaz ou se não há outro, mas sim se o instrumento escolhido pode satisfazer a intenção visada. Em caso negativo estar-se-á ferindo o princípio da proporcionalidade, pois se tem a medida como inadequada ou inidônea.

Já em relação ao segundo elemento da proporcionalidade, vê-se que o que se busca é averiguar se não há outra medida cabível que seja menos gravosa para o membro da sociedade e que também possa alcançar o fim almejado.

A proporcionalidade stricto sensu como elemento integrante da estrutura do princípio da proporcionalidade. GUERRA FILHO (2001, pg. 70) afirma que o citado princípio "...determina que se estabeleça uma correspondência entre o fim a ser alcançado por uma disposição normativa e o meio empregado, que seja juridicamente a melhor possível". Dessa forma, decorre de tal subprincípio a obrigatoriedade de que a medida tomada seja proporcional ao fato que a justifica.

Torna-se imperiosa a lição trazida à baila por BONAVIDES (2004, pg. 401) acerca da constitucionalização do princípio da proporcionalidade:

Fica assim erigido em barreira ao arbítrio, em freio à liberdade de que, à primeira vista, se poderia supor investido o titular da função legislativa para estabelecer e concretizar fins políticos. Em rigor, não podem tais fins contrariar valores e princípios constitucionais; um destes princípios vem a ser precisamente o da proporcionalidade, princípio não escrito, cuja observância independe de explicitação em texto constitucional, porquanto pertence à natureza e essência mesma do Estado de Direito.

Demais, não constitui tal princípio um direito da liberdade, mas um direito que protege a liberdade; uma garantia fundamental, ou, antes de tudo, um princípio geral de direito. Assim o asseveram, sem tergiversar, aqueles que estendem a toda atividade do Estado, tanto de ordem administrativa, como jurisdicional ou legislativa, e o fazem sempre reconhecendo-lhe o grau e a dignidade de Princípio Constitucional.

Contemporaneamente, o princípio constitucional da proporcionalidade apresenta um duplo viés, ou seja, uma dupla face. Ele tem sido reformulado para incluir a vedação de proteção deficiente ou vedação de deficiência (UntermaBverbot), sendo inerente às prestações positivas dos direitos fundamentais sociais. Corroborando com a citada reformulação, PULIDO apud PACHECO (2007, pg. 131) leciona que:

...na dogmática alemã é já bem conhecida a distinção entre duas diversas versões do princípio da proporcionalidade: a proibição de excesso e a proibição de proteção deficiente. Este último conceito se refere à estrutura que o princípio da proporcionalidade adquire na aplicação dos direitos fundamentais de proteção. A proibição de proteção deficiente pode definir-se como um critério estrutural para a determinação dos direitos fundamentais, com cuja aplicação pode determinar-se se um ato estatal - por antonomásia uma omissão - vulnera um direito fundamental de proteção.

Pode-se afirmar que o princípio constitucional da proporcionalidade limita a discricionariedade do legislador, principalmente ao impor a necessária observância da vedação de proteção deficiente dos bens jurídicos previstos. Infelizmente, tal princípio nem sempre vem sendo observado quando da produção legislativa. É o que ocorre no caso em tela e em muitos outros no nosso ordenamento jurídico. STRECK (2004) leciona que:

...a discussão dos limites entre condutas que devem ser consideradas como crimes e as que devem ser epitetadas como contravenção, primeiramente é do tipo quantitativo; entretanto, quando se ultrapassa o terreno das condutas 'bagatelares' - assim entendidas na tradição jurídica - a discussão necessariamente assumirá foros qualitativos.

Analisa-se a opinião acima e vê-se que o aplicador do direito deverá levar em consideração o critério quantitativo somente em relação a alguns delitos. Sendo que para outros, o critério a ser utilizado deverá ser necessariamente o qualitativo, ou seja, levando em consideração o bem jurídico a ser tutelado pela norma penal, sob pena de não o fazendo padecer de inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade em sua face da proibição de proteção deficiente.

O Direito Penal além de proteger o cidadão face as arbitrariedades do Estado, também tem a missão de servir como instrumento de proteção a determinados direitos fundamentais. Esse novo paradigma do Direito Penal contemporâneo, impregnado da concepção do garantismo positivo, é fruto da transformação do Estado Liberal de Direito para o Estado Social e Democrático de Direito, onde, além de serem protegidos os direitos individuais do cidadão através de prestações negativas do Estado, há imperiosa necessidade de prestações positivas para proteger os direitos da coletividade, sobretudo os direitos fundamentais.

Para tanto, mister se faz que nossa legislação esteja alicerçada no princípio constitucional da proporcionalidade, inclusive em sua dupla face, da proibição de excesso e da proibição de proteção insuficiente, pois somente assim, alcançaremos um Estado Social e Democrático de Direito que também seja um Estado de Direito Proporcional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2003.

BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. São Paulo: Brasiliense, 1994.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2001.

LUISI, Luiz. Os Princípios Constitucionais Penais. 2. ed. Porto Alegre: SAFE, 2003.

PACHECO, Denílson Feitoza. O Princípio da Proporcionalidade no Direito Processual Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico-Penal e Constituição. São Paulo: RT, 1996.

STRECK, Luiz Lenio. Da Proibição de Excesso (Uberassverbot) à Proibição Deficiente (Untermassverbot): De como não há Blindagem contra Normas Penais Inconstitucionais. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, n.2. Porto Alegre; Instituto de Hermenêutica Jurídica, 2004.


Notas:

* Thiago Oliveira Moreira, Bel. em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Advogado Militante. Pós-Graduando em Criminologia, Direito e Processo Penal pela UnP. Ex-Professor da UERN. Professor da UFRN/CERES/Caicó. Professor de Cursos Preparatórios para Concursos (Poly Cursos e Premium). Pesquisador. Autor de artigos científicos. Sócio do IBCCRIM. Texto elaborado em agosto de 2007. [ Voltar ]

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